Três pontos sobre… … 15/07/1966 – Hungria 3 x 1 Brasil
(Imagem: Pinterest)
● Como já contamos aqui, a preparação da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1966 foi uma bagunça homérica, com 47 jogadores convocados. Após várias bizarrices, o escrete canarinho acabou se tornou uma mescla mal feita entre alguns craques bicampeões nas duas Copas anteriores, com Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Zito, Garrincha e Pelé, além de jogadores que viriam a encantar o mundo em 1970, como Brito, Gérson, Tostão e Jairzinho. Várias unanimidades ficaram fora da lista final, como Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Roberto Dias, Servílio e outros.
Em termos de qualidade, a Hungria não ficava atrás. No qualificatório europeu, terminou com três vitórias e um empate, deixando para trás a Alemanha Oriental e a Áustria. Com esse mesmo time base, havia conquistado a medalha de bronze nas Olimpíadas de Roma, em 1960. Depois, terminou em 3º lugar na Eurocopa de 1964 e ficou com a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos de Tóquio, também em 1964. Os maiores destaques eram o defensor Kálmán Mészöly, o ponta direita Ferenc Bene e o atacante Flórián Albert, que seria eleito o Bola de Ouro de 1967.
A Hungria perdeu para Portugal por 2 x 1 na primeira partida.
O Brasil começou bem, vencendo uma frágil Bulgária por 2 a 0, na última partida de Pelé e Garrincha juntos pela Seleção. Eles nunca perderam atuando juntos. Foram 40 partidas, com 36 vitórias e quatro empates. Curiosamente os dois gols contra os búlgaros foram em cobranças de falta diretas, um anotado pelo Rei e outro por Mané.
Ambas as equipes jogavam no sistema tático 4-2-4.
● Pelé havia levado tanta pancada no jogo contra a Bulgária, que não teve condições físicas de enfrentar a Hungria. Ele foi substituído por Tostão. No meio, saiu Denílson e entrou Gérson, com Lima recuado para a marcação.
Mesmo sem o Rei, o Brasil começou no ataque e dei um susto no goleiro húngaro logo no pontapé inicial. Tostão e Alcindo Bugre deram a saída de bola e rolaram para Gérson mais atrás. Ele passou para Tostão, que abriu na esquerda para Paulo Henrique, que deu um passe vertical para Jairzinho. O craque arrancou na diagonal da esquerda para o meio, deixou Benő Káposzta no chão e avançou até parar na marcação de Ferenc Sipos. Gérson pegou a sobra, atrasou para Lima, que abriu na direita para Djalma Santos. Ele avançou e devolveu para Lima na intermediária ofensiva. O coringa do Santos dominou e bateu com veneno de muito longe. A bola ia no ângulo, mas o goleiro József Gelei voou para espalmar para escanteio.
Mas na sequência retrucou. János Farkas chutou de longe e Gylmar voou no canto esquerdo baixo para mandar a bola para a linha de fundo.
O início do jogo estava muito acelerado. Ainda no segundo minuto, Ferenc Bene invadiu a área pelo lado direito, deixou Altair sentado, cortou a marcação de Bellini e bateu de perna esquerda no contrapé de Gylmar. Hungria, 1 a 0.
Mas o Brasil empatou aos 14′. Paulo Henrique fez o lançamento e Gyula Rákosi cortou com a mão. Falta da intermediária. Lima bateu forte e rasteira, a bola desviou em Sándor Mátrai e sobrou para Tostão na marca do pênalti. De primeira, o craque do Cruzeiro mandou no ângulo esquerdo. 1 a 1.
O escrete canarinho quase conseguiu a virada. Tostão cruzou da ponta esquerda, a bola passou pelo goleiro Gelei e bateu em Alcindo – que não conseguiu finalizar direito. A bola estava entrando no gol, mas o capitão Sipos tirou em cima da linha e impediu o gol certo.
Não era mesmo o dia de Alcindo. Ainda aos 20′ do primeiro tempo, ele torceu o tornozelo sozinho e se lesionou, perdendo a mobilidade e ficando estático em campo.
No segundo tempo, Flórián Albert abriu na direita e Bene fez o cruzamento para a área. A bola desviou na marcação e sobrou para Farkas. Dentro da área, ele bateu de primeira. A bola saiu à esquerda, mas assustou muito o goleiro Gylmar.
O Brasil escapou de Farkas uma vez, mas não escaparia da segunda. Aos 19′, Bene cruzou para a marca do pênalti e János Farkas emendou de primeira, sem deixar cair. A bola foi no canto esquerdo, sem chances para o goleiro brasileiro. Hungria, 2 a 1.
O gol animou os magiares e desorientou os brasileiros. A Hungria se aproveitou da situação para ampliar.
Aos 28′, Albert arrancou desde a sua intermediária, passou entre Gérson e Lima e abriu na direita para Bene. No bico da grande área, ele deixou Altair no chão e foi derrubado por Paulo Henrique. Kálmán Mészöly bateu o pênalti forte e rasteiro, no canto direito de Gylmar, que nem pulou. Hungria, 3 a 1.
(Imagem: MTI / LVB)
Aos 33′, Albert avançou a bola desde a intermediária até quase a pequena área. Farkas surgiu de trás, pela esquerda, e bateu de pé esquerdo, colocando a bola no ângulo do Gylmar. A defesa brasileira não reclamou, mas o bandeirinha peruano Arturo Yamasaki apontou o impedimento de Bene, fora do lance.
O Brasil tentou correr atrás do prejuízo. Garrincha cobrou falta da direita e Alcindo bateu de primeira, mas a bola foi em cima do goleiro húngaro, que espalmou para escanteio.
Pouco depois, Paulo Henrique cruzou para a área e Gelei mergulhou para segurar.
Mas a Hungria continuava assustando nos contra-ataques. Bene viu a infiltração de Albert e fez o passe. Ele passou fácil pelo lento Bellini. Gylmar saiu mal do gol. Albert finalizou, mas a bola bateu no pé da trave e foi para fora.
Ao contrário do futebol defensivo visto na Copa até então, Brasil e Hungria jogaram para frente o tempo todo. No total, foram 56 ataques dos dois times.
A desilusão dos brasileiros foi enorme quando o árbitro inglês Ken Dagnall apitou o fim do jogo. O Brasil perdeu a sua primeira partida em uma Copa do Mundo desde 1954, quando havia sido derrotado pela mesma Hungria na famigerada “Batalha de Berna“. Curiosamente, Djalma Santos participou dessas duas partidas contra os magiares.
Ao todo, foram doze anos e treze jogos de invencibilidade em Copas. Foi o início do fim da ex-imbatível Seleção Brasileira.
Foi também o último dos 58 jogos de Garrincha pela Seleção Brasileira e ele só perdeu um: exatamente esse.
(Imagem: Magyarfutball.hu)
● A derrota não estava nos planos da delegação brasileira. O clima entre os jogadores e comissão técnica já era ruim, mas piorou ainda mais. A falta de união e o despreparo psicológico fizeram a situação ficar insustentável.
Para a última rodada, contra Portugal, o técnico Vicente Feola trocou quase todo o time e trouxe de volta Pelé, que estava em péssimas condições físicas. A marcação portuguesa caçou o Rei em campo e o deixou definitivamente fora de combate. Eusébio liderou a seleção lusitana que venceu o Brasil por 3 x 1. Vergonhosamente, a Seleção Brasileira, bicampeã nos dois Mundiais anteriores, estava eliminada na primeira fase da Copa do Mundo de 1966.
A Hungria encerrou sua participação com o segundo lugar do Grupo 3, após vencer a Bulgária por 3 x 1. Nas quartas de final, a Hungria foi eliminada ao perder para a União Soviética por 2 x 1.
Três pontos sobre… … 12/07/1966 – Brasil 2 x 0 Bulgária
(Imagem: Pinterest)
● No país do futebol, a desordem imperava. Os cartolas estavam convencidos de que o futebol que o Brasil jogava era imbatível. João Havelange, presidente da CBD, foi também o chefe da delegação brasileira na Inglaterra. Ele depôs o antigo dono da função, o Dr. Paulo Machado de Carvalho, por divergências sobre a escolha do técnico da Seleção. Enquanto o Dr. Paulo queria manter Aymoré Moreira, técnico de 1962, Havelange bateu o pé que deveria ser Vicente Feola, treinador em 1958. E Havelange resolveu sozinho.
Feola era mais influenciável e, sem o escudo do Dr. Paulo, o técnico perdeu a autoridade e sofreu pressão para agradar ao máximo os dirigentes dos times brasileiros, com a política de apadrinhamento dos jogadores. Ao todo, foram 47 convocados de quinze clubes diferentes para os treinos preparatórios. Isso mesmo: mais de quatro times completos! Havia tantos jogadores que o Brasil chegou a realizar dois amistosos no mesmo dia, em 08 de junho (vitórias por 3 x 1 sobre Peru e 2 x 1 sobre a Polônia).
Essa convocação foi tão ridícula, que, em certo momento, um dirigente da CBD ponderou que havia pouca gente do Corinthians. Então outro cartola sugeriu o nome do zagueiro Ditão. Mas na hora de datilografar a lista oficial, era necessário o nome completo do jogador e ninguém sabia. Perguntaram a um jornalista que, sem saber o que estava se passando, forneceu o nome de Ditão do Flamengo, que também era zagueiro e era irmão do corintiano. Sem saber o que fazer e para não piorar mais as coisas, a comissão técnica preferiu manter o Ditão do Flamengo mesmo.
A convocação inicial anunciada pela CBD em 10 de maio tinha 45 jogadores: os goleiros Gylmar (Santos), Manga (Botafogo), Valdir de Moraes (Palmeiras), Ubirajara (Bangu) e Fábio (São Paulo); os laterais Djalma Santos (Palmeiras), Fidélis (Bangu), Carlos Alberto Torres (Santos), Murilo (Flamengo), Paulo Henrique (Flamengo), Rildo (Botafogo) e Edson Cegonha (Corinthians); os zagueiros Bellini (São Paulo), Orlando Peçanha (Santos), Altair (Fluminense), Brito (Vasco), Djalma Dias (Palmeiras), Roberto Dias (São Paulo), Fontana (Vasco), Leônidas (América-RJ) e Ditão (Flamengo); os meio-campistas Denílson (Fluminense), Lima (Santos), Gérson (Botafogo), Zito (Santos), Dino Sani (Corinthians), Dudu (Palmeiras), Fefeu (São Paulo) e Oldair (Vasco); e os atacantes Garrincha (Corinthians), Jairzinho (Botafogo), Alcindo (Grêmio), Silva Batuta (Flamengo), Tostão (Cruzeiro), Pelé (Santos), Edu (Santos), Paraná (São Paulo), Servílio (Palmeiras), Flávio Minuano (Corinthians), Ivair (Portuguesa), Paulo Borges (Bangu), Nado (Náutico), Célio (Vasco), Parada (Botafogo) e Rinaldo (Palmeiras).
Posteriormente, esse número inchou ainda mais com dois outros nomes. Pela primeira vez foram convocados jogadores que atuavam no exterior: o ponta direita Jair da Costa, da Inter de Milão, e o ponta de lança Amarildo, do Milan. Ambos estavam no elenco campeão mundial em 1962.
Os atletas foram divididos em quatro times: branco, azul, verde e grená. Mas não havia nenhuma regra. Eles treinavam juntos, mas nos amistosos eram todos misturados. Devido à pouca transparência da comissão técnica, havia uma alta carga de tensão entre os jogadores nos treinos coletivos, pois mais da metade deles seriam cortados às vésperas do Mundial.
A primeira lista de dispensa saiu dia 16 de junho, com 19 nomes. O corte mais criticado foi o do lateral direito Carlos Alberto Torres. Para sua posição, acabaram viajando o veterano Djalma Santos e Fidélis – jogador muito limitado, mas que jogava no Bangu, time do supervisor Carlos Nascimento.
Já na Europa, os últimos cinco cortes aconteceram onze dias antes da estreia: o goleiro Valdir, o zagueiro Fontana, o volante Dino Sani e os atacantes Amarildo e Servílio – sendo que Servílio vinha se mostrando a melhor opção para fazer dupla com Pelé. Zito viajou mesmo lesionado e praticamente sem chances de entrar em campo. “Carlos Alberto e Djalma Dias colocariam no bolso três ou quatro dos preferidos para a inscrição na FIFA”, disse Dino Sani.
(Imagem: Pinterest)
Mas a ordem era clara: a CBD planejava fazer o maior número possível de tricampeões. Gylmar (prestes a completar 36 anos), Djalma Santos (37), Bellini (36), Orlando (31), Zito (quase 34) e Garrincha (quase 33). Aquela geração de craques estava no ocaso de suas carreiras e era preciso renovar. Não foi feito um planejamento para essa transição. Dos bicampeões, só Pelé era mais jovem, com 25 anos. Em compensação, craques inexperientes faziam o contrapeso aos mais idosos. Tostão tinha 19 anos e Edu, ponta esquerda do Santos, tinha 16 – ele é até hoje o mais jovem a ser convocado pela Seleção Brasileira para uma Copa do Mundo, mas não chegou a entrar em campo na Inglaterra.
Se a preparação para 1958 e 1962 foi pautada pelo sossego de cidades aconchegantes, em 1966 foi completamente ao contrário. A Seleção que seria tricampeã precisava ser exibida e treinou em oito cidades diferentes: Lambari, Caxambu, Três Rios, Teresópolis, Niterói, Amparo, Campinas e Serra Negra. Depois disso, ainda fez amistosos em um tour de duas semanas na Europa.
Outra das principais críticas se devia à preparação física. Rudolf Hermanny era responsável, mas não tinha nenhuma experiência no futebol. Seu foco e conhecimento era o condicionamento de atletas de judô, o que acabou comprometendo a equipe brasileira. Com a metodologia de Hermanny, os jogadores ficavam desgastados mais rapidamente e sem fôlego ainda no primeiro tempo.
Soberba, a imprensa brasileira ignorava os problemas. Até que no dia 07 de julho, o jornal gaúcho Correio do Povo publicou reportagens bastante pessimistas sobre o destino da Seleção na Copa, alertando para a presença de jogadores sem preparo físico ou psicológico para a disputa de um Mundial. “Se os brasileiros encararem a realidade, vão perceber que o tricampeonato só virá por milagre”, disse Ernesto Santos, um dos grandes estudiosos de futebol da história do país e olheiro da Seleção.
Antes da Copa, um jornalista disse a Pelé que os Beatles adoravam futebol e queriam fazer um show exclusivo para os jogadores brasileiros. Pelé foi conversar com Feola e Nascimento, mas o supervisor técnico foi logo negando: “O que, aqueles garotos cabeludos? Olha, vocês, rapazes, estão aqui para jogar futebol, não para ouvir rock n’roll. Não vou permitir”.
Ambas as equipes jogavam no sistema 4-2-4.
● Os onze jogadores que entraram em campo naquele dia, no estádio Goodson Park, nunca haviam jogado juntos. Jairzinho nunca tinha jogado na ponta esquerda e ocupava essa posição, para Garrincha se manter na ponta direita. A faixa de capitão foi devolvida a Bellini. Mas a principal mudança era tática. Nas duas Copas anteriores, a Seleção se acostumou com o recuo voluntário do ponta esquerda Zagallo para auxiliar na marcação. Mas agora, o Brasil jogava com quatro atacantes de ofício, sobrecarregando o trabalho de Denílson, único volante marcador. O coringa Lima era coadjuvante no grande time do Santos, mas não tinha características de ser o cérebro do time, como foi escalado para ser diante da Bulgária.
Garrincha estava em um declínio físico acentuado e era titular apenas pelo nome. Para a comissão técnica brasileira, os adversários seriam levados a acreditar que precisariam de dois ou três para marcá-lo, abrindo espaço para os demais atacantes.
Depois da contusão que o tirou da maior parte da Copa de 1962, Pelé estava disposto a mostrar que ainda era o “Rei do Futebol”.
O técnico da Bulgária era o austríaco-tcheco Rudolf Vytlačil, que havia conduzido a Tchecoslováquia ao vice-campeonato em 1962. Ele sabia que não poderia das espaços para o Brasil. Por isso, ele entrou com um time mais defensivo e agressivo na marcação – no pior sentido da palavra. Desde o primeiro minuto ele deixou claro que seu time faria de tudo para afastar Pelé da área.
Aos 14′, Jairzinho dominou na ponta esquerda e tocou para o Rei, que foi derrubado por Dimitar Yakimov na meia-lua. Essa era a quarta falta dos búlgaros, sendo a terceira em Pelé. Ele mesmo ajeitou a bola e aproveitou uma barreira mal formada, com apenas quatro homens, e bateu a falta com força, rasteiro e no canto direito. O goleiro Georgi Naydenov tocou na bola, mas não conseguiu impedir o gol.
Com esse tento, Pelé se tornou o primeiro jogador a marcar gols em três edições de Copa. Oito dias depois, esse feito seria igualado pelo alemão Uwe Seeler.
Foi o primeiro gol da Copa, já que o jogo de abertura entre Inglaterra e Uruguai havia terminado 0 x 0.
O lance deu a falsa impressão de que o Brasil ganharia com facilidade, mas não foi o que aconteceu. O Brasil até criou algumas oportunidades, mas nenhuma tão clara o suficiente para passar algum susto em Naydenov.
Pelé fez ótima jogada pela ponta esquerda, passou como quis por dois marcadores, mas cruzou em cima do arqueiro búlgaro.
Djalma Santos fez o lançamento para o meio, Lima escorou de cabeça e Alcindo, já dentro da área, dominou errado e não conseguiu finalizar.
Logo depois, uma bela tabela entre Dimitar Yakimov e Ivan Kolev é interrompida por um desarme primordial de Denílson.
(Imagem: Efemérides do Efémello)
Pelé cansou de tanto apanhar e entrou com as travas da chuteira sobre Ivan Vutsov. Era lance para expulsão, mas o árbitro alemão Kurt Tschenscher era mesmo um bananão.
Jairzinho tabelou com Pelé, se infiltrou pelo meio da área e bateu cruzado, mas Naydenov defendeu bem.
Mas, no segundo tempo, Dobromir Zhechev deu uma entrada criminosa em Pelé, que o fez ficar fora da partida seguinte, diante da Hungria.
Lima tocou para Alcindo no meio. O Bugre tabelou com Pelé, que devolveu por cima da defesa. O centroavante recebeu batendo, mas Naydenov fez a defesa.
O goleiro Gylmar não precisou fazer nenhuma defesa durante os noventa minutos.
A única chance búlgara foi uma bola recuada de cabeça por Bellini, que escapou das mãos do goleiro brasileiro. Mas o perigoso Georgi Asparuhov não teve paciência para encontrar o melhor ângulo para o chute e finalizou para fora.
Mesmo marcado por três jogadores, Pelé fez boa jogada próximo à meia-lua e a bola sobrou para Alcindo chutar para fora.
O segundo gol do Brasil também saiu de uma bola parada, mostrando que o time não estava tão bem.
Garrincha foi derrubado por trás perto da área, naquela que foi a 17ª falta cometida pelos búlgaros até então. Ele mesmo bateu de trivela e acertou uma bomba, com curva, no ângulo esquerdo do goleiro búlgaro. Seria seu último gol com a camisa canarinho.
Garrincha ainda tinha seus pequenos lances de brilho, mas claramente já não era nem sombra do jogador de quatro anos antes, no Chile. Seus problemáticos joelhos já não permitiam a tradicional arrancada rumo à linha de fundo. Ele acabou por fazer pouco, além do gol.
Próximo ao fim da partida, Pelé recebeu lançamento na intermediária, ele avançou em velocidade, se livrou da marcação e bateu firme, mas Naydenov fez uma defesa sensacional.
(Imagem: Efemérides do Efémello)
● Ninguém poderia prever, mas essa foi a última vez em que Pelé e Garrincha jogariam juntos pela Seleção Brasileira. Coincidentemente, a primeira vez em que eles atuaram junto também foi diante da Bulgária, com vitória por 3 x 0 no estádio Pacaembu, no dia 18/05/1958, em amistoso preparatório para a Copa do Mundo de 1958.
Em 40 partidas, a Seleção Brasileira nunca perdeu com Pelé e Garrincha jogando juntos. Foram 40 jogos, com 36 vitórias e quatro empates. Juntos, eles marcaram 55 gols: 44 de Pelé e 11 de Garrincha. E, mesmo sem Pelé, Garrincha só perderia aquele que seria seu último jogo oficial pela Seleção: a partida seguinte, a derrota por 3 x 1 para a Hungria. Foram 60 jogos de Mané pelo escrete canarinho, com 52 vitórias, sete empates e só essa derrota.
O Brasil se preocupou mais com seu passado do que com a competição que estava por vir. Convocou vários ex-campeões, mas, ao invés de estarem respeitando a história desses craques, os expunham a condições que seus físicos já não mais suportavam. Faltou a humildade e o planejamento que sobrou nas duas Copas anteriores.
As partidas seguintes eram as mais difíceis do grupo e iriam mostrar as deficiências do time de Vicente Ítalo Feola. Foram duas derrotas por 3 x 1, para Hungria e Portugal, respectivamente.
Três pontos sobre… … 19/06/1958 – Brasil 1 x 0 País de Gales
(Imagem: CBF / Baú do Futebol)
● Na fase de grupos, a Seleção Brasileira bateu a Áustria por 3 a 0 e empatou sem gols com a Inglaterra (no primeiro 0 x 0 da história das Copas, depois de 116 jogos). Na partida derradeira, o Brasil enfrentou o futebol científico da União Soviética, na estreia de Zito, Garrincha e Pelé. Após começar o jogo com tudo e venceu por 2 a 0, com dois gols de Vavá. Seu adversário nas quartas de final era a seleção do País de Gales.
Gales é um principado e não uma nação autônoma. Fica na ilha da Grã-Bretanha e faz parte do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Não participa dos Jogos Olímpicos como país independente, mas possui seleção própria no futebol (e em alguns poucos outros esportes) pela sua importância histórica. Foi um dos responsáveis por solidificar o futebol no século XIX e até hoje faz parte do IFAB – International Football Association Board, instituição responsável pelos regras do futebol.
Os britânicos estavam longe de serem uma potência no futebol. Conseguiram a classificação para a única Copa de sua história porque a Indonésia, o Egito e o Sudão (todos de maioria muçulmana) se negaram a jogar conta Israel e foram desclassificados. Assim, para que os israelenses não se qualificassem para o Mundial sem jogar as eliminatórias, foi feito um sorteio para definir qual país europeu disputaria a repescagem da zona asiática, dentre os segundos colocados em cada chave. Os galeses tiveram essa sorte, depois de terem ficado em segundo lugar no Grupo 4 das eliminatórias europeias, atrás da Tchecoslováquia e à frente da Alemanha Oriental. Foram duas vitórias fáceis e sonolentas sobre Israel, ambas por 2 x 0 – primeiro em Tel Aviv e depois em Cardiff.
Pela primeira e única vez, as quatro seleções britânicas disputaram uma Copa do Mundo: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Apenas galeses e norte-irlandeses se classificaram para a segunda fase.
(Imagem: Ultrajano)
● Os dois times jogaram desfalcados de seus centroavantes. O Brasil estava sem Vavá, que sofreu um profundo corte na canela na jogada do segundo gol contra a União Soviética. Mazzola ganhou nova chance no time titular.
Na primeira fase, os britânicos empataram as três partidas: 1 x 1 com a Hungria, 1 x 1 com o México e 0 x 0 com a Suécia. No jogo desempate, bateu a Hungria por 2 x 1.
Esse era o terceiro jogo de Gales em cinco dias. Havia jogado no domingo (contra os suecos), na terça (contra os húngaros) e agora jogava na quinta contra o Brasil. O escrete canarinho teve todos esses dias para descansar e chegava mais inteiro.
Gales não tinha sua estrela, seu melhor jogador, o grandalhão John Charles, que se machucou no estafante jogo-extra contra a Hungria. Relatos afirmam que ele foi derrubado pelos húngaros por mais de vinte vezes. Além dele, vários jogadores galeses jogaram reclamando de dores musculares.
O Brasil atuava em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo. Mazzolla era mais técnico que Vavá (mais brigador).
O País de gales jogava no sistema WM.
● O Brasil era amplamente favorito. O País de Gales era um equipe modesta, mas bem consciente de suas limitações e que sabia usar suas armas. O técnico Jimmy Murphy armou seu time de forma bem fechada, com marcação individual – especialmente em Garrincha, Pelé e Didi. Sem John Charles, os galeses não tinham tanto poder na bola aérea e, portanto, não tinha mais sua única estratégia de ataque. O negócio foi fechar o time todo na defesa e deixar apenas Colin Webster na frente – o substituto de Charles.
Com isso, a partida teve apenas um roteiro durante os noventa minutos: um duro duelo entre o ataque brasileiro e a defesa galesa. A bem da verdade, os britânicos se defendiam em bloco e se seguraram muito bem, dificultando muito o trabalho da linha de frente do escrete canarinho.
Bem marcados, os craques pouco podiam fazer. E, quando conseguiam chegar na área, paravam no goleiro Jack Kelsey, do Arsenal. Ele era o grande destaque individual da partida, responsável por grandes defesas e por fazer muita cera. Os beques Stuart Williams, Mel Charles e Mel Hopkins faziam marcação agressiva e chegaram a salvar lances em cima da linha de gol. Contaram com a sorte em um lance que Mazzola cabeceou e a bola bateu na trave, na linha de gol e não entrou.
Em compensação, Gylmar não tinha feito nenhuma defesa e havia recebido apenas duas bolas recuadas pelos zagueiros.
O primeiro tempo terminou 0 a 0. No intervalo, Vicente Feola fez uma preleção de acordar o time, que voltou mais vivo do vestiário.
Garrincha entrou na área, driblou um adversário cortando para a direita e bateu forte. Mesmo a queima-roupa, Kelsey espalmou para cima.
Em uma rara ocasião, o ponta direita Terry Medwin cortou Nilton Santos e chutou, mas Gylmar encaixou sem dificuldades.
(Imagem: AFP / FIFA)
O empate sem gols castigava a atuação brasileira e os 25.923 expectadores presentes no estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo.
Mas a retranca foi furada aos 28 minutos do segundo tempo, quando já começavam os sinais de nervosismo.
Da direita, Mazzola levantou a bola de bicicleta para a linha da grande área. Didi veio na corrida e escorou de cabeça. Pelé dominou dentro da área e, de costas para o gol, tocou com o pé direito para tirar Mel Charles da jogada, deixou a bola quicar e finalizou de pé direito antes da chegada de Williams na cobertura. A rapidez de raciocínio e da finalização de Pelé pegou de surpresa o goleiro Kelsey, que nem foi na bola.
Um golaço. Pelé não poderia entrar para a história com um gol qualquer. Foi o primeiro de seus doze gols em Copas do Mundo. Era o início do reinado de um menino negro de apenas 17 anos de idade.
Depois do gol, Pelé foi buscar a bola dentro do gol galês com a intenção de gastar algum tempo. Segundo ele, o jogo estava “muito difícil naquele momento”. Mas Garrincha, Didi e Zagallo não quiseram saber de mais nada e pularam em cima dele para comemorar, se amontoando dentro do gol mesmo. A cena propiciou uma das mais belas fotos do Mundial de 1958.
Os galeses perderam o ânimo totalmente, até porque sabiam que não tinham poder de fogo para empatar a partida. Assim, surgiram outras chances para a Seleção Brasileira ampliar. Aos 36′, Mazzola fez um lindo gol de bicicleta, estranhamento anulado pelo árbitro austríaco Fritz Seipelt por jogo perigoso, apesar de nenhum galês estar por perto.
O Brasil estava classificado para a semifinal da Copa do Mundo.
(Imagem: O Globo)
● O goleiro Gylmar continuava invicto, sem sofrer gols na competição.
Didi foi considerado o melhor em campo, mas todos os olhares e aplausos eram para Pelé. Ele é até hoje o jogador mais jovem a marcar gol em Copas, com 17 anos e 239 dias.
No fim do ano 2000, esse gol de Pelé foi eleito por um júri da revista Placar como o gol mais importante do futebol brasileiro no século XX.
O presidente da República, Juscelino Kubitschek, convidou o Sr. Amaro, pai de Garrincha, para ouvirem o jogo juntos pelo rádio no palácio do Catete. Quando saiu o gol de Pelé, o desbocado Amaro queria soltar um palavrão, mas se conteve na frente de pessoas tão importantes e desconhecidas. Mas JK foi mais espontâneo e disse o palavrão por ele.
No fim da partida, a seleção rumaria a Estocolmo para as semifinais. Mas, antes de partir, soube cativar o povo de Gotemburgo: Bellini comandou uma volta olímpica com os jogadores carregando a bandeira sueca.
Três pontos sobre… … 15/06/1958 – Brasil 2 x 0 União Soviética
(Imagem: FIFA)
● Na estreia, o Brasil havia vencido a Áustria com propriedade por 3 a 0. Depois, no segundo jogo, o empate sem gols e o ponto perdido contra a Inglaterra esfriou os ânimos e deixou os brasileiros apreensivos. Ainda assombrada pelo “complexo de vira-latas”, o fantasma dos jogos decisivos voltava a assombrar a Seleção Brasileira. E a última partida do Grupo 4 reservava um duro duelo com a temida União Soviética.
A campanha soviética estava semelhante à brasileira: empate com a Inglaterra (2 x 2) e vitória sobre a Áustria (2 x 0). Assim, ambas equipes precisavam da vitória para se classificar de forma direta para as quartas de final. Foi a primeira partida entre os dois países na história.
Os soviéticos haviam conquistado a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1956 e eram considerados favoritos. Mas tiveram dificuldades para se qualificarem para o Mundial na Suécia. No Grupo 6 das eliminatórias europeias, terminaram empatados em número de pontos com a Polônia e precisaram do jogo desempate, quando derrotaram os poloneses por 2 x 0 em Leipzig, na Alemanha Oriental.
A União Soviética iria disputar a sua primeira Copa sob imensa curiosidade de todo o mundo. Tudo que vinha da URSS tinha uma aura misteriosa e moderna que dava medo ao mundo ocidental, em todos os âmbitos: no esporte, na ciência, nos equipamentos bélicos e em tudo mais. Politicamente, protagonizava a Guerra Fria com os Estados Unidos. Intimidava os adversários com a camisa vermelha com a inscrição CCCP em letras garrafais. A sigla significava União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. No alfabeto cirílico, o C tem o som de S e o P de R. Assim, o original em russo era Союз Советских Социалистических Республик. A transcrição fonética no alfabeto latino era Soyuz Sovetskikh Sotsialisticheskikh Respublik e causava temor apenas a simples tentativa de pronunciar tudo isso. O brasileiro, que faz piada com tudo, dizia que o significado era “Cuidado, Camarada, com o Crioulo Pelé”.
O time soviético começava sua escalação com seu maior nome em todos os tempos. O camisa 1 era Lev Yashin, que estamparia o pôster oficial do Mundial de 2018, na Rússia. Com o uniforme todo preto e camisa de mangas longas, ganhou o apelido de “Aranha Negra” na América do Sul e “Pantera Negra” na Europa. Ele foi o primeiro a usar luvas de couro para proteger as mãos em um jogo de Copa. Até hoje ele é considerado pela maioria dos especialistas o melhor goleiro da história do futebol. Ele ainda disputaria as três Copas seguintes (1962, 1966 e 1970 – esta última já veterano como reserva, mais como uma homenagem).
O time praticava o chamado “futebol científico”, em que os atletas estavam preparados para correr sem parar durante 180 minutos e ainda ficarem inteiros para mais. A lenda dizia que eles faziam quatro horas de ginástica pela manhã em dia de jogo. Dizia-se que a KGB tinha espiões espalhados por todo o mundo filmando os adversários e que seus “cérebros eletrônicos” (computadores) haviam produzido um sistema perfeito para derrotar qualquer equipe. Segundo uma história contada na época, a comissão técnica soviética teria cruzado os dados dos rivais em computadores e, após os cálculos, o país seria campeão do mundo.
Ninguém se preocupou em refazer os cálculos quando chegou a notícia de que o Brasil jogaria sem Dino Sani, Joel e Mazzola – que jogaram bem nas primeiras partidas. Eles dariam lugar a “um tal de Zito”, um aleijado de pernas tortas e um moleque negro de 17 anos.
(Imagem: Estadão)
● Uma das lendas mais românticas da história do futebol, reza que houve uma pequena rebelião dos líderes do elenco – Bellini, Didi e Nílton Santos – exigindo a escalação de Pelé e Garrincha. Mas foi só lenda mesmo. Dois dias antes do jogo, a escalação de Pelé já era uma certeza. Recuperado de contusão, ele entraria no lugar de Mazzola – que já estava vendido ao Milan e não estaria colocando o pé nas divididas (diziam as más línguas).
Ficou decidido que jogaria apenas um centroavante e ele seria Vavá (de estilo mais rompedor), ao invés de Mazzola (mais técnico). Zito (também mais aguerrido) entraria no lugar de Dino Sani (mais clássico), que havia sofrido uma distensão na virilha. Com a marcação de Zito no meio, Didi ficaria mais à vontade para criar e atacar.
Quanto à Garrincha, a ideia de escalá-lo surgiu em uma conversa informal e não em uma rebelião. Foi uma reunião entre o técnico Vicente Feola, os jornalistas Armando Nogueira e Luiz Carlos Barreto e o lateral esquerdo Nílton Santos. Também foram consultados Paulo Machado de Carvalho, Didi e Bellini e todos foram favoráveis. Nos primeiros dois jogos, Joel havia recebido boas notas da imprensa por ser um ponta “moderno” que, assim como Zagallo do lado oposto, recuava para ajudar na marcação. E, com a entrada do marcador Zito no time, Feola teve a oportunidade de reforçar a linha de frente com um ponta que atacasse mais. E havia duas opções: trocar Zagallo por Pepe ou Joel por Garrincha. E como Joel estava sentindo dores no joelho, devido ao pisão de Bill Slater, na partida contra a Inglaterra, o Mané ganharia a vaga de titular. Compadre de Garrincha, Nilton Santos foi o responsável por dar a notícia ao ponta. “Acho que você vai entrar. Mané, se você entrar, capricha”, falou Nilton. “Se eu jogar, pode deixar”, respondeu Garrincha.
Na véspera da partida, o psicólogo João Carvalhaes fez um teste psicotécnico com os jogadores para verificar quais deles estavam em condições psicológicas para enfrentar a URSS. Dos onze que jogariam, apenas Pelé e Nilton Santos foram aprovados. Felizmente esses resultados não seriam levados em consideração pela comissão técnica.
(Imagem: O Globo)
● As delegações de Brasil e URSS estavam concentradas a cem metros uma da outra, em Hindås. A diferença era que o hotel dos russos ficava em uma pequena elevação que permitia ter uma visão privilegiada dos treinamentos do Brasil.
Sabia-se que os soviéticos se submetiam a uma carga de exercícios físicos descomunal. Da concentração brasileira, era possível vê-los correndo por várias horas seguidas em seu campo de treinamento. Os brasileiros, claro, ficavam cansados só de olhar.
Na quinta-feira, três dias antes do jogo, Feola comunicou à imprensa brasileira que a Seleção faria um treino coletivo no dia seguinte às 15h00, no campinho perto do hotel. Foi pedido sigilo, pois a comissão técnica não queria a presença de jornalistas estrangeiros, principalmente soviéticos. Na hora marcada, estavam todos presentes: a imprensa brasileira, a imprensa estrangeira e os espiões russos. E nenhum jogador no gramado. A Seleção havia treinado secretamente de manhã com todas as mudanças e, assim, escondeu bem o jeito que jogaria.
No fim da preleção antes da partida, Feola deu a instrução direta: “E não se esqueça, Didi. A primeira bola é para o Garrincha”. E disse para o Mané: “Tente descadeirá-los de saída”.
Os soviéticos conheciam Garrincha das excursões caça-níquéis afora. Só não sabiam como pará-lo.
O Brasil atuava em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo.
A URSS jogava em um sistema WM adaptado, com um homem na sobra, como um líbero.
● Quando o árbitro francês Maurice Guigue apitou o início da partida, a Seleção Brasileira precisou apenas de 180 segundos para demonstrar o melhor que o futebol já produziu, deixando assombrados os 50.928 expetadores no estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo. Mesmo sendo um jogo da primeira fase, esse foi o maior público da Copa.
Decidido a nocautear o adversário rapidamente, o Brasil teve um começo simplesmente arrasador. Garrincha começou o jogo endiabrado, em uma exibição fenomenal. Logo no primeiro lance, aos 40 segundos, ele entortou diversas vezes o zagueiro Boris Kuznetsov, passou como se ele não existisse, entrou na área e chutou forte, mas a bola carimbou a trave esquerda de Yashin e foi para fora.
Garrincha desmontou a defesa soviética em geral, e o pobre Kuznetsov em particular. Era a marca registrada do ponta brasileiro: ele deixava a bola entre ele e o marcador, ameaçava a arrancada jogando o corpo para a direita e voltava à posição inicial. Kuznetsov seguia o movimento do Mané uma, duas, três, todas as vezes, e a bola continuava parada entre os dois. Quando o russo ficava parado e ia direto na bola, Garrincha o driblava.
Enquanto Mané driblava Kuznetsov uma porção de vezes, o técnico Gavriil Kachalin perguntava atônito para o banco de reservas quem era o reserva de Joel, com aquelas pernas tortas. Desesperado, o treinador russo precisou reforçar a marcação no ponta, com Konstantin Krizhevsky. Mas nada pararia Garrincha. Percebendo a cintura dura dos seus adversários, ele era pura fantasia com a bola nos pés, gingando e driblando os desesperados soviéticos. Essa partida foi responsável pela lenda de que pela dificuldade em falar o nome dos russos, Garrincha passou a chamar os marcadores de “João”. E todos se tornaram os “Joãos” de Mané. Garrincha se divertia e divertia a todos dentro e fora do campo.
Quando os soviéticos recolocaram a bola em jogo, logo o escrete canarinho a recuperou. Garrincha fez mais uma de suas jogadas e lançou para Pelé, que arriscou o chute, mas a bola explodiu no travessão. O relógio ainda não tinha dado uma volta no ponteiro e o Brasil já havia carimbado a trave por duas vezes. O gol era questão de tempo.
E ele viria pouco mais de um minuto depois. Didi, realmente mais solto em campo, fez um lançamento de curva preciso pelo chão. Vavá se infiltrou na defesa soviética e, da meia-lua, tocou na saída de Yashin para abrir o placar.
O jornalista francês Gabriel Hanot, do jornal L’Equipe (ex-jogador, técnico e um dos idealizadores da atual UEFA Champions League) classificou aquele início brasileiro como “os três maiores minutos da história do futebol”, tal foi a força e a qualidade com que os jogadores brasileiros atacaram os soviéticos, sobretudo Garrincha.
(Imagem: O Globo)
● Os soviéticos estavam perdidinhos. Na tentativa de dominar o meio de campo, o técnico Gavriil Kachalin havia promovido a estreia de seu melhor jogador de linha, o capitão Igor Netto, que se recuperava de contusão. Ele era muito técnico e criativo, uma espécie de “Didi russo”. E nem havia tocado na bola quando Vavá inaugurou o marcador.
Didi, inteligente como só ele, levou Netto, para uma faixa mais neutra do campo, impedindo que o adversário conseguisse criar perigo. E o Príncipe Etíope ainda conseguia ditar o ritmo do jogo e entregava a bola a Garrincha sempre que podia.
Os soviéticos somente chegaram à área brasileira aos quinze minutos, em um lançamento longo para Anatoli Ilyin, que Gylmar saiu para interceptar.
Mas o baile continuou por todo o primeiro tempo, principalmente com um Mané diabolicamente incontrolável, provocando uma devastação na defesa soviética. Os russos pensavam que era um problema de ajuste de marcação e começaram a discutir entre si. Mas nada adiantou e o jogador do Botafogo continuou a fazer fila. Em certo momento, Garrincha deixou um marcador no chão, parou a bola e estendeu a mão para ajudá-lo a levantar. E seguiu o jogo normalmente, de forma inocente.
A partida teve duas fases: algumas poucas de algum equilíbrio e os muitos momentos de domínio brasileiro. Por isso, o segundo gol até demorou.
No segundo tempo, os soviéticos tiveram um de seus raros ataques. Anatoli Ilyin recuperou a bola e deixou com Igor Netto. Valentin Ivanov e Netto tabelaram pelo meio. Ivanov driblou De Sordi e chutou de esquerda. Gylmar encaixou firme, sem dar rebote.
Pelé foi discreto, deixando seu melhor para o jogo seguinte, contra o País de Gales. Ele perdeu dois gols que certamente faria se estivesse com mais ritmo de jogo e não tão nervoso. Normal, para um adolescente.
Aos 31 minutos do segundo tempo, em uma troca de passes entre Pelé e Vavá na área soviética, a bola sobrou entre Vavá e dois zagueiros. Conhecido como Peito de Aço por sua impetuosidade, Vavá esticou a perna esquerda, mesmo com a bola estando mais para o zagueiro Vladimir Kesarev e chutou para o fundo do gol. Em troca, Vavá ficou com um enorme corte na canela esquerda, causada pelas travas da chuteira de Kesarev – tentou tirar a bola no lance, mas chegou atrasado e atingiu em cheio o brasileiro.
O segundo gol trouxe um alívio tão grande que a comemoração passou do ponto: seis jogadores se empilharam sobre um lesionado Vavá, formando uma pirâmide humana até então desconhecida em campos europeus. O centroavante não aguentou de dor no corte e precisou deixar o campo alguns minutos depois. Com essa contusão, imaginava-se que Vavá estaria fora do restante do Mundial.
Aos 37, o ponta Ilyin acertou um chutaço que obrigou Gylmar a fazer a sua defesa mais difícil na Copa até então. E Gylmar terminou a primeira fase com a meta invicta, bem guarnecida por uma defesa irrepreensível formada por De Sordi, o capitão Bellini, Orlando e Nilton Santos. Do outro lado, Yashin evitou uma goleada histórica. O Brasil atacou 36 vezes, sendo a metade com perigo.
(Imagem: Globo Esporte)
● Nos minutos finais, a plateia viu um pequeno baile. Dos 38 aos 40, a bola rolou de pé em pé, de um lado para o outro e de volta ao ponto inicial, o capitão Bellini, sem que nenhum soviético conseguisse tocá-la. A até então comportada torcida sueca foi ao delírio. Deliciados com a arte dos brasileiros, os suecos riam à vontade com o futebol fantasia de Mané. Bastava ele receber a bola que o estádio se punha de pé. E aplaudiam com entusiasmo todo o time, de Gylmar a Zagallo.
O baile serviu para esfriar o ânimo dos soviéticos. Ateus, os comunistas russos pareciam rezar para que o juiz apitasse para que aquele pesadelo acabasse logo.
Os críticos presentes já não tinham mais adjetivos superlativos para descrever a Seleção Brasileira. Garrincha foi considerado “um assombro”. Os ingleses chamaram o ponta de “mercurial” (de outro mundo). Os jornais brasileiros disseram que Garrincha “arrombou a Cortina de Ferro”.
O decantado futebol científico da URSS se dobrava diante da malemolência do brasileiro: a genialidade de Didi, os dribles de Garrincha, o oportunismo de Vavá e tudo de Pelé.
No fim da partida, Garrincha resumiu tudo: “Eu tava com fome de bola”. No dia seguinte, ele recebeu o bicho direto das mãos do tesoureiro Adolpho Marques: cinquenta dólares. No Brasil, foi eleito o “desportista da semana” e ganhou uma bicicleta Gulliver.
(Imagem: Mais Futebol)
● No dia seguinte, em uma demonstração de esportividade, a delegação soviética visitou a concentração brasileira. Entre elogios e brincadeiras, principalmente com Garrincha, o zagueiro Kesarev se desculpou pelo rasgo na canela de Vavá. A URSS teve que jogar uma partida desempate com a Inglaterra pelo segundo lugar do grupo e venceu por 1 x 0. Nas quartas de final, caiu para a Suécia, dona da casa, por 2 x 0.
A principal ausência na seleção soviética foi a do centroavante Eduard Streltsov, artilheiro do time nas eliminatórias. Ele foi impedido de sair de seu país por estar respondendo a um processo criminal por estupro. Diz a lenda que ele era inocente e seu julgamento teria sido todo armado porque ele bateu de frente com o regime comunista russo. Porém, essa é uma história polêmica que fica pra outro momento. Mas ele fez muita falta à equipe e que, talvez, se estivesse em campo, a URSS poderia ter ido mais longe do que as quartas de final.
O desempenho dos brasileiros contra os soviéticos foi tamanho, que o placar foi considerado injusto, pois o Brasil teria merecido vencer por uma diferença mais expressiva no placar. Mas a vitória foi mais que o suficiente para classificar a Seleção Brasileira como líder do grupo. Cheia de confiança, enfrentaria o País de Gales nas quartas de final quatro dias depois. Esperamos contar essa história no próximo dia 19.
Enfim, Vicente Feola havia encontrado a escalação ideal. Pelé e Garrincha estrearam em Copas do Mundo e começaram a se transformarem em mitos. Com os dois juntos em campo, a Seleção Brasileira nunca foi derrotada. Foram oito anos e quarenta jogos (incluindo não oficiais) e o Brasil nunca perdeu: foram 35 vitórias e cinco empates). O título mundial era possível. Havia esperança e ela estava mais viva do que nunca.
(Imagem: Mais Futebol)
● FICHA TÉCNICA:
BRASIL 2 x 0 UNIÃO SOVIÉTICA
Data: 15/06/1958
Horário: 19h00 locais
Estádio: NyaUllevi
Público: 50.928
Cidade: Gotemburgo (Suécia)
Árbitro: Maurice Guigue (França)
BRASIL (4-2-4):
UNIÃO SOVIÉTICA (WM):
3Gylmar (G)
1Lev Yashin (G)
14 De Sordi
2 Vladimir Kesarev
2 Bellini (C)
4Boris Kuznetsov
15 Orlando
5Yuriy Voynov
12 Nilton Santos
3 Konstantin Krizhevsky
19 Zito
16 Viktor Tsaryov
6Didi
17 Aleksandr Ivanov
11 Garrincha
8 Valentin Ivanov
20 Vavá
9 Nikita Simonyan
10 Pelé
6Igor Netto (C)
7Zagallo
11 Anatoli Ilyin
Técnico: Vicente Feola
Técnico: GavriilKachalin
SUPLENTES:
1Castilho (G)
12 Vladimir Maslachenko (G)
4Djalma Santos
13 Vladimir Belyayev (G)
16 Mauro
14 LeonīdsOstrovskis
9Zózimo
22 Vladimir Yerokhin
8Oreco
15 AnatoliMaslyonkin
5DinoSani
19 GennadiGusarov
13 Moacir
20 Yuri Falin
17 Joel
7GermanApukhtin
18 Mazzola
18 Valentin Bubukin
21 Dida
10 Sergei Salnikov
22 Pepe
21 GenrikhFedosov
GOLS:
3′ Vavá (BRA)
77′ Vavá (BRA)
Veja imagens raras da partida:
Lance inicial e gols do jogo:
Algumas imagens da partida:
● Sobre “aqueles primeiros três minutos”, no livro “Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha”, Ruy Castro reproduz o relato do repórter Ney Bianchi na revista Manchete Esportiva e depois complementa:
“Monsieur Guigue, gendarme nas horas vagas, ordena o começo da partida. Didi centra rápido para a direita: 15 segundos de jogo. Garrincha escora a bola com o peito do pé: 20 segundos. Kuznetzov parte sobre ele. Garrincha faz que vai para a esquerda, não vai, sai pela direita. Kuznetzov cai e fica sendo o primeiro João da Copa do Mundo: 25 segundos. Garrincha dá outro drible em Kuznetzov: 27 segundos. Mais outro: 30 segundos. Outro. Todo o estádio levanta-se. Kuznetzov está sentado, espantado: 32 segundos. Garrincha parte para a linha de fundo. Kuznetzov arremete outra vez, agora ajudado por Voinov e Krijveski: 34 segundos. Garrincha faz assim com a perna. Puxa a bola para cá, para lá e sai de novo pela direita. Os três russos estão esparramados na grama, Voinov com o assento empinado para o céu. O estádio estoura de riso: 38 segundos. Garrincha chuta violentamente, cruzado, sem ângulo. A bola explode no poste esquerdo da baliza de Iashin e sai pela linha de fundo: 40 segundos. A platéia delira. Garrincha volta para o meio do campo, sempre desengonçado. Agora é aplaudido.”
“A torcida fica de pé outra vez. Garrincha avança com a bola. João Kuznetzov cai novamente. Didi pede a bola: 45 segundos. Chuta de curva, com a parte de dentro do pé. A bola faz a volta ao lado de Igor Netto e cai nos pés de Pelé. Pelé dá a Vavá: 48 segundos. Vavá a Didi, a Garrincha, outra vez a Pelé, Pelé chuta, a bola bate no travessão e sobe: 55 segundos. O ritmo do time é alucinante. É a cadência de Garrincha. Iashin tem a camisa empapada de suor, como se já jogasse há várias horas. A avalanche continua. Segundo após segundo, Garrincha dizima os russos. A histeria domina o estádio. E a explosão vem com o gol de Vavá, exatamente aos três minutos.”
Foi assim que o repórter Ney Bianchi reproduziu em Manchete Esportiva aquele começo de jogo, como se tivesse um olho na bola e outro no cronômetro. Mas não estava longe da verdade. Outro jornalista, Gabriel Hannot, diria que aqueles foram os maiores três minutos da história do futebol e, com mais de setenta anos, ele fora testemunha ocular dessa história. A avalanche fora tão impressionante que, assim que se viu vazado, Iashin cumprimentou o primeiro brasileiro que lhe passou por perto – por acaso, Pelé.
E ainda faltavam 87 minutos para o jogo acabar! A continuar daquele jeito, já havia russos contemplando uma temporada na Sibéria. Nunca o orgulho do “científico” futebol soviético fora tão desmoralizado, e pelo mais improvável dos seres: um camponês brasileiro, mestiço, franzino, estrábico e com as pernas absurdamente tortas. A anticiência por excelência, o anti-Sputnik, o anticérebro eletrônico ou qualquer cérebro. Kessarev, Krijveski, Voinov, Tsarev e, mais que os outros, Kuznetzov, todos os zagueiros russos foram driblados por Garrincha em algum momento do jogo: um de cada vez, dois, três ou, em fila, todos ao mesmo tempo. Garrincha deixava um russo sentado e dizia, como se ele pudesse entendê-lo:
O Chile estava fazendo uma campanha digna, de certa forma até surpreendente. Estreou vencendo a Suíça por 3 x 1 de virada. Na sequência, venceu um jogo duríssimo contra a Itália por 2 x 0. A derrota por 2 x 0 para a Alemanha Ocidental deixou os anfitriões em segundo lugar do grupo. Nas quartas de final, o Chile bateu a União Soviética por 2 a 1 e estava entre os quatro melhores do mundo pela primeira (e até hoje única) vez em sua história.
Animados com a campanha, os torcedores comemoraram tanto a classificação, como se tivessem vencido a final. A capital Santiago foi tomada pela febre do futebol, que contagiou a todos – até mesmo os que nunca assistiram a uma partida na vida. Até nas casas noturnas e teatros, o tema era a bola. O Chile era a capital da bola.
A empolgação da torcida local passava do ponto, chegando a encher a capital Santiago de frases cômicas e ameaçadoras, como, por exemplo: “Com Pelé ou sem Pelé, haveremos de tomar café” ou “Com Didi ou sem Didi, haveremos de fazer xixi”.
Por isso, naquela manhã de quarta-feira, a comissão técnica brasileira decidiu providenciar ela mesma a refeição dos jogadores e comprou salame, mortadela, queijo e pão. Os atletas almoçaram apenas sanduíches. Os dirigentes brasileiros tinham receio de que algo pudesse ser colocado na comida do hotel.
(Imagem: FIFA / Getty Images)
● Se fosse seguida a tabela original da Copa, a semifinal entre Brasil e Chile deveria ser disputada em Viña del Mar, enquanto Tchecoslováquia e Iugoslávia se enfrentariam em Santiago. Mas o comitê organizador, inverteu as sedes com o objetivo de ter uma renda maior.
Assim, ao mesmo tempo em que tchecos e iugoslavos duelavam no estádio Sousalito para 5.890 pessoas, brasileiros e chilenos jogavam para 76.594 expectadores. O “detalhe” é que o estádio Nacional tinha capacidade para 70 mil. Ou seja, o público presente extrapolou em mais de seis mil a lotação máxima. Foi o maior público e a maior renda da Copa.
Muitos jogos tiveram poucos expectadores no Chile. Cabe ressaltar o motivo não foi a falta de entusiasmo que afastou o público dos estádios, mas sim a falta de dinheiro. E não era possível adquirir o ingresso para um jogo só. Eles eram vendidos em pacotes e eram muito caros. O jeito era assistir de graça pelas televisões nas ruas. Onde houvesse uma TV ligada, havia uma multidão de chilenos com os olhos grudados na tela.
Recém saindo de um terremoto arrasador, o país vivia problemas econômicos, financeiros e até estruturais, inclusive com racionamento de energia elétrica. O fornecimento era interrompido em todas as tardes. A única exceção naqueles dias foi em 13/06, justamente no dia da semifinal entre Brasil e Chile. A direção geral da companhia energética recebeu milhares de cartas e telefonemas de pessoas que não tinham ingressos para o jogo, mas que não queriam perder a transmissão pelo rádio ou pela TV. Curiosamente, um dos bairros que deveria sofrer o corte naquele dia era justamente o do estádio Nacional, palco da disputa. Em caráter de exceção, o pedido foi prontamente atendido.
O Brasil atuava como em 1958, em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo.
O Chile atuava no sistema 4-2-4, com muita força pelas pontas.
● Os jogadores pareciam nervosos nos minutos iniciais, mas o Brasil dominou o jogo desde os primeiros momentos.
Didi cobrou falta com perigo, mas a bola foi por cima.
Após bola na área brasileira, Mauro escorou de cabeça e Djalma Santos cortou mal, para o meio da área. Leonel Sánchez chutou de esquerda e a bola bateu na trave direita de Gylmar. No rebote, Landa cabeceou por cima.
E os locais se decepcionaram logo aos nove minutos de bola rolando. Da esquerda, Zagallo ergueu a bola na área. Amarildo furou na tentativa de bicicleta e Vavá deixou para Garrincha. De fora da área, o ponta dominou e mandou uma bomba de perna esquerda no ângulo esquerdo do goleiro Misael Escuti, sem chance alguma de defesa.
Garrincha continuava a brilhar, aparecendo em todos os lados do ataque. Pouco depois, ele avançou pela direita e chutou cruzado para dentro da pequena área. A bola passou por todo mundo, até pelo goleiro chileno, mas a zaga recuperou e afastou o perigo. Claramente a marcação sobre Garrincha não estava funcionando. Para tentar parar o ponta direita, o técnico Fernando Riera havia escalado Manuel Rodríguez (mais forte e melhor na marcação individual) na lateral esquerda, ao invés de Sergio Navarro – que havia sido titular nas partidas anteriores.
Aos 21′, Vavá marcou o segundo, mas o árbitro Arturo Yamasaki anulou alegando impedimento. Foi a primeira de algumas decisões controversas do juiz peruano.
Mas nem fez muita diferença. Dez minutos depois, Zagallo cobrou escanteio de trivela da esquerda. Garrincha subiu mais que Rodríguez e, do bico da pequena área, cabeceou forte para dentro. Foi um lance muito semelhante ao gol de cabeça que o mesmo Mané havia marcado contra a Inglaterra três dias antes. Desde o princípio, o Chile já havia se mostrado vulnerável na bola aérea defensiva.
Mas a animada e esperançosa torcida local não se cansava de incentivar o seu time. E empurrado pela fanática torcida, o Chile não se dava por vencido. Jorge Toro recebeu na intermediária ofensiva e sofreu falta de Zito. O próprio Toro cobrou com perfeição e mandou no ângulo direito de Gylmar.
Os donos da casa foram para o segundo tempo na esperança de conseguir o empate, mas foram frustrados logo aos três minutos. Garrincha cobrou escanteio da direita. Vavá escapou da marcação, subiu nas costas de Raúl Sánchez e cabeceou para baixo. A bola quicou no chão e tomou o rumo do gol, sem chances para o goleiro (que foi com a mão mole na bola).
(Imagem: Barão Lhkz)
Mas a vantagem de dois gols não deixou o jogo mais fácil para o Brasil. O Chile passava a ter mais posse de bola.
No esforço de agradar ao time da casa, Yamasaki tomou outra de suas decisões discutíveis ao marcar um pênalti para o Chile aos 16′. Os brasileiros reclamaram muito, alegando que a bola teria batido na mão de Zózimo de forma involuntária. Nada adiantou. Leonel Sánchez cobrou rasteiro, no canto esquerdo e diminuiu para os chilenos. Gylmar nem pulou.
Mas Garrincha continuava a mandar no jogo. Em outra arrancada, Mané finalizou, mas o chute saiu fraco para uma defesa fácil do goleiro Escuti.
Somente aos 33′ o escrete canarinho respiraria aliviado. Em cobrança de falta da esquerda, Zagallo ergueu a bola na pequena área. Vavá, forte e sempre bem posicionado, apareceu entre Sánchez e Rodríguez e cabeceou para o gol. Curiosamente, Vavá se desgastou tanto nessa partida, que perdeu 3,5 kg.
E depois o jogo descambou para a violência. Aos 35′, Honorino Landa fez falta dura em Zito e acabou expulso.
Na tentativa de fazer o impossível e tentar parar Garrincha, Eladio Rojas utilizou todas suas “ferramentas”: pontapés, cotoveladas e dedos nos olhos. E o juiz foi complacente com tudo isso. E aos 39 minutos do segundo tempo, com o placar já definido, Garrincha levou outro pontapé de Rojas. Caiu e se levantou. De forma cômica, com todo o “estilo Garrincha de ser”, o Mané deu um peteleco de joelho na bunda de Rojas. O chileno se atirou ao chão, como se houvesse sido agredido brutalmente. Os chilenos acusaram o lance e cercaram o árbitro. Depois de consulta ao bandeirinha uruguaio Esteban Marino (que estava a um metro do lance), o juiz expulsou o brasileiro – que havia apanhado calado o jogo todo. Após sair de campo e enquanto caminhava junto à linha lateral, Garrincha foi atingido na cabeça por uma pedra atirada pela torcida (algumas fontes indicam que foi uma garrafa). Abriu-se um corte que precisou de pontos e o craque passou a noite com a cabeça enfaixada.
Mesmo com tudo isso, após o apito final, os craques brasileiros homenagearam a torcida chilena, para que ela ficasse ao seu favor na decisão. O Brasil estava em sua segunda final de Copa do Mundo consecutiva.
Com o resultado definido, a preocupação era outra. Garrincha seria punido e suspenso da final pela FIFA?
“Foi um pontapezinho de amizade” — afirmou o ingênuo Garrincha.
(Imagem: FIFA)
● Embora o regulamento da época não previsse a suspensão automática em caso de expulsão, a pressão dos chilenos era enorme para que isso acontecesse. A imprensa transformou a atitude pueril de Garrincha em uma agressão criminosa. A comissão disciplinar da FIFA se reuniu no dia seguinte para julgar o caso.
Foi feita uma força-tarefa na tentativa de absolver Garrincha. Representantes da CBD fizeram um amplo dossiê, baseando sua defesa no fato dele nunca ter sido expulso de campo. Tancredo Neves, primeiro-ministro brasileiro, passou um telegrama à comissão “em nome do povo brasileiro” pedindo perdão para o jogador. Até o presidente do Peru pediu ao árbitro para que não prejudicasse o craque brasileiro.
Mas o maior feito foi o “sumiço” do bandeirinha uruguaio Esteban Marino. O presidente da CBD, João Havelange, por intermédio do árbitro brasileiro João Etzel Filho, deu de presente a Marino um passeio de Santiago a Paris, saindo logo de manhã. Coincidentemente, antes do julgamento ocorrer.
E tudo ficou mais fácil quando a comissão disciplinar leu a súmula. O árbitro escreveu que “não viu a infração de Garrincha” e que seu auxiliar “tivera de viajar”, mas que lhe deixou um bilhete descrevendo a suposta agressão como um “revide típico de lance de jogo”. Assim, a agressão estava descaracterizada e Garrincha foi absolvido por 5 votos a 2, recebendo apenas uma advertência simbólica.
Cabe ressaltar que o mesmo Marino tinha sido bandeirinha na vitória do Brasil sobre a Espanha, quando o escrete canarinho foi beneficiado pela não marcação de um pênalti e por um gol sofrido incorretamente anulado, quando perdia por 1 a 0. “Coincidentemente”, um mês depois, Marino foi contratado como árbitro pela Federação Paulista de Futebol.
Mas possivelmente nem seria necessária toda essa proeza. Ninguém tinha interesse que um país comunista (Tchecoslováquia) vencesse a Copa. Além disso, a FIFA era grata ao Brasil por ter sediado a Copa de 1950, logo no pós-Guerra. Por isso e muito mais, a FIFA é historicamente “simpática” ao Brasil.
E se Garrincha foi absolvido, o chileno Landa foi suspenso para a decisão do bronze entre Chile e Iugoslávia. Mas, mesmo sem ele, o Chile venceu por 1 a 0. A festa pelo terceiro lugar tomou as ruas de Santiago e só parou no dia seguinte, poucas horas antes da final entre Brasil e Tchecoslováquia.
Três pontos sobre… … 10/06/1962 – Brasil 3 x 1 Inglaterra
(Imagem: FIFA)
● Em 1958, o Brasil se livrou do “complexo de vira-latas” e se sagrou campeão do mundo. Com Pelé e Garrincha no auge, era o favorito destacado à conquista do bicampeonato.
Na primeira fase, o English Team teve uma campanha irregular. No dia 31/05, perdeu na estreia para a Hungria por 2 a 1. Dois dias depois, venceu a Argentina por 3 a 1. Na última rodada, um empate sem gols com a Bulgária permitiu que os ingleses se classificassem no critério de saldo de gols. Empatadas com três pontos, a Inglaterra teve saldo de +1, enquanto a Argentina teve saldo de -1.
(Imagem: CBF)
● No escrete canarinho, uma preocupação era unanimidade: a ausência de Pelé. Ele até treinou com o grupo, mas não tinha condições de jogo. Comissão técnica, crítica especializada e torcida estavam inseguras com as chances de título sem o Rei. Mas outra coisa afligia discretamente a maioria: a má fase técnica de Garrincha.
Nos jogos anteriores, Mané teve um desempenho muito aquém do esperado e foi acusado injustamente de excesso de individualismo. Contra os mexicanos, esteve bem marcado e se omitiu do jogo, recebendo poucas bolas. Contra os tchecos, com Pelé lesionado e Vavá mal na partida, não tinha para quem cruzar. Contra a Espanha, só acertou uma boa jogada, que deu origem ao segundo gol de Amarildo.
Didi também não esteve bem na fase inicial. Mas, contra os ingleses, ele jogaria mais solto. Com sua visão de jogo, fez seus lançamentos, orientou o posicionamento da linha de frente, fechou os espaços no meio para revezar com Zito nas subidas ao ataque. Era uma passagem de bastão. Se Didi foi o líder em campo em 1958, Garrincha seria o astro na reta final em 1962.
O Brasil atuava como em 1958, em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo
O ultrapassado técnico inglês Walter Winterbottom se rendeu ao “moderno” sistema 4-2-4.
● Antes da partida, o nervosismo de alguns atletas era grande. Até o experiente Zagallo sofreu. Ele não conseguiu urinar no vestiário. Já em campo, depois de executados os hinos nacionais, lhe deu uma vontade incontrolável de fazer xixi. Como não podia sair correndo dali, chamou três jogadores e dois fotógrafos para fazer uma rodinha. Ele se agachou e se aliviou ali mesmo, no centro do gramado.
A Inglaterra, mesmo não jogando bem, sempre é um time a ser respeitado. A partida começou com muito equilíbrio de lado a lado, com os dois selecionados se estudando. Os brasileiros ainda se recordavam do jogo na Copa de 1958, quando o Brasil não conseguiu passar pela defesa inglesa e ficou em um empate sem gols.
Estava sendo um jogo muito bem disputado. Os dois goleiros, Gylmar e Ron Springett, haviam feito defesas importantes.
Mas o maior protagonista da partida, até então, tinha sido um cachorrinho preto que invadiu o campo no meio da partida. Ele driblou alguns jogadores e deu um “olé” em Garrincha. Só foi capturado pelo inglês Jimmy Greaves, que ficou de quatro e foi se aproximando do bichinho no meio campo até agarrá-lo. Pouco depois, outro cão entrou no gramado, mas este não foi pego. Depois de desfilar rapidamente pelo gramado, ele passou por baixo do alambrado e desapareceu por conta própria.
● Garrincha era um driblador nato, brilhante na técnica, mas irresponsável taticamente. Costumava jogar fixo pela ponta direita e não entrava em diagonal. Mas, contra os ingleses, fugiu de seu padrão: saiu de sua posição, se infiltrou pelo meio e até pela esquerda, desempenhando tarefas que caberiam aos outros. Foi o responsável pelos três gols brasileiros, que decidiram uma partida complicada. Garrincha sabia e podia fazer de tudo. Provou isso naquele dia 10/06.
E foi ele quem abriu o placar para o Brasil. Aos 31 minutos de jogo, Zagallo cobrou escanteio de trivela da esquerda. Garrincha veio livre de trás e subiu mais que Maurice Norman (mais alto que ele) para cabecear forte para o gol. Um raro gol de cabeça de Garrincha.
Sete minutos depois, Johnny Haynes cobrou falta da direita para dentro da área. Jimmy Greaves cabeceou para o gol. A bola encobriu Gylmar, bateu na trave e sobrou limpa para Gerry Hitchens completar para o gol vazio e empatar o jogo.
Aos 8′ do segundo tempo, o Brasil tinha uma falta para bater, em uma posição perfeita para a cobrança de Didi. Mas Garrincha foi mais rápido e chutou com violência. A bola passou pela barreira. O goleiro Ron Springett não conseguiu segurar e espalmou para frente. Vavá só aproveitou e escorou de cabeça para fazer seu primeiro gol na Copa.
No minuto 14′, a Inglaterra tentou a bola longa, mas Mauro aparou de cabeça e deixou com Didi. O “Príncipe Etíope” lançou rasteiro para Amarildo na esquerda. O “Possesso” só ajeitou a bola para Garrincha, que chutou de fora da área. A bola fez uma curva, como se fosse a famosa “folha seca” de Didi, e foi no ângulo. Springett se esticou todo, mas não conseguiu defender. Na comemoração, Mané brincou com Didi: “Viu? Não é só você que sabe chutar assim”.
Segundo algumas fontes, Garrincha poderia ter marcado o “hat-trick” se o goleiro Springett não tivesse defendido um pênalti cobrado por ele, aos 21 minutos da etapa final.
Com dribles desconcertantes e jogadas decisivas, o “Anjo das Pernas Tortas” infernizava seus marcadores e levava ao delírio os 18.715 expectadores do estádio Sousalito, em Viña del Mar.
(Imagem: Candangol)
● “Preparamos nossos rapazes durante quatro anos para enfrentar times de futebol. Não esperávamos um jogador como Garrincha.” — Walter Winterbottom, técnico inglês, eliminado por Garrincha.
Após a consagradora exibição do ponta direita brasileiro, um jornal chileno publicou em manchete: “Garrincha, de qual planeta você vem?”
Naquele mesmo dia 10/06, o Chile estava em festa. Sua seleção havia se classificado para as semifinais ao vencer a União Soviética por 2 a 1. A notícia ruim? O adversário seria o Brasil, do “extra-terrestre” Garrincha.
Três pontos sobre… … 04/04/1959 – Argentina 1 x 1 Brasil
Argentina campeã da Copa América 1959 (Imagem: Goal)
● Na edição anterior do Campeonato Sul-Americano, a Argentina conquistou o título, embalada por jovens atletas, conhecidos como “Los Carasucias de Lima”. Agora, dois anos depois, o escrete albiceleste tinha que se refazer mais uma vez. Já não tinha mais Guillermo Stábile como técnico depois do fiasco de ter sido eliminado Copa do Mundo de 1958 (com direito a sofrer a maior goleada de sua história, um 6 x 1 para a Tchecoslováquia). Vários craques agora vestiam a camisa da seleção italiana, como Omar Sívori, Humberto Maschio e Antonio Valentín Angelillo. Assim, o país anfitrião da 26ª Copa América foi representado por jogadores com menos fama até então, como Jorge Griffa, Juan José Pizzuti, Héctor Sosa e Raúl Belén.
O grande favorito ao título era a Seleção Brasileira, que havia conquistado a Copa do Mundo na Suécia menos de um ano antes e viajou com força máxima. Dirigida por Vicente Feola, a base era a mesma: Gylmar, Castilho, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Mauro, Nílton Santos, Zito, Dino Sani, Zagallo, Didi, Garrincha e Pelé. Como novidades, dentre outros, apareciam nomes como os vascaínos Coronel (lateral esquerdo) e Almir Pernambuquinho (ponta de lança), o botafoguense Paulo Valentim (atacante) e o palmeirense Chinesinho (ponta esquerda).
Linha de frente de Seleção Brasileira: Garrincha, Pelé, Paulo Valentim, Didi e Zagallo. Na final, Chinesinho ocupou a ponta esquerda no lugar de Zagallo. (Imagem: Youtube)
● Mas o escrete canarinho começou mal, ao empatar com o Peru por 2 a 2. Depois, as quatro vitórias consecutivas voltaram a dar esperanças para o Brasil (3 a 0 sobre o Chile, 4 a 2 na Bolívia, 3 a 1 no Uruguai e 4 a 1 no Paraguai). Precisava vencer a Argentina em pleno Munumental de Núñez abarrotado por 85 mil hinchas.
Os donos da casa estavam com 100% de aproveitamento. Haviam vencido o Chile (6 x 1), a Bolívia (2 x 0), o Peru (3 x 1), o Paraguai (3 x 1) e o Uruguai (4 x 1). No torneio de pontos corridos, bastaria um empate com o Brasil para conquistar seu 12º título. E ele veio.
A comissão técnica formada por José Barreiro, José Della Torre e Victorio Spinetto escalou a Argentina no tradicional sistema WM.
O esquema tático implementado pelo treinador Vicente Feola foi o 4-2-4.
A Argentina abriu o placar com o meia direita Juan José Pizzuti aos 40 minutos de jogo.
Aos 13′ da etapa final, Pelé marcou e empatou a partida.
O garoto Pelé, já campeão do mundo e consagrado Rei, ainda tinha 18 anos. Foi o artilheiro da Copa América na única edição que disputou, anotando oito gols em seis jogos.
Foi pouco.
O empate por 1 x 1 e o título foi um consolo para os hermanos, ainda ressentidos pelo vexame de 1958.
Pelé marcou contra a Argentina, mas o Brasil não conseguiu vencer (Imagem: AFA)
● Ainda em 1959, a cidade equatoriana de Guayaquil inaugurou um novo estádio e solicitou a permissão da CONMEBOL para organizar um novo Campeonato Sul-Americano. A entidade concordou e, pela primeira e única vez em toda a história, houve duas edições da Copa América no mesmo ano. O torneio ganhou o status de “Campeonato Sul-Americano Extraordinário” e ocorreu de 05 a 25 de dezembro. O Uruguai se sagrou campeão, com a Argentina como vice e o Brasil com o 3º lugar. O detalhe é que a Seleção Brasileira foi representada pela Seleção Pernambucana, vice-campeã do antigo Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais no mesmo ano de 1959.
Festa argentina pelo título conquistado em casa (Imagem: Impedimento)
● FICHA TÉCNICA:
ARGENTINA 1 x 1 BRASIL
Data: 04/04/1959
Estádio: Monumental de Núñez
Público: 85.000
Cidade: Buenos Aires (Argentina)
Árbitro: Carlos Robles (Chile)
ARGENTINA (WM):
BRASIL (4-2-4):
Osvaldo Negri (G)
1Gylmar (G)
Jorge Griffa
2Djalma Santos
Juan Carlos Murúa
3Bellini (C)
Juan Francisco Lombardo
6Orlando
Eliseo Mouriño
4 Coronel
VladislaoCap
5DinoSani
ÁngelNardiello
8Didi
Juan José Pizzuti
7Garrincha
Héctor Sosa
9Paulo Valentim
Eugenio Callá
10 Pelé
RaúlBelén
11 Chinesinho
Técnicos: José Barreiro / José Della Torre / Victorio Spinetto
Três pontos sobre… … 06/06/1962 – Brasil 2 x 1 Espanha
Paco Gento e Mauro se cumprimentam antes da partida (Imagem: Pinterest)
● Havia uma dúvida muito grande para o confronto entre Brasil e Espanha: quem seria o substituto de Pelé? O Rei se lesionou aos 27 minutos do primeiro tempo da partida anterior, o empate sem gols contra a Tchecoslováquia três dias antes. Com uma distensão no músculo adutor da coxa esquerda, ele estava definitivamente fora do Mundial.
Várias hipóteses foram aventadas: a entrada de Coutinho, passando Vavá mais para a esquerda; a formação de um quadrado no meio-campo, com Zito, Didi, Mengálvio e Zagallo, ficando Garrincha e Vavá no ataque; ou simplesmente a escalação do reserva imediato de Pelé, o botafoguense Amarildo.
Sabiamente, o técnico Aymoré Moreira optou pela solução mais natural: a entrada de Amarildo, apelidado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues de “O Possesso”.
A Espanha contava com uma legião estrangeira naturalizada: José Emilio Santamaría, zagueiro uruguaio; Eulogio Martínez, atacante paraguaio; Alfredo Di Stéfano, atacante argentino, que chegou à Copa lesionado e não disputou nenhuma partida; e Ferenc Puskás, atacante húngaro, com experiência anterior na Copa de 1954 pela vice-campeã Hungria. Mas desses, apenas Puskás jogou (e muito bem) contra o Brasil.
O Brasil atuava como em 1958, em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo
A Espanha jogava em um misto de WM e 4-2-4
● Foi um jogo muito difícil. O Brasil entrou em campo nervoso e com Zagallo recuado além da conta. A Espanha sufocou e saiu na frente aos 35 minutos do primeiro tempo. Adelardo tabela com Puskás e chuta rasteiro antes da chegada de Zito, da meia-lua, no canto direito de Gylmar.
Apesar da boa movimentação de Amarildo, a Seleção sentia falta de Pelé (e quem não sentiria?!). Mas além da disposição e bom futebol de Amarildo, Garrincha também brilhava, infernizando os espanhóis pela ponta direita.
No segundo tempo, as coisas poderiam ter se complicado de vez para o Brasil. O espanhol Enrique Collar driblou Nilton Santos e foi derrubado pelo lateral brasileiro, dentro da área. Experiente e “malandro”, Nilton deu dois passos para frente, indicando ao árbitro chileno Sergio Bustamante que a infração teria ocorrido fora da área. O juiz foi na dele e marcou falta ao invés de pênalti. Entretanto, na cobrança dessa mesma falta, Puskás cruzou, Zózimo errou o tempo de bola e Joaquin Peiró marcou um golaço de bicicleta. Novamente o árbitro beneficiou o Brasil e anulou o gol, alegando não se sabe o quê – não houve impedimento e nem jogo perigoso, pois Peiró estava a um metro e meio de Zózimo.
Reanimado, o Brasil começou a dominar a partida e foi para cima. Aos 27 minutos do segundo tempo, Zito passa para Zagallo, que cruza da esquerda, rasteiro, e Amarildo emenda de primeira, com violência, marcando o gol de empate.
O Brasil virou aos 41 minutos, quando Garrincha fez das suas jogadas individuais pela direita, passou por dois marcadores e cruzou da linha de fundo, na cabeça de Amarildo, que cabeceou bem, sem chances para o goleiro Araquistáin.
Seleção Brasileira campeã da Copa do Mundo de 1962, no Chile (Imagem: UOL Esporte) Em pé: Djalma Santos, Zito, Gylmar, Zózimo, Nilton Santos e Mauro. Agachados: Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagallo.
● Com duas vitórias e um empate, o Brasil estava classificado para as quartas de final em primeiro lugar do grupo 3. Tão importante quanto a classificação, foi o acerto na escalação de Amarildo.
Antes da partida, o técnico da Espanha, o franco-argentino Helenio Herrera, disse que o Brasil ficava muito fraco sem Pelé e chegou a perguntar quem era Amarildo. E “O Possesso” deu seu cartão de visitas a Herrera, anotando os dois gols.
Após a vitória, Pelé se emocionou e entrou de roupa e tudo debaixo do chuveiro para abraçar Amarildo, seu substituto e herói brasileiro na partida. Amarildo teve um “dia de Pelé”.
Se a Espanha vencesse, seria líder do grupo, com 4 pontos e o Brasil poderia ser eliminado (dependendo do resultado entre México x Tchecoslováquia). Como a Espanha perdeu e o México venceu, a Espanha acabou eliminada e em último lugar no grupo, o que impediu que Don Alfredo Di Stefano entrasse em campo em uma Copa do Mundo. A lenda do Real Madrid estava machucado e só poderia disputar a fase seguinte.
A média de idade do Brasil de 1962, com 30 anos e seis meses é a mais alta de uma seleção campeã mundial. A Itália de 2006 vem em segundo, com 29 anos e dois meses.
A Seleção Brasileira de 1962 foi o campeão que utilizou menos jogadores em uma Copa do Mundo. Foram apenas doze. A única substituição foi justamente Amarildo no lugar de Pelé.
“Em 1962, com a contusão de Pelé, descobriu-se um outro Garrincha. De repente, parou de brincar, ficou sério, compenetrado de que a conquista da Copa dependia dele. Quase sozinho, ganhou a Copa. Fez o que nunca tinha feito. Gols de cabeça, pé esquerdo, folha-seca. E driblou como um endiabrado, endoidando os adversários.” ― Sandro Moreyra, jornalista, botafoguense e amigo do Mané.
Três pontos sobre… … Mané Garrincha: frases, citações, música e poesias
(Imagem: Botafogo)
● Frases de Garrincha
“Tá legal, seu Feola… mas o senhor já combinou tudo isso com os russos”
— após o técnico brasileiro na Copa de 1958, Vicente Feola, fazer a preleção detalhada de como seria cada lance da partida contra a URSS
“Mas por que todo mundo está chorando? Não ganhamos o jogo?”
— após a final da Copa de 1958
“Campeonatinho mixuruca. Não tem nem segundo turno!”
— novamente após a final da Copa de 1958
“Você viu, Didi? O São Cristóvão está de uniforme novo!”
— antes das quartas de final da Copa de 1962, reparando no uniforme da Inglaterra
“É muito bom jogar por ali. A gente recebe um monte de bola.”
— após o mesmo jogo contra a Inglaterra, em que descobriu como é bom jogar no meio de campo
“Viu? Não é só você que sabe chutar assim.”
— brincou com Didi após marcar o terceiro gol contra a Inglaterra no mesmo jogo
“A bola veio para a esquerda e eu não chuto bem de esquerda, mas não dava pra trocar de pé. Então chutei de esquerda fazendo de conta que era de direita.”
— explicando como foi o gol contra o Chile, na semifinal da Copa de 1962
“O goleiro deles não queria abrir as pernas. Fiquei esperando.”
— falou depois de um gol em que ficou ameaçando chutar e não chutava
“O único crioulo neste país que levou vantagem com a Lei Áurea foi Pelé. Os outros continuam na mesma.”
— vendo a forma como todos sempre bajulavam Pelé, inclusive os racistas
“Fui como Cristo, na vida particular e também no futebol. Já sei que, quando os dirigentes tentam passar os jogadores para trás, eles chiam e dizem: ‘vocês pensam que eu sou um Garrincha?’ É isso aí, gente boa, virei um símbolo do que não se deve ser na vida.”
— concluindo de forma correta sobre si mesmo
“Garrincha era um jogador incrível, um dos melhores que já existiu. Ele podia fazer coisas com a bola que nenhum outro jogador conseguiu.”
— Pelé
“Ele tinha um espírito infantil. Garrincha foi a resposta de futebol para Charlie Chaplin.”
— Djalma Santos, também bicampeão mundial em 1958 e 1962
“Ele me deu um baile. Pedi que o contratassem e o pusessem entre os titulares. Eu não queria enfrentá-lo de novo.”
— Nilton Santos, companheiro de Garrincha no Botafogo e na Seleção
“É um primitivo, um matuto, meio índio, meio selvagem, criado num submundo de miséria e ignorância, um lugar atrasado onde nem o trem parava”.
— João Saldanha, técnico do Botafogo em 1957
“Para Mané Garrincha, o espaço de um pequeno guardanapo era um enorme latifúndio.”
— Armando Nogueira, jornalista e botafoguense
“Driblar e driblar com tanta graça e neutralidade – eis um mistério de Garrincha que só Deus pode explicar.”
— Armando Nogueira
“Eu digo: não há no Brasil, não há no mundo ninguém tão terno, ninguém tão passarinho como o Mané.”
— Nelson Rodrigues, dramaturgo e jornalista
“Um Garrincha transcende todos os padrões de julgamento. Estou certo de que o próprio Juízo Final há de sentir-se incompetente para opinar sobre o nosso Mané.”
— Nelson Rodrigues
“Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios.”
— Carlos Drummond de Andrade, poeta
“Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.”
— Carlos Drummond de Andrade
“Não há comparações possíveis. Pelé fazia coisas que um ser humano faz. Garrincha certamente veio de outro planeta… Jamais houve e certamente jamais haverá um outro Garrincha”
— Gabriel Hanot, jornalista francês e idealizador da Liga dos Campeões da Europa
“Manuel Francisco dos Santos. Ou simplesmente Mané Garrincha. Um diabólico e inesquecível gênio. Um inocente passarinho.”
— José Roberto Malia, jornalista
“Pelé e Maradona foram geniais, Puskas e Cruyff sensacionais, mas o maior de todos foi o ‘homem das pernas tortas’ – Garrincha. Nunca vi ninguém fazer com uma bola o que ele fazia”
— Alfredo Di Stéfano, numa reportagem, questionado quem seria melhor entre Pelé, Maradona, Puskas, Cruyff ou ele mesmo
“Vicente da seleção portuguesa, Trapattoni, da italiana, Delacha da esquadra argentina, foram capazes de marcar Pelé. Nunca vi nenhum jogador capaz de marcar Garrincha”
— Nestor Rossi, meia argentino da década de 1960
“Gol, gol, gol… Garrincha, Garrincha, Garrincha… O Anjo das Pernas Tortas!!!” Guardo no fundo do meu coração um beijo querido que recebi da querida Elza Soares com sabor de Mané!!!”
— Paulo Soares, locutor
“Eu fazia o lançamento e tinha vontade de rir. O Mané ia passando e deixando os homens de bunda no chão. Em fila, disciplinadamente.”
— Didi, sobre Garrincha na Copa de 1958
“Garrincha era mais perigoso do que Pelé. Para mim, ele era um fenômeno, capaz de pura magia. Era difícil saber qual o caminho ele estava indo, por causa de suas pernas e porque ele era bom com os dois pés, tanto driblando para dentro ou para fora.”
— Mel Hopkins, zagueiro do País de Gales, que enfrentou Garrincha em 1958
“Eles começaram marcando no mano a mano. Tsarev contra Garrincha. De repente, passaram a amontoar vários outros naquele lado esquerdo do campo. Era hilariante o desmanche que Mané fazia por ali.”
— Nílton Santos, sobre Garrincha na partida contra a URSS, pela Copa de 1958
“Garrincha é um verdadeiro assombro. Não pode ser produto de nenhuma escola de futebol. É um jogador como jamais vi igual.”
— Gavril Katchalin, técnico da URSS na Copa de 1958
“O Garrincha foi driblando um, driblando outro e consta inclusive que, na sua penetração fantástica, driblou até as barbas de Rasputin.”
— Nelson Rodrigues, sobre o jogo Brasil 2 x 0 URSS, em 1958
“Estávamos em pânico pensando no que Garrincha poderia fazer. Não existia marcador no mundo capaz de neutralizá-lo.”
— Nils Liedholm, meia da Suécia na Copa de 1958
“Em cinqüenta anos de futebol jamais apareceu um jogador como Garrincha.”
— Jornal inglês Daily Mirror
“Se ele é considerado meio burro, não posso fazer a menor idéia do que, para os brasileiros, é ser inteligente.”
— disse um cronista esportivo de Londres
“Garrincha foi a maior figura do jogo, a maior figura da Copa do Mundo e, vamos admitir a verdade última e exasperada: a maior figura do futebol brasileiro desde Pedro Álvares Cabral.”
— Nelson Rodrigues, depois da semifinal Brasil 4 x 2 Chile, da Copa de 1958
“De que planeta veio Garrincha?”
— Jornal El Mercurio, do Chile, na Copa de 1962
(Imagem localizada no Google)
● Poesias e música
— O anjo das pernas tortas (Vinícius de Moraes)
Rio de Janeiro, 1962
A Flávio Porto
“A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.
Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés – um pé-de-vento!
Num só transporte a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.
Garrincha, o anjo, escuta e atende: – Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. É pura dança!”
— Poema para Garrincha
(Affonso Romano de Sant’Anna)
“Ave! Garrincha
Ave humana
lépida
discreta
pés de brisa
corpo dúbio
finta certa.
Garrincha é como a aragem
Garrincha é como o vento
Garrincha é como a brisa
Que ora avança
na cancha
com graça
e elegância
e rebate
o arremesso
e remata
no peito
e rechaça
a ameaça
da caça
que o caça
e enfim a embaraça
no drible-trapaça
que a prostra no chão
pés de brisa
corpo dúbio finta certa.
Garrincha é a ave
certa de seu voo
Garrincha é a seta
certa de seu alvo
Garrincha é o homem
certo de sua meta.
Tendo as pernas curvas
e uma candura esquiva
no teu silêncio puro
a tua alma asinha
sabe sofrer na neve
o frio da andorinha
Garrincha
ave incontida
e mal retida
nas gaiolas
do gramado.
Com endiabrados
dribles e disparos
com diabices raras
sobre a cancha
Avança
a dança
e pula
e aduba
e açula
a alma do infeliz
que o perseguiu:
parou
pisou
passou
voltou
driblou
chutou
– GOL DO BRASIL
pés de brisa
corpo dúbio
finta certa
Garrincha doravante
é ave nacional.”
— Balada nº 7 – Mané Garrincha *¹
(Alberto Luiz e Moacyr Franco)
“Sua ilusão entra em campo no estádio vazio
Uma torcida de sonhos aplaude talvez
O velho atleta recorda as jogadas felizes
Mata a saudade no peito driblando a emoção
Hoje outros craques repetem as suas jogadas
Ainda na rede balança seu último gol
Mas pela vida impedido parou
E para sempre o jogo acabou
Suas pernas cansadas correram pro nada
E o time do tempo ganhou
Cadê você, cadê você, você passou
O que era doce, o que não era se acabou
Cadê você, cadê você, você passou
No vídeo tape do sonho, a história gravou
Ergue os seus braços e corre outra vez no gramado
Vai tabelando o seu sonho e lembrando o passado
No campeonato da recordação faz distintivo do seu coração
Que as jornadas da vida, são bolas de sonho
Que o craque do tempo chutou
Cadê você, cadê você, você passou
O que era doce, o que não era se acabou
Cadê você, cadê você, você passou
No vídeo tape do sonho, a história gravou”
*¹ Originalmente a música “Balada nº 7” foi composta para o craque Ipojucã, ex-meia da Portuguesa e do Vasco, mas ficou mais conhecida como se fosse para o Mané. A tal ponto, que Moacyr Franco a cantou ao vivo no estádio Serra Dourada, em Goiânia, e Garrincha e Elza Soares entravam em campo para saudarem a torcida, em uma homenagem para o Mané.