… Castilho: sua sorte não foi o suficiente

Três pontos sobre…
… Castilho: sua sorte não foi o suficiente


(Imagens localizadas no Google)

● Carlos José Castilho nasceu em 27/11/1927, no Rio de Janeiro, então capital federal. Iniciou a carreira como atacante no Tupã Futebol Clube, de Brás de Pina, subúrbio do Rio. Certa vez, o goleiro titular não apareceu para uma partida e Castilho atuou em seu lugar, mas sem se fixar na posição. Com 17 anos, em 1944, foi levado aos juvenis do Olaria por Menezes, pai de Ademir de Menezes, craque do Vasco na época. Fez seus primeiros treinos como ponta esquerda, mas pediu ao treinador para ser testado no gol. Assim ficou por dois anos, sem nunca atuar em nenhuma partida, nem entre os aspirantes.

Em 1946, quando o técnico Gentil Cardoso pediu Ademir para o Flu, seu pai, que o representava, mais uma vez levou Castilho e o apresentou a Gentil. O goleiro fez testes no tricolor carioca e foi aprovado pelo ranzinza Gentil. Com apenas 19 anos, Castilho assinou com os aspirantes do Flu, recebendo três mil cruzeiros de luvas e um salário mensal de 800 cruzeiros. Estreou em 06/10/1946, em um amistoso na cidade mineira de Pouso Alegre, contra o Fluminense local. o time carioca venceu por 4 a 0, com Castilho defendendo seu primeiro pênalti na carreira. A partir de 1947 se tornou titular da equipe principal.

Entrou para a história como um goleiro “milagreiro”, com defesas consideradas quase impossíveis. Além de bom posicionamento e reflexo, se tornou mais lendário por sua inesgotável sorte. Em um Fla x Flu que seu time venceu por 1 a 0, chegou a levar cinco bolas na trave, além de defender um pênalti. Passou a ser chamado pela imprensa carioca de “Leiteria”, que significava “homem de sorte”, na época. O apelido tinha relação não só com a infância de Castilho, quando ele foi entregador de leite, mas também à fama alcançada por um leiteiro do bairro das Laranjeiras, que por duas vezes teve seu bilhete premiado pela Loteria Federal. Então, no Rio dos anos 1950, “leiteiro” se tornou sinônimo de “sujeito de sorte”. Os torcedores do Flu o chamavam de “São Castilho”. Foi o primeiro goleiro “canonizado” pelos torcedores, devido aos milgres debaixo das traves.

Vestiu o manto tricolor de 1946 a 1965. É o recordista de atuações pelo Fluminense, com 698 partidas. Sofreu 764 gols (incrível média de 1,09) e saiu invicto em 255 partidas. Estreou contra o Fluminense de Pouso Alegre (MG) pelo time de aspirantes. Se firmou como titular em 1948. É considerado o melhor goleiro do clube em todos os tempos. Tinha 1,81 m e 75 kg, padrão baixo atualmente, mas bom para a época. Se destacava também em defesas de pênaltis (só em 1952 defendeu 6). Foi o pioneiro em se posicionar com os braços abertos no momento em que o adversário se prepara para a cobrança; ele percebeu que esse ato aumentava seu tamanho diante do cobrador.

Castilho observou também que as cores das camisas dos goleiros da época facilitavam a vida dos artilheiros, pois as cores escuras que vestiam servia de ponto de referência para os adversários: eles podiam entrar na área com a bola dominada, que com o canto do olho já sabiam onde estava o goleiro. Assim, ele passou a vestir uniformes de cores mais neutras, como cinza claro, para que se camuflasse com as cores das arquibancadas ou com as redes dos gols. Era daltônico e enxergava as cores trocadas. Da mesma forma que acreditava que era favorecido por ver como vermelhas as bolas amarelas, era prejudicado pelas bolas brancas a noite.

Na época, os goleiros jogavam sem luvas. Era comum eles quebrarem dedos após defesas, tendo que até mesmo encerrar suas carreiras devido a essas contusões. No Torneio Rio-São Paulo de 1953, fraturou o dedo mínimo da mão esquerda pela primeira vez, ficando fora do gol tricolor em várias oportunidades. Em 1955, teve que extrair os meniscos e passou a se revezar no gol com o parceiro Veludo; assim, nesse ano jogou apenas 19 vezes, sua pior marca, já que ficou mais de um ano sem jogar, voltando apenas em abril do ano seguinte. Em 1957, ficou novamente fora dos gramados por 45 dias após fraturar o mindinho esquerdo pela quinta vez. Avaliado pelo Dr. Newton Paes Barreto, descobriu que a lesão era proveniente de uma destruição óssea e que ele deveria passar por outros três meses de tratamento ou até mesmo parar de jogar. Como profissional, Castilho era um obcecado. Foi ao mesmo tempo um exemplo de estoicismo e uma mostra de sua loucura quando ele resolveu amputar a metade do dedo para retornar mais rápido aos jogos decisivos da temporada. Duas semanas depois da amputação, ele já havia voltado a jogar pelo Fluminense contra o Flamengo. Um gesto extremo de amor ao seu ofício.

“O fato concreto é que, no meu entendimento, meu dedo continuaria imóvel, e isso me roubava a autoconfiança. Foi quando pensei na amputação parcial. Só com ela eu me sentiria novamente confiante. Dr. Paes Barreto foi contrário à operação. Ficou então determinado que, para que houvesse a operação eu teria de assinar um termo de responsabilidade. Vivi um drama durante 48 horas. De um lado a minha convicção de que só a amputação resolveria o meu problema. No outro lado minha senhora e os médicos não concordavam. Telefonei para o Dr. Paes Barreto e fui franco. Se não houver operação não poderei mais continuar jogando, assim não confio mais em mim. No dia seguinte dei entrada na Casa de Saúde. Eram oito horas. Paes Barreto já me esperava. Antes da anestesia, ainda ouvi sua última frase: ‘Castilho, você é louco!’.” ¹*

Pelo Fluminense, ainda em 1952, venceu a Taça Rio, uma espécie de Campeonato Mundial Interclubes, que reunia os principais campeões do mundo. O Flu venceu grandes times, entre eles o Peñarol, que tinha a base da fortíssima seleção uruguaia.

Em 1965 ele já estava desgastado no clube e queria mudar de ares. A diretoria “pó-de-arroz” não permitiu que ele fosse para o Vasco, mas o liberou por empréstimo para o Paysandu. No clube paraense, foi campeão estadual e encerrou a carreira. Na comemoração dos 98 anos do Paysandu, Castilho foi eleito o melhor goleiro da história do clube, em eleição organizada por cem eleitores ilustres e coordenada pelo jornalista e historiador Ferreira da Costa.

“Não se deve parar de olhar a bola nem quando ela está nas mãos do gandula. Ela é nossa maior inimiga, e só vigiando-a o tempo todo que nós deixaremos de tomar o ‘frango do fotógrafo’, aquele que levamos por uma distração, por estarmos conversando.” – Castilho.

● Pela Seleção Brasileira, conquistou o primeiro título relevante fora do Brasil: o Campeonato Pan-Americano de 1952, em Santiago. A final contra o Uruguai foi conturbada, terminando com uma série de agressões e confusões. O Brasil minimizou a dor da derrota na final da Copa de 1950, já que boa parte do elenco uruguaio ainda era o mesmo. Disputou quatro Copas do Mundo: 1950 (reserva de Barbosa, foi vice-campeão em casa), 1954 (única como titular), 1958 e 1962 (bicampeão, na reserva de Gylmar). Esteve na Copa América em 1953 e 1959, além de vários torneios e partidas amistosas. Disputou 29 jogos e sofreu 30 gols.

Após parar, Castilho adiou o sonho de ser treinador após o nascimento de seu primeiro filho homem. Em 1967, começou a nova carreira no mesmo Paysandu, sendo campeão paraense em 1967 e 1969. Esteve no Vitória entre 1973 e 1974 e até setembro de 2009 era o técnico que mais tinha dirigido e vencido pelo clube na Série A do Campeonato Brasileiro (foi ultrapassado por Vágner Mancini). Passou pelo Sport Recife e foi para o Operário, do Mato Grosso, onde conquistou o tricampeonato estadual em 1976/77/78 e levou a equipe ao terceiro lugar da série A do Campeonato Brasileiro em 1977. Passou pelos rivais gaúchos Grêmio e Inter, até chegar ao Santos, onde conquistou o Campeonato Paulista de 1984. Em 1986, foi treinar a seleção da Arábia Saudita e participou da Copa Asiática de Seleções. Voltaria ao Brasil no ano de 1987 com o sonho de ser técnico do seu Fluminense.

Castilho cometeu suicídio em 02/02/1987, aos 59 anos, no bairro de Bonsucesso, na zona norte do Rio de Janeiro. Ele foi visitar sua ex-esposa e, inesperadamente, saiu correndo pela sala e se atirou pela janela do apartamento, que ficava no sétimo andar do prédio. Ele não deixou explicações e nem carta de despedida, mas passava por problemas particulares. Pessoas próximas a ele indicam que ele sofria de depressão pelo esquecimento do público, mas o motivo exato é desconhecido por todos, até por sua família. Uma versão é que o ex-goleiro sofria de transtorno bipolar. Outra possibilidade é alguma enfermidade incurável que pudesse ter, pois sentiu fortes dores no mês de janeiro, na Arábia Saudita, e ele não revelou o conteúdo de seu exame a ninguém. Muitos falam em crise amorosa, já que ele vivia com a segunda mulher, Evelyna, que se recusou a viajar com ele para os Emirados Árabes Unidos dias antes. Essa separação brusca pode ter ocasionado seus distúrbios emocionais.

Castilho deixou cinco netos e dois filhos, um homem (Carlos) e uma mulher (Shirley), ambos de seu primeiro casamento. Sua primeira esposa (Vilma Lopes de Castilho) está viva e reside no Rio de Janeiro. O filho de Castilho, Carlos Roberto Lopes de Castilho, é executivo da Diretoria de Empresas da Cielo, líder do setor de pagamentos eletrônicos com máquinas de cartões de crédito e débito.

Sua história foi destacada em vários livros: “Castilho – Bicampeão Mundial de Futebol”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2003); “Os goleiros do Fluminense – De Marcos de Mendonça a Fernando Henrique”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2003); “Fluminense Football Club, história, conquistas e glórias no futebol” de Antônio Carlos Napoleão (2003); “O último homem da defesa”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2005); “Goleiros: Heróis e anti-heróis da camisa 1”, de Paulo Guilherme (2006); “Os 11 maiores goleiros do futebol brasileiro”, de Luís Augusto Simon (2010). O vestiário do departamento de futebol profissional do Fluminense tem o seu nome. Em 2007, o Tricolor das Laranjeiras inaugurou um busto de Castilho na entrada da sede social do clube, como agradecimento pelos serviços prestados, muito acima do que se pode esperar de um jogador profissional, pelas enormes e cegas demonstrações de amor pelo clube. Será sempre o maior ídolo dos tricolores em todos os tempos. Um dos grandes goleiros brasileiros na história.

Feitos e premiações de Castilho:

Como jogador, pela Seleção Brasileira:
– Campeão da Copa do Mundo em 1958 e 1962.
– Vice-campeão da Copa do Mundo em 1950.
– Campeão do Campeonato Pan-Americano em 1952.
– Campeão da Copa Roca em 1957.
– Campeão da Taça Bernardo O’Higgins em 1955.
– Campeão da Taça Oswaldo Cruz em 1950 e 1962.

Como jogador, pelo Fluminense:
– Campeão da Copa Rio em 1952 (equivalente a um Campeonato Mundial de Clubes, na época).
– Campeão do Campeonato Carioca em 1951, 1959 e 1964.
– Campeão do Torneio Rio-São Paulo em 1957 e 1960.
– Campeão do Torneio Municipal do Rio de Janeiro em 1948.
– Campeão do Torneio Início do Campeonato Carioca em 1954 e 1956.
– Campeão Regional Taça Brasil – Zona Sul em 1960.
– Campeão do Torneio José de Paula Júnior em 1952, em Minas Gerais.
– Campeão da Copa das Municipalidades do Paraná em 1953.
– Campeão da Taça Casa Nemo em 1949.
– Campeão da Taça Embajada de Brasil em 1950, no Peru (Sucre x Fluminense).
– Campeão da Taça Comite Nacional de Deportes em 1950, no Peru (Alianza Lima x Fluminense).
– Campeão da Taça General Manuel A. Odria em 1950, no Peru (Seleção de Arequipa x Fluminense).
– Campeão da Taça Adriano Ramos Pinto em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Cinquentenário do Fluminense em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Milone em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Ramon Cool J em 1960, na Costa Rica (Deportivo Saprissa x Fluminense).
– Campeão da Taça Canal Collor em 1960, no México (San Lorenzo-ARG x Fluminense).
– Campeão da Taça Embotelladora de Tampico SA em 1960, no México (Deportivo Tampico x Fluminense).
– Campeão da Taça Dínamo Moscou x Fluminense em 1963.
– Campeão da Taça Benemérito João Lira Filho em 1947 (inauguração do estádio do Olaria, entre Fluminense x Vasco).
– Campeão da Taça V.C Borba em 1947 (Atlético-PR x Fluminense).
– Campeão da Taça Folha da Tarde em 1949 (Internacional x Fluminense).
– Campeão do Troféu Prefeito Acrisio Moreira da Rocha em 1949 (Flamengo x Fluminense).
– Campeão da Taça Secretário da Viação de Obras Públicas da Bahia em 1951 (Bahia x Fluminense).
– Campeão da Taça Madalena Copello em 1951 (Flamengo x Fluminense).
– Campeão da Taça Desafio em 1954 (Fluminense x Uberaba Sport Club).
– Campeão da Taça Presidente Afonsio Dorázio em 1956 (Seleção de Araguari-MG x Fluminense).
– Campeão da Taça Vice-Presidente Adolfo Ribeiro Marques em 1957 (Combinado de Barra Mansa x Fluminense).
– Campeão da Taça Cidade do Rio de Janeiro em 1957 (Fluminense x Vasco).
– Campeão da Taça Movelaria Avenida em 1959 (Ceará x Fluminense).
– Campeão da Taça CSA x Fluminense em 1959.

Como jogador, pelo Paysandu:
– Campeão do Campeonato Paraense em 1965.

Como técnico, pelo Santos:
– Campeão do Campeonato Paulista de 1984.

Como técnico, pelo Paysandu:
– Campeão do Campeonato Paraense em 1967 e 1969.

Como técnico, pelo Operário:
– Tricampeão do Campeonato Mato-Grossense em 1976, 1977 e 1978.
– 3º lugar na Série A do Campeonato Brasileiro de 1977.

Distinções e premiações individuais:
– Prêmio Belfort Duarte em 1955 (premiação individual que homenageava o jogador de futebol profissional que passasse dez anos sem ser expulso de campo, tendo jogado pelo menos 200 partidas).

¹* Trecho extraído da obra:
GUILHERME, Paulo. Goleiros: Heróis e anti-heróis da camisa 1. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2006.

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