… 23/07/1966 – Inglaterra 1 x 0 Argentina

Três pontos sobre…
… 23/07/1966 – Inglaterra 1 x 0 Argentina


Geoff Hurst cabeceia bonito e marca o único gol da partida. (Imagem: Central Press / Hulton Archive / Getty Images)

● Os ingleses se vangloriavam por serem os inventores do futebol, mas eram apenas isso. Nos três primeiros mundiais, não quiseram colocar sua “supremacia” em risco, enfrentando os “reles mortais” das outras seleções. Após a Segunda Guerra Mundial, eles aceitaram disputar a Copa do Mundo, mas foram vítimas de fiascos e campanhas interrompidas precocemente entre 1950 e 1962. Em 1966, eram os anfitriões. E, como todos os donos da casa, preparavam “o seu salão de festas” (o estádio Wembley) para eles mesmos brilharem. Organizar a Copa do Mundo não bastava; era preciso conquistá-la.

Na estreia, um xoxo empate sem gols contra o retrancado Uruguai e vaias da torcida. Contra o México, os jogaram com afinco e venceram com um tranquilo 2 a 0. Com um novo 2 a 0, os “Three Lions” bateram também a mediana seleção francesa. Mesmo se classificando em primeiro lugar do grupo, era um futebol sem criatividade, que não se encaixava no 4-3-3 e se valia apenas da bola área para o centroavante Roger Hunt.

Apesar de contar com jogadores de nível mundial, como o goleiro Gordon Banks, o zagueiro e capitão Bobby Moore e o craque Bobby Charlton, além de talentos como os meia-pontas Alan Ball e Martin Peters, o queridinho da imprensa Jimmy Greaves e as “duas torres” Roger Hunt e Geoff Hurst, o destaque na primeira fase foi o “cão de guarda” Nobby Stiles. Com apenas 1,68 m, ele usava grossas lentes de contato e removia a prótese com os dentes da frente de acordo com o jogo, ficando banguela. Parecia ainda mais feroz pelo vão livre da boca sempre aberta para reclamar. Ele não deixava seus adversários jogarem, marcando-os duramente. Ao fim da fase de grupos, ele chegou a ser advertido pela FIFA pelo “jogo brusco”.

Para as quartas de final, o técnico inglês Alf Ramsey teve que mudar a equipe. Greaves cortou a perna contra a França e não poderia jogar. Ao invés de escalar outro ponta, a opção foi pelo centroavante Hurst, para fazer companhia a Hunt. Com dois centroavantes de ofício, Ramsey aboliu definitivamente o 4-3-3 e ratificou seu 4-4-2. Eram duas linhas de quatro. A segunda contava com o volante Stiles protegendo a defesa e o auxílio do “todo-campista” Bobby Charlton. Alan Ball cuidava do lado direito e Martin Peters do lado esquerdo. Ao invés de ser mais defensiva, a Inglaterra ficou mais consistente tanto na defesa quanto no ataque.

Na véspera do confronto, os argentinos quiseram ir até o estádio Wembley para reconhecer o gramado, pois não haviam jogado lá durante o Mundial. Mas isso não pôde acontecer, porque no estádio estavam ocorrendo corridas de cachorros, um evento muito comum e popular na Inglaterra.


O técnico Alf Ramsey até tentou utilizar o sistema 4-3-3, mas, com a lesão de Jimmy Greaves e as más partidas dos pontas na primeira fase, acabou optando pelo 4-4-2. Os grandes destaques eram os meias Martin Peters pela esquerda e o caçula Alan Ball na direita. Eles faziam um bom balanço defensivo e atacavam quando tinham a bola. Foi uma sacada genial de Ramsey, que antecipou uma tendência ao que se vê em muitas equipes em pleno século XXI.


A Argentina atuava no sistema 4-3-3 clássico.

● A partida contra a Argentina foi muito disputada e bastante equilibrada. A “albiceleste” também tinha um belo time, mas que gostava de bater feio. Nobby Stiles parecia um monge perto dos violentos argentinos. Nesse duelo, Stiles foi escalado para marcar individualmente o atacante Ermindo Onega e obteve sucesso. Jogando mais avançado pelo lado direito, Ball criou muitos problemas para a defesa adversária e ainda impediu os avanços do ótimo lateral esquerdo Silvio Marzolini.

