O Uruguai estreou empatando sem gols com a Inglaterra, dona da casa. Na segunda partida, venceu a França por 2 x 1. No terceiro jogo, o empate por 0 x 0 com o México valeu a classificação em segundo lugar do Grupo 1.
O Uruguai tinha em seu elenco vários personagens que teriam passagem pelo futebol brasileiro. O goleiro Ladislao Mazurkiewicz jogou no Atlético Mineiro entre 1971 e 1974. O lateral direito Pablo Forlán atuou pelo São Paulo F.C. entre 1970 e 1976. O atacante Héctor Silva passou pelo Palmeiras (1970-1971) e Portuguesa (1972-1973). O craque Pedro Rocha se tornou ídolo do São Paulo F.C., onde jogou entre 1970 e 1977, além de ter passagens por Palmeiras (1978), Coritiba (1979) e Bangu (1979). Após encerrar a carreira, Pedro Rocha treinou doze clubes brasileiros, sendo o Internacional o de maior expressão.
Além dos atletas, o técnico da Celeste Olímpica já tinha sua história marcada no futebol brasileiro. Entre as décadas de 1930 e 1960, Ondino Viera foi vitorioso treinando clubes como Fluminense, Vasco da Gama, Botafogo, Bangu, Palmeiras e Atlético Mineiro.
As duas seleções atuavam no sistema 4-2-4.
● Mais de 40 mil pessoas estiveram presentes no estádio Hillsborough, em Sheffield.
O Uruguai começou melhor e deu o primeiro susto logo aos 4′. Julio César Cortés aproveitou um rebote e chutou de longe, mas a bola explodiu no travessão. O goleiro Hans Tilkowski pegou o rebote. Mas Héctor Silva, que já tinha derrubado Willi Schulz no lance, passou pelo goleiro alemão e lhe deixou o joelho na cabeça – já mostrando um pouco do nervosismo charrua.
Dois minutos depois veio a primeira decisão controversa do juiz. Pedro Rocha cabeceou para o gol, a bola passou pelo goleiro Tilkowski e desviou na mão de Karl-Heinz Schnellinger. Era um lance em que comumente se apitava pênalti, mas o árbitro inglês Jim Finney deixou o lance seguir sem nada marcar.
Os uruguaios se convenceram que seria algo premeditado e começaram a perder a cabeça.
Para piorar, os alemães abriram o placar aos 11′. Sigfried Held chutou de fora da área. No meio do caminho, a bola desviou em Helmut Haller e enganou Ladislao Mazurkiewicz, entrando no canto direito.
No resto do primeiro tempo, o Uruguai bateu, a Alemanha revidou e o juiz não coibiu a violência.
Wolfgang Overath avançou sem marcação e chutou de esquerda, da entrada da área. A bola quicou e Mazurka segurou bem.
Héctor Salva chutou de fora da área e Tilkowski fez uma ponte para segurar. A bola ia no ângulo direito.
Wolfgang Weber avança e Cortés lhe dá um carrinho por trás. O árbitro inglês Jim Finney contemporizou e avisou ao uruguaio que seria a última.
De muito longe, Franz Beckenbauer bateu a falta de três dedos. A bola ia no ângulo, mas Mazurkiewicz espalmou para escanteio.
Ao invés de esfriar os ânimos, os uruguaios voltaram mais acesos.
Aos quatro minutos da etapa final, o capitão charrua Horacio Troche foi expulso por dar um pontapé sem bola em Lothar Emmerich. Quando estava saindo de campo, Troche passou por Uwe Seeler e lhe deu um tapa no rosto.
Os uruguaios perderam de vez a cabeça cinco minutos depois. Silva foi expulso por atingir Haller. Na saída do atacante celeste, houve até certo desentendimento entre alguns uruguaios e os policiais britânicos.
Com nove homens em campo, o Uruguai só conseguiu resistir por mais quinze minutos.
Com dois homens a mais, a Alemanha foi cada vez mais soberana. Haller avançou sozinho da direita e cruzou para o meio da área. Uwe Seeler não dominou bem, perdeu o tempo de bola e não conseguiu finalizar. Seeler foi muito bem marcado durante a partida.
Aos 25′, Beckenbauer recebeu de Uwe Seeler na área, passou fácil pela marcação, driblou o goleiro e tocou para o gol vazio. Alemanha: 2 a 0.
Aos 30′, Emmerich avançou pela esquerda, tocou para Held, que virou o jogo para Uwe Seeler. Sem marcação, o capitão alemão dominou, avançou e bateu da entrada da área, no ângulo esquerdo de Mazurkiewcz. Alemanha: 3 a 0.
O placar foi fechado aos 38′. Dentro da área, Haller passou por um adversário e tocou rasteiro de pé esquerdo na saída do goleiro. A bola morreu no canto direito. Final: Alemanha 4, Uruguai 0.
● Na saída de campo, Cortés deu um pontapé no árbitro – o que resultaria em uma suspensão por seis jogos internacionais.
As duas seleções saíram de campo reclamando da arbitragem. O técnico alemão Helmut Schön disse que o juiz acertou nas suas decisões, mas demorou demais para expulsar os “violentos jogadores uruguaios”. Ondino Viera foi mais equilibrado, dizendo que “as arbitragens foram, no mínimo, defeituosas”. Mas seguiu dizendo que o árbitro deu um presente para os alemães: “A exibição do filme do jogo dará razão aos uruguaios sobre o penal não apitado no início do encontro”.
Diego Lucero, decano jornalista da Argentina, resumiu a situação pela ótica dos não-europeus: “Se um sul-americano se classificasse para as semifinais, seríamos todos mortos”.
Três pontos sobre… … 20/07/1966 – União Soviética 2 x 1 Chile
(Imagem: Getty Images / PA Images)
● O Chile se classificou para a Copa do Mundo de 1966 através do Grupo 12 das eliminatórias. Teoricamente seria uma chave fácil, com os fragilizados Colômbia e Equador.
Os colombianos até haviam disputado o Mundial anterior, mas houve uma cisão no futebol do país na época. Os clubes mais fortes e ricos formaram uma liga à parte, considerada “pirata”, pois não era filiada à federação nacional e tampouco à FIFA. Por isso, apenas um jogador da liga pirata atuou pela seleção – o atacante Antonio Rada.
Algo semelhante aconteceu com o Equador: houve um conflito entre as ligas de Guayaquil e Quito, com os times da capital se recusando a fornecer jogadores para a seleção equatoriana.
A seleção chilena era forte e contava com nove jogadores que tinham alcançado o 3º lugar na Copa de 1962: o goleiro Adán Godoy, os defensores Luis Eyzaguirre e Humberto Cruz, o meia Alberto Fouillioux e os atacantes Jaime Ramírez, Armando Tobar, Carlos Campos, Honorino Landa e Leonel Sánchez.
E o Chile começou bem, goleando a Colômbia por 7 x 2 em casa. Depois, perdeu fora para os mesmos colombianos por 2 x 0 (dois gols de Rada). Os dois jogos contra o Equador resultaram em um empate fora (2 x 2) e uma vitória em casa (3 x 1).
Com chilenos e equatorianos empatados em número de pontos, a vaga foi decidida em uma partida desempate, em Lima, no Peru. Leonel Sánchez e Rubén Marcos marcaram para o Chile e Romulo Gómez descontou para o Equador. Com esse resultado, o Chile estava de volta à disputa de uma Copa do Mundo.
(Imagem: Alamy)
● Por sua vez, a União Soviética conseguiu a sua vaga facilmente no Grupo 7 do qualificatório. Em seis partidas, foram cinco vitórias (3 x 1 e 4 x 1 na Grécia; 6 x 0 e 3 x 1 na Dinamarca; e 2 x 1 sobre o País de Gales) e apenas uma derrota (1 x 2 para os galeses, em Cardiff).
O lendário treinador Gavriil Kachalin, campeão olímpico em 1956 e europeu em 1960, deu lugar a Nikolai Petrovich Morozov, do Torpedo Moscou. Ele deixou de lado o famoso “futebol científico” – liderado pelo meia Igor Netto e pelo atacante Valentin Ivanov – e simplificou o estilo de jogo. E fez testes, utilizando 24 jogadores diferentes nos seis jogos das eliminatórias.
Mas a base do time ainda era a mesma, com o histórico goleiro Lev Yashin, os defensores Albert Shesternyov e Leonīds Ostrovskis, os meias Valery Voronin, Viktor Serebryanikov e Yozhef Sabo, além dos atacantes Slava Metreveli, Igor Chislenko e Galimzyan Khusainov.
As duas seleções jogavam no sistema 4-2-4.
● Nas duas primeiras rodadas da Copa, pelo Grupo 4, o Chile perdeu para a Itália por 2 x 0 e empatou com a Coreia do Norte por 1 x 1. Na defesa da seleção chilena já se destacava um garoto de 19 anos que viria a fazer história no futebol: Elías Figueroa.
Por sua vez, a URSS já estava classificada com quatro pontos, com vitórias por 3 x 0 sobre a Coreia do Norte e 1 x 0 em cima da Itália.
No dia anterior, a Coreia do Norte tinha vencido a Itália por 2 x 1, em uma das maiores zebras da história das Copas. Os chilenos tinham 01 ponto, contra 03 dos norte-coreanos. Com esse resultado, bastava uma vitória de 1 x 0 sobre a URSS para o Chile se classificar pelo critério do goal average. Isso já havia acontecido nas quartas de final do Mundial anterior (vitória chilena por 2 x 1).
O técnico soviético até deu uma certa ajuda para que isso acontecesse, escalando um time bem alternativo, poupando vários titulares. Mas o time reserva da URSS tinha bons jogadores, que queriam provar que poderiam seguir no time principal e jogaram como se fosse uma decisão.
O Chile pressionou o jogo inteiro. Mas foi a URSS que abriu o placar aos 28′ em um contra-ataque. Valery Voronin chutou, a bola bateu no peito de Aldo Valentini e sobrou para Valeriy Porkujan mandar no ângulo esquerdo do goleiro Juan Olivares.
O Chile empatou quatro minutos depois. O capitão Leonel Sánchez bateu falta, Anzor Kavazashvili deu rebote e Valentini cabeceou na trave. A bola voltou e Guillermo Yávar chutou. Rubén Marcos apareceu na pequena área, se antecipou ao goleiro e mandou para o gol.
Os sul-americanos continuavam em busca do gol que lhes dariam a classificação. Chegaram a ter um gol anulado pelo árbitro norte-irlandês John Adair, em lance que Honorino Landa fez falta no goleiro antes de marcar de cabeça.
O golpe final veio a cinco minutos do fim. Kavazashvili despachou a bola para a frente. Ela quicou, enganou a defesa e chegou até Porkujan, que tocou por cobertura e fechou o placar em 2 x 1 a favor dos soviéticos.
(Imagem: Alamy)
● Com esse resultado, o Chile estava eliminado na primeira fase. A Coreia do Norte ficou com a outra vaga do grupo.
Três pontos sobre… … 15/07/1966 – Hungria 3 x 1 Brasil
(Imagem: Pinterest)
● Como já contamos aqui, a preparação da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1966 foi uma bagunça homérica, com 47 jogadores convocados. Após várias bizarrices, o escrete canarinho acabou se tornou uma mescla mal feita entre alguns craques bicampeões nas duas Copas anteriores, com Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Zito, Garrincha e Pelé, além de jogadores que viriam a encantar o mundo em 1970, como Brito, Gérson, Tostão e Jairzinho. Várias unanimidades ficaram fora da lista final, como Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Roberto Dias, Servílio e outros.
Em termos de qualidade, a Hungria não ficava atrás. No qualificatório europeu, terminou com três vitórias e um empate, deixando para trás a Alemanha Oriental e a Áustria. Com esse mesmo time base, havia conquistado a medalha de bronze nas Olimpíadas de Roma, em 1960. Depois, terminou em 3º lugar na Eurocopa de 1964 e ficou com a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos de Tóquio, também em 1964. Os maiores destaques eram o defensor Kálmán Mészöly, o ponta direita Ferenc Bene e o atacante Flórián Albert, que seria eleito o Bola de Ouro de 1967.
A Hungria perdeu para Portugal por 2 x 1 na primeira partida.
O Brasil começou bem, vencendo uma frágil Bulgária por 2 a 0, na última partida de Pelé e Garrincha juntos pela Seleção. Eles nunca perderam atuando juntos. Foram 40 partidas, com 36 vitórias e quatro empates. Curiosamente os dois gols contra os búlgaros foram em cobranças de falta diretas, um anotado pelo Rei e outro por Mané.
Ambas as equipes jogavam no sistema tático 4-2-4.
● Pelé havia levado tanta pancada no jogo contra a Bulgária, que não teve condições físicas de enfrentar a Hungria. Ele foi substituído por Tostão. No meio, saiu Denílson e entrou Gérson, com Lima recuado para a marcação.
Mesmo sem o Rei, o Brasil começou no ataque e dei um susto no goleiro húngaro logo no pontapé inicial. Tostão e Alcindo Bugre deram a saída de bola e rolaram para Gérson mais atrás. Ele passou para Tostão, que abriu na esquerda para Paulo Henrique, que deu um passe vertical para Jairzinho. O craque arrancou na diagonal da esquerda para o meio, deixou Benő Káposzta no chão e avançou até parar na marcação de Ferenc Sipos. Gérson pegou a sobra, atrasou para Lima, que abriu na direita para Djalma Santos. Ele avançou e devolveu para Lima na intermediária ofensiva. O coringa do Santos dominou e bateu com veneno de muito longe. A bola ia no ângulo, mas o goleiro József Gelei voou para espalmar para escanteio.
Mas na sequência retrucou. János Farkas chutou de longe e Gylmar voou no canto esquerdo baixo para mandar a bola para a linha de fundo.
O início do jogo estava muito acelerado. Ainda no segundo minuto, Ferenc Bene invadiu a área pelo lado direito, deixou Altair sentado, cortou a marcação de Bellini e bateu de perna esquerda no contrapé de Gylmar. Hungria, 1 a 0.
Mas o Brasil empatou aos 14′. Paulo Henrique fez o lançamento e Gyula Rákosi cortou com a mão. Falta da intermediária. Lima bateu forte e rasteira, a bola desviou em Sándor Mátrai e sobrou para Tostão na marca do pênalti. De primeira, o craque do Cruzeiro mandou no ângulo esquerdo. 1 a 1.
O escrete canarinho quase conseguiu a virada. Tostão cruzou da ponta esquerda, a bola passou pelo goleiro Gelei e bateu em Alcindo – que não conseguiu finalizar direito. A bola estava entrando no gol, mas o capitão Sipos tirou em cima da linha e impediu o gol certo.
Não era mesmo o dia de Alcindo. Ainda aos 20′ do primeiro tempo, ele torceu o tornozelo sozinho e se lesionou, perdendo a mobilidade e ficando estático em campo.
No segundo tempo, Flórián Albert abriu na direita e Bene fez o cruzamento para a área. A bola desviou na marcação e sobrou para Farkas. Dentro da área, ele bateu de primeira. A bola saiu à esquerda, mas assustou muito o goleiro Gylmar.
O Brasil escapou de Farkas uma vez, mas não escaparia da segunda. Aos 19′, Bene cruzou para a marca do pênalti e János Farkas emendou de primeira, sem deixar cair. A bola foi no canto esquerdo, sem chances para o goleiro brasileiro. Hungria, 2 a 1.
O gol animou os magiares e desorientou os brasileiros. A Hungria se aproveitou da situação para ampliar.
Aos 28′, Albert arrancou desde a sua intermediária, passou entre Gérson e Lima e abriu na direita para Bene. No bico da grande área, ele deixou Altair no chão e foi derrubado por Paulo Henrique. Kálmán Mészöly bateu o pênalti forte e rasteiro, no canto direito de Gylmar, que nem pulou. Hungria, 3 a 1.
(Imagem: MTI / LVB)
Aos 33′, Albert avançou a bola desde a intermediária até quase a pequena área. Farkas surgiu de trás, pela esquerda, e bateu de pé esquerdo, colocando a bola no ângulo do Gylmar. A defesa brasileira não reclamou, mas o bandeirinha peruano Arturo Yamasaki apontou o impedimento de Bene, fora do lance.
O Brasil tentou correr atrás do prejuízo. Garrincha cobrou falta da direita e Alcindo bateu de primeira, mas a bola foi em cima do goleiro húngaro, que espalmou para escanteio.
Pouco depois, Paulo Henrique cruzou para a área e Gelei mergulhou para segurar.
Mas a Hungria continuava assustando nos contra-ataques. Bene viu a infiltração de Albert e fez o passe. Ele passou fácil pelo lento Bellini. Gylmar saiu mal do gol. Albert finalizou, mas a bola bateu no pé da trave e foi para fora.
Ao contrário do futebol defensivo visto na Copa até então, Brasil e Hungria jogaram para frente o tempo todo. No total, foram 56 ataques dos dois times.
A desilusão dos brasileiros foi enorme quando o árbitro inglês Ken Dagnall apitou o fim do jogo. O Brasil perdeu a sua primeira partida em uma Copa do Mundo desde 1954, quando havia sido derrotado pela mesma Hungria na famigerada “Batalha de Berna“. Curiosamente, Djalma Santos participou dessas duas partidas contra os magiares.
Ao todo, foram doze anos e treze jogos de invencibilidade em Copas. Foi o início do fim da ex-imbatível Seleção Brasileira.
Foi também o último dos 58 jogos de Garrincha pela Seleção Brasileira e ele só perdeu um: exatamente esse.
(Imagem: Magyarfutball.hu)
● A derrota não estava nos planos da delegação brasileira. O clima entre os jogadores e comissão técnica já era ruim, mas piorou ainda mais. A falta de união e o despreparo psicológico fizeram a situação ficar insustentável.
Para a última rodada, contra Portugal, o técnico Vicente Feola trocou quase todo o time e trouxe de volta Pelé, que estava em péssimas condições físicas. A marcação portuguesa caçou o Rei em campo e o deixou definitivamente fora de combate. Eusébio liderou a seleção lusitana que venceu o Brasil por 3 x 1. Vergonhosamente, a Seleção Brasileira, bicampeã nos dois Mundiais anteriores, estava eliminada na primeira fase da Copa do Mundo de 1966.
A Hungria encerrou sua participação com o segundo lugar do Grupo 3, após vencer a Bulgária por 3 x 1. Nas quartas de final, a Hungria foi eliminada ao perder para a União Soviética por 2 x 1.
Três pontos sobre… … 12/07/1966 – Alemanha Ocidental 5 x 0 Suíça
● O lendário técnico alemão Sepp Herberger se aposentou depois da Copa do Mundo de 1962, passando o comando para Helmut Schön – que era seu auxiliar nos oito anos anteriores.
A Alemanha não começou tão bem no Grupo 2 das eliminatórias europeias, empatando em casa com a Suécia (1 x 1) – em uma chave que também tinha o modestíssimo Chipre. Mas foi buscar o placar no campo do adversário e venceu os suecos por 2 x 1 em Estocolmo. Nesse jogo, Schön escalou pela primeira vez um jovem volante de 19 anos do Bayern de Munique chamado Franz Beckenbauer. No processo de renovação, o técnico também tinha apontado em outro talentoso meia do FC Köln: Wolfgang Overath. A partir de então, Beckenbauer e Overath passaram a formar uma sólida dupla de meio campo – uma das melhores, senão melhor, já produzida no país.
Pelo Grupo 5 do qualificatório europeu, as prévias diziam que a decisão ficaria entre Suíça e Irlanda do Norte, do genial George Best, de 19 anos, estrela do Manchester United. Os demais concorrentes não assustavam: a Holanda ainda tinha um futebol semiprofissional e a Albânia era um país linha dura, que parou no tempo durante a ditadura socialista de Enver Hoxha (1944-1991) – cuja seleção possuía um sistema defensivo forte e tomava poucos gols. A Suíça venceu quatro jogos (duas vezes a Albânia, Irlanda do Norte em casa e Holanda em casa), empatou um (0 x 0 com a Holanda) e uma derrota (2 x 1 para a Irlanda do Norte, em Belfast, na estreia). Os norte-irlandeses tinham campanha parecida e precisavam vencer a Albânia em Tirana para forçar um jogo desempate com a Suíça. Mas ficaram no empate por 1 x 1, dando a classificação aos helvéticos.
A Alemanha Ocidental jogou no esquema 4-2-4.
A Suíça atuou no sistema 4-3-3.
● O técnico da Suíça, o ex-zagueiro italiano Alfredo Foni, campeão do mundo em 1938, tinha problemas para escalar o time para o primeiro jogo. O goleiro Léo Eichmann, o zagueiro Werner Leimgruber e o meio-campista Köbi Kuhn foram punidos por indisciplina e não jogaram.
Sem eles, o treinador recuou um dos meia atacantes e armou a Suíça no sistema 4-3-3, sistema considerado defensivo demais para a época, que pouco era utilizado.
Mas a nova versão do antigo “ferrolho suíço” não funcionou.
A Alemanha tinha uma defesa sólida, um meio campo consistente e um ataque demolidor. E tratou de provar isso.
O placar foi aberto aos 15′. Sigfried Held passou por três adversários e cruzou para Helmut Haller finalizar. O goleiro Karl Elsener defendeu, mas Held pegou o rebote e marcou. 1 x 0.
Cinco minutos depois, Haller arrancou com a bola dominada ainda em seu campo, ganhou na velocidade de seus marcadores e bateu à esquerda, na saída do goleiro. 2 x 0.
Aos 39′, Beckenbauer tabelou com Uwe Seeler, recebeu de volta e tocou de bico, à direita de Elsener. 3 x 0.
Aos sete minutos do segundo tempo, Haller lançou Beckenbauer, que passou por Heinz Schneiter e André Grobéty e finalizou na saída do goleiro. 4 x 0.
Beckenbauer era um caso a parte. Ao contrário dos volantes da época, que eram responsáveis apenas pelo desarme e pela proteção à defesa, o Kaiser partia de seu campo com a bola dominada e seguia rumo ao ataque. Despreparados para lidar com alguém como Beckenbauer, a defesa suíça sofreu e acabou tomando dois gols do craque alemão.
O último gol veio aos 32′. Seeler entrou na área e foi derrubado por Richard Dürr. Haller bateu o pênalti no canto esquerdo e converteu. 5 x 0.
O placar dilatado ainda ficou barato. A Alemanha perdeu pelo menos outras quatro chances claras de gol.
● A Suíça acabou eliminada na primeira fase, com três derrotas em três jogos. Depois da derrota para o alemães, os helvéticos ainda perderam para espanhóis ( 1 x 2) e argentinos (0 x 2).
A Alemanha Ocidental foi a líder do Grupo 2 na primeira fase. Depois da vitória sobre a Suíça, empatou sem gols com a Argentina e venceu a Espanha por 2 x 1. Nas quartas de final, goleou o Uruguai por 4 x 0. Na semifinal, venceu a União Soviética por 2 x 1. Na decisão, conseguiu o empate por 2 x 2 diante da Inglaterra em Wembley, mas, em uma decisão controversa da arbitragem (como detalhamos aqui) acabou perdendo por 4 x 2 na prorrogação.
● Era um duelo entre duas seleções muito fortes. Ambas constavam no grupo das favoritas ao título. O Brasil era o candidato natural, por ter vencido as duas Copas anteriores (1958 e 1962). A Inglaterra era a dona da casa. A Espanha havia conquistado a Eurocopa de 1964. E a Alemanha Ocidental tinha um bom elenco, onde brilhavam o veterano atacante Uwe Seeler e uma jovem dupla no meio campo: Franz Beckenbauer e Wolfgang Overath.
A União Soviética estava na melhor fase de sua história. Em um espaço de dez anos, havia conseguido quase todos os títulos de sua sala de troféus, além de campanhas de destaque. Conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1956, em Melbourne. Se sagrou vencedora da primeira edição da Eurocopa, em 1960, além de ter sido vice-campeã da Euro de 1964. Um nome se destacava dentre os demais e permaneceu como unanimidade durante todo esse período: Lev Yashin, o Aranha Negra, único goleiro a ter sido eleito o Bola de Ouro da revista France Football como o melhor jogador da Europa, em 1963. Nas eliminatórias, a URSS foi a líder do Grupo 7 da UEFA, com cinco vitórias e uma única derrota (para o País de Gales, quando já estava classificada), deixando para trás, além dos galeses, a Grécia e a Dinamarca.
Em termos de qualidade, a Hungria não ficava atrás. No qualificatório europeu, terminou com três vitórias e um empate, deixando para trás a Alemanha Oriental e a Áustria. Com esse mesmo time base, havia conquistado a medalha de bronze nas Olimpíadas de Roma, em 1960. Depois, terminou em 3º lugar na Eurocopa de 1964 e ficou com a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos de Tóquio, também em 1964. Os maiores destaques eram o volante Kálmán Mészöly, o ponta direita Ferenc Bene e o atacante Flórián Albert, que seria eleito o Bola de Ouro de 1967.
Em sua estreia, a União Soviética venceu a Coreia do Norte por 3 x 0. Depois, venceu a Itália por 1 x 0. Terminou a primeira fase com 100% de aproveitamento ao vencer o Chile por 2 x 1.
A Hungria perdeu para Portugal por 2 x 1 na primeira partida. Depois, venceu por 2 x 1 a Seleção Brasileira, então bicampeã do mundo. Encerrou sua participação com o segundo lugar do Grupo 3, após vencer a Bulgária por 3 x 1.
Ambas as equipes jogavam no sistema tático 4-2-4.
● Os dois goleiros acabariam por ser os dois principais destaques da partida. Enquanto Lev Yashin salvou a URSS, o goleiro húngaro fez o contrário. József Gelei era o terceiro goleiro de sua seleção. Ele tinha 28 anos e jogava FC Tatabánya, um time médio de seu país – o mesmo clube que havia revelado Gyula Grosics, maior arqueiro da história da Hungria, que disputou as Copas de 1954, 1958 e 1962. O titular era Antal Szentmihályi, do Újpest LK, mas ele não fez uma boa partida na estreia diante de Portugal e foi sacado pelo técnico Lajos Baróti. O reserva imediato era István Géczi, do Ferencváros TC, que estava lesionado. Assim, coube a Gelei defender a meta contra o Brasil. Fez um bom papel e foi mantido como titular para a sequência da competição. Mas, contra os soviéticos, ele falhou logo na primeira vez em que precisou mostrar serviço.
Logo aos cinco minutos, antes que o jogo esquentasse, aconteceu um lance curioso. O soviético Anatoliy Banishevskiy avançou pela ponta esquerda e, em disputa de bola, jogou o zagueiro húngaro Sándor Mátrai para cima dos repórteres. Ele demorou um pouco a se recuperar, mas voltou inteiro para o jogo. O árbitro espanhol Juan Gardeazábal Garay deu apenas escanteio.
Valeriy Porkujan cobrou escanteio curto, recebeu de volta e chutou fraco e rasteiro da ponta esquerda. Era uma bola fácil, mas Gelei deixou a bola passar por baixo de seu corpo. Igor Chislenko estava ligado no lance e chegou de carrinho para empurrar a bola que estava quase em cima da linha de gol, antes que o goleiro tivesse tempo para recuperar a bola.
(Imagem: Pinterest)
No restante do primeiro tempo, os húngaros tentaram recobrar o controle dos nervos, mas não conseguiram. O técnico Nikolai Morozov deu uma mostra de humildade rara entre os soviéticos e decidiu escalar Valery Voronin com a única e exclusiva obrigação de acompanhar Florián Albert por todo o campo – principal articulador das jogadas de ataque da seleção húngara.
No primeiro minuto do segundo tempo, Vasiliy Danilov deu um chutão para frente e foi prensado por Benő Káposzta. Em um lance bastante inusitado, a bola furou e caiu já murcha fora de campo. Uma cena muito rara na história das Copas.
Logo aos 2′, Gelei falhou novamente. Galimzyan Khusainov cobrou uma falta da direita, levantando a bola na pequena área da Hungria. O goleiro ficou parado e Porkujan cabeceou. A bola tocou na trave esquerda e entrou no gol.
(Imagem: Magyarfutball.hu)
Mas, em uma estratégia arriscada, os soviéticos recuaram diante do bom time húngaro.
Na base da força de vontade e superação os magiares saíram em busca do empate e chegaram a colocar os dez jogadores no campo de ataque. Era o volante Kálmán Mészöly quem liderava o time na técnica e no grito. A pressão foi tanta que o goleiro Lev Yashin precisou fazer pelo menos quatro defesas de grande envergadura. Mas só resultou em um único e insuficiente gol.
Mészöly se lançou de vez para o ataque. Aos 12′ , ele abriu na direita para Ferenc Bene tocar cruzado por cima de Yashin, que saía no lance.
A Hungria continuava atacando em busca do empate.
Gyula Rákosi cruzou da esquerda para a área. Mészöly dominou no peito e bateu de primeira, de esquerda, mas Porkujan fechou o espaço e impediu o empate. A defesa da URSS não conseguiu tirar de vez, a bola viajou e Rákosi chutou da entrada da área, mas a bola saiu à direita do gol de Lev Yashin.
Mais para o fim do jogo, Ferenc Bene deu uma bicicleta da entrada da grande área e a bola passou muito perto do travessão, chegando a tocar no suporte da rede e assustar Yashin.
Mas já era tarde demais para os húngaros. A URSS estava classificada para a única semifinal de sua história nas Copas do Mundo.
Três pontos sobre… … 20/07/1966 – Alemanha Ocidental 2 x 1 Espanha
(Imagem: Impromptuinc)
● O árbitro da partida foi o brasileiro Armando Marques. Então com 36 anos, ele era famoso no Brasil por sua mania de querer ser o centro do espetáculo. Mas não havia qualquer dúvida de que ele era o melhor árbitro do país na década de 1960. Seus famosos e folclóricos erros só viriam a acontecer nos anos 1970, como, por exemplo, o equívoco na contagem de pênaltis na decisão do Campeonato Paulista de 1973.
Ambas as seleções constavam no grupo das favoritas ao título. O Brasil era o candidato natural, por ter vencido as duas Copas anteriores (1958 e 1962). A Inglaterra era a dona da casa. A Espanha havia conquistado a Eurocopa de 1964. A Hungria havia ganhado a medalha de ouro do futebol nos Jogos Olímpicos de 1964. A União Soviética contava o goleiro Lev Yashin em seu auge. A Alemanha Ocidental tinha um bom elenco, onde brilhavam o veterano atacante Uwe Seeler e uma jovem dupla no meio campo: Franz Beckenbauer e Wolfgang Overath.
Em sua primeira partida, a Nationalmannschaft goleou a Suíça por 5 x 0. Na segunda rodada, empatou sem gols com a Argentina. Com a vitória dos albicelestes sobre os suíços por 2 x 0 no dia anterior, a Alemanha jogava por uma vitória simples para ser a líder do Grupo B ou, na pior dar hipóteses, precisava de um empate para ficar com a segunda vaga da chave.
(Imagem: Impromptuinc)
● Em sua estreia, a Espanha perdeu para a Argentina por 2 x 1. Depois, venceu a Suíça pelo mesmo placar. No terceiro jogo, precisava vencer os alemães de qualquer jeito para se classificar.
Por isso, o técnico José Villalonga radicalizou geral. Ele aproveitou a lesão do meia Pirri e trocou praticamente todo o time do meio de campo para a frente. Só o ponta direita Amancio Amaro continuou no onze titular.
Foram barrados jogadores consagrados, como o ponta esquerda Paco Gento, do Real Madrid (jogador mais vezes campeão na história da UEFA Champions League, com seis títulos), o atacante Joaquín Peiró e o meia Luis Suárez, ambos da Inter de Milão (que havia vencido a Champions por duas vezes em anos anteriores) e o meia Luis del Sol, da Juventus.
Esses nomes de peso foram substituídos por jovens que estavam no elenco que ajudou a Espanha a se sagrar campeã da Eurocopa de 1964, como Josep Maria Fusté, Adelardo, Marcelino e Carlos Lapetra.
Porém, o certo é que os onze jogadores que pisaram no Villa Park naquele dia nunca haviam sequer treinado juntos.
Ambas as equipes jogavam no sistema tático 4-2-4.
● Os primeiros 30 minutos dessa partida foram os mais intensos dos espanhóis desde a Copa de 1950. Dominando as ações ofensivas, o time demonstrou uma vontade incomum e partiu para cima da Alemanha honrando o apelido de Fúria. Com um time menos talentoso, mas dedicado e esforçado, os espanhóis começaram pressionando e empurrando os teutônicos para o campo de defesa. Tamanho esforço e vigor só poderia ser recompensado com um gol.
Aos 23′, Emmerich deu um passe errado para Franz Beckenbauer. Josep Maria Fusté interceptou, abriu na esquerda com Marcelino e se infiltrou na área. A devolução foi perfeita para Fusté dominar no peito e tocar no canto direito, antes da chegada do goleiro Hans Tilkowski. Os alemães reclamaram que Fusté havia conduzido a bola com o braço, mas Armando Marques, como sempre, nem quis escutar.
Aos 39′, Sigfried Held cobrou um lateral rápido para Lothar Emmerich na ponta esquerda. Quase da linha de fundo, Emmerich soltou uma bomba que passou entre a trave direita e o goleiro José Ángel Iribar, morrendo no outro ângulo. Foi um verdadeiro “gol espírita”, um dos maiores de todas as Copas. O chute tomou o rumo do gol sem ter ângulo algum.
Esse gol ficou imortalizado na Alemanha. Desde então, quando um gol é marcado de um ângulo impossível, é chamado de “Emmerich Tor” (“gol Emmerich”) no jargão futebolístico alemão.
Um golaço, que foi considerado o gol mais bonito da história do estádio Villa Park até a época.
Era um verdadeiro castigo para o que os espanhóis estavam jogando. Não havia mais justiça no placar.
A Espanha retornou com menos confiança para o segundo tempo e só voltaria a equilibrar as ações a partir dos 20 minutos, mas sem a adrenalina da primeira etapa. A Fúria tentou o segundo gol a qualquer custo, mas o time cansou.
E a virada alemã aconteceu aos 39′. Held foi à linha de fundo e cruzou rasteiro da esquerda. Uwe Seeler dominou na linha da pequena área e bateu no canto esquerdo de Iribar.
Assim como o primeiro gol alemão, o segundo também ocorreu em um momento que abalou psicologicamente os espanhóis, que agora precisavam anotar dois gols em sete minutos.
E o nervosismo dos ibéricos ainda resultou em outras duas chances perdidas pelos germânicos. Em uma delas, Uwe Seeler roubou a bola de Severino Reija, entrou sozinho na área e driblou o goleiro Iribar, mas ficou sem ângulo para a finalização.
(Imagem: Impromptuinc)
● De forma melancólica, a Espanha deu adeus a mais uma Copa do Mundo. O zagueiro Gallego resumiu bem a partida: “Nós criamos as oportunidades e eles fizeram os gols”.
Curiosamente, a Espanha tinha em seu elenco um atacante que começou a carreira no Flamengo. Nascido em Pontevedra, na região da Galícia, José Armando Ufarte viveu a infância no Brasil e começou a carreira nas divisões de base do rubro-negro, antes de voltar ao seu país e jogar no Atlético de Madrid. Jogou também pelo Corinthians e pelo Racing Santander. Pelo Flamengo, conquistou o Campeonato Carioca em 1961 e o Tornio Rio-São Paulo em 1963.
Com a vitória, a Alemanha foi a líder de seu grupo graças ao critério do goal average (divisão do número de gols marcados pelo número de gols sofridos), furando a previsão de seu ex-técnico Sepp Herberger, campeão mundial em 1954 e jornalista em 1966. Ele havia afirmado que os alemães seriam eliminados ainda na primeira fase.
Nas quartas de final, a Alemanha Ocidental goleou o Uruguai por 4 x 0. Nas semifinais, venceu a forte União Soviética por 2 x 1. Na decisão, enfrentou a Inglaterra, dona da casa. Conseguiu um empate no tempo normal, mas, na prorrogação, sofreu um gol bastante polêmico (até hoje não existe um ângulo de qualquer imagem que tenha mostrado a bola dentro do gol) e perdeu por 4 x 2.
Três pontos sobre… … 16/07/1966 – Portugal 3 x 0 Bulgária
(Imagem: Lance!)
● Havia muita expectativa para a estreia de Portugal em Copas do Mundo. A base do time era o Benfica, bicampeão da Copa dos Campeões da Europa (atual UEFA Champions League) em 1960/61 e 1961/62. Toda a linha de frente da seleção lusa era benfiquista: José Augusto, Coluna, Eusébio, Torres e Simões.
Nas eliminatórias europeias, Portugal passou apertado em um grupo muito equilibrado e precisou superar seleções mais tradicionais como Tchecoslováquia, Romênia e Turquia. Mas a campanha de quatro vitórias, um empate e uma derrota qualificou os Tugas para a primeira Copa do Mundo de sua história.
Por sua vez, a Bulgária teve maior dificuldade para se qualificar para o Mundial. Terminou empatada com a Bélgica na liderança do Grupo 1 e precisou disputar um jogo-extra. Em Florença, na Itália, Georgi Asparuhov marcou os dois gols em vitória por 2 x 1 que garantiram Os demônios da Europa no Mundial de 1966.
Em um grupo fortíssimo, os búlgaros eram meros azarões. Era a segunda Copa do Mundo que o país disputava, a segunda seguida. Em 1962, caiu na primeira fase, com um empate e duas derrotas.
Portugal atuava no 4-2-4. Liderado por Eusébio, o ataque tinha muita força e mobilidade. O capitão Coluna era mesmo a coluna vertebral do time, aparecendo em todos os espaços.
Os búlgaros precisavam da vitória para continuarem com chance de classificação. Por isso, o técnico austríaco-tcheco Rudolf Vytlačil (o mesmo que levou a Tchecoslováquia ao vice-campeonato em 1962) escalou um time mais ofensivo. Mas Portugal fez um gol logo no início e atrapalhou todos os seus planos.
Aos sete minutos de partida, Jaime Graça abriu na esquerda para o grandalhão José Torres. Ele cortou a marcação de Dimitar Penev e cruzou da linha de fundo. Ivan Vutsov não percebeu que não havia nenhum português por perto, se apavorou e mergulhou, desviando de cabeça contra as próprias redes.
Dobromir Zhechev, que havia enchido Pelé de porrada no primeiro jogo, agora era incumbido de fazer o mesmo com Eusébio. Mas enquanto o brasileiro tentou resolver tudo sozinho e levava mais pancadas, Eusébio foi inteligente e passou a cair pelas pontas, arrastando Zhechev e abrindo espaços para a infiltração de José Augusto pelo meio.
Aos 17′, uma cabeçada de Torres acertou o travessão.
Aos 23′, no melhor momento da Bulgária no jogo, Asparukhov carimbou a trave direita do goleiro José Pereira.
Mas Portugal jogava melhor e tinha um time muito melhor.
O segundo gol saiu aos 38′. António Simões carregou a bola pelo meio e fez o passe na medida para Eusébio virar e bater rasteiro. A bola foi no canto direito do goleiro Georgi Naydenov, que chegou a tocar, mas não conseguiu evitar o gol. Foi o primeiro dos nove gols que tornaria Eusébio o artilheiro do Mundial.
No segundo tempo, a Bulgária não conseguia ficar com a posse de bola e muito menos atacar. O técnico Vytlačil compreendeu que não teria muitas chances e posicionou seu time mais na defensiva.
Portugal finalizou oito vezes e a Bulgária só uma, em um chute de Asparukhov que passou muito perto. O camisa 9 batalhava sozinho no ataque búlgaro, mas não tinha sucesso.
Aos 36′ do segundo tempo, Hilário deu um chutão para a frente e a defesa búlgara falhou. Vutsov desistiu da jogada e Torres correu atrás da bola. Boris Gaganelov tentou recuar para o goleiro, mas Torres chegou antes e completou para o gol.
(Imagem: Getty Images / Popperfoto)
● No dia anterior, a Seleção Brasileira tinha sido derrotada pela Hungria por 3 x 1. A vitória sobre os búlgaros deixou os portugueses em ótima situação, a ponto de poder até perder para o Brasil na última rodada que, ainda assim, se classificaria. A segunda vaga ficaria entre Brasil e Hungria, sendo que o Brasil precisaria vencer Portugal por uma boa diferença de gols se quisesse continuar sonhando com o tricampeonato e os húngaros entrariam em campo um dia depois dos brasileiros, já sabendo do resultado que iria precisar ao enfrentar a eliminada Bulgária.
Na última rodada, a Bulgária foi derrotada pela Hungria por 3 x 1 e ficou na lanterna do Grupo 3. Os magiares ficaram com a segunda colocação no grupo e enfrentariam a União Soviética nas quartas de final.
O treinador de campo era o brasileiro Otto Glória, mas a seleção portuguesa era escolhida por Manuel da Luz Afonso, ex-dirigente do Benfica. Ele foi o selecionador nacional de 1964 a 1967. Para o Mundial de 1966 ele convocou oito atletas do Sporting (campeão português da temporada 1965/66), sete do Benfica, três do Porto, dois do Belenenses, um do Leixões e um do Vitória de Setúbal. Inclusive, foi Afonso quem escolheu Otto Glória, do Sporting, como treinador.
Curiosamente, quatro dos titulares da seleção das Quinas eram nascidos em Moçambique: Vicente, Hilário, Coluna e Eusébio.
Três pontos sobre… … 12/07/1966 – Brasil 2 x 0 Bulgária
(Imagem: Pinterest)
● No país do futebol, a desordem imperava. Os cartolas estavam convencidos de que o futebol que o Brasil jogava era imbatível. João Havelange, presidente da CBD, foi também o chefe da delegação brasileira na Inglaterra. Ele depôs o antigo dono da função, o Dr. Paulo Machado de Carvalho, por divergências sobre a escolha do técnico da Seleção. Enquanto o Dr. Paulo queria manter Aymoré Moreira, técnico de 1962, Havelange bateu o pé que deveria ser Vicente Feola, treinador em 1958. E Havelange resolveu sozinho.
Feola era mais influenciável e, sem o escudo do Dr. Paulo, o técnico perdeu a autoridade e sofreu pressão para agradar ao máximo os dirigentes dos times brasileiros, com a política de apadrinhamento dos jogadores. Ao todo, foram 47 convocados de quinze clubes diferentes para os treinos preparatórios. Isso mesmo: mais de quatro times completos! Havia tantos jogadores que o Brasil chegou a realizar dois amistosos no mesmo dia, em 08 de junho (vitórias por 3 x 1 sobre Peru e 2 x 1 sobre a Polônia).
Essa convocação foi tão ridícula, que, em certo momento, um dirigente da CBD ponderou que havia pouca gente do Corinthians. Então outro cartola sugeriu o nome do zagueiro Ditão. Mas na hora de datilografar a lista oficial, era necessário o nome completo do jogador e ninguém sabia. Perguntaram a um jornalista que, sem saber o que estava se passando, forneceu o nome de Ditão do Flamengo, que também era zagueiro e era irmão do corintiano. Sem saber o que fazer e para não piorar mais as coisas, a comissão técnica preferiu manter o Ditão do Flamengo mesmo.
A convocação inicial anunciada pela CBD em 10 de maio tinha 45 jogadores: os goleiros Gylmar (Santos), Manga (Botafogo), Valdir de Moraes (Palmeiras), Ubirajara (Bangu) e Fábio (São Paulo); os laterais Djalma Santos (Palmeiras), Fidélis (Bangu), Carlos Alberto Torres (Santos), Murilo (Flamengo), Paulo Henrique (Flamengo), Rildo (Botafogo) e Edson Cegonha (Corinthians); os zagueiros Bellini (São Paulo), Orlando Peçanha (Santos), Altair (Fluminense), Brito (Vasco), Djalma Dias (Palmeiras), Roberto Dias (São Paulo), Fontana (Vasco), Leônidas (América-RJ) e Ditão (Flamengo); os meio-campistas Denílson (Fluminense), Lima (Santos), Gérson (Botafogo), Zito (Santos), Dino Sani (Corinthians), Dudu (Palmeiras), Fefeu (São Paulo) e Oldair (Vasco); e os atacantes Garrincha (Corinthians), Jairzinho (Botafogo), Alcindo (Grêmio), Silva Batuta (Flamengo), Tostão (Cruzeiro), Pelé (Santos), Edu (Santos), Paraná (São Paulo), Servílio (Palmeiras), Flávio Minuano (Corinthians), Ivair (Portuguesa), Paulo Borges (Bangu), Nado (Náutico), Célio (Vasco), Parada (Botafogo) e Rinaldo (Palmeiras).
Posteriormente, esse número inchou ainda mais com dois outros nomes. Pela primeira vez foram convocados jogadores que atuavam no exterior: o ponta direita Jair da Costa, da Inter de Milão, e o ponta de lança Amarildo, do Milan. Ambos estavam no elenco campeão mundial em 1962.
Os atletas foram divididos em quatro times: branco, azul, verde e grená. Mas não havia nenhuma regra. Eles treinavam juntos, mas nos amistosos eram todos misturados. Devido à pouca transparência da comissão técnica, havia uma alta carga de tensão entre os jogadores nos treinos coletivos, pois mais da metade deles seriam cortados às vésperas do Mundial.
A primeira lista de dispensa saiu dia 16 de junho, com 19 nomes. O corte mais criticado foi o do lateral direito Carlos Alberto Torres. Para sua posição, acabaram viajando o veterano Djalma Santos e Fidélis – jogador muito limitado, mas que jogava no Bangu, time do supervisor Carlos Nascimento.
Já na Europa, os últimos cinco cortes aconteceram onze dias antes da estreia: o goleiro Valdir, o zagueiro Fontana, o volante Dino Sani e os atacantes Amarildo e Servílio – sendo que Servílio vinha se mostrando a melhor opção para fazer dupla com Pelé. Zito viajou mesmo lesionado e praticamente sem chances de entrar em campo. “Carlos Alberto e Djalma Dias colocariam no bolso três ou quatro dos preferidos para a inscrição na FIFA”, disse Dino Sani.
(Imagem: Pinterest)
Mas a ordem era clara: a CBD planejava fazer o maior número possível de tricampeões. Gylmar (prestes a completar 36 anos), Djalma Santos (37), Bellini (36), Orlando (31), Zito (quase 34) e Garrincha (quase 33). Aquela geração de craques estava no ocaso de suas carreiras e era preciso renovar. Não foi feito um planejamento para essa transição. Dos bicampeões, só Pelé era mais jovem, com 25 anos. Em compensação, craques inexperientes faziam o contrapeso aos mais idosos. Tostão tinha 19 anos e Edu, ponta esquerda do Santos, tinha 16 – ele é até hoje o mais jovem a ser convocado pela Seleção Brasileira para uma Copa do Mundo, mas não chegou a entrar em campo na Inglaterra.
Se a preparação para 1958 e 1962 foi pautada pelo sossego de cidades aconchegantes, em 1966 foi completamente ao contrário. A Seleção que seria tricampeã precisava ser exibida e treinou em oito cidades diferentes: Lambari, Caxambu, Três Rios, Teresópolis, Niterói, Amparo, Campinas e Serra Negra. Depois disso, ainda fez amistosos em um tour de duas semanas na Europa.
Outra das principais críticas se devia à preparação física. Rudolf Hermanny era responsável, mas não tinha nenhuma experiência no futebol. Seu foco e conhecimento era o condicionamento de atletas de judô, o que acabou comprometendo a equipe brasileira. Com a metodologia de Hermanny, os jogadores ficavam desgastados mais rapidamente e sem fôlego ainda no primeiro tempo.
Soberba, a imprensa brasileira ignorava os problemas. Até que no dia 07 de julho, o jornal gaúcho Correio do Povo publicou reportagens bastante pessimistas sobre o destino da Seleção na Copa, alertando para a presença de jogadores sem preparo físico ou psicológico para a disputa de um Mundial. “Se os brasileiros encararem a realidade, vão perceber que o tricampeonato só virá por milagre”, disse Ernesto Santos, um dos grandes estudiosos de futebol da história do país e olheiro da Seleção.
Antes da Copa, um jornalista disse a Pelé que os Beatles adoravam futebol e queriam fazer um show exclusivo para os jogadores brasileiros. Pelé foi conversar com Feola e Nascimento, mas o supervisor técnico foi logo negando: “O que, aqueles garotos cabeludos? Olha, vocês, rapazes, estão aqui para jogar futebol, não para ouvir rock n’roll. Não vou permitir”.
Ambas as equipes jogavam no sistema 4-2-4.
● Os onze jogadores que entraram em campo naquele dia, no estádio Goodson Park, nunca haviam jogado juntos. Jairzinho nunca tinha jogado na ponta esquerda e ocupava essa posição, para Garrincha se manter na ponta direita. A faixa de capitão foi devolvida a Bellini. Mas a principal mudança era tática. Nas duas Copas anteriores, a Seleção se acostumou com o recuo voluntário do ponta esquerda Zagallo para auxiliar na marcação. Mas agora, o Brasil jogava com quatro atacantes de ofício, sobrecarregando o trabalho de Denílson, único volante marcador. O coringa Lima era coadjuvante no grande time do Santos, mas não tinha características de ser o cérebro do time, como foi escalado para ser diante da Bulgária.
Garrincha estava em um declínio físico acentuado e era titular apenas pelo nome. Para a comissão técnica brasileira, os adversários seriam levados a acreditar que precisariam de dois ou três para marcá-lo, abrindo espaço para os demais atacantes.
Depois da contusão que o tirou da maior parte da Copa de 1962, Pelé estava disposto a mostrar que ainda era o “Rei do Futebol”.
O técnico da Bulgária era o austríaco-tcheco Rudolf Vytlačil, que havia conduzido a Tchecoslováquia ao vice-campeonato em 1962. Ele sabia que não poderia das espaços para o Brasil. Por isso, ele entrou com um time mais defensivo e agressivo na marcação – no pior sentido da palavra. Desde o primeiro minuto ele deixou claro que seu time faria de tudo para afastar Pelé da área.
Aos 14′, Jairzinho dominou na ponta esquerda e tocou para o Rei, que foi derrubado por Dimitar Yakimov na meia-lua. Essa era a quarta falta dos búlgaros, sendo a terceira em Pelé. Ele mesmo ajeitou a bola e aproveitou uma barreira mal formada, com apenas quatro homens, e bateu a falta com força, rasteiro e no canto direito. O goleiro Georgi Naydenov tocou na bola, mas não conseguiu impedir o gol.
Com esse tento, Pelé se tornou o primeiro jogador a marcar gols em três edições de Copa. Oito dias depois, esse feito seria igualado pelo alemão Uwe Seeler.
Foi o primeiro gol da Copa, já que o jogo de abertura entre Inglaterra e Uruguai havia terminado 0 x 0.
O lance deu a falsa impressão de que o Brasil ganharia com facilidade, mas não foi o que aconteceu. O Brasil até criou algumas oportunidades, mas nenhuma tão clara o suficiente para passar algum susto em Naydenov.
Pelé fez ótima jogada pela ponta esquerda, passou como quis por dois marcadores, mas cruzou em cima do arqueiro búlgaro.
Djalma Santos fez o lançamento para o meio, Lima escorou de cabeça e Alcindo, já dentro da área, dominou errado e não conseguiu finalizar.
Logo depois, uma bela tabela entre Dimitar Yakimov e Ivan Kolev é interrompida por um desarme primordial de Denílson.
(Imagem: Efemérides do Efémello)
Pelé cansou de tanto apanhar e entrou com as travas da chuteira sobre Ivan Vutsov. Era lance para expulsão, mas o árbitro alemão Kurt Tschenscher era mesmo um bananão.
Jairzinho tabelou com Pelé, se infiltrou pelo meio da área e bateu cruzado, mas Naydenov defendeu bem.
Mas, no segundo tempo, Dobromir Zhechev deu uma entrada criminosa em Pelé, que o fez ficar fora da partida seguinte, diante da Hungria.
Lima tocou para Alcindo no meio. O Bugre tabelou com Pelé, que devolveu por cima da defesa. O centroavante recebeu batendo, mas Naydenov fez a defesa.
O goleiro Gylmar não precisou fazer nenhuma defesa durante os noventa minutos.
A única chance búlgara foi uma bola recuada de cabeça por Bellini, que escapou das mãos do goleiro brasileiro. Mas o perigoso Georgi Asparuhov não teve paciência para encontrar o melhor ângulo para o chute e finalizou para fora.
Mesmo marcado por três jogadores, Pelé fez boa jogada próximo à meia-lua e a bola sobrou para Alcindo chutar para fora.
O segundo gol do Brasil também saiu de uma bola parada, mostrando que o time não estava tão bem.
Garrincha foi derrubado por trás perto da área, naquela que foi a 17ª falta cometida pelos búlgaros até então. Ele mesmo bateu de trivela e acertou uma bomba, com curva, no ângulo esquerdo do goleiro búlgaro. Seria seu último gol com a camisa canarinho.
Garrincha ainda tinha seus pequenos lances de brilho, mas claramente já não era nem sombra do jogador de quatro anos antes, no Chile. Seus problemáticos joelhos já não permitiam a tradicional arrancada rumo à linha de fundo. Ele acabou por fazer pouco, além do gol.
Próximo ao fim da partida, Pelé recebeu lançamento na intermediária, ele avançou em velocidade, se livrou da marcação e bateu firme, mas Naydenov fez uma defesa sensacional.
(Imagem: Efemérides do Efémello)
● Ninguém poderia prever, mas essa foi a última vez em que Pelé e Garrincha jogariam juntos pela Seleção Brasileira. Coincidentemente, a primeira vez em que eles atuaram junto também foi diante da Bulgária, com vitória por 3 x 0 no estádio Pacaembu, no dia 18/05/1958, em amistoso preparatório para a Copa do Mundo de 1958.
Em 40 partidas, a Seleção Brasileira nunca perdeu com Pelé e Garrincha jogando juntos. Foram 40 jogos, com 36 vitórias e quatro empates. Juntos, eles marcaram 55 gols: 44 de Pelé e 11 de Garrincha. E, mesmo sem Pelé, Garrincha só perderia aquele que seria seu último jogo oficial pela Seleção: a partida seguinte, a derrota por 3 x 1 para a Hungria. Foram 60 jogos de Mané pelo escrete canarinho, com 52 vitórias, sete empates e só essa derrota.
O Brasil se preocupou mais com seu passado do que com a competição que estava por vir. Convocou vários ex-campeões, mas, ao invés de estarem respeitando a história desses craques, os expunham a condições que seus físicos já não mais suportavam. Faltou a humildade e o planejamento que sobrou nas duas Copas anteriores.
As partidas seguintes eram as mais difíceis do grupo e iriam mostrar as deficiências do time de Vicente Ítalo Feola. Foram duas derrotas por 3 x 1, para Hungria e Portugal, respectivamente.
Três pontos sobre… … 30/07/1966 – Inglaterra 4 x 2 Alemanha Ocidental
(Imagem: FIFA.com)
● Inglaterra e Alemanha Ocidental chegaram à decisão com campanhas similares: duas vitórias e um empate na primeira fase, triunfos contestados sobre sul-americanos nas quartas de final e vitórias de 2 a 1 nas semifinais. Até então, os ingleses possuíam a melhor defesa (apenas um gol sofrido) e os alemães tinham o segundo melhor ataque (13 gols, atrás apenas de Portugal, com 17).
O equilíbrio era reflexo também do estilo de jogo das duas seleções, adeptas do chamado “futebol força”. Como diferencial, os ingleses jogavam em casa, com o estádio Wembley lotado. Os “inventores do futebol” nunca tinham passado das quartas de final em uma Copa do Mundo. Desta vez, jogando em casa, queriam aproveitar a vantagem do mando de campo. Os donos da casa não ganhavam um Mundial desde a Itália, em 1934. Era o momento de o tabu ser quebrado.
A Rainha Elizabeth II e a Duquesa de Kent eram as convidadas de honra no magnífico estádio Wembley, onde 96.924 torcedores foram assistir ao maior jogo da história do futebol inglês. Estava presente também o então primeiro ministro britânico, Harold Wilson.
Era o jogo de nº 200 da história das Copas. A Inglaterra era a favorita. O retrospecto do confronto entre as seleções até então era composto de sete partidas, com seis vitórias inglesas e um empate. A base do time era o West Ham, campeão da Copa da Inglaterra em 1963/64 e da Recopa Europeia em 1964/65, com o zagueiro Bobby Moore, o lateral Ray Wilson, o ponta Martin Peters e o atacante Geoff Hurst. A tabela deu um dia a menos de descanso para os ingleses antes da final. Os alemães jogaram dia 25 e os ingleses, dia 26.
Na primeira fase, a Inglaterra foi líder do Grupo 1 com cinco pontos. Empatou sem gols com o Uruguai e venceu México e França, ambos por 2 a 0. Nas quartas de final, um embate duríssimo e controverso contra os argentinos e vitória por 1 a 0. Depois, bateu com autoridade a grande seleção de Portugal, de Eusébio e Cia., por 2 a 1. Os “inventores do futebol” estavam a 90 minutos da consagração com o inédito título.
Os alemães foram líderes do Grupo 2, goleando a Suíça (5 x 0), empatando com a Argentina (0 x 0) e batendo a Espanha (2 x 1). Na fase seguinte, venceram o Uruguai por 4 x 0. Nas semifinais, acabaram com o sonho soviético ao vencer por 2 a 1. Agora, tentava conquistar de novo a Taça Jules Rimet, que já tinha conseguido em 1954.
O alemão Helmut Schön armou o time visitante em um misto de 4-2-4, mas que defensivamente se assemelhava ao 4-4-2 inglês, com Emmerich voltando mais que de costume e o ótimo Uwe Seeler recuando para armar o jogo, enquanto Haller e Held faziam os lances pelos lados de campo e Overath organizava o jogo pelo meio. O técnico apostou na marcação individual sobre Bobby Charlton. O responsável por isso seria o jovem Franz Beckenbauer, de apenas 20 anos.
Para a decisão, o astro Jimmy Greaves já estava recuperado e sua escalação era pedida pela imprensa local. Mas o técnico Alf Ramsey decidiu pela manutenção do time, com Geoff Hurst no ataque, apostando na força do jogo aéreo e maior presença de área do seu camisa 10. Ball e Peters, como sempre, armavam pelo lado e combatiam o meio campo rival.
O técnico Alf Ramsey até tentou utilizar o sistema 4-3-3, mas, com a lesão de Jimmy Greaves e as más partidas dos pontas na primeira fase, acabou optando pelo 4-4-2. Os grandes destaques eram os meias Martin Peters pela esquerda e o caçula Alan Ball na direita. Eles faziam um bom balanço defensivo e atacavam quando tinham a bola. Foi uma sacada genial de Ramsey, que antecipou uma tendência ao que se vê em muitas equipes em pleno século XXI.
O técnico Helmut Schön escalou a Alemanha Ocidental no sistema 4-2-4, o mais utilizado na época.
● Os primeiros minutos são tensos, com ambas seleções ainda estudando os movimentos do rival. Ninguém facilita o jogo e não há abertura para ataques mais incisivos. Apenas a chamada “trocação”.
A primeira chance de gol é alemã. Uwe Seeler chuta da entrada da área, mas Gordon Banks salta em ponte e faz uma defesa segura.
Instantes depois, Nobby Stiles cruza, Tilkowski corta e Hurst atinge o goleiro e o deixa no chão.
Tilkowski salvou o primeiro gol inglês ao espalmar para escanteio um chute cruzado de Peters.
Dessa vez, Nobby Stiles não marcava individualmente, mas conseguia travar o avanço de Overath. Enquanto Roger Hunt era “engolido” pela marcação de Weber, Höttges apenas tentava acompanhar Hurst e Schulz ficava na sobra. No meio, os gênios Beckenbauer e Bobby Charlton se anulavam em um embate altamente técnico e tático.
Aos doze minutos de jogo, surge o primeiro erro fatal. Held cruza e o lateral Ray Wilson cabeceia, mas corta mal. Helmut Haller recupera a bola e bate cruzado, rasteiro, sem chances para Gordon Banks. Foi o sexto gol de Haller no torneio. A pequena torcida alemã em Wembley comemora. Pela primeira vez na Copa, a Inglaterra está em desvantagem no marcador. É o segundo gol sofrido pelos Three Lions em toda Copa. O técnico Alf Ramsey demonstra tranquilidade. Seus jogadores também estão calmos. Eles sabem o que devem fazer.
Aos 18′, Bobby Charlton escapa de Beckenbauer e toca para Bobby Moore, que é derrubado por Overath. Moore cobra rápido, pegando a defesa alemã desprevenida. Geoff Hurst sobe sozinho e cabeceia para baixo, no canto direito do goleiro. Tilkowski reclama muito de sua defesa, principalmente com a desatenção de Höttges. A seleção anfitriã chegou rapidamente ao empate. Alegria para a torcida inglesa e para Sua Majestade.
(Imagem: FIFA.com)
Ball cruza da esquerda, Bobby Charlton domina e bate de canhota, para uma segura defesa do goleiro alemão.
Bobby Charlton, sempre ele, abre na direita para George Cohen. O lateral cruza da intermediária e Hurst cabeceia no chão, no canto esquerdo. Tilkowski não segura. Ball cruza para o meio da área e Overath chega tirando de lá.
Após um escanteio, Overath chuta, Banks defende, mas dá rebote. Na sobra, Lothar Emmerich chuta para grande defesa de Banks, que sai em seus pés e segura a bola.
No intervalo de jogo, o placar está igual: 1 a 1. O fato de ter saído dois gols antes dos 20 minutos foi uma surpresa, já que todos esperavam uma partida defensiva. Mas os times buscaram o ataque o tempo todo.
Mais tensão ainda no segundo tempo, com oportunidades de gols para os dois lados.
Aos 33 minutos da segunda etapa, escanteio para a Inglaterra. A cobrança é feita e Hurst domina e chuta. Höttges tenta cortar. A bola sobe e cai limpa para Martin Peters emendar de primeira, da risca da pequena área. Foi o primeiro gol do falso ponta esquerda no Mundial. Impossível pensar em uma ocasião melhor. Poderia ser o gol do título. Novamente Wembley vai à loucura. O English Team está a doze minutos do título mundial. Tilkowski novamente fica inconformado pelos espaços dados por sua defesa.
Aos 41′, Emmerich escapa em contra-ataque perigoso, mas Bobby Moore dá um carrinho limpo e preciso, impedindo o gol do ponta esquerda alemão.
A Inglaterra ainda teve a chance de matar o jogo. Em um rápido contra-ataque, Roger Hunt acha Bobby Charlton na entrada da área. O craque vinha na corrida e chutou mascado, para fora. O jogo ainda não tinha acabado. E contra a Alemanha não se pode perder um gol desses. Os alemães são sempre os alemães e eles nunca se entregam.
(Imagem: FIFA.com)
A prova disso viria aos dramáticos 44 minutos do segundo tempo. Jack Charlton faz uma falta desnecessária em Held na intermediária. Os jogadores ingleses tentam gastar tempo reclamando, mas a cobrança é rápida. Emmerich cobra forte e Cohen desvia para cima, no meio da área. Na sobra, Held chuta nas costas do companheiro Schnellinger, a bola passa por Uwe Seeler e Wolfgang Weber chega de carrinho antes de Wilson e Banks para mandar para o gol.
Incrível! A Alemanha Ocidental conseguiu empatar praticamente no último lance do tempo regulamentar. Bobby Charton parece não acreditar. Ele pede toque de mão de Schnellinger no lance, mas a jogada foi legal. Logo depois do novo pontapé inicial, o juiz encerra a partida. Jack Charlton não esconde a irritação. O técnico Alf Ramsey, mais uma vez, se mostra o mais calmo de todos.
● Assim, temos a primeira prorrogação em decisões desde 1934, em Roma.
A torcida inglesa não para um segundo. Além dos cânticos tradicionais, grita o tempo todo: “England! England!”
Seria um duro teste de resistência nos próximos trinta minutos, especialmente para os ingleses, com o moral abalado. Mas antes do início do tempo extra, Alf Ramsey ordenou que todos seus atletas permanecessem em pé antes de a bola voltar a rolar e disse apenas uma coisa ao seu time: “Vocês já venceram uma vez. Agora é só voltar a campo e vencer novamente. Vejam só os alemães. Eles estão liquidados”. De fato, ele estava certo. Beckenbauer diria depois: “Eu estava tão morto na prorrogação que não fiquei triste com a derrota. Estava feliz por acabar com aquele suplício”.
Na dramática prorrogação, a Inglaterra realmente mostra muito mais disposição. Os alemães estão esgotados e parecem não ter mais forças.
Ball arranca pelo meio e chuta da entrada da área. Tilkowski espalma para cima. O goleiro do Borussia Dortmund era bom, mas sempre espalmava e nunca segurava a bola de primeira.
Após a cobrança de escanteio, Bobby Charlton chuta da entrada da área e a bola bate caprichosamente na trave esquerda do arqueiro alemão.
(Imagem: FIFA.com)
Mas ninguém segurava o motorzinho Alan Ball, que passava facilmente pela marcação do ótimo Schnellinger. Aos 11 minutos do primeiro tempo da prorrogação, lançamento bonito de Stiles para o camisa 7, que escapa novamente pela direita e cruza rasteiro. De costas para o gol, Hurst domina, gira em cima de Schnellinger e dispara um tiro seco. A bola bate no travessão e quica sobre a linha antes de ser jogada para escanteio por Weber. Por não terem chances de brigar pelo rebote, Hunt e Hurst preferiram levantar os braços e comemorarem timidamente, tentando induzir a arbitragem a tomar alguma decisão a favor dos ingleses. O árbitro suíço Gottfried Dienst fica na dúvida, mas o bandeirinha soviético Tofik Bakhramov confirma o gol. Foi um lance rápido e dificílimo, que demorou 13 segundos (uma eternidade) para ter ser decidido. Os alemães protestam bastante, mas logo o capitão Uwe Seeler os dispersam para que o jogo recomece logo.
A Inglaterra estava na frente de novo. Até hoje ninguém conseguiu provar se a bola entrou ou não. Mas o resultado faz justiça à Inglaterra, que vinha jogando mais na final e era discutivelmente a melhor seleção de todo o Mundial e merecedora de um lugar na história.
A poucos segundos do fim, quando o árbitro já estava com o apito à boca e alguns torcedores já tinham invadido o campo para comemorar. Bobby Moore, com a maior calma do mundo, chuta para frente, afastando o perigo da defesa. A bola cai com Geoff Hurst, que carrega a bola até a grande área alemã, enquanto o locutor inglês Kenneth Wolstenholme, o mais famoso do país na época, deixou uma célebre frase para a história: “Some people are on the pitch…they think it’s all over….it is now!” (“Algumas pessoas estão no campo … elas pensam que está tudo acabado… agora está!”) Posteriormente o camisa 10 da Inglaterra confessou que sua intenção era chutar essa bola para fora do estádio, a fim de ganhar tempo. Ele errou e a bola foi morrer no ângulo direito, “deixando tudo acabado”, conforme finalizou Wolstenholme. Geoff Hurst é o primeiro (e até hoje o único) jogador a marcar três gols em uma final de Copa do Mundo.
(Imagem: FIFA.com)
● Independente da ajuda da arbitragem nos dois gols decisivos, a Inglaterra era merecidamente campeã mundial de futebol. Os próprios protagonistas afirmam isso:
“Toda vez que algum alemão me pergunta se a bola entrou, respondo apenas que, ainda assim, não iríamos perder aquele jogo.” — Bobby Charlton
“Ainda assim, os ingleses mereceram vencer.” — Wolfgang Weber
“Eles tinham um time excepcional, melhor que o nosso.” — Uwe Seeler
“Apesar da arbitragem, a Inglaterra tinha uma senhora equipe. Foram grandes campeões.” — Wolfgang Overath
O time foi muito bem armado e treinado por Alf Ramsey. Ele, que fez parte do fiasco do English Team na Copa de 1950 como zagueiro, tinha se tornado um grande técnico, capaz de feitos únicos pelo modesto time do Ipswich Town. Ele levou o time à conquista da segunda divisão em 1960/61 e do campeonato da primeira divisão inglesa logo na sequência, em 1961/62. Ele assumiu a seleção em 1963, pensando em mudar tudo que vira até então: em vez do colegiado definir os rumos do futebol no país, como pensava seu antecessor Walter Winterbottom, a direção de tudo caberia ao próprio Ramsey. Também era adepto de rígidos métodos de treinamento físico, que ele imaginava que pudesse fazer a diferença no Mundial. Ao assumir o cargo, o técnico declarou: “A Inglaterra vencerá”. E ele cumpriu o prometido.
Alf Ramsey não entrou no gramado para celebrar e nem para tirar seus atletas, como fizera contra os argentinos. Dizem que ele voltaria ao gramado a noite para dar uma volta de honra no estádio vazio. Ele esperou seus comandados passarem perto do banco de reservas para abraçá-los, um a um.
(Imagem: The Telegraph)
Depois, os atletas subiram até as tribunas, onde Bobby Moore limpou as mãos sujas no calção, estendeu-as à Rainha Elizabeth II e recebeu a Taça Jules Rimet com a humildade do dever cumprido, coroando duas horas e meia de muita emoção, em uma das partidas mais memoráveis da história do futebol. Mas por pouco o capitão não ficou de fora da Copa. A FIFA determinava que apenas jogadores com contratos vigentes poderiam disputar o Mundial. Moore vivia na época um litígio com o West Ham. Felizmente, ele renovou o contrato na véspera da partida de abertura e pôde disputar o torneio normalmente, para o bem do English Team.
Apenas os onze titulares deram a volta olímpica e ganharam medalhas. A injustiça foi reparada no dia 10/06/2009, quando a federação inglesa conseguiu com a FIFA as medalhas para os onze reservas, o treinador, o médico, o preparador físico e o massagista. Todos os sobreviventes e familiares dos falecidos se reuniram na sede do parlamento britânico para receberem o prêmio com 43 anos de atraso.
Ramsey, Bobby Charlton e Geoff Hurst receberiam o título de “Sir”, como “Cavaleiros do Império Britânico” por serem protagonistas na maior conquista da história do futebol inglês.
No final do ano, Charlton seria eleito o melhor jogador do mundo, conquistando a Bola de Ouro da revista France Football. Ele já era a história viva. Em 1958, ainda jovem, tinha sido um dos sobreviventes da “Tragédia de Munique”, um acidente com o avião do Manchester United, que causou a morte de 23 pessoas, incluindo oito jogadores. O craque, que foi reserva na Copa de 1958 e titular em 1962, estava no auge da forma e é considerado até hoje o melhor jogador inglês de todos os tempos.
Curiosamente, a Copa do Mundo de 1966 foi a primeira a ter um mascote. O leão “Willie” representava a força dos ingleses. O mascote fez tanto sucesso que se tornou uma tradição nos Mundiais seguintes.
Em “homenagem” a Tofik Bakhramov, a expressão “Russian Linesman” (bandeirinha russo) é usada até hoje nas arquibancadas do futebol inglês para se referir a um “árbitro amigo”. O auxiliar dá nome ao estádio nacional do Azerbaijão, em Baku, cidade onde nasceu e morreu.