… 14/06/1982 – Brasil 2 x 1 União Soviética

Três pontos sobre…
… 14/06/1982 – Brasil 2 x 1 União Soviética


(Imagem: Blog do Barath)

● A Copa do Mundo de 1982 foi a porta de entrada para muitos amantes do futebol. Se ela não faz parte das boas memórias de muitos brasileiros, deixou saudades nos amantes do esporte. Analisando friamente os Mundiais seguintes, chega-se à conclusão de que aquele foi o início do fim do belo futebol, com três ou quatro craques em várias equipes.

Existia um favorito destacado: o Brasil de Zico, Falcão, Sócrates, Cerezo, Júnior e companhia ilimitada. Mas havia várias outras seleções com muita técnica e elevado nível tático, como a França de Michel Platini, Rocheteau, Giresse e Tigana; a Itália, de Dino Zoff, Scirea, Bruno Conti e Paolo Rossi; a Polônia, de Lato, Boniek e Zmuda; a Alemanha de Rummenigge, Paul Breitner e Littbarski; a então campeã Argentina de Passarella, Ardiles, Mario Kempes e do jovem Maradona; a injustiçada Argélia de Madjer e Belloumi; a União Soviética do goleiro Dasayev e do atacante Oleg Blokhin. Isso sem falar em seleções tradicionais, como Inglaterra, Espanha, Iugoslávia, Bélgica, Áustria e Escócia.

Mesmo diante de todos esses enormes adversários, o futebol refinado da Seleção Brasileira se destacava e sua torcida esbanjava alegria e auto-confiança, também influenciada pelo ufanismo da imprensa nacional. Onde quer que o esquadrão de Telê Santana estivesse, estava junto uma caravana de torcedores fanáticos e barulhentos, proporcionando um verdadeiro carnaval.

Para nós, apaixonados por futebol, aquela Seleção encarnou como poucas o conceito de futebol-arte. A escalação está sempre fresca na memória. Porém, faltaram duas unanimidades: o goleiro Leão, por opção de Telê, e o centroavante Careca, que era titular da equipe, mas se lesionou a menos de um mês do início do Mundial.

Com um toque de bola refinado e objetivo, aquela equipe encantou o mundo. Tinha um goleiro experiente (Waldir Peres), uma dupla de zaga que se completava (Oscar e Luizinho), dois laterais ofensivos (Leandro e Júnior), dois volantes extremamente técnicos (Falcão e Cerezo), dois meias geniais (Zico e Sócrates) e dois atacantes fortes (Éder e Serginho). Todos dirigidos pelo Mestre Telê Santana.

O retrospecto antes da Copa referendava o favoritismo brasileiro: em 31 partidas, foram 23 vitórias, seis empates e apenas duas derrotas, com 75 gols marcados e 19 sofridos. Com tudo isso, o Brasil chegou à Espanha cheio de expectativas.


Taticamente, o Brasil foi a campo tendo o 4-3-3 como referência, com Dirceu escalado inicialmente como um falso ponta direita. Sem a bola, defendia em um 4-2-3-1. Com a bola, avançava em um 4-1-4-1, com Sócrates e Falcão se revezando na proteção à defesa.


A URSS também foi escalada baseada no 4-3-3. Sem a bola, a defesa e o meio fazia uma linha de quatro jogadores. Com a bola, Gavrilov era o jogador chave para emular o 4-3-1-2, se posicionando à frente de Bal’, Daraselia e Bessonov e sendo o principal articulador das tramas ofensivas. Mais avançados, Shengelia e Blokhin se movimentavam intensamente pelos dois lados do ataque.

● Finalmente havia chegado o dia 14 de junho! O país inteiro parou diante da TV para assistir à estreia brasileira na Copa do Mundo.

O time soviético havia vencido o Brasil dois anos antes, em pleno Maracanã. Era uma boa equipe, com jogadores de alto nível, como o goleiro Dasayev, o zagueiro e capitão Chivadze, os meias Dem’yanenko e Bessonov e, principalmente, o atacante Blokhin. Ainda assim, o mínimo que se esperava era um “baile” do Brasil.

Telê surpreendeu a todos já na escalação, ao colocar Dirceu na vaga do suspenso Toninho Cerezo, barrando Paulo Isidoro, que tinha passado quase toda a preparação no time titular.

Após o apito inicial, a Seleção Canarinho foi logo protagonizando uma bela troca de passes entre Falcão, Leandro, Dirceu e Sócrates.

Logo aos dois minutos, Dirceu roubou a bola de Chivadze e tocou para Zico, que avançou, passou por um adversário e chutou forte. Dasayev espalmou para escanteio, já mostrando logo de cara que seria muito difícil passar pela parede do goleiro soviético.

Aos 3′, Éder cobrou escanteio da direita, com muito efeito. Dasayev não conseguiu afastar e Serginho perdeu um gol feito ao furar a cabeçada.

Os soviéticos acordaram dois minutos depois. O perigosíssimo Oleg Blokhin passou como quis por Leandro e cruzou para Bal’ cabecear com perigo.

No lance seguinte, Zico arrancou com liberdade e passou para Júnior, que avançava pela meia esquerda. O lateral brasileiro finalizou, mas Dasayev fez uma defesa segura.

Aos 8, Sócrates lançou Chulapa no costado da zaga, mas o camisa 9 pegou mal na bola e chutou por cima do gol.


A defesa soviética estava sempre muito fechada e atenta (Imagem: Blog do Ramon Paixão)

Aos 18, Luizinho deu uma mostra do seu nervosismo pela estreia. Ele puxou Shengelia dentro da área. Pênalti claríssimo, ignorado pelo árbitro espanhol Augusto Lamo Castillo.

Era uma belíssima partida, muito intensa. A URSS saía para o jogo e o Brasil fazia transições ofensivas rápidas, em contra-ataques perigosos.

Mas era muito difícil que as duas equipes mantivessem o ritmo forte e o jogo teve uma queda no nível, mas a Seleção Brasileira continuou controlando melhor as ações.

Porém, aos 34 minutos de jogo, depois de uma troca de passe soviética na intermediária ofensiva, Bal’ arriscou um chute despretensioso, da intermediária. A bola foi fraca, no meio do gol, em cima de Waldir Peres. Mas ele não a segurou, deixando escapar para esquerda e entrar no gol. Waldir engoliu um dos maiores frangos da história das Copas. Injusto com a história desse grande goleiro, mas uma falha indesculpável para seu nível.

Aos 36′, a bola bateu no braço de Baltacha dentro da grande área russa. Depois da grande reclamação dos brasileiros, especialmente de Sócrates, Castillo resolveu marcar apenas a jogada perigosa do zagueiro, ao invés de pênalti.

Aos 42, grande chance perdida pelos soviéticos. A defesa brasileira falhou e Bessonov perdeu um gol feito ao chutar na trave o rebote de um cruzamento.


O capitão Sócrates foi fundamental para que o Brasil pudesse virar o marcador (Imagem: Anotando Fútbol)

Telê não gostou muito do que viu de Dirceu em campo e o substituiu por Paulo Isidoro no intervalo. Essa nova formação era mais próxima técnica e taticamente da que fora treinada e testada nos dois anos anteriores ao Mundial. Com isso, o Brasil passou a trabalhar melhor a bola e pressionar mais no segundo tempo.

Aos 15 minutos, a superioridade dos sul-americanos era clara. Mas mesmo com o domínio territorial e físico, o Brasil abusava dos chuveirinhos na área em busca de uma finalização de Serginho, em vez de seguir seu próprio estilo de troca de passes. Era um time nervoso e ansioso para definir logo as jogadas.

A URSS se fechava toda e mantinha praticamente nove jogadores entrincheirados dentro de sua intermediária defensiva. Com o perdão do trocadilho, era uma “Cortinha de Ferro” difícil de ser ultrapassada. Assim, mesmo com toda a qualidade técnica e posse de bola, o Brasil só conseguia assustar com tiros de longa distância.

Leandro parou nas mãos de Dasayev e depois em um desvio do capitão Chivadze. Éder primeiro chutou perigosamente, mas por cima. Depois, aos 25′, o canhão do camisa 11 obrigou Dasayev a desviar para escanteio.

Enquanto a URSS segurava o placar, o Brasil tentava igualar e o tempo passava rápido. Estava claro qual seria a solução para os brasileiros: uma jogada de um de seus gênios e finalização de fora da área.


Sócrates passa por dois adversários e chuta forte para empatar a partida (Imagem: Memória Globo)

Foi o que aconteceu aos 30 minutos. A defesa vermelha afastou um cruzamento de Éder. Sócrates ficou com a sobra, passou por dois marcadores e chutou da intermediária. Foi um verdadeiro “pombo sem asas”, que morreu no ângulo direito do grande goleiro soviético, que dessa vez nada pôde fazer. A quinze minutos do fim, finalmente a partida estava empatada.

Aos 32′, enfim Serginho ganhou uma bola pelo alto da zaga rival e ajeitou para Zico na pequena área. O Galinho, mesmo desequilibrado, se esticou todo e finalizou com o bico da chuteira e a bola passou rente a trave direita de Dasayev.

Aos 36′, o ansioso Luizinho cometeu novo pênalti, novamente não marcado pelo juiz. Ele cortou com a mão um lançamento longo de Blokhin. Os equívocos da arbitragem ajudavam o Brasil: dois graves erros a favor e apenas um contra.

Os soviéticos voltaram a assustar e marcaram um gol em impedimento, mas desta vez o árbitro acertou ao invalidar logo o lance.


Éder decidiu a partida, com um foguete de fora da área (Imagem: Blog do Barath)

A dois minutos do apito final, enquanto o comentarista da TV Globo Márcio Guedes tentava justificar o empate, o Brasil atacava. Paulo Isidoro dominou na direita e tocou para o meio. O genial Falcão abriu as pernas, fazendo o corta-luz. Da meia-lua, Éder já dominou levantando a bola e, sem a deixar cair, emendou um petardo no contrapé do goleiro. Desaev teve a lucidez de notar que não havia nada a fazer.

Era a virada. Agora estava 2 a 1 para a Seleção que não merecia perder nunca.

Dasayev pegou tudo que deu. Entre defesas difíceis e cruzamentos interceptados, foram 18 intervenções.

Mas ainda havia tempo para mais. Serginho fez uma grande jogada, passando pelo seu marcador e batendo cruzado. Zico tentou chegar de carrinho, mas não alcançou a bola.

Foram dois minutos de acréscimos, nos quais Luciano do Valle, então na TV Globo, narrava dramaticamente os instantes finais da estreia brasileira. Justamente quando Falcão entrava cara a cara com o goleiro russo, o péssimo árbitro Lamo Castillo encerrou a partida. Provavelmente seria o terceiro gol do Brasil.

De qualquer forma, apesar do aparente nervosismo de alguns jogadores, valeu pela vitória de virada e pela demonstração de que o Brasil era, sim, o grande favorito ao título da Copa de 1982.

Ficaram alguns questionamentos. Waldir Peres sofreu um gol ridículo. Leandro não conseguiu parar Blokhin. Luizinho cometeu dois pênaltis. Serginho cansou de perder gols.


Éder comemora o gol da virada (Imagem: Blog do Ramon Paixão)

● Falcão fez um belo trabalho cobrindo as subidas dos dois laterais. Dirceu e Paulo Isidoro preencheram bem o lado direito, dando equilíbrio ao time. Nas partidas seguintes, com a volta de Toninho Cerezo ao time titular e sem ninguém de ofício na posição, o lado direito ficou fragilizado e esse equilíbrio não existiu mais.

Sobre essa partida, Zico fez algumas ponderações para o excelente livro “Sarriá 82”, de Gustavo Roman e Renato Zanata:

“Eu sei que naquele jogo deu pena do Serginho, porque ele teve tantas oportunidades, desperdiçou tantos gols. Nós entramos massacrando a União Soviética, Dasayev pegou tudo, e aí os caras foram lá e fizeram um gol. Dasayev foi o melhor jogador em campo, e, para vazá-lo, só mesmo daquela forma que os gols acabaram saindo. Aconteceu o lance dos pênaltis (não marcados em favor da URSS). Eu acho que o mais vergonhoso foi o do segundo tempo. De onde eu estava, não vi direito. Depois é que eu vi na televisão e falei ‘não é possível’, foi muito vergonhoso. No primeiro tempo acho que o cara (Shengelia) forçou um pouquinho.”

Telê Santana confessaria também: “Sofri muito, mas este foi um dos maiores jogos que vi na minha vida”.

Falcão (Roma, Itália) e Dirceu (Atlético de Madrid, Espanha) foram oficialmente os dois primeiros jogadores que atuavam fora do Brasil a serem convocados para uma Copa do Mundo. Em 1934, Patesko e Luiz Luz atuavam no Nacional, do Uruguai, mas foram inscritos como atletas da CBD, porque naquela época o Brasil só permitia amadores na Seleção e os times uruguaios eram profissionais.

A Roma, inclusive, exigiu que a CBF fizesse um seguro de 5 milhões de dólares para que Falcão pudesse atuar na Copa. Felizmente ele não teve nenhum problema físico e seria um personagem fundamental em seu clube na temporada 1982/83, liderando a Roma na conquista da Serie A.

Curiosamente, nessa vitória brasileira sobre a URSS, os travessões do estádio Sánchez Pizjuán, em Sevilha, estavam 2,5 centímetros mais baixos que o estipulado pelas regras do futebol (2,44 metros). O problema foi detectado por um ex-goleiro iugoslavo no dia seguinte à partida e o estádio só foi utilizado novamente na semifinal entre Alemanha e França, já com as traves corrigidas.

Enquanto seus principais concorrentes passavam apuros, o Brasil dava show. Foram exibições de gala e gols antológicos na sequência do Grupo 6 da primeira fase, quando golearia a Escócia por 4 a 1 e a Nova Zelândia por 4 a 0. No Grupo C da segunda fase, a Seleção deu um show na vitória por 3 a 1 sobre a Argentina e jogaria por um empate contra a Itália. Ah, Itália! Com três gols do eterno carrasco Paolo Rossi, os italianos venceram os brasileiros por 3 a 2 na “Tragédia do Sarriá” e seguiram caminho rumo ao seu tricampeonato.

A União Soviética ficou em segundo 6. Após a derrota para o Brasil, venceu a Nova Zelândia (3 x 0) e empatou com a Escócia (2 x 2). No Grupo A da fase seguinte, venceu a Bélgica por 1 a 0 e empatou sem gols com a Polônia. Ficou fora das semifinais apenas no saldo de gols, pois a Polônia havia vencido a Bélgica por 3 a 0.


Gol de empate do Brasil, marcado por Sócrates (Imagem: Marco Sousa / Fox Sports)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 2 x 1 UNIÃO SOVIÉTICA

 

Data: 14/06/1982

Horário: 21h00 locais

Estádio: Ramón Sánchez Pizjuán

Público: 68.000

Cidade: Sevilha (Espanha)

Árbitro: Augusto Lamo Castillo (Espanha)

 

BRASIL (4-3-3):

UNIÃO
SOVIÉTICA (4-3-3):

1  Waldir Peres (G)

1  Rinat Dasayev (G)

2  Leandro

2  Tengiz Sulakvelidze

3  Oscar

3  Aleksandr Chivadze (C)

4  Luizinho

5  Sergei Baltacha

6  Júnior

6  Anatoliy Dem’yanenko

15 Falcão

12 Andriy Bal

8  Sócrates (C)

8  Vladimir Bessonov

10 Zico

13 Vitaly Daraselia

21 Dirceu

9  Yuri Gavrilov

9  Serginho Chulapa

7  Ramaz Shengelia

11 Éder

11 Oleg Blokhin

 

Técnico: Telê Santana

Técnico: Konstantin Beskov

 

SUPLENTES:

 

 

12 Paulo Sérgio (G)

22 V’yacheslav Chanov (G)

22 Carlos (G)

21 Viktor Chanov (G)

13 Edevaldo

4  Vagiz Khidiyatullin

14 Juninho Fonseca

14 Sergey Borovskiy

16 Edinho

20 Oleg Romantsev

17 Pedrinho Vicençote

18 Yuri Susloparov

5  Toninho Cerezo

17 Leonid Buryak

18 Batista

10 Khoren Oganesian

7  Paulo Isidoro

19 Vadim Yevtushenko

19 Renato Pé Murcho

16 Sergey Rodionov

20 Roberto Dinamite

15 Sergey Andreyev

 

GOLS:

34′ Andriy Bal‘ (URSS)

75′ Sócrates (BRA)

88′ Éder (BRA)

 

SUBSTITUIÇÕES:

INTERVALO Dirceu (BRA) ↓

Paulo Isidoro (BRA)

 

74′ Yuri Gavrilov (URSS) ↓

Yuri Susloparov (URSS)

 

89′ Ramaz Shengelia (URSS) ↓

Sergey Andreyev (URSS)

Gols e lances polêmicos do jogo:

Melhores momentos da partida (em português):

Gol marcado por Sócrates:

Gol marcado por Éder:

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