Três pontos sobre…
… 31/05/1986 – Itália 1 x 1 Bulgária
Nasko Sirakov empatou para a Bulgária a cinco minutos do fim (Imagem: Pinterest)
● No dia 11/04/1974, a Colômbia foi escolhida como país sede da 13ª edição da Copa do Mundo de futebol. Porém, já em 1982, os cafeteros renunciaram alegando “insuperáveis dificuldades” econômicas e sociais. Um dos argumentos foi o aumento de 16 para 24 seleções, o que exigiria pelo menos dez estádios – que o país não possuía prontos e nem tinha condições de construir.
Com isso, se candidataram inicialmente: Brasil, Estados Unidos, México, Canadá, Peru, Inglaterra, Alemanha Ocidental e Holanda-Bélgica (em conjunto). Devido ao sistema de rodízio entre os continentes, os europeus foram rapidamente descartados, pois essa era a vez das Américas. Logo o Brasil desistiu (um veto do General Figueiredo, então presidente da República, devido ao momento econômico conturbado que o país passava). Depois foi a vez de norte-americanos, canadenses e peruanos. Por fim, em julho de 1983, a FIFA decidiu de forma polêmica a favor dos mexicanos. Com isso, o México se tornou o primeiro país a receber duas edições do torneio, sendo a segunda apenas 16 anos depois da primeira.
Porém, nos dias 19 e 20 de setembro de 1985, menos de um ano antes do início do Mundial, dois terremotos atingiram o México. O primeiro foi mais violento. Às 07h30 do dia 19, em menos de dois minutos, um forte tremor devastou a Cidade do México (maior cidade do mundo na época). Milhares de pessoas perderam a vida. As fontes oficiais citam 9.500 mortos, outras afirmam que chegaram a 35 mil; além de 30 mil feridos e mais de 100 mil desabrigados. Foram 412 prédios totalmente destruídos e 3.124 parcialmente danificados. Mas o estádio Azteca e os principais hotéis da cidade ficaram incólumes e a Copa pôde ser realizada sem nenhum problema. Em oito meses, o batalhador povo mexicano se reergueu e, com muito entusiasmo, o país novamente foi palco da maior festa do futebol mundial.
O Brasil era o principal candidato ao título, pela tradição e por manter os craques que encantaram o mundo em 1982. Mas qualquer aposta séria sempre incluíam Itália, Alemanha Ocidental e Inglaterra. A Argentina vinha mais fraca que antes, mas Diego Armando Maradona estava melhor que nunca. A França venceu a Eurocopa, os Jogos Olímpicos e contava com Michel Platini em pleno esplendor. O Uruguai voltava ao torneio após duas ausências e tinha Enzo Francescoli. Até a Hungria possuía um jogador diferenciado, como Lajos Détári. A Bélgica tinha um bom time, com o goleiro Jean-Marie Pfaff e o capitão Jan Ceulemans. A União Soviética tinha o paredão Rinat Dasayev no gol e Igor Belanov (que viria a ser eleito Bola de Ouro no fim do ano) no ataque. A Fúria espanhola era liderada por Emilio Butragueño, “El Buitre”. O México tinha a força da torcida e Hugo Sánchez no ataque. O Paraguai tinha Romerito, ídolo do Fluminense campeão brasileiro de 1984. A Argélia mantinha Rabah Madjer e Lakhdar Belloumi como seus destaques. A Irlanda do Norte contava com o veterano arqueiro Pat Jennings e com o jovem Norman Whiteside. A Escócia tinha um time experiente em nível europeu e era treinada por Sir Alex Ferguson. A Polônia ainda contava com Zbigniew Boniek e Wladyslaw Zmuda. Portugal sonhava em reviver os bons momentos de vinte anos antes. Marrocos tentava ser a primeira seleção africana a passar de fase em Mundiais. E a Dinamarca desfilava a novidade do 3-5-2, além de figuras importantes como o líbero Morten Olsen e a dupla de ataque Michael Laudrup e Preben Elkjær Larsen. Apenas Coreia do Sul, Iraque e Canadá eram cartas fora do baralho.
Salvatore Bagni luta pela bola com Bozhidar Iskrenov (Imagem: Bob Thomas / Getty Images)
● A tradicional Squadra Azzurra chegava no México para disputar com o Brasil a honra de ser o primeiro tetracampeão do mundo. A camisa italiana sempre teve força própria. O azul da Casa di Savoia é uma das mais tradicionais e pesadas do mundo.
Desde que levantou a taça em 1982, os italianos sonhavam e trabalhavam para conquistar a Copa seguinte, assim como foi em 1934 e 1938. A Federazione Italiana Giuoco Calcio definiu Puebla como local da concentração dois anos antes. E, assim como o Brasil de 1958/1962, a superstição era grande e os dirigentes da Federação exigiram a mesma tripulação da Alitalia que havia levado a delegação à Espanha quatro anos antes.
Acompanhado de seu fiel cachimbo, o técnico Enzo Bearzot completava dez anos no cargo. Ele era uma verdadeira raposa, um ás das estratégias e adepto da marcação mista: individual no maior destaque adversário e por zona nas demais partes do campo. Ao desembarcar no México, ele foi político ao afirmar que a Copa de 1986 seria vencida por sul-americanos. Claramente não estava sendo sincero, mas apenas tirando o peso de sua equipe e jogando a responsabilidade para os adversários.
No gol, na posição que foi do mítico Dino Zoff, estava Giovanni Galli, prestes a trocar a Fiorentina pelo Milan. O velho líbero Gaetano Scirea agora era o capitão do time, dando segurança para os avanços do ala esquerdo Cabrini. O meio campo não contava mais com Giancarlo Antognoni; Marco Tardelli e Carlo Ancelotti eram reservas. Com isso, faltava criatividade e as transições entre defesa e ataque eram rápidas, com a bola passando pouco pelo meio campo. O ataque contava com diversas opções de estilo: Aldo Serena, Giuseppe Galderisi, Alessandro Altobelli, Gianluca Vialli, o talismã Paolo Rossi e Bruno Conti. (Curiosamente, Conti praticava beisebol em sua juventude; se destacou tanto, que quase foi jogar profissionalmente nos Estados Unidos.)
Os “Demônios da Europa” (apelido da seleção búlgara) no Mundial de 1986 (Imagem: Pinterest)
● Nas eliminatórias, a Bulgária surpreendeu ao terminar em primeiro lugar, empatada com a França e perdendo apenas no saldo de gols. O principal responsável pela evolução nos últimos tempos foi o técnico Ivan Voutsov, ex-meio campista da seleção na Copa de 1970. Ele fez o time praticar um futebol simples, solidário e objetivo – bem diferente do velho sistema baseado no vigor físico das equipes da Europa Oriental. Estava mais “ocidentalizada”. A força foi dando lugar a um estilo moderno, de mais mobilidade, com defesa sólida, meio campo atuante e ataque com muita velocidade.
Apesar da falta de tradição, vários jogadores tinham um nível técnico acima da média, como o goleiro Borislav Mikhailov, o líbero e capitão Georgi Dimitrov, o meia-atacante Nasko Sirakov e o armador Plamen Getov – melhor jogador do time, habilidoso e com um chute potente. Mikhailov e Sirakov haviam sido punidos por sua federação por terem participado de uma luta campal na final da Copa da Bulgária no ano anterior, mas acabaram absolvidos devido à importância de ambos e um pedido especial do técnico. Um jovem chamado Hristo Stoichkov não obteve o mesmo perdão e não foi convocado para a Copa. Oito anos depois, os três viriam a ser destaques da equipe búlgara no Mundial dos Estados Unidos.
A Bulgária carregava a sina de ter disputado quatro Copas do Mundo (1962, 1966, 1970 e 1974), sem nunca ter vencido uma partida. Sempre fazia boas campanhas nas eliminatórias, mas sucumbia nos Mundiais. Lutava pela honra de representar seu país. Qualquer coisa diferente de três derrotas, já seria um avanço.
A Itália jogava no chamado “4-3-3 italiano”, com um líbero atrás da defesa. O lateral esquerdo apoiava, enquanto o ponta direita recuava para fechar os espaços. Atacava no 3-4-3 e defendia no 4-5-1. Na prática, com o “afunilamento” de Bruno Conti, era 4-4-2.
A Bulgária atuava no 4-4-2 clássico, com os meias laterais se apresentando bastante no meio e no ataque.
● Via de regra, a partida de abertura do mundial costuma ser dura, nervosa e nenhuma das equipes conseguem se soltar e praticar um bom futebol.
E foi bem isso que ocorreu no dia 31 de maio no estádio Azteca. Mais de 96 mil expectadores foram assistir a toda poderosa Itália, campeã do mundo, massacrar os pobres búlgaros. Não viram. Na teoria, a prática foi outra. A Squadra Azzurra já não era mais o mesmo time consistente e sagaz de quatro anos antes, quando bateu os favoritos Brasil e Argentina para se embalar rumo ao tricampeonato. Paolo Rossi estava em má forma e era reserva de Altobelli.
O péssimo retrospecto não jogava a favor dos búlgaros, que sonhavam em surpreender desde a festa de abertura.
E o marcador só foi inaugurado no fim do primeiro tempo. Aos 43′, Di Gennaro cobrou falta da intermediária esquerda, a defesa búlgara ficou parada e Altobelli escorou para as redes.
Estava tudo preparado para ser uma festa, com vitória fácil dos italianos, mas eles se deram ao luxo de perder alguns gols na etapa final. E, como diria o ditado: quem não faz…
No fim da partida, quando tudo indicava uma vitória sofrível da Azzurra, ficou ainda pior. Aos 40 minutos do segundo tempo, Zdravkov ergueu a bola na área italiana. Sirakov apareceu entre dois marcadores e cabeceou de forma esquisita, mas o suficiente para colocar a bola no canto do goleiro Galli.
Essa partida foi uma luta permanente pelo domínio no meio campo, na qual o 4-4-2 em voga praticamente eliminou a figura do ponta. Bruno Conti, ponta de origem, afunilava muito o jogo e não teve uma tarde boa.
No fim, o empate foi o placar mais justo pelo que apresentaram ambas as equipes.
Mesmo sendo um jogo deveras tenso e amarrado, pelo menos essa partida teve dois gols – o que não ocorria numa partida de abertura desde 1962.
Alessandro Altobelli, agora titular no ataque na função de Paolo Rossi, foi oportunista e inaugurou o marcador (Imagem: Pinterest)
● Na segunda rodada, a Itália repetiu o placar e empatou por 1 x 1 com a futura campeã Argentina, de Maradona. Na última partida, bateu a Coreia do Sul por 3 x 2 e se classificou como vice-líder do Grupo A. Nas oitavas de final, perdeu para a França de Platini, Giresse e Tigana por 2 x 0 (caindo uma invencibilidade de sessenta anos dos italianos diante dos franceses).
Por sua vez, a Bulgária também repetiu o empate em 1 a 1 contra a Coreia do Sul e perdeu para a Argentina por 2 a 0. Mesmo sem nenhuma vitória, os búlgaros conquistaram dois pontos e se classificaram para a segunda fase pela primeira vez em sua história. Nas oitavas, caiu para o México, dono da casa, por 2 a 0.
Altobelli foi um dos melhores em campo. Nessa foto, em disputa de bola com o bom lateral Radoslav Zdravkov (Imagem: Pinterest)
● FICHA TÉCNICA: |
|
|
|
ITÁLIA 1 x 1 BULGÁRIA |
|
|
|
Data: 31/05/1986 Horário: 12h00 locais Estádio: Azteca Público: 96.000 Cidade: Cidade do México (México) Árbitro: Erik Fredriksson (Suécia) |
|
|
|
ITÁLIA (4-4-2): |
BULGÁRIA (4-4-2): |
1 Giovanni Galli (G) |
1 Borislav Mikhailov (G) |
2 Giuseppe Bergomi |
12 Radoslav Zdravkov |
6 Gaetano Scirea (C) |
5 Georgi Dimitrov (C) |
8 Pietro Vierchowod |
3 Nikolay Arabov |
3 Antonio Cabrini |
13 Aleksandar Markov |
10 Salvatore Bagni |
8 Ayan Sadakov |
13 Fernando De Napoli |
10 Zhivko Gospodinov |
14 Antonio Di Gennaro |
2 Nasko Sirakov |
16 Bruno Conti |
11 Plamen Getov |
18 Alessandro Altobelli |
7 Bozhidar Iskrenov |
19 Giuseppe Galderisi |
9 Stoycho Mladenov |
|
|
Técnico: Enzo Bearzot |
Técnico: Ivan Vutsov |
|
|
SUPLENTES: |
|
|
|
12 Franco Tancredi (G) |
22 Iliya Valov (G) |
22 Walter Zenga (G) |
21 Iliya Dyakov |
4 Fulvio Collovati |
4 Petar Petrov |
5 Sebastiano Nela |
14 Plamen Markov |
7 Roberto Tricella |
15 Georgi Yordanov |
11 Giuseppe Baresi |
17 Hristo Kolev |
15 Marco Tardelli |
6 Andrey Zhelyazkov |
9 Carlo Ancelotti |
16 Vasil Dragolov |
21 Aldo Serena |
18 Boycho Velichkov |
17 Gianluca Vialli |
19 Atanas Pashev |
20 Paolo Rossi |
20 Kostadin Kostadinov |
|
|
GOLS: |
|
44′ Alessandro Altobelli (ITA) |
|
85′ Nasko Sirakov (BUL) |
|
|
|
CARTÕES AMARELOS: |
|
48′ Giuseppe Bergomi (ITA) |
|
51′ Aleksandar Markov (BUL) |
|
64′ Antonio Cabrini (ITA) |
|
|
|
SUBSTITUIÇÕES: |
|
65′ Bruno Conti (ITA) ↓ |
|
Gianluca Vialli (ITA) ↑ |
|
|
|
65′ Bozhidar Iskrenov (BUL) ↓ |
|
Kostadin Kostadinov (BUL) ↑ |
|
|
|
74′ Zhivko Gospodinov (BUL) ↓ |
|
Andrey Zhelyazkov (BUL) ↑ |
Alguns lances do jogo, em reportagem da TV Globo: