Mas se na Copa de 1990 eu era muito pequeno e me recordo vagamente dos nomes de Maradona e Matthäus, em 1994 eu já tinha oito anos e começava a entender alguma coisa sobre futebol. Começava a brincar de bola na escola e, pra apaixonar de vez mesmo, tinha uma Copa do Mundo para assistir.
Hoje muitos criticam o nível do futebol apresentado, especificamente da Seleção Brasileira, o que é uma injustiça tremenda.
● Vamos lembrar de algumas seleções marcantes daquela edição do Mundial.
Uma das favoritas era a então campeã Alemanha, na primeira Copa depois da reunificação. Contava com grandes jogadores como os experientes Bodo Illgner, Andreas Brehme, Matthias Sammer, Guido Buchwald, Andreas Möller, o baixinho Thomas Häßler, Rudi Völler, Jürgen Klinsmann e, claro, Lothar Matthäus.
Mas no mesmo grupo da Alemanha, ainda tinha a Espanha, do goleiro Andoni Zubizarreta, Fernando Hierro, Pep Guardiola e Luis Enrique.
Até a fraca Bolívia tinha Julio César Baldivieso, Erwin “Platini” Sánchez e Marco “El Diablo” Etcheverry.
A Colômbia era a favorita para Pelé. Depois de enfiar 5 a 0 na Argentina em pleno Monumental de Núñez nas eliminatórias, o mundo inteiro ficou esperando mais de jogadores como Carlos “El Pibe” Valderrama, Freddy Rincón, Faustino Asprilla, Adolfo Valencia, Iván Valenciano, Antony de Ávila, Víctor Aristizábal. Mas o que vimos foi Andrés Escobar fazer um gol contra e ser tristemente assassinado. Cabe ressaltar que René Higuita – o goleiro espetáculo, desfalcou sua seleção por ter sido acusado de ter participado de um sequestro e acabou ficando preso por seis meses, em 1993. Depois ele seria inocentado pela justiça, mas ficou fora da Copa.
A Rússia veio toda remendada, com um amontoado de jogadores nascidos em outros países da União Soviética. Mas seis de seus melhores atletas não gostavam dos métodos do técnico Pavel Sadyrin e fizeram boicote, ficando fora do Mundial.
A surpresa africana ficou por conta da Nigéria, que disputava sua primeira Copa. Foi lá que ouvimos pela primeira vez os nomes de Rashid Yekini, Sunday Oliseh, Finidi George, Augustine “Jay-Jay” Okocha, Victor Ikpeba, Emmanuel Amunike e Daniel Amokachi. Ficou em primeiro lugar do Grupo D, que tinha a poderosa Argentina.
A Argentina é um capítulo a parte. Se a ridícula seleção de 1990 chegou na final, imagina o que poderiam fazer em 1994?! Diego Maradona continuava tendo a companhia de Sergio Goycochea, Claudio “El Pájaro” Caniggia, José Basualdo, mas agora tinha também Gabriel Batistuta – o “Batigol”, Fernando Redondo – genial, Diego Simeone – que jogava demais, além do jovem Ariel Ortega. Mas tudo ruiu com o doping de Maradona. Sem ele, caiu nas oitavas de final em um jogaço diante da Romênia, do maestro Gheorghe Hagi, Ilie Dumitrescu, Gheorghe Popescu e do goleiro Florin Prunea.
(Imagem: Pinterest)
A Irlanda tinha um time limitado, mas chegou a vencer a Itália na estreia. No mesmo grupo tinha a Noruega e o México, do goleiro baixinho e espalhafatoso Jorge Campos e do veterano Hugo Sánchez.
No Grupo F, Arábia Saudita contou com um golaço de Saeed Al-Owairan para vencer a Bélgica por 1 x 0. Bélgica que tinha o fantástico goleiro Michel Preud’homme – o melhor da Copa, além de Marc Wilmots, Enzo Scifo e Luc Nilis, que seria parceiro de Ronaldo no PSV.
A líder desse grupo foi a Holanda, que já não contava com Ruud Gullit e Marco Van Basten, mas ainda tinha Frank Rijkaard e Ronald Koeman (novo técnico do Barcelona), além de talentos como os irmãos Frank e Ronald de Boer, o arisco ponta Marc Overmars e o genial Dennis Bergkamp.
● A Seleção Brasileira sempre foi cobrada para jogar bonito e criticada quando isso não acontecia. E em 1994, muitos dizem que era um futebol burocrático, que dava sono. Mas devemos confessar que sentimos muita saudade daquele nosso futebol.
Taffarel era criticado, chamado de frangueiro, mas na “hora H” foi fundamental e um dos esteios do time.
Os cruzamentos de Jorginho eram certeiros, assim como as “bombas santas” de Branco.
Aldair e Márcio Santos a dupla de zaga reserva, que o destino fez se tornar titular e incontestável durante o torneio.
Muitos criticam Dunga, mas o capitão marcava bem e era muito bom na saída de bola e nos passes em profundidade, com uma excelente visão de jogo. Basta ver um jogo completo de Dunga na Copa de 1994 para parar de criticar.
(Imagem: Pinterest)
Zinho era o mais criticado. Enceradeira, jogador de passes laterais… mas fundamental para que a seleção não rifasse a bola. Era ele o responsável pelo equilíbrio do time. Só depois, ao vê-lo jogar no Palmeiras, eu fui entender isso. Ele era bom. Sacrificou seu talento para fazer o que o time precisava.
Raí não estava em boa fase e perdeu o lugar no time. Com a visão e conhecimento de futebol que eu tenho hoje, eu teria colocado Paulo Sérgio ou até Müller em seu lugar. Mas o pragmático Parreira colocou Mazinho, que deu conta do recado e foi muito bem.
Título que só veio com a genialidade de Romário. Nem preciso citar a última partida das Eliminatórias. Quem viu o “Baixinho” jogar apenas no fim da carreira, viu um centroavante de área, que ficava parado esperando a bola para tocar para o gol. Mas, no auge de seus 28 anos, Romário era o melhor jogador do mundo. E tratou se mostrar isso naquela Copa. Tinha velocidade, habilidade, faro de gol e não era fominha. Sem ele, muito provavelmente o Brasil não teria conquistado o título.
(Imagem: Globo)
● Era lindo ver a Seleção Brasileira entrando de mãos dadas.
Depois, 3 x 0 sobre Camarões. Gols de Romário, Márcio Santos e Bebeto.
Na terceira partida, com a Seleção já classificada, empate em 1 x 1 contra a ótima Suécia, do goleiro Thomas Ravelli, Patrik Andersson, do cabeludo Larsson, de Dahlin, Ingesson, Thomas Brolin e Kennet Andersson. E foi justamente ele, o gigante Kennet Andersson, quem usou sua habilidade para abrir o placar encobrindo Taffarel. E eu, um menino de oito anos, que nunca tinha visto o Brasil sair atrás do placar em uma Copa, caí no choro. Mas Romário, tratou de empatar a partida e devolver meu sorriso.
Nas oitavas de final, o Brasil enfrentou os Estados Unidos no território americano e em pleno Dia da Independência, 04 de julho. A torcida, que sempre era verde e amarela, mudou de lado e os gritos de “USA” chegaram a me assustar. Leonardo tratou de piorar as coisas ao ser expulso por dar uma cotovelada estúpida em Tab Ramos. Mas Romário, sempre ele, tratou de fazer uma jogada genial e serviu para Bebeto fazer o único gol do jogo, a menos de 20 minutos do fim. Caía os donos da casa e suas figuras folclóricas, como o goleiro Tony Meola e os zagueiros Marcelo Balboa e Alexi Lalas.
Nas quartas de final, 3 x 2 sobre a Holanda. Romário abriu o placar em um sem-pulo e Bebeto ampliou após driblar o goleiro, tocar para a rede e comemorar no ritmo de “embala Mattheus”, junto com Romário e Mazinho. Aron Winter e Dennis Bergkamp empataram em dois raros vacilos defensivos do Brasil. E o gol da vitória veio de um personagem emblemático. Branco teve sua convocação criticada, foi mantido pela equipe médica mesmo estando lesionado e foi fundamental naquela partida. Além de parar Marc Overmars, ele cavou a falta no fim do jogo e bateu com perfeição. Era o gol “cala a boca” para mostrar aos críticos que ainda podia ser importante em sua terceira Copa.
Na semifinal, o Brasil perdeu várias chances de matar o jogo e sofreu para vencer a Suécia por 1 a 0. Cruzamento perfeito de Jorginho e gol de… adivinha de quem? Romário. O “Baixinho” apareceu entre os gigantes suecos e fez o gol da vitória.
(Imagem: FIFA)
● Na final, a Itália de Paolo Maldini, Franco Baresi, Dino Baggio e dele… Roberto Baggio… um dos melhores jogadores que já vi. O craque perfeito, responsável por cinco dos seis gols italianos na fase de mata-mata. Um gênio.
Quem nunca viu essa partida na íntegra, aconselho a ver. Foi um baita jogo, com chances dos dois lados. Duas grandes seleções. Mas que não saíram do zero. Pela primeira vez não houve gol em uma final de Copa. Pela primeira vez, o campeão foi decidido nos pênaltis.
No começo do jogo eu cantei a pedra: o jogo vai pros pênaltis. Eu tinha ficado tão encantado com os pênaltis entre Suécia e Romênia, que eu queria mais. E foi atendido pelos deuses do futebol.
Baresi, que voltava de uma artroscopia feita durante a Copa e marcou Romário por 120 minutos de forma limpa e perfeita, começou chutando para o alto.
Márcio Santos, melhor cobrador brasileiro nos treinos, bateu mal e Pagliuca pegou.
Demetrio Albertini mandou a primeira bola na rede.
Romário, que até então não gostava de bater pênalti, converteu.
Nocaute Jack dava cambalhota, o menino Ronaldo se abraçava aos demais, Zagallo era campeão de novo, os atletas com a faixa homenageando Ayrton Senna, Dunga levantando a taça e xingando meio mundo e Galvão Bueno se abraçando a Pelé e gritando “É Tetra! É Tetra!”
Foi nessa época, nessa Copa, que o vírus do futebol me pegou definitivamente. O resto é história.
(Imagem: IFDB)
*¹Hoje completamos quatro anos do blog. Agradecemos demais a sua companhia nesse tempo e que venham vários anos.
Três pontos sobre… … 03/07/2010 – Alemanha 4 x 0 Argentina
(Imagem: UOL)
● Alemanha e Argentina haviam se enfrentado nas quartas de final da Copa do Mundo de 2006 e o jogo terminou em discussão e pancadaria, após a vitória germânica nos pênaltis. Na África do sul, se encontravam novamente nas quartas de final e vários personagens se repetiam, mas eram outros times em relação a quatro anos antes.
Em busca de encerrar a fila de 24 anos sem o título mundial, a Argentina juntou seus dois maiores nomes em todos os tempos: Lionel Messi em campo e Diego Armando Maradona como técnico. Treinando a seleção albiceleste desde outubro de 2008, Don Diego esperava transferir seu status de divindade a Messi, que ainda não havia feito uma grande competição com a camisa da seleção. Em 2009, Messi tinha sido eleito o melhor jogador do mundo pela primeira vez e estava chegando em seu auge técnico, treinado por Pep Guardiola no Barcelona.
Entre os 23 nomes convocados, alguns nomes de confiança de Maradona, como os veteraníssimos Juan Sebastián Verón (35 anos) e Martín Palermo (38). Mas outros homes históricos foram deixados de fora, como Javier Zanetti, Esteban Cambiasso e Juan Román Riquelme.
A defesa do goleiro Sergio Romero jogava em linha e era composta por Nicolás Otamendi, Martín Demichelis, Nicolás Burdisso e Gabriel Heinze, sem os avanços dos laterais. No meio, o capitão Javier Mascherano fazia a proteção, enquanto Maxi Rodríguez era o meia pela direita e Ángel Di María era seu espelho pela esquerda. Lionel Messi era o enganche, responsável pela criação das jogadas para a dupla de ataque, composta por Carlos Tevez e Gonzalo Higuaín. No banco, contava com ótimas opções do meio para frente, especialmente Kun Agüero (genro do treinador) e Diego Milito (em fase esplendorosa na Inter de Milão).
Na primeira fase, a Argentina enfrentou a Nigéria (como sempre) e venceu por 1 x 0. Na segunda partida, goleada sobre a Coreia do Sul por 4 x 1, com direito a um “hat trick” de Huguaín. No terceiro jogo, bateu a Grécia por 2 x 0. Nas oitavas de final, sofreu um pouco, mas venceu o México por 3 x 1.
(Imagem: BBC)
● O técnico Joachim Löw substituiu Jürgen Klinsmann em 2006 e levou a Alemanha ao vice-campeonato da Eurocopa dois anos depois, ganhando prestígio no país. Mas o comandante tinha vários desfalques de última hora para a disputa do Mundial. O zagueiro Heiko Westermann era cotado como titular, mas se machucou em um amistoso pouco antes de o técnico definir a lista dos 23 convocados.
Löw também não pôde contar com seus dois goleiros principais. Robert Enke seria o número 1, mas foi acometido de uma depressão e cometeu suicídio em novembro do ano anterior. René Adler quebrou as costelas às vésperas da convocação. Com isso, fram convocados Manuel Neuer (então no Schalke 04), Tim Wiese (que se tornaria fisiculturista e lutador de Wrestling tempos depois) e o veterano Hans-Jörg Butt, de 36 anos.
Mas a pior perda foi a do capitão Michael Ballack. Ele se contundiu dia 16 de maio, ao sofrer uma pancada no tornozelo desferida por Kevin-Prince Boateng. Prince é nascido na Alemanha, mas optou por representar a seleção de Gana (país de origem de seus pais). Na final da Copa da Inglaterra, ele atuava no Portsmouth e havia levado um tapa na cara de Ballack, do Chelsea, resolvendo revidar com a entrada dura. Curiosamente, essa lesão que afastou Ballack abriu espaço para a convocação de seu irmão Jérôme Boateng. Ao contrário de Prince, Jérôme optou por defender a seleção alemã e eles se tornariam os primeiros irmãos a se enfrentarem em uma Copa do Mundo, na terceira partida da primeira fase de 2010.
A defesa contava com o capitão Philipp Lahm e Jérôme Boateng nas laterais e o miolo de zaga tinha os lentos e experientes Per Mertesacker e Arne Friedrich. Com a perda de Ballack, o renovado meio campo contava com Sami Khedira e Bastian Schweinsteiger fazendo o balanço defensivo para a criação de Mesut Özil. Thomas Müller e Łukas Podolski eram os pontas e o inoxidável Miroslav Klose era o principal responsável pelos gols. No banco, destaques para o ainda jovem Toni Kroos, o meia Piotr Trochowski (que sempre entrava durante os jogos), além dos atacantes Mario Gómez e Cacau (nascido no Brasil).
Na fase de grupos, a Alemanha goleou a Austrália por 4 x 0 na estreia. Depois, perdeu para a Sérvia por 1 x 0 e venceu Gana pelo mesmo placar. Nas oitavas, a Alemanha se vingou de 1966 e goleou a Inglaterra por 4 x 1.
Joachim Löw armou a Alemanha no sistema 4-2-3-1.
Maradona escalou a Argentina no 4-3-1-2, com Messi fazendo o papel de “enganche”.
● As duas equipes haviam se enfrentado quatro meses antes em um amistoso, com vitória argentina por 1 x 0, com gol de Higuaín em passe de Di María. Felizmente a troca de provocações na véspera do jogo não se refletiu em campo.
A Alemanha queria decidir logo a sua sorte e armou uma “blitzkrieg” (“guerra relâmpago”). E conseguiu ser recompensada ao abrir o placar logo aos três minutos de partida. Schweinsteiger cobrou falta do bico esquerdo da área e Thomas Müller se antecipou a marcação de Otamendi para cabecear para o fundo das redes, contando com o mau posicionamento do goleiro argentino Romero.
A partir daí, o que se viu foi os sul-americanos tentarem ir à frente na base do talento individual, mas não conseguindo passar pela barreira defensiva alemã.
Aos 22′, Messi criou a jogada para Tevez, mas Neuer se antecipou para ficar com a bola.
Dois minutos depois, os germânicos deram o troco. Müller avançou pela direita e tocou para a marca do pênalti, mas Klose finalizou por cima.
Aos 32 min, Tevez puxou contragolpe e tocou para Di María, que invadiu a área e chutou fraco para a defesa de Neuer.
Com 55% de posse de bola, a Argentina até tentava criar, mas não conseguia finalizar com perigo. A Alemanha recuou demais e chegou a temer pelo empate.
(Imagem: Globo Esporte)
Aos três minutos do segundo tempo, Di María chutou da intermediária e a bola passou raspando à trave direita do arqueiro alemão.
Pecando muito nas finalizações, a Argentina tentava atacar desordenadamente e cedia espaços em sua defesa. Bastian Schweinsteiger era um monstro no meio de campo e a marcação sob pressão dos europeus encurtava os espaços e não deixava Messi se criar. O time argentino não tinha comando e a Alemanha explorava a fragilidade da marcação adversária. Mascherano sozinho não conseguia parar o rápido ataque teutônico, que foi mais eficiente nas chances que teve.
Na metade da etapa final, Sami Khedira avançou pela esquerda e tocou para Thomas Müller. Mesmo caído, ele conseguiu fazer o passe para Podolski cruzar rasteiro para o implacável Miroslav Klose ampliar o marcador.
Seis minutos depois, Schweinsteiger passou por Di María, Higuaín e Pastore e cruzou rasteiro para o zagueiro Friedrich fazer o terceiro gol alemão.
No último minuto do tempo normal, Schweinsteiger puxou contra-ataque e passou para Özil cruzar da esquerda para Klose bater de primeira no contrapé do goleiro Romero e marcar seu 14º gol na história das Copas – ficando a um tento de igualar Ronaldo Fenômeno.
Thomas Müller, melhor jogador alemão no Mundial, recebeu o segundo cartão amarelo na fase final da competição e estava suspenso para a semifinal contra a Espanha. A Alemanha até tentou segurar o irresistível “tiki-taka” espanhol, mas perdeu por 1 x 0, com um gol de cabeça de Carles Puyol. Na decisão do 3º lugar, venceu o renascido Uruguai por 3 x 2.
Três pontos sobre… … 02/07/1982 – Brasil 3 x 1 Argentina
(Imagem: UOL)
● Pela terceira Copa do Mundo seguida, Brasil e Argentina se enfrentavam na segunda fase. Nas duas vezes anteriores eram quadrangulares, mas dessa vez eram três times e só o vencedor da chave passava às semifinais. Os pesos-pesados Brasil, Argentina e Itália estavam no mesmo grupo. Esse foi o verdadeiro conceito de um “grupo da morte”.
O técnico Telê Santana contava com um excelente time, com destaque para o quarteto de meio campo: Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. No comando da Seleção, Telê havia perdido apenas duas partidas: uma em seu segundo jogo (15/06/1980), no amistoso contra a URSS no Maracanã (1 x 2), e outra na final no Mundialito (em 10/01/1980), contra o Uruguai (1 x 2).
O time chegou em plena forma à Espanha e obteve 100% de aproveitamento na primeira fase. Primeiro venceu de virada o bom time da União Soviética por 2 x 1. Depois, goleou Escócia (4 x 1) e Nova Zelândia (4 x 0). Discutivelmente, era o melhor time do mundo e encantava pelo jogo leve e vistoso. Mas o primeiro desafio “de verdade” seria o clássico sul-americano.
A Argentina chegou como campeã do mundo, mas estreou perdendo para a Bélgica por 1 x 0. Depois, venceu a Hungria por 4 x 1 e El Salvador por 2 x 0. Na primeira partida da fase final, perdeu para a Itália por 2 x 1. Agora, precisava vencer o Brasil para ainda ter alguma chance de classificação.
O treinador portenho César Luis Menotti montou um time com jogadores talentosos, mas não conseguiu repetir 1978. O time titular era praticamente o mesmo, com um “pequeno acréscimo”: o jovem Diego Armando Maradona.
Por ter obtido uma melhor colocação na primeira fase, a Seleção Brasileira pôde ter mais tempo para se preparar. Foram nove dias entre a vitória sobre a Nova Zelândia e o jogo contra os hermanos. Folgou na primeira rodada do triangular e assistiu de camarote à vitória por 2 x 1 dos italianos sobre os argentinos – que ainda perderam o volante Américo Gallego para a partida decisiva, expulso por chutar Marco Tardelli sem bola.
O Brasil atuava no 4-4-2, um sistema montado para acomodar os quatro destaques no meio campo. Os laterais eram bastante ofensivos e até o zagueiro Luizinho gostava de se aventurar no ataque. Faltava alguém na ponta direita, tanto para atacar, quanto para defender.
A Argentina atuava no 4-3-3, com Kempes chegando sempre ao ataque e Maradona recuando para armar o jogo, aparecendo em todos os lados.
● Esse era o duelo esperado pelo mundo todo: a equipe que estava apresentando o melhor e mais técnico futebol, contra os atuais campeões do mundo. E só a vitória valia para o albicelestes.
Por isso, a Argentina começou com tudo. Logo aos dois minutos, Mario Kempes fez boa jogada pela esquerda e cruzou para a área. Juan Barbas cabeceou forte, mas Waldir Peres segurou firme.
Mas o jogo mudou aos 11 minutos de partida. Após um contra-ataque rápido, Daniel Passarella fez falta em Serginho Chulapa na intermediária. Na cobrança, Éder soltou um de seus canhões e a bola fez uma curva impressionante. A bola merecia entrar direto, mas Ubaldo Fillol desviou de leve e ela explodiu na trave e quicou em cima da linha, sobrando limpa para Zico chegar antes de Serginho e só tocá-la para o gol vazio. Foi o quarto gol de Zico na Copa.
Mas o jogo continuou da mesma forma: a Argentina atacando o lado direito brasileiro (que não tinha um ponta para recompor e auxiliar a marcação, como Éder fazia pelo lado esquerdo) e o Brasil apostando nos contragolpes.
Falcão fez uma partida impecável, tanto defensiva quanto ofensivamente. Aos 33′, ele recebeu um belo passe de Leandro e chutou por cima, dando um susto em Fillol.
Aos 41′, Júnior lançou para Falcão, que tabelou com Sócrates pelo alto e bateu de esquerda, sem deixar a bola cair. Novamente a bola foi por cima do gol argentino.
Maradona cobrou escanteio, Passarella subiu entre Sócrates e Oscar e cabeceou bem, mas Waldir espalmou para cima.
No segundo tempo, a Argentina voltou com Ramón Díaz no lugar de Mario Kempes. Com isso, Maradona passou a jogar mais recuado, articulando o jogo e livre para se movimentar.
Aos 2′, o bom volante Osvaldo Ardiles foi o protagonista da primeira das muitas pancadas distribuídas pelos argentinos. Ele deu um pisão no tornozelo de Sócrates, que precisou ser atendido por mais de cinco minutos fora dos gramados.
Poucos minutos depois, Maradona fez uma linda jogada individual e deixou Júnior no chão. O lateral brasileiro levantou e deu um imprudente carrinho por trás, atingindo o tornozelo do Pibe dentro da área, mas o árbitro mandou o jogo seguir de forma equivocada – foi pênalti.
Aos 10′, Cerezo arriscou de fora da área e Fillol defendeu bem. Em uma cobrança de falta ensaiada cinco minutos depois, Éder rolou para Cerezo chutar novamente de longe e assustar o arqueiro argentino.
Pelo futebol apresentado, o segundo gol brasileiro demorou muito, mas o intervalo entre um gol e outro foi de futebol extraordinário, mágico, que encantava os 44 mil expectadores no estádio Sarrià, em Barcelona. O foco estava em Maradona, mas a estrela foi Zico.
Aos 21′, Sócrates abriu com Éder na esquerda e o ponta deixou com Zico no meio. O Galinho de Quintino viu Falcão aparecendo no espaço vazio na ponta direita e lançou no ponto futuro, nas costas do lateral esquerdo Alberto Tarantini. Falcão dominou, levantou a cabeça e cruzou na segunda trave para Serginho cabecear de cima para baixo, sem chances para Fillol. Foi uma linda e envolvente troca de passes do escrete canarinho, que resultou no segundo gol de Chulapa no Mundial. Brasil 2 a 0.
Cada gol era comemorado com muita extravagância. Fazia parte do espetáculo que só o brasileiro era capaz de proporcionar, dentro e fora de campo.
(Imagem: Veja)
A Argentina não conseguia construir jogadas de perigo. Sempre parava na entrada da área brasileira e tinha dificuldades de recuperar a posse de bola. O placar poderia estar ainda maior se o Brasil não perdesse tantos gols.
A linha de impedimento muito mal feita pelos argentinos rendeu também o terceiro gol brasileiro, aos 30′. Sócrates deixou de calcanhar para Falcão. O Rei de Roma tabelou com Éder. Júnior recebeu e deixou com Zico no meio. Com muita visão de jogo, o camisa 10 percebeu a infiltração do lateral flamenguista e fez o passe perfeito em profundidade na diagonal, nas costas da defesa. Júnior recebeu livre e tocou de esquerda entre as pernas de Fillol. Brasil 3 a 0.
“A diagonal é fundamental, porque é a possibilidade de a bola chegar e o cara não entrar em impedimento.” ― Zico
Na base do desespero, até Passarella se lançou à frente. Aos 32 min, Maradona deixou o capitão em condição de finalizar, próximo ao bico da grande área. Ele chutou bem, mas Waldir desviou para escanteio em uma ótima defesa.
Pouco depois, o mesmo Passarella perdeu a compostura e deu uma entrada criminosa em Zico. O meia brasileiro precisou sair para a entrada de Batista. Telê tinha acabado de colocar Edevaldo no lugar de Leandro, que havia sentido uma lesão ainda durante o treinamento.
Aos 40′, Batista deu uma entrada dura em Juan Barba, Maradona revidou com um coice no estômago do brasileiro e foi prontamente expulso pelo juiz mexicano Mario Rubio Vázquez. Na reclamação, Falcão recebeu o primeiro cartão amarelo da Seleção Brasileira em todo o Mundial.
“Na verdade, o Maradona me disse depois que a intenção dele era dar aquela pancada em mim. Só depois ele deu percebeu que era o Batista.” ― Falcão
Maradona extravasou toda sua frustração em uma falta maldosa. Certamente ele queria ter feito mais em sua primeira Copa do Mundo, mas sofreu nas mãos de zagueiros maldosos (especialmente do italiano Claudio Gentile) e de árbitros condescendentes.
Menotti buscava no cigarro o consolo habitual e os albicelestes só marcaram o gol de honra no último minuto de jogo por causa de um erro na saída de bola brasileira. Tatantini roubou a bola de Batista e tocou para Ramón Díaz na entrada da área. O argentino viu o Waldir Peres adiantado e chutou de esquerda com efeito, acertando no ângulo direito do goleiro brasileiro.
Essa foi a apresentação mais espetacular da Seleção de 1982. Com esse resultado, a Argentina estava eliminada e o Brasil jogaria por um empate com a Itália para ir às semifinais da Copa de 1982.
(Imagem: Veja)
● “As oportunidades apareceram, o jogo fluiu e a gente fez jogadas realmente muito boas, gols maravilhosos. A Argentina precisava ganhar. Veio, se abriu, apareceram os espaços. No primeiro gol, eu meti a bola pro Serginho no meio de dois argentinos, e o Passarella, último homem, fez a falta que o Éder bateu e eu fiz o gol. O segundo gol, quando eu dominei a bola, o Falcão passou pelo lado, eu meti a bola pra ele e ele deu pro Serginho fazer o gol. E o terceiro gol, a mesma coisa. Já tinham acontecido jogadas que a gente entrava na cara do gol toda hora. Aquele time da Argentina fazia muita linha [de impedimento], e aí ficava muito fácil.” ― Zico
Com apenas 21 anos, Maradona já tinha a marra que lhe acompanharia até os dias de hoje. Ele passou a cobrar US$ 5 mil para cada entrevista concedida a partir da segunda fase. E já atacava seus críticos: “Pelé precisa estar no time e enfrentar a marcação constante de quatro defensores para depois opinar”. E continuou alfinetando o Rei do Futebol na chegada a Buenos Aires, após a eliminação da Argentina: “Pelé é um tagarela que tem de falar de mim ou de Rummenigge para sair nas revistas”.
Na comemoração do terceiro gol brasileiro, o Maestro Júnior sambou ao som imaginário da música que ele mesmo gravou poucos meses antes do Mundial: “Povo feliz”, conhecida pelo refrão: “voa canarinho, voa”. Composta por Memeco e Nonô do Jacarezinho, a música foi a trilha sonora dos bailes brasileiros em gramados espanhóis. O compacto alcançou o certificado de disco de platina, com 726 mil cópias vendidas.
Na partida seguinte, o Brasil perdeu por 3 x 2 para a Squadra Azzurra e deu adeus à competição. Mas mesmo assim, a Seleção de 1982 entrou para a história como uma das melhores e mais vistosas equipes de todos os tempos.
Três pontos sobre… … 24/06/1990 – Argentina 1 x 0 Brasil
(Imagem: Pinterest)
● No início de 1989, Ricardo Teixeira, ex-genro de João Havelange, assumiu como presidente da CBF – mesmo sem experiência alguma no futebol. Seu técnico preferido para a Seleção Brasileira era Carlos Alberto Parreira, que estava impedido de assumir devido a um contrato vigente no mundo árabe. E o escolhido da vez então foi Sebastião Lazaroni, tricampeão carioca: 1986 (pelo Flamengo), 1987 e 1988 (pelo Vasco).
E Lazaroni apostou no sistema tático 3-5-2, com um estilo “europeizado”, com foco na velocidade e aplicação tática – ao contrário da escola do futebol brasileiro vistoso e ofensivo de outrora. E por um tempo, o treinador brasileiro calou os muitos críticos ao conquistar a Copa América de 1989.
No papel, o time não era ruim, com o goleiro Taffarel, os zagueiros Mauro Galvão e Ricardo Gomes, os laterais Jorginho e Branco, os volantes Dunga e Alemão e os atacantes Bebeto, Romário, Renato Gaúcho, Müller e Careca.
Mas, no Mundial de 1990, o ambiente interno estava conturbado e não havia acordo quanto à divisão da premiação prometida em caso de título. A concentração brasileira em Asti era rodeada por familiares e empresários, com acesso livre aos atletas. Especulou-se que muitos não se esforçaram por estarem negociando uma possível transferência para o futebol europeu. O próprio Lazaroni foi para a Fiorentina logo depois do Mundial.
O técnico e o médico Lídio Toledo tinham opiniões divergentes quando ao aproveitamento de Romário, que se recuperava de uma fratura no pé e ficou no banco. E Lazaroni não dava chances a Bebeto que, segundo o treinador, fazia melhor dupla com Romário, enquanto Müller era parceiro de Careca. Sem Romário 100%, Bebeto acabou prejudicado, mesmo estando em ótima fase.
A Argentina queria conquistar seu terceiro título em quatro edições disputadas desde 1978, mas também não era a mesma de quatro anos antes. Fracassou na Copa América que sediou, em 1987, mesmo ainda tendo o time base de um ano antes. Seis campeões mundiais ainda eram titulares. O novo fracasso na Copa América de 1989 levou os argentinos a chegarem com menos cartaz na Itália. A bem da verdade, cada vez mais eles dependiam de Maradona. Entre o fim da Copa de 1986 e o início do Mundial de 1990, os portenhos jogaram 31 vezes e conseguiram apenas seis vitórias. Mas Diego motivou o time, dizendo: “vão ter que arrancar a Copa de nossas mãos”. Ao final das contas, aos trancos e barrancos, ainda era a Argentina.
(Imagem: Agência AP / Globo Esporte)
● Discreta e sem brilho, a Seleção Brasileira teve 100% de aproveitamento (algo que só a anfitriã Itália também conseguiu) com três vitórias em três jogos contra adversários apenas medianos: Suécia (2 x 1), Costa Rica (1 x 0) e Escócia (1 x 0). Mas o fato é que o nível apresentado pelo escrete canarinho não era nada convincente.
A Argentina estava ainda pior. Se classificou apenas como terceiro colocado de sua chave. Estreou passando vergonha ao perder para Camarões (1 x 0) na partida de abertura do Mundial. Depois, venceu sem brilho a União Soviética (2 x 0) e empatou com a Romênia (1 x 1).
Mas em um clássico “Brasil x Argentina” tudo pode acontecer. Afinal, se trata de uma das maiores rivalidades do mundo do futebol.
Carlos Bilardo mandou sua equipe ao campo no 3-5-2, com forte proteção ao sistema defensivo e liberdade para Burruchaga e Maradona criarem.
Sebastião Lazaroni armou a Seleção no sistema 3-5-2, com Mauro Galvão como líbero e os laterais atuando mais à frente, como alas. Por falta de costume com o esquema, os laterais voltavam à linha de defesa e o miolo de zaga se embolava. O time ficou muito defensivo e faltava criatividade no meio campo.
● A rivalidade e o momento ruim do rival fizeram o Brasil começar com tudo. Logo no primeiro minuto, Careca forçou Sergio Goycochea – o Tapa-Penales – a fazer uma boa defesa. Careca estava no auge da forma técnica, campeão italiano pelo Napoli ao lado de Alemão e Maradona.
Aos 18′, Branco cruzou da esquerda e Dunga cabeceou com força, mas a bola foi na trave.
Oito minutos depois, Troglio obrigou Taffarel a fazer a sua única defesa no primeiro tempo.
O volume de jogo do Brasil era muito superior. Goycochea fez cera desde o começo, confiando em seu excepcional retrospecto em cobranças de pênaltis – que se provaria nas quartas de final e na semifinal.
Na reta final do primeiro tempo, em uma rápida parada durante atendimento médico a Pedro Troglio, Branco tomou uma água oferecida pelo massagista argentino Miguel di Lorenzo. Descobriu-se depois que essa água estava “batizada” com tranquilizantes (veja mais abaixo). E o lateral brasileiro, sempre intenso, passou a se arrastar em campo, ficando com os reflexos mais lentos e chutando a bola sem sua potência costumeira.
A Argentina equilibrou mais o jogo na etapa complementar.
Aos 7′, Careca cruzou da esquerda e a a bola foi na trave. Na sobra, Alemão deu um belo chute e a bola foi de novo no poste. Era a terceira bola na trave na partida, a segunda no mesmo lance.
A Seleção Brasileira bombardeava de todos os jeitos e a vitória parecia ser uma questão de tempo.
Aos 17′ do segundo tempo, Burruchaga chutou com perigo, rente à trave direita, mas Taffarel impediu o gol.
“Ali pelos 20 minutos nosso meio-campo começou a ganhar”, analisaria Bilardo depois do jogo.
Depois, Müller furou uma finalização após um passe de Careca.
O Brasil foi amplamente superior durante os noventa minutos, demonstrando um futebol que não havia apresentado até então. Os hermanos não tinham pudor em se defender com todos seus jogadores. E os albicelestes, tão presos ao seu campo de defesa, tiveram um contra-ataque ao seu favor que seria definitivo.
(Imagem: Futebol Portenho)
Aos 35 minutos do segundo tempo, a bola caiu justamente nos pés de Maradona, que fez sua primeira jogada genial na Copa. Ele fez fila, passando Alemão, Dunga e Ricardo Rocha, além de fazer Ricardo Gomes e Mauro Galvão baterem cabeça e deixar Claudio Caniggia livre, em condições para driblar Taffarel e mandar para as redes.
“Alemão saiu atrasado e não fez a falta como devia”, lastimou Lazaroni. Com certeza Alemão deveria ter feito a chamada “falta tática”, em que se mata a jogada em seu nascedouro, antes que ela se torne perigosa.
“Estou jogando com meio Maradona. Mas, mesmo com uma perna só, ele é a diferença.” ― Carlos Bilardo
O esquema de Lazaroni, que privilegiava a disciplina tática, não resistiu à genialidade de Maradona.
Dois minutos depois do gol, José Basualdo fez boa jogada e escapava livre em direção ao gol. Como último recurso, Ricardo Gomes lhe deu um carrinho por trás e foi expulso.
Na cobrança dessa mesma falta, Maradona obrigou Taffarel a uma ótima defesa.
Com um homem a menos, o escrete canarinho ainda pressionou e ainda teve uma chance de ouro para empatar a dois minutos do fim. Uma bola mal rebatida pela defesa portenha caiu nos pés de Müller na linha da pequena área. Mesmo livre, o atacante mandou a bola para fora. Faltou concentração ao atacante brasileiro.
Foi a última chance e o Brasil estava eliminado por seu maior rival.
Certamente não existe justiça no futebol. E não houve, ao menos nesse jogo. A defensiva Seleção de Lazaroni caiu justo no jogo em que foi mais ofensiva e acabou jogando muito bem. “Só” faltaram os gols.
(Imagem: Bol)
● Após a partida, Maradona resumiu tudo: “O Brasil merecia ganhar, mas o futebol é assim mesmo”. E foi consolar seu amigo Careca: “Eu queria festejar, mas não se pode mostrar alegria na frente de um amigo que está muito triste”.
Careca foi o mais sacrificado pelo sistema de jogo, mas defendeu Lazaroni: “Se tivéssemos ganhado, ninguém nem se lembraria do esquema”.
“Fomos muito mal no primeiro tempo. Mas o grupo é forte e mostrou que tem brio depois de tanta gozação, tanta gente prevendo que não iríamos adiante.”“Ganhar do Brasil é, sem dúvida, uma grande alegria. Eu não estava com o palpite de que marcaria, mas sabia que Maradona poderia resolver. Quando a bola chegou, eu só tinha de matar Taffarel.” ― Claudio Caniggia
O Brasil fez 61 desarmes e bateu seu recorde, mas, em compensação, foi desarmado 60 vezes (outro recorde). Errou apenas 24 passes.
Após a derrota, muitos reservas questionaram publicamente o técnico Sebastião Lazaroni por uma vaga no time titular. Alguns atacaram os próprios colegas. “Vim disputar a Copa e o máximo que consegui foram promessas”, reclamou o zagueiro Aldair. “Lazaroni foi desonesto comigo”, afirmou o atacante Bebeto. “O Brasil não perdeu a Copa de 90 fora do campo. Perdeu dentro, por incompetência de alguns jogadores”, criticou o atacante Romário. Renato Gaúcho disse ainda mais: “Fui sacaneado e perseguido por reclamar que o esquema era defensivo demais. A derrota foi um belo castigo para um técnico retranqueiro. Iríamos mais longe com onze Renatos. Falta tesão para muito jogador. Eu não sou um acomodado. O dia em que eu encostar o corpo, eu me aposento”.
“Nós tentamos, fizemos o possível, tudo o que sabíamos. Infelizmente não o bastante para fazer a bola entrar no gol argentino”, dizia Lazaroni desconsolado. “O problema é que a Copa do Mundo é uma guilhotina. E a cabeça que rolou hoje foi a nossa.”
Quando a delegação brasileira chegou ao Rio de Janeiro, uma faixa os recepcionava: “Quem tem merda na cabeça? Camarões ou Lazaroni?” O técnico brasileiro foi muito criticado, taxado como defensivista e acusado de ser conivente com os problemas internos entre os atletas. Antes da Copa, ele era considerado um técnico ultramoderno para a época, antenado às novas tendências táticas e sistemas de treinamento. Após o torneio, Lazaroni se tornou sinônimo de “defensivismo”, “cabeça dura” e “burrice”.
Bebeto e Romário haviam sido titulares na conquista da Copa América de 1989, mas foram relegados ao banco de reservas durante o Mundial. “Pode anotar: foi a minha primeira e última Copa”, disse um negativo Romário. “Estaremos juntos na Copa do Mundo de 1994”, afirmou um positivo Bebeto.
O 9º lugar foi a terceira pior participação brasileira em Copas do Mundo, atrás apenas do 11º na Inglaterra em 1966 e o 14º também na Itália, em 1934.
O título da matéria da revista Placar que foi às bancas dois dias depois do jogo era bem icônico: “Era Maradona”. Uma crítica à tão mencionada “Era Dunga”, tratada pela imprensa de forma pejorativa, devido a importância exagerada que Lazaroni dava ao bom, mas esforçado e limitado volante gaúcho. Mas Dunga foi eleito injustamente como o símbolo do fracasso brasileiro na Copa de 1990 e daria a volta por cima ao ser o capitão da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1994.
E a Argentina seguiu capengando em sua sequência na Copa. Nas quartas, contou com a estrela do goleiro Goycochea, que pegou duas cobranças na vitória por pênaltis por 3 a 2 sobre a Iugosláviam após um empate sem gols. Nas semifinais, após 1 x 1 com a anfitriã Itália, Goycochea pegou outras duas cobranças e a Argentina venceu nos pênaltis por 4 a 3. Na decisão, já no fim da partida, um pênalti polêmico resultou na derrota para a Alemanha Ocidental por 1 a 0 e no vice-campeonato.
(Imagem: O Curioso do Futebol)
● Durante a partida, Branco se queixou que ficou que estava sonolento, zonzo e com náuseas após beber a água suspeita, mas não foi levado a sério por ninguém. “Notei um gosto estranho e senti tontura. Avisei o bandeirinha porque achei que fosse algo dopante.”
O episódio ficou esquecido por quase quinze anos, mas voltou à tona quando Maradona comentou sobre o assunto ao ficar bêbado em um jantar. Durante o programa de TV Mar de Fondo, ele disse que o conteúdo da garrafa era Rohypnol (Rufilin), nome comercial do composto Flunitrazepam, popularmente conhecido como “Boa Noite Cinderela” ou “Droga do Estupro”, que se tornou mais conhecido após o filme “The Hangover” (“Se Beber Não Case”).
Diego confessou que a água realmente tinha sonífero. Quando um Ricardo Giusti foi beber da mesma garrafa, alguém gritou: “dessa aí, não! Da outra”. Em seu antigo programa de televisão La Noche del Diez, Maradona confessou, mas negou a autoria: “Cito o pecado, mas não o pecador”.
O técnico Carlos Bilardo foi evasivo. A revista Veintitrés publicou uma entrevista com El Narigón e o título “(Quase) Confesso que fiz trapaça”. Ele não respondeu diretamente sobre o caso e disse que não sabia de nada, mas acabou afirmando: “Não disse que isso não aconteceu, hein?”. Diversas versões afirmam que o treinador tenha autorizado ou até mesmo ordenado que a tal água fosse entregue a Branco durante a partida.
Três pontos sobre… … 08/06/1990 – Camarões 1 x 0 Argentina
Omam-Biyik deu um salto acrobático para marcar o gol camaronês (Imagem: UOL)
● A seleção argentina tinha vencido duas das três últimas Copas do Mundo, mas claramente não era a mesma de quatro anos antes. Fracassou na Copa América que sediou, em 1987, mesmo ainda tendo o time base de um ano antes. O novo fracasso na Copa América de 1989, organizada e vencida pelo Brasil, levou os argentinos a chegarem com menos cartaz na Itália, no Mundial de 1990. A bem da verdade, cada vez mais eles dependiam de Diego Armando Maradona. Entre o fim da Copa de 1986 e o início do Mundial de 1990, os portenhos jogaram 31 vezes e conseguiram apenas seis vitórias. Mas Diego motivou o time, dizendo: “vão ter que arrancar a Copa de nossas mãos”. Ao final das contas, aos trancos e barrancos, ainda era a Argentina.
No Mundial de 1990, dos 22 selecionados pelo técnico Carlos Bilardo, apenas sete eram remanescentes do título de 1986 e cinco deles entrariam em campo na estreia, contra Camarões: o goleiro Nery Pumpido, o zagueiro Oscar Ruggeri, o volante Sergio Batista, o meia Jorge Burruchaga e o gênio Maradona. Os dois reservas campeões eram os alas Ricardo Giusti e Julio Olarticoechea.
A única esperança argentina era em Maradona. Apenas 15 dias antes, ele havia deixado o sul da Itália em festa ao liderar o Napoli à conquista de seu segundo scudetto em quatro anos (os únicos na história dos partenopei). Sempre protagonista, a simples presença do camisa 10 poderia fazer a diferença para os hermanos. Mas ele não estava fisicamente bem e jogou a Copa toda com fortes dores nos tornozelos.
No mesmo dia 08 de junho, poucas horas antes da partida, o presidente argentino Carlos Menem se reuniu com os jogadores e o técnico Bilardo. Nesse encontro, Menem outorgou a Maradona um passaporte oficial e o nomeou assessor do governo para “assuntos desportivos e difusão da imagem argentina no exterior”. Diego aceitou e ficou emocionado com a nomeação. Mas, em março de 1991, ele foi pego no exame antidoping com cocaína em uma partida com o Napoli e foi suspenso do futebol até 30 de junho de 1992, em caso que gerou enorme repercussão mundial. Em 25/04/1991, Menem assinou um novo decreto que revogava o anterior e retirada a designação diplomática de Maradona.
Maradona não estava bem fisicamente e apanhou o jogo todo (Imagem: ESPN)
● O Grupo B era realmente o mais difícil a Copa. Era formado pela campeã mundial Argentina, a campeã olímpica União Soviética, a Romênia do craque Gheorghe Hagi e Camarões, vencedor da Copa Africana de Nações dois anos antes.
A campanha invicta de Camarões em 1982 ainda estava viva na memória dos amantes do futebol alternativo. Alguns veteranos permaneceram, como o goleiro Thomas N’Kono e o atacante Roger Milla.
Com 38 anos, o “velhinho” Milla havia se retirado da seleção em 1988 e estava à beira da aposentadoria. Mas recebeu um convite do presidente de Camarões, Paul Biya (seu amigo pessoal) e retornou à convocatória dos “Leões Indomáveis” para disputar o Mundial de 1990. Sem o mesmo fôlego dos garotos, Milla normalmente entrava nas partidas no início do segundo tempo. Ainda sim, anotou quatro gols durante a competição e se tornou um dos destaques da Copa.
O técnico soviético Valery Nepomnyashchy escalou seu time em uma espécie de 4-2-3-1. Sem a bola, Victor N’Dip (o mais fraco do grupo) se transformava em líbero. Com a bola, os meias avançavam em velocidade. No ataque, Omam-Biyik recebia a companhia de Roger Milla no segundo tempo de todas as partidas.
Carlos Bilardo mandou sua equipe ao campo no 3-5-2, com forte proteção ao sistema defensivo e liberdade para Burruchaga e Maradona criarem.
● Um desfile de modas abriu a competição antes da partida inaugural, no estádio San Siro, em Milão – capital da moda. No jogo de abertura, a expectativa era de um duelo entre um dos favoritos ao Mundial contra um mero coadjuvante. Assim como na abertura da Copa de 1982, quando também defendia o título, a Argentina foi a campo como favorita. E, assim como em 1982 (1 a 0 para a Bélgica), também perderia a partida.
Em poucos minutos de bola rolando, os camaroneses mostraram que seriam adversários duros de serem batidos. Sua defesa era um misto de um pouco de ingenuidade e muito de violência. Com apenas nove minutos de jogo, o beque Benjamin Massing recebeu o primeiro cartão da Copa por dar um bico por trás no tornozelo já baleado de Maradona. Os “Leões Indomáveis” não eram nada dóceis.
Em compensação, o ataque dos africanos era ágil e liso e a defesa argentina também apelava para as faltas. Assim, enquanto as bordoadas se seguiam de lado a lado, os primeiros 45 minutos de passaram e nenhuma das equipes conseguiu criar chances reais de gol.
No intervalo, o técnico Carlos Bilardo desfez o sistema 3-5-2 argentino, colocando o rápido atacante Claudio Caniggia no lugar do veterano zagueiro Oscar Ruggeri.
E na etapa final, a situação ficou mais favorável aos sul-americanos quando o volante André Kana-Biyik foi expulso aos 16′ por derrubar Caniggia por trás e matar um contra-ataque argentino. Mas, mesmo com dez atletas, Camarões continuou correndo e batendo. E o jogo começava a ganhar cara de 0 x 0.
(Imagem: Globo)
Mas o gol saiu aos 22 minutos do segundo tempo. Após cobrança de falta da esquerda para a área albiceleste, Makanaky disputou com Lorenzo e jogou a bola para cima. Sensini ficou só olhando e não viu a aproximação de Omam-Biyik. O camisa 7 se deslocou do meio para a esquerda e deu um salto acrobático, entortando o corpo no ar e conseguindo cabecear na direção do gol. A bola foi em cima de Pumpido e parecia fácil de ser defendida, mas o goleiro vacilou. A bola passou entre suas mãos e tocou seu joelho antes de entrar lentamente no canto direito.
Um gol estranhíssimo. Um verdadeiro frango. Mas a falha de Pumpido não tira o mérito do salto impressionante de Omam-Biyik. Com 1,84 m de altura, ele alcançou a bola a 2,60 do chão. Curiosamente, o autor do gol jogava no modestíssimo Stade Lavallois, 4º colocado da 2ª Divisão da França na temporada 1989/90. François Omam-Biyik é irmão de André Kana-Biyik, o volante expulso seis minutos antes do gol.
Nos 20 minutos restantes, a Argentina se lançou de vez ao ataque. O atacante Gabriel Calderón entrou no lugar do ala Roberto Sensini. Mas os hermanos não conseguiram acertar um mísero chute na direção do gol do lendário Thomas N’Kono.
Aos 42′, Massing também foi expulso por derrubar Caniggia. O argentino recebeu uma bola ainda em seu campo de defesa e disparou para o ataque. Camarões se postava de forma compacta, com o time quase todo no meio campo. Em uma corrida impressionante, “El Pájaro” Caniggia deixou dois marcadores para trás e já estava na intermediária ofensiva, quando Massing lhe acertou em cheio. A truculência foi tamanha que a chuteira do camaronês voou longe. O árbitro Michel Vautrot expulsou corretamente o infrator, pois – além da violência – Massing era o último defensor. Trocou uma chance de gol pela falta. De forma até engraçada, o atabalhoado juiz francês mostrou o cartão vermelho a Massing antes de mostrar o segundo amarelo.
Com nove jogadores, Camarões precisou resistir por mais três minutos para provocar a primeira grande “zebra” da Copa. A comemoração dos africanos é o reflexo da surpresa e alegria do time. Foi um resultado realmente inesperado.
(Imagem: Globo)
● No fim da partida, Maradona percebeu ter perdido no gramado um anel que havia ganhado de sua esposa Cláudia em seu último aniversário, e que valia cerca de US$ 5 mil. O anel foi encontrado pouco depois.
Após aprontar contra a Argentina, Camarões venceu também a Romênia por 2 a 1 com dois gols de Roger Milla. Já classificado, foi goleado pela já eliminada União Soviética por 4 a 0. Terminou como líder do grupo B com quatro pontos. Em um jogo empolgante e só decidido na prorrogação, venceu a forte Colômbia por 2 a 1 (com uma falha do goleiro colombiano René Higuita e dois gols de Milla). Nas quartas de final, deu muito trabalho para a Inglaterra, vendendo caro a derrota. Só perdeu na prorrogação, com um gol de pênalti de Gary Lineker (o placar foi 3 a 2). Mas ficou na história como (até então) a melhor campanha de uma seleção africana na história dos Mundiais. Foi a primeira equipe de seu continente a chegar às quartas de final. Seria igualada por Senegal em 2002 e por Gana em 2010.
A Argentina somente passou de fase por ter sido uma das melhores terceiras colocadas, com três pontos. No Grupo B, após perder para Camarões, venceu a União Soviética por 2 a 0 e empatou com a Romênia por 1 a 1. Nas oitavas de final, jogou pior, mas venceu o clássico com o Brasil graças a uma jogada mágica de Maradona e uma linda conclusão de Caniggia. Nas quartas, contou com a estrela do goleiro Goycochea, que pegou duas cobranças na vitória por pênaltis por 3 a 2 sobre a Iugoslávia. Nas semifinais, após um empate por 1 x 1 com a anfitriã Itália, Goycochea pegou outras duas cobranças e a Argentina venceu nos pênaltis por 4 a 3. Na decisão, já no fim da partida, um pênalti polêmico resultou na derrota para a Alemanha Ocidental por 1 a 0 e no vice-campeonato.
Caniggia entrou bem e deu outra cara à Argentina. Se tornou titular nas partidas seguintes (Imagem: OCacifoDoRaúl)
Três pontos sobre… … 08/07/1990 – Alemanha Ocidental 1 x 0 Argentina
(Imagem: Soccer 365)
● Desde a final da Copa de 1986, muita coisa havia mudado no esporte alemão. O futebol local passou por uma de suas crises mais sérias na segunda metade dos anos 1980. As arquibancadas se esvaziaram, o prestígio do futebol despencou e o tênis virou o esporte mais popular na TV, graças aos fenômenos Boris Becker e Steffi Graf, ambos nº 1 no ranking da ATP (Associação de Tenistas Profissionais).
O país ainda sediou a Eurocopa de 1988, mas parou nas semifinais diante da Holanda com um gol de Marco van Basten no último minuto. Nesse ano, os alemães já haviam aderido ao sistema da moda, o 3-5-2, mas sem grandes exibições ou resultados. Mas eles tinham diferenciais fantásticos. Andreas Brehme, o ala esquerdo, era um armador de origem. O líbero, Klaus Augenthaler, tinha classe e sabia jogar. O meio campista mais defensivo, Lothar Matthäus, era um craque completo e chegava no auge ao seu terceiro Mundial e à sua terceira final (era reserva em 1982).
A Nationalelf tinha uma maneira bem clara de jogar: além do trio de defesa, um lateral defensivo pela direita (Berthold) e um ofensivo pela esquerda (Brehme), um volante criativo (Matthäus), dois meias que carregavam a bola (Häßler na direita e Littbarski ou Uwe Bein na esquerda), além de uma dupla de ataque eficaz (Völler e Klinsmann).
A seleção argentina queria conquistar seu terceiro título em quatro edições disputadas desde 1978, mas também não era a mesma de quatro anos antes. Fracassou na Copa América que sediou, em 1987, mesmo ainda tendo o time base de um ano antes. Seis campeões mundiais ainda eram titulares. O novo fracasso na Copa América de 1989, organizada e vencida pelo Brasil, levou os argentinos a chegarem com menos cartaz na Itália, no Mundial de 1990. A bem da verdade, cada vez mais eles dependiam de Maradona. Entre o fim da Copa de 1986 e o início do Mundial de 1990, os portenhos jogaram 31 vezes e conseguiram apenas seis vitórias. Mas Diego motivou o time, dizendo: “vão ter que arrancar a Copa de nossas mãos”. Ao final das contas, aos trancos e barrancos, ainda era a Argentina.
A Alemanha se tornou o primeiro país a chegar em três finais de Copa consecutivas (seria igualada pelo Brasil nos três Mundiais seguintes). Vencer era mais que uma questão de honra para eles. Die Mannschaft foi a primeira do Grupo D com cinco pontos. Começou goleando a Iugoslávia por 4 a 1 e os Emirados Árabes Unidos por 5 a 1. Na última rodada, empatou por 1 x 1 com a Colômbia. Nas oitavas, venceu a grande rival Holanda por 2 a 1, em uma verdadeira batalha. Nas quartas, vitória simples por 1 a 0 sobre a Tchecoslováquia. Na semifinal, venceu a Inglaterra nos pênaltis por 4 a 3, após empate por 1 a 1 no tempo normal.
A Argentina somente passou de fase por ter sido uma das melhores terceiras colocadas, com três pontos. No Grupo B, perdeu para Camarões na estreia por 1 a 0. Depois, venceu a União Soviética por 2 a 0 e empatou com a Romênia por 1 a 1. Nas oitavas de final, jogou pior, mas venceu o clássico com o Brasil graças a uma jogada mágica de Maradona e uma linda conclusão de Caniggia. Nas quartas, contou com a estrela do goleiro Goycochea, que pegou duas cobranças na vitória por pênaltis por 3 a 2 sobre a Iugoslávia. Nas semifinais, após um empate por 1 x 1 com a anfitriã Itália, Goycochea pegou outras duas cobranças e a Argentina venceu na decisão por pênaltis por 4 a 3.
O técnico Franz Beckenbauer escalou sua equipe no sistema 3-5-2.
Carlos Bilardo também mandou sua equipe ao campo no 3-5-2, em uma versão mais defensiva que a alemã.
● Domingo, oito de julho. Um dia sempre histórico para os alemães. Depois de 51 partidas, só restava esta para decidir quem iria se consagrar. Até então, em 14 edições de Copa do Mundo, nunca havia acontecido de duas seleções repetirem uma final. Alemães e argentinos quebraram essa escrita. Finalistas em 1986, eles decidiram também o Mundial de 1990. Essa final também consagraria um novo tricampeão. Tanto os germânicos quanto os portenhos tinham dois títulos cada. Europeus tinham vencido em 1954 e 1974. Os sul-americanos foram campeões em 1978 e 1986.
Mas, ao contrário de quatro anos antes, desta vez era a Alemanha Ocidental quem entrava em campo como favorita, diante de um adversário que se arrastou durante todo o campeonato e que tinha seu maior craque em má forma física. Maradona começava a entrar em declínio.
Castigada pelo jogo bruto das fases anteriores, a Argentina entrou em campo sem quatro titulares, suspensos: Batista, Orlaticoechea, Giusti e Caniggia, que tinha marcado dois dos cinco gols de sua equipe até então.
Se não bastasse, no momento de execução dos hinos nacionais, a maior parte dos quase 75 mil presentes no estádio Olímpico de Roma vaiou insistentemente o hino argentino, ressentida com o comportamento de Maradona na semifinal em Nápoles, onde fez toda a cidade torcer e cantar seu nome por causa do Napoli, clube onde jogava. Perfilado, em vez de cantar o hino, Diego falava pausadamente, para que ficasse bem claro para as câmeras de TV: “Hijos de puta! Hijos de puta!”
● Mais forte que a Argentina, a Alemanha Ocidental começou melhor. Com vários jogadores atuando na liga italiana, os alemães pareciam estar jogando em casa. Mandava no jogo contra uma Argentina que, como se esperava, apenas se defendia.
Brehme cobra falta e a bola passa perto de Völler.
Littbarski arrisca de longe, mas a bola vai por cima do gol.
Brehme cruza, mas a bola passa por todo mundo e Goycochea segura firme.
Berthold cruza da direita, Völler escapa da forte marcação, mas cabeceia por cima.
Alheia a tudo isso, a Alemanha fez o que dela se esperava, pressionando um adversário inferior em busca do gol, mas perdeu todas as chances criadas no primeiro tempo.
Do outro lado, os argentinos nem ameaçavam. A impressão que dava é que eles queriam fazer um jogo que desgastasse os alemães, sem deixar o fluir. Quem não é melhor na técnica, tenta se igualar na garra. E isso o povo argentino tem de sobra.
A primeira chance dos portenhos só veio no último minuto do primeiro tempo. Basualdo toca para o meio e Maradona tromba com um adversário, caindo na meia lua. Ele pede falta, mas o árbitro mexicano Edgardo Codesal manda o jogo seguir.
A primeira etapa foi um retrato do Mundial da Itália: muito estudo, pouca emoção e nenhum gol. Só sono. A Alemanha parava nas faltas da Argentina. Os argentinos chegavam pouco ao ataque. Seu lance mais perigoso de gol nasceu de um erro alemão, um recuo de Brehme que quase resultou em gol contra. Ao ouvir o apito do árbitro anunciando o intervalo, os torcedores vaiaram.
(Imagem: O Tempo)
● O segundo tempo inteiro foi um duelo entre o ataque germânico e a defesa portenha. A Alemanha Ocidental voltou mais incisiva e disposta a vencer. Berthold e Völler chegaram a errar o gol em finalizações da pequena área.
Littbarski faz uma bela jogada, entra em diagonal da esquerda para o meio, mas chuta para fora.
Brehme cruzou da esquerda e Berthold cabeceou por cima, de dentro da pequena área.
O líbero Augenthaler avança, recebe livre na área, tenta driblar Goycochea e cai, na tentativa de cavar o pênalti, mas o juiz mexicano só ignorou. Na sequência, Monzón ainda salvou o gol em cima da linha.
O placar seguiu zerado. O gol teimava em não sair. Com o passar do tempo, esperava-se que os alemães ficassem nervosos pelo fato de sua ampla superioridade não ser traduzida em gols e, com isso, eles dessem brecha para os contra-ataques. Mas não foi o que aconteceu.
A Argentina apelava para as faltas. Aos 20 minutos, o Monzón derrubou Klinsmann. O atacante alemão exagerou na queda, mas realmente foi atingido com violência. Pedro Monzón se tornou o primeiro atleta a ser expulso em uma final de Copa do Mundo.
Com um homem a mais, o domínio germânico se tornou mais evidente. Matthäus conseguiu fazer o jogo fluir e liderou tecnicamente a Alemanha. Ao contrário de 1986, Maradona e Burruchaga foram neutralizados pela forte marcação alemã.
Maradona não estava fisicamente bem. Jogou com dores nos tornozelos a Copa toda. E foi muito bem marcado por Buchwald nessa partida.
A Argentina estava apenas esperando a decisão por pênaltis, apostando mais uma vez suas fichas na ótima fase do goleiro Goycochea, que passou a ser titular na segunda partida devido a lesão de Pumpido (leia mais abaixo). Com a alcunha de “Tapa Penales”, ele já havia defendido quatro pênaltis no Mundial.
A supremacia alemã em campo foi premiada aos 40 minutos. Rudi Völler é lançado pela direita, entra na área e cai ao levar um encontrão de Sensini. Pênalti bastante duvidoso marcado pelo árbitro mexicano.
O cobrador oficial de pênaltis da Alemanha era Lothar Matthäus (leia mais abaixo). Mas ele não se sentiu seguro e preferiu que outro jogador em melhores condições fizesse a cobrança. Brehme assumiu a responsabilidade e cobrou de forma perfeita. batendo colocado no canto direito, rente à trave. Goycochea ainda acertou o canto, mas não conseguiu defender. Era o gol do título.
A Argentina não tem forças para buscar o empate e dois minutos depois entra em desespero. Dezotti acha que Köhler está fazendo cera e resolve a questão no braço. O árbitro mostra o segundo cartão amarelo ao camisa 9 e, consequentemente, o vermelho. Edgardo Codesal estava tendo dificuldades no âmbito disciplinar, com muitas reclamações dos argentinos. E o último cartão amarelo fez a alegria da torcida italiana: foi para o reclamão Maradona.
Quatro anos depois de terem brilhado no Mundial do México, os argentinos sofriam a derrota merecida.
A Alemanha Ocidental era tricampeã do mundo, se igualando ao Brasil e à Itália. Era também a vingança contra dois rivais de uma só vez: venceu a Argentina na decisão (a algoz de 1986) jogando na Itália (que tinha lhe batido na final de 1982). Uma taça bastante simbólica para o país, que seria reunificado naquele mesmo ano.
Após a partida, já no ônibus da delegação argentina, Maradona declarou: “Esta é a maior decepção de minha carreira. O árbitro fez tudo para agradar aos alemães e aos italianos. Fomos derrotados pelo ‘homem de preto'”.
A vitória alemã trouxe justiça ao Mundial. A melhor equipe se sagrou campeã. Mas este jogo ficou marcado como a final de Copa com o futebol mais fraco na história.
(Imagem: IG)
● Curiosamente, apenas a Itália de 1938 e 1982 e a Alemanha Ocidental em 1990 foram campeãs do mundo sem ficar em nenhum momento atrás no marcador, em nenhuma partida.
A Argentina foi a finalista com pior campanha em uma Copa do Mundo, com apenas duas vitórias e cinco gols marcados em sete jogos. A equipe também se tornou a primeira a não marcar gols e a ter jogadores expulsos em uma final de Copa.
Até então, nunca uma decisão de Mundial havia terminado com somente um gol. As finais anteriores registraram pelo menos três. Mas a falta de gols vista na decisão era apenas um reflexo do que foi o torneio todo.
Na Copa do Mundo de 1990, 20 das 24 seleções atuavam no 3-5-2 (inclusive o Brasil, do técnico Sebastião Lazaroni). Na teoria descrita pelo alemão Sepp Piontek, criador do sistema tático, menos atletas na defesa resultaria em mais atletas atacando. Mas isso não se confirmou nesse Mundial. Na teoria, os laterais deveriam ser alas, apoiando o tempo todo. Na prática, eles voltavam até a linha de defesa, transformando o esquema em uma espécie de 5-3-2. Com isso, ao invés de um maior equilíbrio ou de equipes ofensivas, na verdade assistimos equipes que só se defendiam. Como consequência, 1990 foi a Copa com menor média de gols na história, com 2,21 por partida. O placar mais repetido foi 1 x 0 (16 vezes).
Essa Copa do Mundo deixou definitivamente a magia futebolística de lado e acabou por consagrar o estilo de aplicação tática. Nesse contexto, ninguém melhor que a Alemanha Ocidental para ser campeã. Mas os alemães não eram apenas força e disciplina. Tinha um grupo repleto de atletas de grande qualidade técnica, como Lothar Matthäus, Andreas Brehme, Thomas Häßler, Pierre Littbarski, Andreas Möller e Jürgen Klinsmann. Porém, como nada é perfeito, o grupo não era unido. O meia Matthäus e o atacante Klinsmann, dois destaques individuais, eram desafetos declarados.
Mas o título coroava de uma vez por todas essa grande geração do futebol do país e colocava Franz Beckenbauer no mais alto patamar de imortalidade. O Kaiser se tornou primeiro homem na história a levantar a Copa do Mundo como capitão e depois como técnico – e o segundo como jogador e treinador, depois do brasileiro Zagallo.
Em números, a Alemanha provou porque foi tão superior às demais equipes. Teve o melhor ataque, com 15 gols marcados. Deu 131 do total de 1.177 chutes a gol registrados na Copa (11% do total), em sete partidas disputadas. A Itália, segunda colocada nesse quesito, disputou o mesmo número de jogos teve 91 finalizações, mesmo jogando em casa. Além disso, os alemães tiveram 145 roubadas de bola, ou mais de 20 por jogo, número bastante superior ao de Argentina (99), vice-campeã, e Itália (106), 3º lugar no Mundial.
O meia alemão Lothar Matthäus disputava sua terceira Copa do Mundo seguida e era a peça chave da equipe. Naquele mesmo ano, foi eleito o melhor jogador do mundo pela revista inglesa World Soccer. Em 1991, se tornou o primeiro atleta eleito o melhor do mundo pela FIFA. “Nunca fui um artista da bola, apenas um obcecado pela eficiência”, chegou a dizer certa vez. Antes de se consagrar como o capitão que levantou a taça em 1990, ele já tinha sido vice-campeão em 1982 e 1986. Disputaria ainda os Mundiais de 1994 e 1998, quando completaria 25 jogos em Copas do Mundo, se tornando o jogador com mais partidas na competição, recorde que permanece até hoje.
Foram registradas 2.079 faltas no Mundial. A recordista de infrações foi a Argentina, com 178 em sete jogos, além de 23 cartões amarelos e três vermelhos. Curiosamente, o jogador que mais bateu foi também o que mais apanhou: Maradona, com 21 faltas cometidas e 53 sofridas.
O goleiro argentino Nery Pumpido, campeão do mundo na Copa anterior, quebrou a perna direita em uma trombada na área aos 11 minutos da segunda partida da competição, na vitória por 2 a 0 sobre a URSS. Assim, a FIFA autorizou, pela primeira vez de forma oficial, que se substituísse o goleiro no grupo de uma seleção. O convocado para herdar a camisa 1 foi Ángel Comizzo, que acabou nunca atuando em nenhum minuto sequer pela seleção, durante toda sua longa carreira.
O cobrador oficial de pênaltis da Alemanha era Lothar Matthäus, que havia inclusive batido o da vitória sobre a Tchecoslováquia por 1 x 0 nas quartas de final. Porém, quando o pênalti da final foi marcado, ele pegou a bola e a entregou a Andreas Brehme, pedindo que ele cobrasse. Foi uma surpresa enorme no mundo todo, que pensou que Matthäus tivesse feito isso porque havia tremido diante de Goycochea, um emérito defensor de pênaltis. Mas não foi isso. O camisa 10 utilizava um par de chuteiras havia muito tempo, já totalmente adaptadas a seus pés. Mas justamente durante a final, uma das chuteiras se rompeu e ele precisou usar um par reserva durante parte do jogo. Como ele não estava muito confortável com esse par, não se sentiu nas melhores condições para cobrar um pênalti tão importante. O mais curioso é que a chuteira que se rompeu tinha sido utilizada por Maradona dois anos antes, em um jogo beneficente, quando Matthäus a emprestou ao argentino e este acabou estreando o par. Quando Diego devolveu a chuteira, Matthäus percebeu que o argentino havia colocado os cadarços de maneira diferente e mais confortável, e passou a utilizar essa forma de amarração até o final de sua carreira.
(Imagem: UOL)
● FICHA TÉCNICA:
ALEMANHA OCIDENTAL 1 x 0 ARGENTINA
Data: 08/07/1990
Horário: 20h00 locais
Estádio: Olímpico
Público: 73.603
Cidade: Roma (Itália)
Árbitro: EdgardoCodesal (México)
ALEMANHA OCIDENTAL (3-5-2):
ARGENTINA (3-5-2):
1Bodo Illgner (G)
12 Sergio Goycochea (G)
6Guido Buchwald
18 José Serrizuela
5Klaus Augenthaler
20 Juan Simón
4 Jürgen Kohler
19 Oscar Ruggeri
14 Thomas Berthold
4José Basualdo
8ThomasHäßler
7JorgeBurruchaga
10 LotharMatthäus (C)
13 Néstor Lorenzo
7PierreLittbarski
21 Pedro Troglio
3 Andreas Brehme
17 Roberto Sensini
9Rudi Völler
10 Diego Armando Maradona (C)
18 Jürgen Klinsmann
9 Gustavo Dezotti
Técnico: Franz Beckenbauer
Técnico: Carlos Bilardo
SUPLENTES:
12 RaimondAumann (G)
22 FabiánCancelarich (G)
22 Andreas Köpke (G)
1ÁngelComizzo (G) (substituiu Nery Pumpido)
1NeryPumpido (G) (lesionado e dispensado pela delegação)
Três pontos sobre… … 29/06/1986 – Argentina 3 x 2 Alemanha Ocidental
(Imagem: Telegraph / AP)
● Na Argentina, ou se é “menottista” ou se é “bilardista”. Vencer com um futebol de toque de bola envolvente ou vencer a qualquer custo?
César Luis Menotti, fumante inverterado, gostava do jogo coletivo, baseado no “toco e me voy”, com tabelas e ultrapassagens.
Carlos Salvador Bilardo, técnico da seleção entre 1983 e 1990, era a antítese do treinador campeão mundial em 1978. Bilardo era meio campista do Estudiantes de La Plata, tricampeão da Taça Libertadores da América (1968, 1969 e 1970), um time em que a catimba e o jogo sujo prevalecia. Valia tudo para ser campeão, até espetar os adversários com um prego, como Bilardo era acusado de agir. Não que ele tenha usado essas artimanhas em sua vitoriosa passagem pela seleção de seu país. Ele só queria vencer e tinha uma equipe disposta a lhe proporcionar isso. Eram estilos antagônicos.
Sem Maradona nas eliminatórias, a Argentina perdia para o Peru no Monumental de Núñez por 2 x 1 até os 30 do segundo tempo. O vexame da eliminação foi evitado no fim da partida, com um gol de Ricardo Gareca (técnico que levou o Peru à Copa de 2018, após 36 anos).
Poucos dias depois de sofrer para se classificar ao Mundial, a revista El Gráfico perguntou ao técnico qual era a melhor equipe do mundo. Bilardo, em um misto de premonição com presunção, respondeu: “Vejo a Alemanha na final da Copa”. “E a Argentina?”, questionou o repórter. O treinador afirmou: “Eu a vejo campeã do mundo”.
De qualquer forma, Bilardo, um médico de 47 anos, era quase unanimidade em seu país: 80% dos argentinos não confiavam em seu trabalho. Foi duramente criticado pelo antecessor, Menotti, que o chamou de “uma piada”, e até pelo presidente do país, Raúl Alfonsín.
(Imagem: Telegraph / Rex)
● A decisão que Bilardo previa ocorre no dia 29 de junho de 1986. A 13ª final de Copa do Mundo reúne a Argentina, campeã em 1978, e a Alemanha Ocidental, bicampeã mundial (1954 e 1974) e vice da última Copa. O chanceler alemão, Helmut Kohl, está entre os quase 115 mil expectadores no belíssimo estádio Azteca, para assistir a um confronto de gigantes. Era a terceira final da Argentina e a quinta da Alemanha. Embora inegavelmente possuíssem bons times, ambas não estavam entre os principais favoritos à conquista do Mundial e chegaram à decisão de maneiras distintas.
A Argentina estava invicta. No Grupo A da primeira fase, venceu a Coreia do Sul (3 x 1), empatou com a Itália (1 x 1) e bateu a Bulgária (2 x 0). Nas oitavas de final, bateu o Uruguai por 1 a 0, no clássico sul-americano. Nas quartas de final, venceu a Inglaterra por 2 a 1, na vingança da “Guerra das Malvinas”. Nas semifinais, contou com a genialidade de Maradona para passar pela surpreendente Bélgica por 2 a 0.
Os alemães não podiam contar com Rummenigge em sua melhor forma e se arrastaram em quase toda a Copa, sofrendo muito para chegar à decisão. Na primeira fase, se classificou em segundo lugar no Grupo E, com três pontos: empatou com o Uruguai (1 x 1), venceu a Escócia (2 x 1) e perdeu para a Dinamarca (2 x 0). Nas oitavas, penou para passar pelo Marrocos (1 x 0). Nas quartas, passou sufoco, vencendo o México apenas nos pênaltis por 4 a 1, após um empate sem gols. Fez seu melhor jogo na semifinal, vencendo a favorita França por 2 a 0.
Por tudo isso, era muito difícil prever o desfecho final. Mas se as duas seleções e seus principais craques repetissem o futebol das partidas anteriores, a Argentina era favorita. Isso não ajudava em nada, pois nas finais anteriores a Alemanha Ocidental derrotou adversários muito melhores que ela (a Hungria, em 1954, e a Holanda, em 1974).
Na Copa em que a Dinamarca apresentou o 3-5-2 ao mundo como novidade tática, outras equipes utilizaram o mesmo sistema de forma mais discreta. Na Argentina, Bilardo começou o Mundial com o ofensivo e talentoso lateral direito Clausen, do Independiente. Mas já na segunda partida o trocou por Cuciuffo, um zagueiro improvisado como terceiro homem de defesa, a fim de liberar o outro lateral, Olarticoechea, pela esquerda. Não era um 3-5-2 tão ortodoxo, mas a verdade é que o lado direito marcava para o esquerdo atacar. Enquanto isso, o meio campista Giusti cobria o lado direito, enquanto Batista e Enrique cobriam o meio campo, fazendo o balanço defensivo e a transição para o ataque. Os mais talentosos, Maradona e Burruchaga, tinham liberdade total em campo. E a inteligência de Valdano era decisiva no ataque, liberando espaço para quem viesse de trás.
A Alemanha jogava no mesmo sistema, um falso 4-4-2 em um misto de 3-5-2. Mas, ao contrário dos argentinos, o lateral esquerdo era o marcador que fazia o terceiro zagueiro, Briegel. Do lado direito, Berthold apoiava um pouquinho mais, fazendo o contra-peso do meia esquerda Brehme. Matthäus era o “todo-campista” indo de área a área. Eder marcava para Magath armar as jogadas para o centroavante Klaus Allofs e para o craque Rummenigge.
● Maradona entrou no gramado do estádio Azteca com seu ritual: fazendo o sinal da cruz e dando pulos sobre a perna direita, com a mágica perna esquerda encolhida.
Rummenigge e Klaus Allofs deram a saída.
Ciciuffo ficou preso na lateral direita, marcando Klaus Allofs. Ruggeri ficou à esquerda, colado em Rummenigge. Com a bola, Valdano demonstrava toda sua inteligência tática, abrindo espaço para os que vinham de trás. Sem a bola, ele era o encarregado de não deixar o gigante Briegel avançar.
Thomas Berthold retornava de suspensão e entrou no lugar de Wolfgang Rolff. Com isso, coube a Matthäus a responsabilidade de marcar Maradona individualmente, da mesma forma que seu técnico Franz Beckenbauer tinha feito em Bobby Charlton na final de 1966, e Berti Vogts tinha sido a sombra de Johan Cruijff na decisão de 1974. E até conseguiu parcialmente. Mas ele também neutralizou Mattthäus. Às vezes, Maradona avançava tanto e arrastava Matthäus, de forma que parecia que a Alemanha tinha quatro defensores centrais. Com isso, os alemães perderam a criatividade e Magath ficou isolado, participando pouco do jogo.
Mas, ao contrário do que se dizia, a Argentina era mais do que apenas Maradona, e não se deixou intimidar. Todavia, nos primeiros minutos, foram os alemães que tomaram a iniciativa da partida, mas sem assustar.
Mesmo mais comprometida defensivamente, a Argentina passou a ser melhor na partida e mais ofensiva. O primeiro susto para o goleiro Schumacher foi um escanteio cobrado por Maradona, que Burruchaga desviou na primeira trave.
A Alemanha respondeu rápido. Eder entregou a bola a Briegel, que literalmente se jogou na entrada da área. Só o árbitro brasileiro Romualdo Arppi Filho viu a falta e marcou. Rummenigge rolou para Brehme chutar para o gol, mas Pumpido encaixou a bola com segurança.
Enquanto isso, Maradona só reclamava sem parar. Romualdo controlou o jogo ao advertir o capitão argentino com o cartão amarelo logo aos 17′. O camisa 10 sofreu sete faltas em toda a partida, sem contar outras três não apitadas pelo juiz. Mas foi marcado de forma leal e implacável. “Matthäus me marcou sem dar espaços nem patadas”, diria Diego depois.
Logo depois, Maradona dá um passe perfeito para Burruchaga, mas Brehme estava firme na marcação. Ele deu um carrinho e impediu a bola de chegar em condições para o portenho. A Argentina continuou controlando a posse de bola.
Cuciuffo engana Rummenigge e passa a Maradona. O capitão devolve de calcanhar e é derrubado por trás. Romualdo dá a vantagem, mas Cuciuffo leva uma rasteira de Matthäus na sequência. E foi nesse lance que a Argentina inaugurou o marcador. Burruchaga cobrou a falta pela ponta direita, em direção à pequena área. A Alemanha tinha sete jogadores dentro da área, mais o goleiro, contra quatro da Argentina, sendo um deles o baixinho Maradona. Contra todas as expectativas, Schumacher saiu “catando borboletas” e deixou o gol aberto para a cabeçada fulminante de Brown. O sucessor do legendário Daniel Passarella põe a Argentina na frente. Depois, ele deu um beijo na bola e agradeceu Burruchaga pela assistência perfeita. A Argentina abre o placar aos 23 minutos de jogo.
Ainda no primeiro tempo, Maradona teve duas boas chances para marcar seu gol. A primeira surgiu em uma cobrança de falta, defendida pelo goleiro. A segunda foi quando ele recebeu a bola na cara do gol e Schumacher saiu bem e o desarmou, em uma dividida com os pés.
O esquema cauteloso da Alemanha não funcionava. Agora, com a derrota parcial, os germânicos tinham que atacar e a final seria um jogo mais aberto, do jeito que Maradona e Burruchaga gostavam.
Em um lance no campo de ataque, Berthold toca de cabeça, mas Rummenigge chega atrasado e Pumpido segura.
Até o intervalo, nota-se um padrão. A Alemanha Ocidental, que nos jogos anteriores recorreu à bola parada e à decisão por pênaltis para avançar, apela para a interrupção das jogadas, tentando parar Maradona de qualquer forma. Mas estava com a desvantagem no placar e não conseguia nenhum ataque efetivo ao gol argentino. Próximo ao intervalo, os alemães reclamaram de um pênalti, mas o árbitro apontou de forma correta que a infração foi 10 cm fora da grande área.
Após 45 minutos, a Argentina vencia por 1 a 0. Não foi um bom primeiro tempo, com muitas faltas e poucas jogadas bonitas. Mas, felizmente, o que veríamos na etapa final seria muito diferente.
(Imagem: UOL)
● Beckenbauer voltou com Rudi Völler no lugar de Klaus Allofs, que tinha sido engolido pela marcação de Cuciuffo.
A Argentina voltou ainda melhor para a segunda etapa, começou com tudo e fez 2 a 0 aos 10 minutos. Maradona toca para Héctor Enrique. “El Negro”, puxa a jogada pelo meio e lança na medida para Jorge Valdano, livre de marcação. O atacante recebe, avança pela esquerda, entra na área e toca mansinho, na saída do goleiro Schumacher, fazendo a alegria da maioria da torcida presente no estádio.
Jogando com muita confiança na defesa, os sul-americanos não dão espaço para os atacantes rivais e ainda criam oportunidades de contra-ataque. Jorge Valdano teve uma outra chance, mas a cabeçada foi para fora.
Na metade do segundo tempo, Enrique partiu livre para marcar o terceiro, mas o bandeirinha costarriquenho Berny Ulloa assinalou um dos impedimentos mais absurdos da história.
Depois, achando que a partida já estava ganha, os argentinos amoleceram. Mas nunca se deve subestimar os metódicos alemães. Maradona diria depois: “Até que recebam o atestado de óbito, os alemães não se entregam. Não temem nada. Na entrada dos times, nós acostumávamos a gritar, bater no peito. Isso metia medo em todos os rivais. Menos neles”.
E então Matthäus foi parcialmente dispensado de suas obrigações ofensivas e a Alemanha Ocidental começou a jogar, tentando reagir a qualquer custo. Aos 17′, Beckenbauer trocou o apagado meia Magath (que foi muito bem marcado por Giusti) pelo atacante Dieter Hoeneß, bom nas bolas altas.
As bolas aéreas deveriam ser a especialidade argentina. Bilardo se preocupava tanto com a bola parada defensiva que entrou no quarto de Oscar Ruggeri às quatro horas da manhã do dia da final e perguntou ao defensor, meio dormindo e desorientado, quem ele deveria marcar nos escanteios. Ruggeri respondeu: “Rummenigge”, provando ao técnico que ele estava suficientemente focado.
Porém, aos 29′, com Brown sentindo dores por uma pancada no ombro, Ruggeri não conseguiu cumprir sua função. Brehme bate um escanteio, Völler desvia de cabeça para a pequena área e Rummenigge aparece entre os zagueiros e completa de carrinho para as redes. Com 2 a 1 no marcador, o jogo ganha nova vida.
Dois minutos depois, Maradona domina a bola de chaleira, mas chuta sem direção. O “Pibe” tenta controlar mais a bola, mas Matthäus é a sua sombra. Rummenigge recua para o meio de campo, para armar as jogadas.
E o inimaginável acontece aos 35′. Matthäus avança e cruza na cabeça de Dieter Hoeneß, mas Pumpido espalma, cedendo novo escanteio. Brehme cobra e ergue para a área. Berthold apara pelo alto e Rudi Völler se antecipa a Pumpido e cabeceia para o gol. Völler, que já tinha sido fundamental no gol anterior, agora marcava o seu. Ele entrou no segundo tempo e mudou a partida.
A Alemanha empatou em duas cobranças de escanteio nas quais a zaga portenha serviu apenas de plateia.
(Imagem: Pinterest)
● A dez minutos do fim, o jogo estava empatado em 2 a 2 e havia no estádio o temor de que o melhor futebol não fosse premiado com a taça. Visivelmente desgastada pelo sol de rachar do México, a Alemanha tentava diminuir o ritmo. Maradona diria: “Até fiquei com receio da prorrogação depois do gol de empate. Mas quando olhei aquele touro do Briegel com as pernas vermelhas, falei pro Burruchaga que era só fazer a bola correr que a gente ganhava”.
A decisão se encaminhava para a prorrogação, mas, entusiasmados pela reação, os alemães afrouxaram a marcação e acabaram deixando espaço atrás de sua linha de defesa.
Aos 38′, Maradona recebeu a bola em seu próprio campo e, cercado por dois alemães, viu Burruchaga escapar em condição legal por trás da defesa alemã, que estava incrivelmente adiantada. Foi um belo lançamento do camisa 10. Burruchaga avançou, ganhou na velocidade do ex-decatla Briegel, e tocou com muito sangue frio para o gol, na lenta saída de Schumacher.
O camisa 7 Burruchaga emulou o Jairzinho de 16 anos antes, se ajoelhou para comemorar o gol e o título no estádio Azteca. “Foi o pique mais longo e emocionante de minha vida. Achei que não aguentaria. Mas tive a sorte de ver claramente o Schumacher, que estava todo de uniforme amarelo, brilhando. Vi o quanto estava longe da meta quando recebi a bola, e pude mais facilmente definir o lance. O plano era encobri-lo, mas acabei tocando entre suas pernas. Eu não vi que Valdano estava correndo ao meu lado pelo meio, nem ouvi Briegel atrás de mim. Estava esgotado demais para perceber tantas coisas.”
Era o gol do título! Era o gol da justiça com Maradona e com o próprio futebol.
Nos instantes finais, o talentoso trio Valdano, Maradona e Burruchaga ainda infernizava a vida dos alemães.
No finzinho, Maradona passa por dois adversários e é atingido por Schumacher dentro da área. Romualdo não marca pênalti, mas apenas falta para a Argentina. Maradona cobra forte, rasteiro, na esquerda do goleiro, que espalma para a lateral.
Burruchaga foi substituído para ser ovacionado pela torcida e festejar antes com os companheiros do banco.
A essa altura, tudo estava decidido. Oito anos depois de sua primeira conquista, os argentinos são novamente campeões do mundo. Dessa vez, de maneira incontestável.
A loucura toma conta do estádio Azteca, como 16 anos antes, no tricampeonato da Seleção Brasileira de Pelé. O gramado estava tão lotado, que Maradona e seus companheiros nem conseguiram dar a volta olímpica.
Enquanto todos os argentinos comemoravam, com a taça nas mãos, o perfeccionista Bilardo ficou horas chateado, se perguntando como seu time tinha levado dois gols de estanteio depois de treinar tanto.
Na tribuna, um cumprimento seco entre Maradona e João Havelange, o eterno presidente da FIFA. Diego recebeu a taça das mãos do presidente do México, Miguel de la Madrid, a beijou e a levantou para a posteridade.
(Imagem: Pinterest)
● O alemão Rummenigge é até hoje o único capitão de uma seleção nacional a perder duas finais de Copa, diante da Itália em 1982 e da Argentina em 1986.
O prêmio dos argentinos, campeões mundiais, foi de 50 mil dólares. Se ficassem com a taça, os brasileiros receberiam 130 mil dólares.
“Todos estavam contra a gente. O governo, muitos argentinos, os rivais. Éramos visitantes até no Estádio Azteca. A torcida era maior pelos alemães. No fim do jogo, só os argentinos no estádio berravam. Em nosso país, sabia que tínhamos virado o jogo. E os que mais nos criticavam seriam os primeiros a subir no carro da vitória na Argentina. Pena que um título mundial não baixe o preço do pão. Se pudéssemos resolver os problemas do nosso país com dribles…” — Maradona
Maradona foi fundamental para que a Argentina conquistasse o título. Muitos dizem que ele “ganhou o título sozinho”, o que é impossível em um esporte coletivo como o futebol. Mas é fato que nenhum jogador desequilibrou tanto em um Mundial desde Garrincha, que liderou o Brasil na conquista de 1962. Pela sua liderança e singularidade, com o título, Maradona entrou de vez no “Olimpo do futebol”.
Dieguito não teve desempenho semelhante nas outras três Copas que disputou. Não fez parte do elenco campeão em 1978, segundo o técnico Menotti, por ser “jovem demais” (tinha 17 anos e 7 meses). Em 1982, ainda um garoto, chegou com status de craque e decepcionou, sendo expulso depois de um coice no brasileiro Batista. Em 1990, liderou sua seleção até a final. Mas, com dores no tornozelo, esteve irregular e até perdeu um pênalti. Em 1994, fez duas belas partidas antes de ser flagrado em um exame antidoping.
O capitão da Copa de 1978, Daniel Passarella, estava presente no elenco campeão em 1986, mas ele prefere não colocar esse título no seu currículo, por não ter jogado um minuto sequer na campanha, devido à desavenças e conflito de egos com Maradona, que não queria sequer a convocação do desafeto. De qualquer forma, Passarella é o único jogador presente nos dois títulos mundiais dos portenhos.
A seleção argentina fez sua preparação em Tilcara, um povoado de seis mil habitantes, que fica na província de Jujuy, extremo norte do país, nas fronteiras com o Chile e com a Bolívia. O local foi escolhido por ser uma região de clima árido e altitude considerável, um pouco semelhante ao que veriam no México. Alguns jogadores fizeram uma promessa à Virgem de Punta Corral, padroeira do vilarejo: caso conquistassem o Mundial, esses atletas voltariam ao lugar para agradecer à santa. O título aconteceu, mas eles não cumpriram sua promessa. Alguns fanáticos creditam a seca atual de títulos da seleção ao não cumprimento da promessa.
Três pontos sobre… … 22/06/1986 – Argentina 2 x 1 Inglaterra
Maradona comemora gol sobre a Inglaterra (Imagem localizada no Google)
● Para entender a atmosfera que tomava conta do estádio Azteca era preciso voltar quatro anos antes, quando a Inglaterra derrotou ferozmente a Argentina na Guerra das Malvinas. Os dois países lutaram pela soberania nas Ilhas Malvinas (como é chamada pelos argentinos) ou Falklands (como é conhecida pelos britânicos). Poucos tinham esquecido desse confronto, principalmente os portenhos mais nacionalistas, que estavam ávidos pela vitória no futebol para “vingar” a derrota no conflito militar. Foi com esse espírito de vingança que a Argentina entrou em campo, liderada por Diego Armando Maradona.
Além do motivo político, teve também o futebolístico. A Argentina ainda tinha mágoas por ter sido prejudicada pela arbitragem em um confronto com os ingleses na Copa de 1966, quando o capitão Antonio Rattín acabou expulso por não entender o que a arbitragem falava (falaremos dessa partida dia 23/07).
Na primeira fase, a seleção albiceleste foi líder do grupo A, vencendo a Coreia do Sul (3 x 1), empatando com a Itália (1 x 1) e vencendo a Bulgária (2 x 0). Nas oitavas de final, venceu o rival Uruguai por 1 a 0.
Já os ingleses terminaram o grupo F em segundo lugar, perdendo na estreia para Portugal por 2 a 1, empatando sem gols com o Marrocos e vencendo a Polônia por 3 a 0. Nas oitavas, nova vitória por 3 a 0, mas agora diante do Paraguai.
Na Copa em que a Dinamarca apresentou o 3-5-2 ao mundo como novidade tática, outras equipes utilizaram o mesmo sistema de forma mais discreta. Na Argentina, Bilardo começou o Mundial com o ofensivo e talentoso lateral direito Clausen, do Independiente. Mas já na segunda partida o trocou por Cuciuffo, um zagueiro improvisado como terceiro homem de defesa, a fim de liberar o outro lateral, Olarticoechea, pela esquerda. Não era um 3-5-2 tão ortodoxo, mas a verdade é que o lado direito marcava para o esquerdo atacar. Enquanto isso, o meio campista Giusti cobria o lado direito, enquanto Batista e Enrique cobriam o meio campo, fazendo o balanço defensivo e a transição para o ataque. Os mais talentosos, Maradona e Burruchaga, tinham liberdade total em campo. E a inteligência de Valdano era decisiva no ataque, liberando espaço para quem viesse de trás.
A Inglaterra era escalada no tradicional 4-4-2, com todo o time trabalhando para criar oportunidades para o matador Gary Lineker.
● Foi um primeiro tempo feio e com poucas chances de gol. Na melhor delas, Glenn Hoddle fez um longo lançamento, Pumpido saiu do gol todo desajeitado e Beardsley o driblou e o encobriu, batendo sem ângulo para fora.
Depois, Maradona cobrou falta perigosa, que passou a centímetros da trave esquerda de Peter Shilton. Maradona estava mais “endiabrado” do que nunca, fazendo fila na defesa inglesa, que só o conseguia parar com faltas violentas.
O camisa 10 era sempre destaque. Ainda no primeiro tempo, ao ir cobrar um escanteio, reclamou da falta de espaço e arrancou o mastro com a bandeirinha. O auxiliar costarriquenho Berny Ulloa Morera lhe deu uma grande bronca e o obrigou a colocar o mastro no lugar, mas a flâmula ainda estava caída. Após nova reprimenda, o argentino a colocou de qualquer jeito. Apenas na terceira bronca, Dieguito ajeitou a bandeirinha do jeito que estava antes. Lance hilário.
No segundo tempo, o astro queria colocar fogo no jogo. Logo aos cinco minutos da etapa complementar, Maradona arrancou em direção à área, passou por dois marcadores e tocou para Burruchaga. Fenwick interceptou o passe com um chute para cima, em direção a Peter Shilton. Maradona percebeu, correu e subiu junto com o goleiro. O baixinho não alcançaria, mas com um leve soco na bola, conseguiu encobrir o rival e desviar a bola para as redes. Os ingleses reclamaram bastante do toque de mão. Diego saiu comemorando com discretas olhadinhas de lado para o juiz. O árbitro tunisiano Ali Bin Nasser não viu a infração e validou o gol após consultar o bandeirinha búlgaro Bogdan Dotchev.
La mano de Díos (Imagem localizada no Google)
Aproveitando o nervosismo dos adversários, Maradona ampliou o marcador. Ele recebeu ainda em seu campo e manteve a bola grudada em seu pé esquerdo. Com um giro, tirou Reid e Beardsley da jogada. O argentino arrancou em velocidade, passou por Butcher e Fenwick, driblou o goleiro Shilton e tocou para as redes antes de ser derrubado por Fenwick. Diego demorou 10,9 segundos para percorrer os sessenta metros que o separava da baliza. Foi um lance antológico, considerado por muitos o mais belo gol da história das Copas, demonstrando toda a técnica e a genialidade do capitão albiceleste.
Só então a Inglaterra passou a atacar com mais afinco, mas não conseguia criar chances claras para finalizar. Apenas aos 30 minutos o técnico Bobby Robson colocou o atacante John Barnes em campo. Foram os únicos 15 minutos do jamaicano naturalizado no Mundial, mas ele infernizou a defesa argentina e criou duas oportunidades de gol.
Na primeira, ele recebeu no bico da área passou por dois marcadores, foi até a linha de fundo e cruzou da esquerda, encontrando Gary Lineker livre dentro da pequena área. O centroavante só escorou para as redes, anotando seu sexto gol e se sagrando artilheiro da competição.
Nos últimos lances da partida, a mesma jogada se repetiu: Barnes vai até a linha de fundo e cruza para Lineker, mas dessa vez o camisa 10 não alcançou a bola, perdendo a última chance de empatar e forçar a prorrogação.
No último lance de perigo, Maradona faz outra jogada genial e lança Tapia, que dribla um zagueiro e chuta na trave direita do goleiro Shilton.
Fim de jogo. Inglaterra eliminada, Argentina classificada. Era a única seleção sul-americana que permanecia viva na Copa.
Diego tenta passar pela marcação de Terry Butcher (Imagem localizada no Google)
● Maradona vingou seu país, fazendo justiça com as próprias mãos, literalmente.
Nos dias que se seguiram, Maradona era constantemente questionado sobre a forma que marcou o primeiro gol. E ele “mitou” com a seguinte frase: “O gol foi marcado com a minha cabeça e com a mão de Deus”. Para os fanáticos, era questão de lógica: se Diego diz que fez o gol com “la mano de Díos“, e a imagem mostra ele fazendo o gol com a mão, então… Maradona é deus”. Doze anos depois, seus fiéis fundaram a Igreja Maradoniana.
Na sequência da Copa, Maradona continuou liderando sua seleção, fazendo os dois gols na vitória sobre a Bélgica (2 x 0) nas semifinais. Na decisão, ele não marcou, mas criou tudo que se passou na emocionante vitória sobre a Alemanha Ocidental por 3 a 2. Assim, a Argentina se sagrou bicampeã da Copa do Mundo.
Muitos dizem que Maradona “ganhou a Copa de 1986 sozinho”. O time argentino não era realmente muito bom, mas estava longe de ser uma baba. Mas independente disso, a atuação de Diego no Mundial o elevou a “status de deus“. Independente de seus futuros problemas pessoais como, por exemplo, o vício em drogas, Maradona é uma lenda viva do futebol e um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Para o bem e para o mal, um gênio.
Cumprimentos iniciais entre os capitães Maradona e Peter Shilton (Imagem: Globo Esporte)
Três pontos sobre… … Maradona e algumas curiosidades
(Imagem: Pinterest)
● Seus apelidos mais comuns são “D10S”, “El 10”, “Maradó”, “El Pelusa”, “El Pibe de Oro” e “Barrilete Cósmico”.
● Todo jogador promissor que é revelado na Argentina é chamado de “novo Maradona”, dentre eles Ariel Ortega, Marcelo Gallardo, Juan Román Riquelme, Leandro Romagnoli, Javier Saviola, Pablo Aimar, Andrés D’Alessandro e até Lionel Messi.
● Em entrevista em janeiro de 2005, Maradona confessou aos risos que na Copa de 1990, o lateral esquerdo brasileiro Branco tomou uma água oferecida pelo massagista da equipe argentina nas oitavas de final. Porém, a garrafa também continha tranquilizando, deixando o brasileiro abatido em campo. Debochando, Diego falou que também ofereceu a mesma água ao meia Valdo e se desesperou quando seu companheiro Julio Olarticoechea estava prestes a beber na mesma garrafa. Esse caso ficou conhecido como o episódio da “água batizada”.
● Em parte das décadas de 1970 e 80, a seleção argentina inscrevia nas competições os jogadores por ordem alfabética. Por exemplo, o goleiro Ubaldo Fillol foi o número 5 na Copa de 1978 e 7 em 1982. Assim, em duas partidas da Copa América de 1979, Maradona jogou com a camisa nº 6. Aos 19 anos, ainda não possuía status na seleção e foram as únicas vezes em sua carreira que não jogou com a camisa 10.
● Maradona começou o namoro ainda adolescente com Claudia Villafañe, uma garota que morava do lado da sua casa, quando já havia ganhado dinheiro o suficiente para levar sua família do bairro de Villa Fiorito para uma casa em La Paternal, perto do estádio do Argentino Juniors. O estádio hoje leva seu nome. Viveram juntos durante muitos anos antes de se casarem. Em 1987 nasce sua filha Dalma (atriz, cantora e ex-mulher do acessor de imprensa do pai, Fernando Molina), batizada com o mesmo nome da mãe de Diego. Em 1989, casam-se em uma cerimônia luxuosa no Luna Park, um estádio de Buenos Aires que é palco de lutas de boxe. No mesmo ano nasce sua segunda filha, Gianinna. Diego e Claudia se separaram há alguns anos, mas ela ainda segue encarregada de alguns negócios dele.
● Em setembro de 1986, a ex-empregada de Diego, Cristina Sinagra, denunciou que ele é o pai do filho que ela teve. A paternidade é confirmada posteriormente na justiça. O filho, Diego Sinagra (também conhecido como Diego Armando Maradona Jr.), jamais seria assumido e os dois só teriam seu primeiro encontro em 2003. Nascido em Nápoles e hoje com 30 anos, Diego Jr. começou jogando nas divisões de base do Napoli e se transferiu para o Genoa ainda nas divisões de base. Mas só foi ter algum sucesso depois de passar a jogar futebol de areia (joga na seleção italiana da modalidade). Ao contrário do pai, ele é destro e torcedor do River Plate.
● A quarta filha de Diego é Jana Maradona. “El Pibe” conheceu sua mãe, Valeria Sabalain, quando ela era bar-woman de um estabelecimento. Ela deu a luz à Jana e, quando a menina tinha 12 anoz, entrou na justiça e ganhou o caso. Mas a menina disse em raras entrevistas que não quer apenas ser reconhecida pelo pai e que ele lhe pague as contas, como faz. Quer que ele esteja presente na vida dela, o que ele não faz.
● Com pouco mais de três anos, Diego Fernando Maradona Ojeda é o filho mais novo de “El Diez”, cuja mãe é Verónica Ojeda. A criança tem alguns problemas de saúde e já foi até operada. A mãe reclama que o pai se esqueceu do menino, enquanto sua irmã Gianinna sempre dá todo apoio ao irmão caçula.
● Na parte superior do braço direito, Maradona fez uma tatuagem do revolucionário argentino Ernesto “Che” Guevara, o que foi amplamente copiado pelos seus fãs. Também tem uma tatuagem do líder cubano Fidel Castro em sua perna esquerda e disse que quer fazer uma do falecido presidente venezuelano Hugo Chávez, outro líder de esquerda da América Latina (também é amigo do presidente boliviano Evo Morales). Também tem nos braços os nomes de suas duas filhas, Dalma e Gianina, e do seu neto Benjamín.
● Os brincos de diamante são uma peculiaridade no estilo de Maradona. Mas em 2009, quando o ex-jogador foi à Itália para se submeter a um tratamento de emagrecimento, as autoridades confiscaram um brinco para pagar uma dívida de milhões de euros em impostos que ele devia desde quando jogava no Napoli, na década de 1980. Posteriormente, o ex-atacante do Palermo e grande admirador de Maradona, Fabrizio Miccoli, através de um agente, comprou o brinco em um leilão por 36.400 dólares (mais de três vezes seu valor). O atacante o leva como amuleto nos jogos, mas disse que se alguma vez se encontrasse com Maradona, lhe devolveria sua joia.
● Maradona estreou em 15/08/2005 como apresentador de televisão. Ele assumiu o comando do talk show “La Noche Del Diez” (“A Noite do Dez”), exibido pelo Canal 13 na Argentina. O programa durou todo o segundo semestre. Nas 13 edições, recebeu figuras midiáticas de todo o mundo, como Xuxa, Mike Tyson e Fidel Castro. Mas seu convidado de honra no primeiro programa foi o desafeto Pelé. A noite foi marcada por um inesperado bom humor e amistosidade entre ambos, que cantaram juntos e terminaram trocando passes de cabeça, emocionando a plateia. Como curiosidade, foi nos bastidores do programa que sua filha Giannina conheceria pessoalmente Sergio Agüero, com quem iniciaria um relacionamento amoroso e teria um filho, chamado Benjamín.
● Em 1982, antes de se consagrar mundialmente, Diego procurou o brasileiro Maurício de Sousa, interessado em ter um personagem de histórias em quadrinhos, inspirado no sucesso da Turma do Pelezinho. Empolgado, Maradona até rascunhou o personagem. Ainda antes da Copa de 1982, se encontrou com o cartunista, pediu que o personagem chamasse “Dieguito” ao invés de “Maradoninha” e contou passagens de sua infância para servirem de inspiração para as histórias. Maurício criou ainda outros onze personagens da “Turma do Dieguito” e séries inteiras para jornais, revistas e até desenho animado, mas foram engavetados com sucessiva mudança de clubes de Maradona nos anos seguintes, o que obrigaria uma revisão nas histórias. As notícias do envolvimento do ídolo com as drogas fez Maurício de Sousa desistir de vez do projeto e entregar todo o material à então esposa de Diego, Claudia Villafañe. Em 2005, no programa televisivo “La Noche del Diez”, “Dieguito” apareceu novamente, batento bola com “Pelezinho”, assim como os dois gênios que os inspiraram fizeram no programa.
● Maradona e Pelé têm se enfrentado historicamente na preferência dos torcedores para eleger o melhor jogador de todos os tempos. Em 2000, a FIFA elegeu o melhor do século XX. Para os torcedores, Maradona foi escolhido. Mas entre os especialistas, Pelé venceu. Maradona deixou a premiação da FIFA antes de Pelé receber o prêmio. Pelé já disse mais de uma vez: “Se ele acredita que é o melhor jogador do século, o problema é dele”.
● Em 2005, foi lançado o filme “Amando a Maradona” – Una película sobre el amor incondicional”, uma homenagem de Javier Vásquez que reúne imagens pouco conhecidas, testemunhos de pessoas próximas a Diego, de adeptos da Igreja Maradoniana e de diversos outros fãs. O cartaz do filme mostra uma seleção argentina composta por onze “Maradonas”, com fisionomias de diferentes épocas de sua vida. Já em 2007, foi lançado um filme dirigido pelo diretor italiano Dino Risi, com o nome de “Maradona – La Mano de Dios”. O cineasta sérvio Emir Kusturica também produziu o documentário biográfico do craque “Maradona by Kusturica”, que estreou em 2007, em Cannes. Diego também já foi homenageado em diversas canções, com destaque para composições do cantor franco-espanhol Manu Chao, que compôs “Santo Maradona” e “La Vida Tómbola” (essa segunda é a favorita de Diego e faz parte da trilha sonora do filme de Kusturica).
● O fundo poço da vida de “El Pibe” foi em 2003, quando o maior ídolo do futebol argentino esteve entre a vida e a morte por causa de uma overdose – até hoje não confirmada pelos médicos. De acordo com especialistas apenas 40% de seu coração tem funcionamento normal devido aos anos de consumo de cocaína.
● Em 2005, fez uma cirurgia de redução de estômago na cidade colombiana de Cartagena. O ex-craque ficou com 75 kg, perdendo cerca de 50 kg após a cirurgia.
● Em fevereiro de 2010, Maradona voltou a um hospital, mas não por motivo de drogas, álcool ou cirurgia para perder peso. Sua cadela de estimação (uma shar-pei chamada Bella) mordeu seu lábio superior e ele teve de ser submetido a uma cirurgia plástica para reconstruir seu lábio superior. Foi preciso lhe dar 10 pontos no local. Mais tarde, disse que era tudo culpa sua, por tentar dar um beijo de boa noite na cachorra enquanto ela dormia. Depois da mordida, Maradona passou a ter um novo visual, deixando crescer a barba.