A Inglaterra começou jogando melhor, mas errando demais. Com esses erros, veio o nervosismo e os jogadores passaram a disputar a bola com muita afobação e rispidez. Os portenhos nunca foram santos e também elevaram o nível nas “botinadas”. Mas o árbitro punia apenas as faltas cometidas pelos sul-americanos, causando um clima mais tenso ainda.

O excepcional goleiro Banks exibia suas qualidades, mantendo a invencibilidade de sua meta (ainda não tinha sido vazado no Mundial). Os ingleses respondiam no ataque quando Bobby Charlton fazia das dele, arrancando desde o meio e arriscando de longe.

O jogo ficou ainda mais ríspido. Aos 34 minutos, o ótimo meia argentino Antonio Rattín entrou feio em Peters. No lance seguinte, o zagueiro Roberto Perfumo (que depois seria ídolo do Cruzeiro) atingiu Hunt. O árbitro alemão Rudolf Kreitlein puxou o caderninho de capa preta, onde anotava o número dos jogadores que ele advertia formalmente. O capitão Rattín não aceitou passivamente e reclamou de forma veemente. Logo depois, o juiz anotou mais algumas coisas no livrinho. O argentino continuou discutindo até o árbitro fazer um sinal mundialmente conhecido: Rattín estava expulso da partida.

A expulsão não era muito justificável. Além do mais, o que faltou mesmo foi um entender o que o outro dizia. Rattín não falava outro idioma além do espanhol, o árbitro era alemão, um bandeirinha era suíço e outro húngaro. Assim, a falha na comunicação e a falta de comando do juiz resultou em oito minutos de bola parada. Devido a esse problema, o chefe de arbitragem da FIFA, o ex-árbitro Ken Aston, criou no ano seguinte os cartões amarelos e vermelhos, para facilitar a comunicação entre juízes e atletas.

Rattín saiu do gramado, mas perdeu a noção das coisas. Cometeu um despautério, passando alguns minutos sentado no tapete vermelho estendido para a Rainha Elizabeth II. Teve de ser retirado de lá por dois policiais, que o conduziram até o vestiário. No caminho, ele ainda devolveu alguns xingamentos e fez gestos obscenos para a torcida inglesa. Ao passar perto da linha de fundo, tocou de forma displicente e amassou a “Union Jack“, a bandeira britânica, que adornava o mastro de escanteio. Ele acabaria suspenso por quatro partidas em decisão do comitê da FIFA.


Antonio Rattín foi expulso por reclamação aos 35′ de partida. (Imagem: The Telegraph)

Rattín deu sua versão do caso:

“Nossos dirigentes me instruíram para que, no caso de qualquer complicação ou necessidade de falar com o árbitro, eu deveria recorrer ao intérprete. Foi o que fiz quando o árbitro tomou nota dos números de meus companheiros, marcando-os para uma punição maior, no decorrer da partida. Não entendia o que era aquilo, não era normal isso acontecer, e fiz sinal que gostaria de saber, com a ajuda de um intérprete. O árbitro então interpretou a minha ação a procura de alguém que pudesse me explicar o que ele estava fazendo como um insulto e me expulsou de campo. Fazia parte do que esperávamos: as arbitragens jogariam junto com o time da casa.”

“Não entendíamos o que o árbitro falava com os ingleses. A impressão era de que não estava advertindo os faltosos. O jogo violento corria solto. Fui expulso porque estaria contestando as marcações dele. Depois, sentei no tapete vermelho ao redor da tribuna da família real. Jogaram latas de cerveja em mim. E eu não gosto de cerveja inglesa”.

O árbitro perdeu o pulso da partida e o jogo descambou de vez para a violência. A Argentina se fechou em uma espécie de 4-3-2, manteve o duelo equilibrado e ainda ameaçou a meta inglesa na segunda etapa. Perdeu um gol feito aos 19′, com o ponta esquerda Oscar Más, que finalizou para fora na saída de Banks. Não se pode errar um gol feito em uma partida com tão poucas oportunidades. Foram apenas três para os ingleses e duas para os portenhos.

O gol saiu em uma jogada tipicamente inglesa. Aos 31 minutos do segundo tempo, Peters cruzou da esquerda e Hurst apareceu entre os zagueiros Perfumo e Albrecht, e se antecipou ao goleiro Roma para desviar para o gol. Foi o gol solitário da vitória inglesa. Os argentinos reclamaram de impedimento no lance, mas o gol foi legal e validado pelo árbitro alemão.


O técnico inglês Alf Ramsey impediu o lateral direito George Cohen de trocar a camiseta com o meia argentino Alberto Mario González.
(Imagem localizada no Google)

● Com a derrota, os argentinos causaram um novo tumulto e o reserva José Omar Pastoriza chegou a acertar uma bofetada no juiz.

Ao fim da partida, alguns jogadores ingleses pretendiam deixar os incidentes de lado e, amistosamente, trocar de camisa com os adversários (o que é comum em qualquer partida até hoje). Mas o técnico Alf Ramsey invadiu o gramado para impedir que seus comandados trocassem de camisa com os argentinos. Após o jogo, ele disse que a seleção inglesa “só produziria melhor quando encontrasse rivais que praticassem futebol e não atuassem como animais”. Essa frase perseguiu Ramsey pelo resto de sua vida e o tornou “persona non grata” na Argentina.

Nos dias que se seguiram, os jornais britânicos endossaram as declarações do treinador, chamando os argentinos de “animais” e criticaram duramente as atitudes de Rattín. Por sua vez, os jornais portenhos não pouparam críticas à FIFA e chamaram a entidade de “covil de ladrões“.

FICHA TÉCNICA:

 

INGLATERRA 1 x 0 ARGENTINA

 

Data: 23/07/1966

Horário: 15h00 locais

Estádio: Wembley

Público: 90.584

Cidade: Londres (Inglaterra)

Árbitro: Rudolf Kreitlein (Alemanha Ocidental)

 

INGLATERRA (4-4-2):

ARGENTINA (4-3-3):

1  Gordon Banks (G)

1  Antonio Roma (G)

2  George Cohen

8  Roberto Ferreiro

5  Jack Charlton

4  Roberto Perfumo

6  Bobby Moore (C)

12 Rafael Albrecht

3  Ray Wilson

7  Silvio Marzolini

4  Nobby Stiles

15 Jorge Solari

9  Bobby Charlton

10 Antonio Rattín (C)

7  Alan Ball

16 Alberto Mario González

10 Geoff Hurst

19 Luis Artime

21 Roger Hunt

20 Ermindo Onega

16 Martin Peters

21 Oscar Más

 

Técnico: Alf Ramsey

Técnico: Juan Carlos Lorenzo

 

SUPLENTES:

 

 

12 Ron Springett (G)

2  Rolando Irusta (G)

13 Peter Bonetti (G)

3  Hugo Gatti (G)

14 Jimmy Armfield

13 Nelson López

18 Norman Hunter

9  Carmelo Simeone

15 Gerry Byrne

6  Oscar Calics

17 Ron Flowers

5  José Varacka

20 Ian Callaghan

17 Juan Carlos Sarnari

22 George Eastham

11 José Omar Pastoriza

19 Terry Paine

14 Mario Chaldú

11 John Connelly

18 Alfredo Rojas

8  Jimmy Greaves

22 Aníbal Tarabini

 

GOL: 78′ Geoff Hurst (ING)

 

EXPULSÃO: 35′ Antonio Rattín (ARG)

Expulsão de Rattín e gol de Hurst:

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  3. Cadu Sindona

    Esse é um dos jogos que mais marcado pela tensão do que pelo espetáculo. No geral, os ingleses mereceram a vitória, mas parte da reclamação dos argentinos se justifica. Contudo, a historinha de que eles foram vítimas de um complô para tirá-los do mundial é evidentemente furada.

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