Três pontos sobre…
… 25/06/1982 – Alemanha Ocidental 1 x 0 Áustria
“A vergonha de Gijón”
(Imagem: Werek / DPA / Corbis)
● Esse jogo é conhecido no idioma alemão como “Nichtangriffspakt von Gijón” (“Pacto de não-agressão de Gijón”) ou “Schande von Gijón” (“Vergonha de Gijón”). No resto do mundo, basta falar “Jogo da Vergonha”.
Essa partida foi a última da terceira rodada do Grupo 2, pois Argélia e Chile haviam se enfrentado no dia anterior, com vitória dos argelinos por 3 x 2. Com isso, alemães e austríacos entraram em campo no dia 25/06/1982 sabendo antecipadamente do que precisariam para que ambas as equipes conseguissem a classificação.
A Argélia tinha 4 pontos e nenhum gol de saldo e isso não mudaria. A Áustria tinha 4 pontos e três gols de saldo. A Alemanha tinha dois pontos e dois gols de saldo. Como a vitória valia dois pontos, bastaria a Alemanha vencer por um ou dois gols de diferença que se classificaria juntamente com a Áustria justamente pelo critério de saldo de gols. Ou seja, bastaria que as duas seleções “combinassem” um placar que fosse bom para ambas. Conhecendo o histórico das “estratégias” dos alemães, é lógico que fariam algo assim.
(Imagem: Impromptuinc)
● As duas seleções estavam no mesmo Grupo nas eliminatórias europeias, juntamente com Bulgária, Albânia e Finlândia. A Alemanha Ocidental venceu as duas vezes: 2 x 0 em Hamburgo e 3 x 1 em Viena. A Alemanha terminou como líder, com 100% de aproveitamento, oito vitórias em oito jogos, 33 gols marcados e apenas três sofridos. A Áustria ficou em segundo no grupo, com dois pontos a mais que a Bulgária. Em oito partidas, os austríacos venceram cinco, empataram um (com a Bulgária, em Sófia) e perderam as duas vezes para os alemães. Marcaram 16 gols e sofreram seis.
Um mês depois de garantir a qualificação para o Mundial, a Federação Austríaca demitiu o técnico Karl Stotz e convidou para o cargo o então técnico do Hamburgo, o também austríaco Ernst Happel. Por ter contrato vigente com o clube alemão, ele precisava ser liberado pela Bundesliga para aceitar o convite. O presidente da Bundesliga disse então que se Alemanha e Áustria fossem sorteadas no mesmo grupo da Copa, o técnico não seria liberado. E foi justamente o que aconteceu. O assistente de Stotz, Georg Schmidt foi promovido como um dos técnicos da seleção, juntamente com Felix Latzke.
A Alemanha Ocidental vinha credenciada pelo título da Europa em 1980. Não contava com Bernd Schuster (que preferiu passar as férias com a esposa do que disputar o Mundial), mas tinha jogadores como o ex-lateral e agora meia Paul Breitner, o meia Felix Magath e o atacante Karl-Heinz Rummenigge.
A Áustria também tinha um bom time, com destaques para o goleiro Friedrich Koncilia, o zagueiro e capitão Erich Obermayer, o meia Herbert Prohaska e os atacantes Walter Schachner e Hans Krankl.
(Imagem: Futebol na Veia)
● Na ocasião, o equilíbrio entre os dois vizinhos era enorme. Em quatro confrontos, eram duas vitórias para cada lado. O primeiro jogo foi nos Jogos Olímpicos de 1912, em Estocolmo, e os austríacos venceram por 5 x 1. Os outros três duelos foram em Copas do Mundo. Na decisão do 3º lugar de 1934, a Alemanha venceu por 3 x 2. Nas seminais de 1954, goleada alemã por 6 x 1.
Na segunda fase do Mundial anterior, em 1978, a Áustria tinha feito um jogo duríssimo, vencendo a Alemanha Ocidental por 3 x 2, o que tirou de vez os germânicos da final da Copa. Assim, a rivalidade entre os dois países vizinhos teoricamente estava aflorada. Todos esperavam uma revanche, mas…
Tudo começou quando a Alemanha Ocidental perdeu na estreia para a Argélia por 2 x 1, com gols de Rabah Madjer e Lakhdar Belloumi. Foi a primeira vitória de uma seleção africana sobre uma europeia na história das Copas. Na segunda partida, a Nationalelf venceu o Chile por 4 x 1.
Em suas duas primeiras partidas, a Áustria venceu o Chile por 1 x 0 e a Argélia por 2 x 0. Estava praticamente classificada. Só seria eliminada em caso de derrota por três ou mais gols de diferença.
A Alemanha Ocidental jogou no esquema 4-3-3.
A Áustria foi escalada no sistema 4-4-2.
● Assim que rolou a bola, a Alemanha começou a pressionar em busca do gol.
E ele aconteceu logo aos 10′. Pierre Littbarski cruzou da esquerda e Horst Hrubesch se antecipou ao goleiro Koncilia e desviou para o gol.
A torcida vibrou pelo começo triunfal da Nationalelf. Pelo nível que os teutônicos impuseram no início, muitos esperavam até uma goleada.
Mas foi só isso. Com o placar resolvido e a classificação de ambos encaminhada, os dois times trataram de manter a posse de bola, trocando passes infrutíferos no meio de campo e na defesa até expirar o tempo regulamentar e o juiz dar o apito final.
Em certo momento, o árbitro escocês Bob Valentine parou o jogo para chamar os capitães dos dois times e pedir a eles que orientassem seus companheiro a jogarem futebol. Mas de nada adiantou o pedido do juiz.
Foram 80 minutos de pura procrastinação em campo.
O máximo que houve foram dois chutes ao gol, de Felix Magath e Karl-Heinz Rummenigge. Ambos resultaram em defesas fáceis do goleiro Friedrich Koncilia.
Pelo lado austríaco, Walter Schachner era o mais inquieto, mas não produziu chances de gol.
Não demorou para os 41 mil presentes no estádio El Molinón começasse a vaiar e a gritar “Argélia, Argélia”. Foram ouvidos também os gritos de “fora, fora” e “beija, beija” – como se as seleções dos dois países vizinhos fossem “namoradinhos”.
Enquanto isso, os argelinos sofriam com a sensação de impotência. Estavam vendo sua seleção ser eliminada em um “jogo de compadres” e nada podiam fazer. Alguns argelinos que estavam na arquibancada tentaram invadir o gramado diversas vezes, mas não tiveram sucesso.
Muitas pessoas, especialmente argelinos, também mostravam dinheiro para os atletas e até atiravam moedas.
Antes mesmo do apito final, já era possível ver dirigentes dos dois países comemorando a “vitória”.
Na TV, o comentarista alemão Eberhard Stanjek se recusou a seguir trabalhando na partida por mais tempo. Seu colega austríaco Robert Seeger lamentou o “espetáculo” e pediu aos telespectadores que desligassem seus televisores para não dar audiência àquela vergonha.
E houve uma cena marcante: torcedor alemão, inconformado com a postura dos atletas em campo, queimou a bandeira de seu país.
(Imagem: UOL)
● No dia seguinte, um jornal de Gijón publicou a crônica dessa partida nas páginas policiais e não nas esportivas. O jornal alemão Bild estampou em sua manchete: “Passamos, mas que vergonha” e no também alemão Der Spiegel a capa dizia tudo: “Alemanha e Áustria enganam o público”.
Os argelinos chegaram a entrar com pedido de anulação do resultado na FIFA, que nada fez.
Na segunda fase, pelo Grupo 4, a Áustria perdeu para a França por 1 x 0, empatou com a Irlanda do Norte por 2 x 2 e foi eliminada.
Classificada em primeiro lugar da chave na primeira fase, a Alemanha disputou a fase de quartas de final no Grupo 2. Empatou sem gols com a Inglaterra e venceu a Espanha por 2 x 1. Nas semifinais, em um jogo de altíssimo nível, intensidade e polêmica, venceu a ótima França de Platini por 5 x 4 nos pênaltis, depois de empate por 1 x 1 no tempo normal e 2 x 2 na prorrogação. Na final, perdeu para a Itália por 3 x 1 e ficou com o vice-campeonato.
Anos mais tarde, alguns jogadores falaram sobre a partida. O austríaco Walter Schachner comentou que não sabia porque seus companheiros não corriam para marcar e demoravam para passar a bola: “Eu mesmo só soube depois, quando reclamei com o técnico que ninguém me passava a bola”. O alemão Hans-Peter Briegel disse que após o gol os dois times combinaram de fazer um jogo leve para que ninguém se machucasse. O goleiro Harald Schumacher negou qualquer tipo de combinação.
A partir de então, a entidade máxima do futebol decidiu que as duas partidas da rodada final da fase de grupos seriam jogadas simultaneamente, para que não se repita nada semelhante à “Vergonha de Gijón”.
(Imagem: Twitter @lbertozzi)
● FICHA TÉCNICA: |
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ALEMANHA OCIDENTAL 1 x 0 ÁUSTRIA |
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Data: 25/06/1982 Horário: 17h15 locais Estádio: El Molinón Público: 41.000 Cidade: Gijón (Espanha) Árbitro: Bob Valentine (Escócia) |
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ALEMANHA OCIDENTAL (4-3-3): |
ÁUSTRIA (4-4-2): |
1 Harald Schumacher (G) |
1 Friedrich Koncilia (G) |
20 Manfred Kaltz |
2 Bernd Krauss |
15 Uli Stielike |
3 Erich Obermayer (C) |
4 Karlheinz Förster |
5 Bruno Pezzey |
2 Hans-Peter Briegel |
4 Josef Degeorgi |
6 Wolfgang Dremmler |
19 Heribert Weber |
3 Paul Breitner |
10 Reinhold Hintermaier |
14 Felix Magath |
8 Herbert Prohaska |
11 Karl-Heinz Rummenigge (C) |
6 Roland Hattenberger |
9 Horst Hrubesch |
9 Hans Krankl |
7 Pierre Littbarski |
7 Walter Schachner |
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Técnico: Jupp Derwall |
Técnicos: Felix Latzke / Georg Schmidt |
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SUPLENTES: |
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22 Eike Immel (G) |
22 Klaus Lindenberger (G) |
21 Bernd Franke (G) |
21 Herbert Feurer (G) |
12 Wilfried Hannes |
12 Anton Pichler |
19 Holger Hieronymus |
13 Max Hagmayr |
5 Bernd Förster |
16 Gerald Messlender |
17 Stephan Engels |
17 Johann Pregesbauer |
14 Ernst Baumeister |
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10 Hansi Müller |
11 Kurt Jara |
13 Uwe Reinders |
15 Johann Dihanich |
16 Thomas Allofs |
18 Gernot Jurtin |
8 Klaus Fischer |
20 Kurt Welzl |
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GOL: 10′ Horst Hrubesch (ALE) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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32′ Reinhold Hintermaier (AUT) |
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74′ Walter Schachner (AUT) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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66′ Karl-Heinz Rummenigge (ALE) ↓ |
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Lothar Matthäus (ALE) ↑ |
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69′ Horst Hrubesch (ALE) ↓ |
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Klaus Fischer (ALE) ↑ |
Gol da partida: