… 27/06/1954 – Hungria 4 x 2 Brasil

Três pontos sobre…
… 27/06/1954 – Hungria 4 x 2 Brasil

“A Batalha de Berna”


A defesa brasileira foi bastante bombardeada na partida, mas contou com a segurança de Castilho (Imagem: CBF)

● Brasil e Hungria se enfrentavam nas quartas de final. Era um confronto cercado de muita expectativa, pois eram duas das melhores seleções do mundo. Eram as vice-campeãs das duas últimas Copas; Hungria em 1938 e Brasil em 1950.

O técnico Zezé Moreira inovou e implantou a marcação por zona na Seleção – na época, praticamente todas as equipes marcavam individualmente. Ele não convocou Zizinho, grande ídolo do país na época e melhor jogador da Copa de 1950, mas tínhamos uma geração de craques: Castilho, Djalma Santos, Nilton Santos, Bauer, Didi e Julinho Botelho. Também havia a estreia do novo uniforme com camisa amarela e calção azul, escolhido em concurso nacional vencido pelo publicitário gaúcho Aldyr Schlee. A nova vestimenta deu “sorte”, pois foi usada nas eliminatórias, rendendo quatro vitórias em quatro jogos.

O Brasil estreou na Copa goleando os fregueses mexicanos por 5 a 0. No segundo e último jogo da primeira fase, empatou em 1 a 1 com a Iugoslávia no tempo normal e a partida foi para a prorrogação. Como as duas seleções tinham vencido na primeira rodada, o que os iugoslavos sabiam e os brasileiros não tinham conhecimento, é que o empate na prorrogação classificaria as duas seleções. Foi com esse desnecessário desespero que a Seleção Canarinho disputou o tempo extra. Os iugoslavos tentavam fazer mímica para explicar, mas os brasileiros entendiam como uma provocação. Foi um desgaste dispensável.

O regulamento confuso dessa edição da Copa do Mundo não tinha emparelhamento previamente estabelecido para as quartas de final. Seria feito um sorteio para definir os confrontos. Zezé Moreira e Luiz Vinhais (supervisor) foram a Zurique assistir ao sorteio, deixando os jogadores incomunicáveis no hotel. Já tarde da noite, Seu Zezé chegou pálido, aflito e só conseguiu balbuciar três palavras: “É a Hungria!” A comunicação foi feita como se tivesse anunciado um desastre, deixando todos atônitos.

Tamanho era o medo de enfrentar os húngaros, que um jogador da linha de frente brasileira tentou de tudo para fugir do jogo. Nas vésperas da partida, ele comia tubos e mais tubos de pasta de dente para ter uma disenteria e não ser obrigado a entrar em campo. Há quem afirme que os três atacantes ausentes nessa partida (Baltazar, Pinga e Rodrigues Tatu) tenham comido pasta de dente. Mas esse fato nunca foi completamente esclarecido.

De qualquer forma, a Hungria era bastante respeitável. Era a melhor seleção do mundo, medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1952 e invicta a 32 partidas. Na primeira fase da Copa, tinha atropelado a Coreia do Sul (9 x 0) e a Alemanha Ocidental (8 x 3). Mas jogava sem o capitão Ferenc Puskás, que ainda estava mancando pela falta criminosa sofrida no jogo anterior contra os alemães, cometida por Werner Liebrich. Puskás não conseguiu nem treinar. Por causa disso, o ambiente na concentração estava tenso, pois todos tinham convicção de que partidas importantes se aproximavam e sabiam o quanto o “Major Galopante” era fundamental para o sucesso da equipe.

Pelo lado brasileiro, antes do início da partida, o dirigente João Lira Filho invadiu o vestiário histérico, fazendo um discurso motivacional maluco, comparando os jogadores aos inconfidentes mineiros e os húngaros a Silvério dos Reis. Depois, desfraldou a bandeira da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial e, aos prantos, obrigou os jogadores a beijá-la e declarou que naquele jogo contra a Hungria, os brasileiros deveriam se empenhar para “vingar os mortos de Pistoia” (cemitério italiano onde foram enterrados os pracinhas brasileiros que morreram na guerra). Ele só se esqueceu que os húngaros nada tinham a ver com essa história…


A Hungria jogou em seu incipiente 4-2-4, com o recuo do centroavante Hidegkuti para armar o jogo e o consequente recuo de Zakariás para a linha defensiva. Sem Puskas, Czibor foi jogar mais no meio e Mihály Tóth entrou na ponta esquerda.


O Brasil atuou no sistema “WM Diagonal” , criado pelo técnico carioca Flávio Costa. Nesta variação do WM, um dos meias defensivos recua ligeiramente e um dos meias atacantes avançam um pouco.

● Naquela tarde chuvosa, quarenta mil pessoas lotaram o estádio Wankdorf, em Berna. A Hungria, como sempre, partiu para cima logo no início. O placar foi inaugurado aos quatro minutos. O zagueiro Pinheiro tentou o drible dentro da área e perdeu a bola para Hidegkuti. Ele tocou para Kocsis, que chutou à queima roupa e Castilho defendeu com um de seus milagres. Mas Hidegkuti pegou a sobra e mandou no ângulo. Foi uma falha lamentável de Pinheiro.

Os magiares levam perigo ao gol brasileiro por várias vezes. Em uma delas, Nilton Santos tirou uma bola em cima da linha. Mas é muito difícil segurar um adversário com tanta disposição e qualidade.

Aos sete minutos, a bola foi lançada para a área brasileira. A defesa ficou parada e Kocsis cabeceou sozinho para as redes. O jogo recém começava e os húngaros já venciam por dois gols.

Aos 18, o centroavante Índio avançou para a área e foi derrubado por Buzánszky. Pênalti, que Djalma Santos cobrou no canto direito, sem chances de defesa para o goleiro Gyula Grosics, que sequer se mexeu. O Brasil tentou forçar o empate, mas sem sucesso.

Nisso, no meio campo, Hidegkuti e Brandãozinho trocaram agressões, longe das vistas do árbitro, fato que incitou as duas equipes a privilegiar o contato físico e a violência. No fim do primeiro tempo, Pinheiro e Nilton Santos derrubaram e pisaram em József Tóth, lhe rompendo o músculo. O ponta direita ficou mancando até o fim da partida e não teve mais condições de atuar nos demais jogos da Copa.

O ritmo não diminuiu na segunda etapa. As faltas foram ficando cada vez mais duras.

Aos 15 minutos, saiu o terceiro gol dos europeus. Cercado por Kocsis, Pinheiro tentou dominar dentro da área e tocou com a mão na bola. O olhar de reprovação de Castilho denunciou a falta. Mihály Lantos cobrou o pênalti com tranquilidade, no ângulo direito. Castilho foi na bola, mas não alcançou. Os brasileiros protestaram muito e alguns até tentaram invadir o gramado para agredir o árbitro inglês Arthur Ellis.

Mas o Brasil não desistiu. Aos 20, Julinho Botelho marcou o gol mais bonito da partida, em uma jogada genial. Ele recebeu no bico da área, dominou e chutou com efeito de três dedos, mandando a bola no canto direito, indefensável para Grosics.

A partir daí o jogo ficou ainda vez mais violento. Aos 26 minutos, Nilton Santos e József Bozsik trocaram empurrões e pontapés e foram expulsos por Mr. Ellis.

Pouco depois, a melhor chance dos sul-americanos: Djalma Santos bateu cruzado para a área e a bola sobra para o meia esquerda Humberto Tozzi quase dentro da pequena área. Ele bate cruzado, mas para fora.

Aos 34 minutos do segundo tempo, Humberto deu uma voadora na perna do zagueiro Gyula Lóránt e também foi expulso. Menino de apenas 20 anos de idade, Humberto chegou a se ajoelhar na frente do árbitro pedindo para não ser expulso, mas de nada adiantou. No total, foram 42 faltas assinaladas, em uma época em que metade disso já poderia ser considerado um jogo violento.

Com nove homens em campo, o Brasil não resistiu. A dois minutos do fim, Kocsis aparou cruzamento da esquerda junto à trave e marcou de cabeça. Os brasileiros pediram impedimento, mas o lance foi legal.


A pancadaria foi generalizada, incluindo a polícia suíça e jornalistas brasileiros (Imagem: CBF)

● No fim, o jogo acabou se degenerando em pura pancadaria. O incidente não durou mais que quatro minutos, mas foi bastante violento.

Puskás, que nem havia jogado, desceu das arquibancadas e provocou Pinheiro na entrada dos vestiários. Diz a lenda que Puskás atingiu Pinheiro com uma garrafada. Mas segundo uma entrevista de Djalma Santos, foi apenas um mal entendido. Quando os dois times estavam deixando o campo rumo aos vestiários (que ficavam lado a lado), o médico brasileiro Newton Paes pegou uma garrafa de água (na época as garrafas eram apenas de vidro) e atirou no rumo de Puskás. Mas ele errou e acabou acertando a testa de Pinheiro. E quando o brasileiro se virou para ver quem o tinha atingido, alguém gritou: “Foi o Puskás!” Todos os jogadores se envolveram na confusão que se seguiu.

Ainda no túnel, Maurinho deu um soco em Czibor, usando como desculpa o fato dele ter se recusado a apertar a mão de Djalma Santos. Maurinho também deu uma cusparada em Lantos e se atracou com Buzánszky. Didi, com seus dotes de capoeirista, mandava rabos de arraias em quem passasse pela frente.

Um policial suíço, que correu para tentar apartar a briga, tomou uma rasteira do radialista brasileiro Paulo Planet Buarque e caiu estatelado no chão. A polícia revidou e jornalistas e dirigentes acabaram se envolvendo em uma confusão generalizada.

O treinador brasileiro Zezé Moreira viu um gringo de terno correndo e o atingiu na cabeça com um par de chuteiras que Didi trocara durante o jogo. O agredido era Gusztáv Sebes, coordenador técnico húngaro (e vice-ministro de esportes de seu país), que precisou levar quatro pontos no ferimento.

João Lira Filho, tresloucado e com os nervos à flor da pele desde o inflamado discurso no vestiário, começou a correr pelo gramado com a bandeira da Força Expedicionária, a mesma que ele obrigou todo o elenco a beijar antes.

No setor reservado às estações de rádio, o árbitro brasileiro Mário Vianna não conteve suas emoções e gritava aos microfones que o juiz inglês Arthur Ellis “fazia parte de um complô comunista” e que “a FIFA era uma camarilha de ladrões”. A entidade não deixou barato e baniu Vianna de seu quadro. Como punição, o Brasil não pôde levar nenhum árbitro para a Copa do Mundo seguinte, em 1958.

A torcida carioca que acompanhou pelo rádio, ficou insuflada pelas acusações de Mário Vianna e, indignada, resolveu agir com violência aqui também. Procurou a embaixada da Hungria no Rio de Janeiro e não encontrou. A primeira que viu, foi a da Suécia. No calor as emoções, quebrou a embaixada sueca mesmo…


(Imagem: CBF)

FICHA TÉCNICA:

 

HUNGRIA 4 x 2 BRASIL

 

Data: 27/06/1954

Horário: 17h00 locais

Estádio: Wankdorf

Público: 40.000

Cidade: Berna (Suíça)

Árbitro: Arthur Ellis (Inglaterra)

 

HUNGRIA (4-2-4):

BRASIL (WM Diagonal):

1  Gyula Grosics (G)

1  Castilho (G)

2  Jenő Buzánszky

2  Djalma Santos

3  Gyula Lóránt

5  Pinheiro

4  Mihály Lantos

3  Nilton Santos

5  József Bozsik (C)

6  Bauer (C)

6  József Zakariás

4  Brandãozinho

7  József Tóth

7  Julinho Botelho

8  Sándor Kocsis

8  Didi

9  Nándor Hidegkuti

19 Índio

20 Mihály Tóth

18 Humberto Tozzi

11 Zoltán Czibor

17 Maurinho

 

Técnico: Gusztáv Sebes

Técnico: Zezé Moreira

 

SUPLENTES:

 

 

21 Sándor Gellér (G)

21 Veludo (G)

22 Géza Gulyás (G)

22 Cabeção (G)

12 Béla Kárpáti

15 Mauro

13 Pál Várhidi

13 Alfredo Ramos

14 Imre Kovács

12 Paulinho de Almeida

15 Ferenc Szojka

14 Ely

16 László Budai

16 Dequinha

17 Ferenc Machos

20 Rubens

18 Lajos Csordás

9  Baltazar

19 Péter Palotás

10 Pinga

10 Ferenc Puskás

11 Rodrigues Tatu

 

GOLS:

4′ Nándor Hidegkuti (HUN)

7′ Sándor Kocsis (HUN)

18′ Djalma Santos (BRA) (pen)

60′ Mihály Lantos (HUN) (pen)

65′ Julinho Botelho (BRA)

88′ Sándor Kocsis (HUN)

 

EXPULSÕES:

71′ József Bozsik (HUN)

71′ Nilton Santos (BRA)

79′ Humberto Tozzi (BRA)

O perigoso Sándor Kocsis (camisa 8 da Hungria) marcou dois gols na “Batalha de Berna” (Imagem: CBF)

Gols da partida:

Compacto da partida (com narração em português):

Um comentário em “… 27/06/1954 – Hungria 4 x 2 Brasil

  1. Pingback: ... 15/07/1966 - Hungria 3 x 1 Brasil - Três Pontos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *