No segundo jogo da chave, Dinamarca e Uruguai se enfrentaram no dia 1º de junho em Ulsan.
Internamente, os jogadores da Celeste Olímpica queriam vingança pela derrota por 6 a 1 na Copa de 1986. Aquele massacre sofrido ainda estava entalado na garganta.
Bicampeões, os uruguaios estavam ausentes de um Mundial desde 1990. Por isso, não foi cabeça de chave e caiu em um grupo difícil.
Os dinamarqueses estavam em sua terceira Copa, sendo a segunda consecutiva. Haviam chegado nas quartas de final em 1998, quando venderam caro a derrota de 3 a 2 para o Brasil.
O técnico Morten Olsen armava seu time no 4-4-2, com muita velocidade pelas pontas e jogadas aéreas.
Víctor Púa armava o Uruguai no sistema 4-4-2 em losango, com liberdade para Álvaro Recoba circular e criar.
● Foi uma partida de muito equilíbrio, onde as duas equipes se alternavam no ataque.
As maiores armas dos charruas eram a visão de jogo e a bola parada de Álvaro Recoba, além da velocidade de Darío Silva. Os vikings apostavam mais nos cruzamentos para a área.
A primeira chance foi dos europeus. Aos seis minutos, Dennis Rommedahl arriscou de longe, mas para fora.
No minuto seguinte, Recoba cobrou falta pelo lado direito e a bola passou rente à trave, assustando o ótimo goleiro Thomas Sørensen.
O jogo era “lá e cá”. Aos 11′, a bola veio da direita, Ebbe Sand desviou e a bola bateu na trave.
Aos 39, Recoba – fonte da inspiração Celeste – fez boa jogada e cruzou para Silva, que cabeceou. A bola iria em direção ao gol, mas a zaga tirou.
O lance seguiu e Gustavo Méndez segurou Tomasson na área. Pênalti ignorado pelo árbitro Saad Mane, do Kuwait.
No finzinho da etapa inicial, Jesper Grønkjær e Jon Dahl Tomasson tabelaram pelo alto. O camisa 8, nascido na Groenlândia, recebeu na esquerda e cruzou rasteiro. Na risca da área, Tomasson se antecipou à marcação e finalizou de primeira para abrir o placar.
A Dinamarca teve apenas o intervalo para comemorar. Logo no reinício, aos dois minutos, Recoba cobrou escanteio e a zaga rebateu. Pablo García aproveitou a sobra na meia-lua, fez embaixadinhas e tocou no alto para Darío Rodríguez. Sem deixar a bola cair, o camisa 6 emendou de primeira e mandou um foguete com efeito, no ângulo de Sørensen. Um golaço! Talvez o mais bonito da Copa de 2002.
O gol encheu os uruguaios de esperança. Aos 19, Recoba chutou de longe, mas o goleiro defendeu.
Os dinamarqueses tinham mais posse de bola no campo ofensivo, mas não conseguiam finalizar.
Mas, a sete minutos do fim, Martin Jørgensen roubou a bola na saída de jogo do Uruguai e cruzou da esquerda. Tomasson apareceu entre os zagueiros e cabeceou firme. A bola ainda bateu no travessão antes de entrar, sem chance de defesa para o goleiro Fabián Carini. Jon Dahl Tomasson foi mais que decisivo na vitória dos nórdicos.
(Imagem: Pinterest)
● Nos jogos seguintes, o Uruguai empatou com a França por 0 a 0 e com Senegal por 3 a 3, sendo eliminado ainda na primeira fase.
A Dinamarca empatou com Senegal por 1 x 1 e venceu a França (com um combalido Zinédine Zidane) por 2 x 0. Nas oitavas de final, não foi páreo para a Inglaterra e foi eliminada com a derrota por 3 a 0.
(Imagem: Reuters)
● FICHA TÉCNICA:
DINAMARCA 2 x 1 URUGUAI
Data: 01/06/2002
Horário: 18h00 locais
Estádio: MunsuCupStadium
Público: 30.157
Cidade: Ulsan (Coreia do Sul)
Árbitro: Saad Mane (Kuwait)
DINAMARCA (4-4-2):
URUGUAI (4-4-2):
1 Thomas Sørensen (G)
1FabiánCarini (G)
6 Thomas Helveg
2GustavoMéndez
4MartinLaursen
14 Gonzalo Sorondo
3RenéHenriksen
4PaoloMontero (C)
5Jan Heintze (C)
6Darío Rodríguez
2StigTøfting
5Pablo García
7ThomasGravesen
8Gustavo Varela
8JesperGrønkjær
7GianniGuigou
19 Dennis Rommedahl
20 Álvaro Recoba
9Jon Dahl Tomasson
9Darío Silva
11 EbbeSand
13 Sebastián“Loco” Abreu
Técnico: Morten Olsen
Técnico: Víctor Púa
SUPLENTES:
16 Peter Kjær (G)
12 Gustavo Munúa (G)
22 JesperChristiansen (G)
23 Federico Elduayen (G)
20 KasperBøgelund
3 Alejandro Lembo
13 Steven Lustü
19 Joe Bizera
12 Niclas Jensen
22 Gonzalo de los Santos
17 Christian Poulsen
16 Marcelo Romero
23 Brian Steen Nielsen
10 Fabián O’Neill
15 Jan Michaelsen
17 Mario Regueiro
14 Claus Jensen
15 Nicolás Olivera
10 Martin Jørgensen
21 Diego Forlán
21 Peter Madsen
11 Federico Magallanes
18 Peter Løvenkrands
18 Richard Morales
GOLS:
45′ Jon Dahl Tomasson (DIN)
47′ Darío Rodríguez (URU)
83′ Jon Dahl Tomasson (DIN)
CARTÕES AMARELOS:
25′ Gustavo Méndez (URU)
34′ Jan Heintze (DIN)
51′ Martin Laursen (DIN)
SUBSTITUIÇÕES:
58′ Jan Heintze (DIN) ↓
Niclas Jensen (DIN) ↑
70′ JesperGrønkjær (DIN) ↓
Martin Jørgensen (DIN) ↑
80′ Álvaro Recoba (URU) ↓
Mario Regueiro (URU) ↑
87′ Darío Rodríguez (URU) ↓
Federico Magallanes (URU) ↑
88′ Sebastián “Loco” Abreu (URU) ↓
Richard Morales (URU) ↑
89′ EbbeSand (DIN) ↓
Christian Poulsen (DIN) ↑
Darío Silva, entre Ebbe Sand e Stig Tøfting (Imagem: Reuters)
Três pontos sobre… … 31/05/1934 – Áustria 2 x 1 Hungria
(Imagem: Guerin Sportivo)
● Esses dois vizinhos do centro da Europa foram um só país de 1867 a 1918, o Império Austro-Húngaro. A separação só ocorreu após o término da Primeira Guerra Mundial. Mas, futebolisticamente, elas sempre tiveram suas respectivas seleções.
Culturalmente, sempre foram muito semelhantes. As evoluções táticas ocorreram quase simultaneamente, assim como o aprimoramento no jogo de troca de passes ao invés de um estilo mais físico.
Mas a rivalidade era enorme de lado a lado e foi posta à prova nas quartas de final da Copa do Mundo de 1934.
Ambas equipes jogavam em uma adaptação do 2-3-5 chamada “Sistema Danubiano”, que consistia na maior aproximação dos homens do ataque, com muitas tabelas e toques rápidos.
● Nenhum dos times economizou na virilidade e na violência.
Nos poucos momentos sem pancadaria, a Áustria fez dois gols, cada um no começo de cada etapa.
O capitão Johann Horvath abriu o placar aos oito minutos do primeiro e o ponta Karl Zischek aumentou aos seis do segundo tempo.
A Hungria tentou reagir e descontou. Aos 15′, György Sárosi cobrou pênalti e converteu.
Mas, em seguida, o ponta direita Imre Markos foi expulso após uma jogada violenta. Essa foi a única expulsão da Copa de 1934.
Com um a menos, a Hungria não teve forças para empatar a partida.
(Imagem: Guerin Sportivo)
● Na fase anterior, de oitavas de final, a Hungria havia vencido o Egito por 4 a 2. O atacante “Doctor” György Sárosi não esteve presente nesse jogo. Ele trabalhava em um escritório de advocacia e precisou adiar sua chegada à Itália devido a um compromisso de trabalho. Sárosi seria um dos principais destaques na campanha da Hungria no vice-campeonato da Copa do Mundo de 1938.
A Áustria, que havia precisado da primeira prorrogação da história das Copas para despachar a França por 3 x 2 na partida anterior, agora estava nas semifinais. Enfrentaria a anfitriã Itália, que precisou de 210 minutos para eliminar a excelente seleção da Espanha.
Três pontos sobre… … 30/05/1962 – Uruguai 2 x 1 Colômbia
(Imagem: Fútbol Red)
● Atualmente estamos acostumados aos sorteios dirigidos que a FIFA faz para determinar os grupos da primeira fase das Copas do Mundo. Uma das regras é evitar que caiam mais de uma equipe do mesmo continente no mesmo grupo. Não era assim em 1962. Tanto, que os sul-americanos Uruguai e Colômbia foram sorteados para se enfrentarem logo de cara, em partida válida pelo Grupo 1.
O Uruguai voltava à disputa de um Mundial, após ter ficado de fora em 1958, quando caiu para o Paraguai nas eliminatórias. A experiência pelos dois títulos anteriores (1930 e 1950) e o confronto direto davam um enorme favoritismo diante da Colômbia.
Os cafeteros estreavam em Copas do Mundo. Eliminaram o Peru na fase classificatória. Curiosamente, a cidade escolhida para sede do grupo foi Arica, no norte do Chile, justamente por ser próxima ao Peru. Os organizadores tinham certeza da classificação peruana, mas a Colômbia “estragou” o planejamento feito.
Com isso, apenas 7.908 pessoas assistiram o confronto no estádio Carlos Dittborn. Segundo a imprensa, o alto preço dos ingressos foi o principal responsável pelo baixo público – composto em sua maioria por chilenos e peruanos.
Os dois times atuavam no sistema tático 4-2-4.
● Desde aquela época, o futebol colombiano era baseado mais na técnica do que na força física e velocidade. E os abusados estreantes foram melhores no primeiro tempo, com mais posse de bola e boas trocas de passe. E mereceram abrir o placar.
Com 19 minutos jogados, o capitão Francisco “Cobo” Zuluaga abriu o placar cobrando pênalti. Bola à meia altura, no canto esquerdo, deslocando o goleiro Roberto Sosa.
A Colômbia ainda teve chances para ampliar o marcador. No fim do primeiro tempo, Marcos Coll acertou a trave. O Uruguai não conseguia criar chances.
Na etapa final, a Celeste (que naquele dia jogou de vermelho) se agigantou. Aos 11′, o craque Luis Cubilla dominou dentro da área e cruzou rasteiro para o centroavante José Sasía só completar para o fundo da rede do goleiro Efraín “Caimán” Sánchez.
Minutos depois, após uma cobrança de escanteio, Sasía atingiu as costas de Zuluaga e lhe quebrou três costelas. Sem condições de jogo, ele teve que sair do jogo. Com isso, a Colômbia perdia não apenas um atleta, mas o seu capitão, que dava as ordens dentro de campo.
Para piorar, Delio “Maravilla” Gamboa também se lesionou e precisou sair. Como não haviam substituições à época, o time colombiano ficou com nove homens em campo. Com dois a menos, era difícil que os cafeteros segurassem o ímpeto charrua. Era uma luta desigual. Foi muito duro para eles perderem seu capitão e sua maior estrela.
E a inevitável virada ocorreu aos 30. O jovem Pedro Rocha (futuro ídolo do São Paulo FC), de apenas 19 anos, recebeu dentro da área e rolou para Cubilla dominar e bater cruzado e fechar o placar.
(Imagem: FIFA)
● “Estivemos bem. Perdemos para a experiência do qualificado rival, que cresceu no segundo tempo.” — Delio “Maravilla” Gamboa, centroavante colombiano.
“Pagamos o preço pela primeira participação em um Mundial. Tivemos uma boa equipe, que perdeu por nervosismo e falta de experiência.” — Adolfo Pedernera, técnico argentino que dirigiu a Colômbia (e foi um excepcional jogador na década de 1940).
Embora decepcionados pela forma como perderam, os colombianos ainda protagonizaram um elétrico empate por 4 a 4 com os soviéticos na rodada seguinte. Só decepcionaram mesmo ao se despedirem do torneio sofrendo uma goleada por 5 a 0 para os iugoslavos. Ainda assim, na chegada à Bogotá, o público fez festa para receber “los pioneros”.
O Uruguai também decepcionou e caiu na primeira fase. Nos jogos seguintes, perdeu para a Iugoslávia por 3 x 1 e para a União Soviética por 2 x 1.
Três pontos sobre… … 27/05/1934 – Áustria 3 x 2 França
(Imagem: Pinterest)
● Como já contamos aqui, após o sucesso da primeira Copa do Mundo, 32 nações se inscreveram em busca de uma das 16 vagas. Por isso, precisou-se disputar partidas qualificatórias.
A Áustria terminou em segundo lugar do Grupo 4, embora tenha jogado apenas uma partida e goleado a Bulgária por 6 x 1.
Da mesma forma, a França também foi 2º, mas no Grupo 8. No único jogo, venceu Luxemburgo por 6 a 1.
(Imagem: Imortais do Futebol)
● Desde aquela época, a França já era tão “plural” e miscigenada como é atualmente. Dois atletas nasceram em cidades que à época pertenciam à Alemanha (Fritz Keller, em Estrasburgo, e Émile Veinante, em Metz). Outros dois nasceram na Argélia, então colônia francesa (Joseph Alcazar e Joseph Gonzales). Além disso, o atacante Roger Courtois nasceu na Suíça.
“Les Bleus” contavam também com veteranos da Copa de 1930. Dos 22 convocados, seis disputaram o primeiro Mundial, com destaque para o goleiro Alex Thépot e o zagueiro Étienne Mattler. Mas a esperança de gols estava depositada mesmo em Jean Nicolas, centroavante do FC Rouen, de apenas 20 anos.
Hugo Meisl, com a pasta na mão (Imagem: Imortais do Futebol)
● O técnico austríaco Hugo Meisl foi um dos que solidificaram o sistema tático 2-3-5 na Europa Central. Seus times eram conhecidos pela movimentação constante de seus jogadores do meio para a frente, sempre com rápidas trocas de passes. Essa característica ficou ainda mais incisiva quando Meisl trocou um centroavante estático por Matthias Sindelar, que flutuava entre as linhas e armava os ataques do time.
Até o início do Mundial de 1934, a Áustria havia vencido ou empatado 28 dos 31 jogos que disputou nos três anos anteriores. Havia vencido adversários fortes, como Suécia, Suíça, Itália, Hungria, Alemanha e outras. Não era simplesmente resultado. O time dava show. Tanto, que ganhou o apelido de “Der Wunderteam” (“time maravilha”). Possuía uma verdadeira legião de craques como o já citado Sindelar (maior gênio do futebol do país), Josef Bican (um dos maiores artilheiros da história), e o centromédio e capitão Josef Smistik.
Com tudo isso, e por possuir o melhor retrospecto entre todas as seleções, era impossível que a Áustria não fosse apontada como a maior favorita ao título da segunda Copa do Mundo.
No 2-3-5 de Meisl, os meio-campistas tinham liberdade para armar, embora suas maiores preocupações fossem as defensivas. Sindelar flutuava pelas linhas adversárias em busca de espaço.
O técnico inglês Sid Kimpton também escalava a seleção da França no 2-3-5 ou sistema pirâmide.
● Era o jogo mais esperado da primeira fase e correspondeu às expectativas.
Jean Nicolas abriu o placar para a França aos 18 minutos de jogo.
Os franceses conseguiam fazer uma boa marcação sobre Sindelar. Mas, em uma única brecha que teve, o craque austríaco empatou a partida aos 44′.
O empate no tempo regulamentar levou o jogo para o tempo extra. Essa foi a primeira prorrogação da história das Copas. Eram necessários mais trinta minutos para ser definido o vencedor.
Mais inteira e melhor fisicamente, a Áustria se sobressaiu e marcou dois gols. Anton Schall anotou o seu aos 3′ do 1º e Josef Bican aos 4′ do 2º tempo.
A quatro minutos do fim, Georges Verriest cobrou pênalti e descontou. Mas era tarde para mudar o resultado.
A França estava eliminada logo nas oitavas de final. A Áustria estava classificada para as quartas de final, para enfrentar sua maior rival, a Hungria, que havia vencido o Egito por 4 x 2.
Três pontos sobre… … 30/07/1966 – Inglaterra 4 x 2 Alemanha Ocidental
(Imagem: FIFA.com)
● Inglaterra e Alemanha Ocidental chegaram à decisão com campanhas similares: duas vitórias e um empate na primeira fase, triunfos contestados sobre sul-americanos nas quartas de final e vitórias de 2 a 1 nas semifinais. Até então, os ingleses possuíam a melhor defesa (apenas um gol sofrido) e os alemães tinham o segundo melhor ataque (13 gols, atrás apenas de Portugal, com 17).
O equilíbrio era reflexo também do estilo de jogo das duas seleções, adeptas do chamado “futebol força”. Como diferencial, os ingleses jogavam em casa, com o estádio Wembley lotado. Os “inventores do futebol” nunca tinham passado das quartas de final em uma Copa do Mundo. Desta vez, jogando em casa, queriam aproveitar a vantagem do mando de campo. Os donos da casa não ganhavam um Mundial desde a Itália, em 1934. Era o momento de o tabu ser quebrado.
A Rainha Elizabeth II e a Duquesa de Kent eram as convidadas de honra no magnífico estádio Wembley, onde 96.924 torcedores foram assistir ao maior jogo da história do futebol inglês. Estava presente também o então primeiro ministro britânico, Harold Wilson.
Era o jogo de nº 200 da história das Copas. A Inglaterra era a favorita. O retrospecto do confronto entre as seleções até então era composto de sete partidas, com seis vitórias inglesas e um empate. A base do time era o West Ham, campeão da Copa da Inglaterra em 1963/64 e da Recopa Europeia em 1964/65, com o zagueiro Bobby Moore, o lateral Ray Wilson, o ponta Martin Peters e o atacante Geoff Hurst. A tabela deu um dia a menos de descanso para os ingleses antes da final. Os alemães jogaram dia 25 e os ingleses, dia 26.
Na primeira fase, a Inglaterra foi líder do Grupo 1 com cinco pontos. Empatou sem gols com o Uruguai e venceu México e França, ambos por 2 a 0. Nas quartas de final, um embate duríssimo e controverso contra os argentinos e vitória por 1 a 0. Depois, bateu com autoridade a grande seleção de Portugal, de Eusébio e Cia., por 2 a 1. Os “inventores do futebol” estavam a 90 minutos da consagração com o inédito título.
Os alemães foram líderes do Grupo 2, goleando a Suíça (5 x 0), empatando com a Argentina (0 x 0) e batendo a Espanha (2 x 1). Na fase seguinte, venceram o Uruguai por 4 x 0. Nas semifinais, acabaram com o sonho soviético ao vencer por 2 a 1. Agora, tentava conquistar de novo a Taça Jules Rimet, que já tinha conseguido em 1954.
O alemão Helmut Schön armou o time visitante em um misto de 4-2-4, mas que defensivamente se assemelhava ao 4-4-2 inglês, com Emmerich voltando mais que de costume e o ótimo Uwe Seeler recuando para armar o jogo, enquanto Haller e Held faziam os lances pelos lados de campo e Overath organizava o jogo pelo meio. O técnico apostou na marcação individual sobre Bobby Charlton. O responsável por isso seria o jovem Franz Beckenbauer, de apenas 20 anos.
Para a decisão, o astro Jimmy Greaves já estava recuperado e sua escalação era pedida pela imprensa local. Mas o técnico Alf Ramsey decidiu pela manutenção do time, com Geoff Hurst no ataque, apostando na força do jogo aéreo e maior presença de área do seu camisa 10. Ball e Peters, como sempre, armavam pelo lado e combatiam o meio campo rival.
O técnico Alf Ramsey até tentou utilizar o sistema 4-3-3, mas, com a lesão de Jimmy Greaves e as más partidas dos pontas na primeira fase, acabou optando pelo 4-4-2. Os grandes destaques eram os meias Martin Peters pela esquerda e o caçula Alan Ball na direita. Eles faziam um bom balanço defensivo e atacavam quando tinham a bola. Foi uma sacada genial de Ramsey, que antecipou uma tendência ao que se vê em muitas equipes em pleno século XXI.
O técnico Helmut Schön escalou a Alemanha Ocidental no sistema 4-2-4, o mais utilizado na época.
● Os primeiros minutos são tensos, com ambas seleções ainda estudando os movimentos do rival. Ninguém facilita o jogo e não há abertura para ataques mais incisivos. Apenas a chamada “trocação”.
A primeira chance de gol é alemã. Uwe Seeler chuta da entrada da área, mas Gordon Banks salta em ponte e faz uma defesa segura.
Instantes depois, Nobby Stiles cruza, Tilkowski corta e Hurst atinge o goleiro e o deixa no chão.
Tilkowski salvou o primeiro gol inglês ao espalmar para escanteio um chute cruzado de Peters.
Dessa vez, Nobby Stiles não marcava individualmente, mas conseguia travar o avanço de Overath. Enquanto Roger Hunt era “engolido” pela marcação de Weber, Höttges apenas tentava acompanhar Hurst e Schulz ficava na sobra. No meio, os gênios Beckenbauer e Bobby Charlton se anulavam em um embate altamente técnico e tático.
Aos doze minutos de jogo, surge o primeiro erro fatal. Held cruza e o lateral Ray Wilson cabeceia, mas corta mal. Helmut Haller recupera a bola e bate cruzado, rasteiro, sem chances para Gordon Banks. Foi o sexto gol de Haller no torneio. A pequena torcida alemã em Wembley comemora. Pela primeira vez na Copa, a Inglaterra está em desvantagem no marcador. É o segundo gol sofrido pelos Three Lions em toda Copa. O técnico Alf Ramsey demonstra tranquilidade. Seus jogadores também estão calmos. Eles sabem o que devem fazer.
Aos 18′, Bobby Charlton escapa de Beckenbauer e toca para Bobby Moore, que é derrubado por Overath. Moore cobra rápido, pegando a defesa alemã desprevenida. Geoff Hurst sobe sozinho e cabeceia para baixo, no canto direito do goleiro. Tilkowski reclama muito de sua defesa, principalmente com a desatenção de Höttges. A seleção anfitriã chegou rapidamente ao empate. Alegria para a torcida inglesa e para Sua Majestade.
(Imagem: FIFA.com)
Ball cruza da esquerda, Bobby Charlton domina e bate de canhota, para uma segura defesa do goleiro alemão.
Bobby Charlton, sempre ele, abre na direita para George Cohen. O lateral cruza da intermediária e Hurst cabeceia no chão, no canto esquerdo. Tilkowski não segura. Ball cruza para o meio da área e Overath chega tirando de lá.
Após um escanteio, Overath chuta, Banks defende, mas dá rebote. Na sobra, Lothar Emmerich chuta para grande defesa de Banks, que sai em seus pés e segura a bola.
No intervalo de jogo, o placar está igual: 1 a 1. O fato de ter saído dois gols antes dos 20 minutos foi uma surpresa, já que todos esperavam uma partida defensiva. Mas os times buscaram o ataque o tempo todo.
Mais tensão ainda no segundo tempo, com oportunidades de gols para os dois lados.
Aos 33 minutos da segunda etapa, escanteio para a Inglaterra. A cobrança é feita e Hurst domina e chuta. Höttges tenta cortar. A bola sobe e cai limpa para Martin Peters emendar de primeira, da risca da pequena área. Foi o primeiro gol do falso ponta esquerda no Mundial. Impossível pensar em uma ocasião melhor. Poderia ser o gol do título. Novamente Wembley vai à loucura. O English Team está a doze minutos do título mundial. Tilkowski novamente fica inconformado pelos espaços dados por sua defesa.
Aos 41′, Emmerich escapa em contra-ataque perigoso, mas Bobby Moore dá um carrinho limpo e preciso, impedindo o gol do ponta esquerda alemão.
A Inglaterra ainda teve a chance de matar o jogo. Em um rápido contra-ataque, Roger Hunt acha Bobby Charlton na entrada da área. O craque vinha na corrida e chutou mascado, para fora. O jogo ainda não tinha acabado. E contra a Alemanha não se pode perder um gol desses. Os alemães são sempre os alemães e eles nunca se entregam.
(Imagem: FIFA.com)
A prova disso viria aos dramáticos 44 minutos do segundo tempo. Jack Charlton faz uma falta desnecessária em Held na intermediária. Os jogadores ingleses tentam gastar tempo reclamando, mas a cobrança é rápida. Emmerich cobra forte e Cohen desvia para cima, no meio da área. Na sobra, Held chuta nas costas do companheiro Schnellinger, a bola passa por Uwe Seeler e Wolfgang Weber chega de carrinho antes de Wilson e Banks para mandar para o gol.
Incrível! A Alemanha Ocidental conseguiu empatar praticamente no último lance do tempo regulamentar. Bobby Charton parece não acreditar. Ele pede toque de mão de Schnellinger no lance, mas a jogada foi legal. Logo depois do novo pontapé inicial, o juiz encerra a partida. Jack Charlton não esconde a irritação. O técnico Alf Ramsey, mais uma vez, se mostra o mais calmo de todos.
● Assim, temos a primeira prorrogação em decisões desde 1934, em Roma.
A torcida inglesa não para um segundo. Além dos cânticos tradicionais, grita o tempo todo: “England! England!”
Seria um duro teste de resistência nos próximos trinta minutos, especialmente para os ingleses, com o moral abalado. Mas antes do início do tempo extra, Alf Ramsey ordenou que todos seus atletas permanecessem em pé antes de a bola voltar a rolar e disse apenas uma coisa ao seu time: “Vocês já venceram uma vez. Agora é só voltar a campo e vencer novamente. Vejam só os alemães. Eles estão liquidados”. De fato, ele estava certo. Beckenbauer diria depois: “Eu estava tão morto na prorrogação que não fiquei triste com a derrota. Estava feliz por acabar com aquele suplício”.
Na dramática prorrogação, a Inglaterra realmente mostra muito mais disposição. Os alemães estão esgotados e parecem não ter mais forças.
Ball arranca pelo meio e chuta da entrada da área. Tilkowski espalma para cima. O goleiro do Borussia Dortmund era bom, mas sempre espalmava e nunca segurava a bola de primeira.
Após a cobrança de escanteio, Bobby Charlton chuta da entrada da área e a bola bate caprichosamente na trave esquerda do arqueiro alemão.
(Imagem: FIFA.com)
Mas ninguém segurava o motorzinho Alan Ball, que passava facilmente pela marcação do ótimo Schnellinger. Aos 11 minutos do primeiro tempo da prorrogação, lançamento bonito de Stiles para o camisa 7, que escapa novamente pela direita e cruza rasteiro. De costas para o gol, Hurst domina, gira em cima de Schnellinger e dispara um tiro seco. A bola bate no travessão e quica sobre a linha antes de ser jogada para escanteio por Weber. Por não terem chances de brigar pelo rebote, Hunt e Hurst preferiram levantar os braços e comemorarem timidamente, tentando induzir a arbitragem a tomar alguma decisão a favor dos ingleses. O árbitro suíço Gottfried Dienst fica na dúvida, mas o bandeirinha soviético Tofik Bakhramov confirma o gol. Foi um lance rápido e dificílimo, que demorou 13 segundos (uma eternidade) para ter ser decidido. Os alemães protestam bastante, mas logo o capitão Uwe Seeler os dispersam para que o jogo recomece logo.
A Inglaterra estava na frente de novo. Até hoje ninguém conseguiu provar se a bola entrou ou não. Mas o resultado faz justiça à Inglaterra, que vinha jogando mais na final e era discutivelmente a melhor seleção de todo o Mundial e merecedora de um lugar na história.
A poucos segundos do fim, quando o árbitro já estava com o apito à boca e alguns torcedores já tinham invadido o campo para comemorar. Bobby Moore, com a maior calma do mundo, chuta para frente, afastando o perigo da defesa. A bola cai com Geoff Hurst, que carrega a bola até a grande área alemã, enquanto o locutor inglês Kenneth Wolstenholme, o mais famoso do país na época, deixou uma célebre frase para a história: “Some people are on the pitch…they think it’s all over….it is now!” (“Algumas pessoas estão no campo … elas pensam que está tudo acabado… agora está!”) Posteriormente o camisa 10 da Inglaterra confessou que sua intenção era chutar essa bola para fora do estádio, a fim de ganhar tempo. Ele errou e a bola foi morrer no ângulo direito, “deixando tudo acabado”, conforme finalizou Wolstenholme. Geoff Hurst é o primeiro (e até hoje o único) jogador a marcar três gols em uma final de Copa do Mundo.
(Imagem: FIFA.com)
● Independente da ajuda da arbitragem nos dois gols decisivos, a Inglaterra era merecidamente campeã mundial de futebol. Os próprios protagonistas afirmam isso:
“Toda vez que algum alemão me pergunta se a bola entrou, respondo apenas que, ainda assim, não iríamos perder aquele jogo.” — Bobby Charlton
“Ainda assim, os ingleses mereceram vencer.” — Wolfgang Weber
“Eles tinham um time excepcional, melhor que o nosso.” — Uwe Seeler
“Apesar da arbitragem, a Inglaterra tinha uma senhora equipe. Foram grandes campeões.” — Wolfgang Overath
O time foi muito bem armado e treinado por Alf Ramsey. Ele, que fez parte do fiasco do English Team na Copa de 1950 como zagueiro, tinha se tornado um grande técnico, capaz de feitos únicos pelo modesto time do Ipswich Town. Ele levou o time à conquista da segunda divisão em 1960/61 e do campeonato da primeira divisão inglesa logo na sequência, em 1961/62. Ele assumiu a seleção em 1963, pensando em mudar tudo que vira até então: em vez do colegiado definir os rumos do futebol no país, como pensava seu antecessor Walter Winterbottom, a direção de tudo caberia ao próprio Ramsey. Também era adepto de rígidos métodos de treinamento físico, que ele imaginava que pudesse fazer a diferença no Mundial. Ao assumir o cargo, o técnico declarou: “A Inglaterra vencerá”. E ele cumpriu o prometido.
Alf Ramsey não entrou no gramado para celebrar e nem para tirar seus atletas, como fizera contra os argentinos. Dizem que ele voltaria ao gramado a noite para dar uma volta de honra no estádio vazio. Ele esperou seus comandados passarem perto do banco de reservas para abraçá-los, um a um.
(Imagem: The Telegraph)
Depois, os atletas subiram até as tribunas, onde Bobby Moore limpou as mãos sujas no calção, estendeu-as à Rainha Elizabeth II e recebeu a Taça Jules Rimet com a humildade do dever cumprido, coroando duas horas e meia de muita emoção, em uma das partidas mais memoráveis da história do futebol. Mas por pouco o capitão não ficou de fora da Copa. A FIFA determinava que apenas jogadores com contratos vigentes poderiam disputar o Mundial. Moore vivia na época um litígio com o West Ham. Felizmente, ele renovou o contrato na véspera da partida de abertura e pôde disputar o torneio normalmente, para o bem do English Team.
Apenas os onze titulares deram a volta olímpica e ganharam medalhas. A injustiça foi reparada no dia 10/06/2009, quando a federação inglesa conseguiu com a FIFA as medalhas para os onze reservas, o treinador, o médico, o preparador físico e o massagista. Todos os sobreviventes e familiares dos falecidos se reuniram na sede do parlamento britânico para receberem o prêmio com 43 anos de atraso.
Ramsey, Bobby Charlton e Geoff Hurst receberiam o título de “Sir”, como “Cavaleiros do Império Britânico” por serem protagonistas na maior conquista da história do futebol inglês.
No final do ano, Charlton seria eleito o melhor jogador do mundo, conquistando a Bola de Ouro da revista France Football. Ele já era a história viva. Em 1958, ainda jovem, tinha sido um dos sobreviventes da “Tragédia de Munique”, um acidente com o avião do Manchester United, que causou a morte de 23 pessoas, incluindo oito jogadores. O craque, que foi reserva na Copa de 1958 e titular em 1962, estava no auge da forma e é considerado até hoje o melhor jogador inglês de todos os tempos.
Curiosamente, a Copa do Mundo de 1966 foi a primeira a ter um mascote. O leão “Willie” representava a força dos ingleses. O mascote fez tanto sucesso que se tornou uma tradição nos Mundiais seguintes.
Em “homenagem” a Tofik Bakhramov, a expressão “Russian Linesman” (bandeirinha russo) é usada até hoje nas arquibancadas do futebol inglês para se referir a um “árbitro amigo”. O auxiliar dá nome ao estádio nacional do Azerbaijão, em Baku, cidade onde nasceu e morreu.
Três pontos sobre… … 26/07/1930 – Argentina 6 x 1 Estados Unidos
(Imagem: FIFA.com / Popper Foto)
● Para chegar na semifinal, a Argentina terminou com 100% de aproveitamento no Grupo A (única chave com quatro seleções, já que os demais só possuíam três equipes), vencendo a França (1 x 0), México (6 x 3) e Chile (3 x 1).
Os Estados Unidos ficaram em primeiro lugar no grupo D, vencendo a Bélgica e o Paraguai pelo mesmo placar de 3 a 0. O principal trunfo dos norte-americanos era contar com cinco jogadores que haviam sido profissionais na Escócia antes de emigrarem para a América.
Na quarta-feira, dia 23 de julho, a FIFA promoveu um sorteio para definir os adversários das semifinais. Havia 33% de chances de a sonhada decisão entre Uruguai e Argentina ocorrer nas semifinais. Era um risco enorme.
As bolinhas foram numeradas da seguinte forma: 1 para a Argentina; 2 para os Estados Unidos; 3 para o Uruguai; 4 para a Iugoslávia. Jules Rimet, que presidia a cerimônia, convidou um jornalista presente para sortear a primeira bolinha, que foi a número 1, da Argentina.
A tensão era enorme. Sob intensa expectativa, outro jornalista tirou a bolinha número 2, dos Estados Unidos. Ufa! Todos respiraram aliviados.
Esse sorteio também definiu a ordem dos jogos: Argentina x Estados Unidos seria no sábado e Uruguai x Iugoslávia, no domingo. Em caso de empate, haveria uma prorrogação de 15 minutos, dividida em dois tempos de sete minutos e meio. Se o empate persistisse, haveria uma segunda prorrogação, nos mesmos moldes. Se mesmo assim não houvesse um vencedor, haveria um jogo extra. Se esse jogo também terminasse empatado, no tempo normal e nas prorrogações, o vencedor sairia por meio de sorteio.
Nos anos 1930, todas as equipes atuavam no ofensivo sistema “clássico” ou “pirâmide”, o 2-3-5.
● Os norte-americanos suportaram razoavelmente bem a pressão argentina no primeiro tempo, mas o centromédio Ralph Tracey fraturou a perna ainda aos 19 minutos de jogo e não conseguiu retornar após o intervalo.
Luisito Monti abriu o placar logo no minuto seguinte, aproveitando que não tinha mais a marcação de Tracey.
Antes dos 15 minutos do segundo tempo, foi a vez de o goleiro Jimmy Douglas se lesionar, deslocando o ombro.
Daí para frente, praticamente com dois homens a mais e com o adversário sem um goleiro em plena forma, a Argentina não teve dificuldades para atropelar e anotar mais cinco gols em sequência.
Quando os americanos perdiam por 3 a 0, o médio esquerdo Andy Auld sofreu um profundo corte no lábio inferior. O técnico Robert Millar, que também fazia as vezes de médico, pegou a maleta de medicamentos e correu para o campo. Na pressa, a maleta se abriu e vários frascos de remédio se quebraram, inclusive a garrafa de clorofórmio, que vazou no gramado. Ao inalar o líquido entorpecente, Millar acabou desmaiando e teve que ser carregado para fora do gramado por seus jogadores. O atleta americano que tinha se contundido acabou se recuperando sozinho, sem qualquer atendimento.
Nada daria certo para os americanos naquele dia.
De forma incontestável, a Argentina garantia sua vaga para a final.
Para os EUA, ter chegado tão longe já era motivo de orgulho. É até hoje a melhor classificação dos ianques na história das Copas.
A tabela original não previa a disputa do terceiro lugar, mas o Comitê Organizador sugeriu a ideia.
Porém, ainda irritados com a arbitragem considerada “excessivamente parcial” do brasileiro Gilberto de Almeida Rego, os iugoslavos se recusaram a enfrentar os Estados Unidos.
Assim, como não houve decisão do 3º lugar, a Iugoslávia dividiu essa colocação na classificação com os Estados Unidos. Na verdade, os dois países que caíram nas semifinais ficaram rigorosamente empatados em tudo, exceto que a Iugoslávia sofreu um gol a mais no geral.
Em muitas publicações esportivas, os americanos aparecem sozinhos em terceiro lugar, com base no critério não oficial de saldo de gols.
Algumas fontes, como um boletim da FIFA de 1984, afirmam que houve, sim, uma partida pelo 3º lugar, vencida por 3 x 1 pela Iugoslávia. Essa informação nunca foi oficialmente confirmada.
Três pontos sobre… … 23/07/1966 – Portugal 5 x 3 Coreia do Norte
(Imagem: FIFA.com / Popper Foto)
● Ambas seleções estreavam em Copas do Mundo.
Portugal não era uma surpresa. Era uma seleção em afirmação no cenário mundial. Tinha terminado o Grupo 3 com 100% de aproveitamento, vencendo Hungria (3 x 1) e Bulgária (3 x 0), além de eliminar diretamente o bicampeão Brasil na última rodada (vitória lusa por 3 x 1). Os patrícios tinham uma equipe coesa, que superava seus problemas defensivos com uma fortíssima (e violenta) marcação. Além disso, possuía o melhor jogador do mundo na época, o moçambicano Eusébio, eleito Bola de Ouro de 1965 pela revista France Football.
Ninguém conhecia a seleção da Coreia do Norte, principalmente por causa de seu fechado sistema político que perdura até os dias atuais. A Coreia já tinha causado surpresa na primeira fase. Começou perdendo para a União Soviética por 3 a 0 e empatando com o Chile por 1 a 1. Mas, na última rodada, fez o mundo inteiro ficar de queixo caído ao vencer a toda-poderosa Itália por 1 a 0. Se classificou em segundo lugar do Grupo 4, atrás apenas dos soviéticos.
De qualquer forma, mesmo em igualdade de condições a partir do mata-mata, os asiáticos eram considerados azarões.
Portugal atuava no 4-2-4. Liderado por Eusébio, o ataque tinha muita força e mobilidade. O capitão Coluna era mesmo a coluna vertebral do time, aparecendo em todos os espaços.
A Coreia do Norte jogava no 4-2-4, com muita correria e velocidade.
● Os norte-coreanos começaram o jogo com muita personalidade. Com poucos segundos jogados, o meio campo rouba a bola e em apenas dois passes cria a primeira chance de gol. Han Bong-zin avança pela ponta direita e rola para a entrada da área. Pak Seung-zin chuta de primeira. A bola bate no travessão e entra. O goleiro português nem se mexe. Surpresa geral. O começo letal e em alta velocidade deixou todos boquiabertos em Liverpool.
Portugal pressionava. Mas aos 22 minutos, um novo contra-ataque rápido da Coreia resulta no segundo gol. Yang Seung-kook evita a saída da bola pela linha de fundo e cruza da esquerda. Na pequena área, o goleiro José Pereira afasta mal e Li Dong-woon emenda de primeira para as redes.
Era difícil de acreditar. A maioria da torcida presente no estádio era pela seleção asiática. E essa torcida começou a gritar: “We want three!” (“Nós queremos três!”) Foi atendida três minutos depois. Yang Seung-kook avançou pelo meio, entrou na área, trombou com a marcação e chutou no canto direito.
Os portugueses estavam perplexos. A defesa que tinha sofrido apenas dois gols na primeira fase, tinha acabado de tomar o terceiro em apenas 25 minutos. Eusébio diria, a respeito desse jogo: “No primeiro gol, pensei na derrota da Itália. No segundo gol, achei que a coisa estava ficando perigosa. No terceiro gol, pensei: ‘a Itália não conseguiu fazer nenhum gol neles… complicou!'”
(Imagem: FIFA.com / Popper Foto)
● Foi só a partir desse momento que Portugal colocou a bola no chão, respirou e correu atrás do prejuízo. O craque Eusébio chamou a responsabilidade para si e acabaria se tornando o herói da partida. Ele jogou a Copa com a camisa nº 13 a contragosto, mas o número parece ter dado sorte a ele. Dois minutos depois do terceiro gol coreano, ele diminuiu a diferença. José Augusto rolou a bola para a área e Eusébio apareceu antes de dois zagueiros e do goleiro, mandando no alto do gol.
Aos 43 minutos, passe de Eusébio para Torres. O centroavante grandalhão foi derrubado na área por Shin Yung-kyoo. O árbitro israelense Menachem Ashkenazi apontou para a marca penal. Eusébio cobrou no alto, no canto direito e voltou a dar esperança de classificação a seu país. Com apenas um gol de diferença contra, os europeus voltaram para o jogo.
O goleiro Lee Chang-myung fez grandes defesas e evitou a virada dos ibéricos ainda na primeira etapa. Mas, com Eusébio naquela forma esplendorosa, seria inevitável.
Sem experiência, o time asiático não conseguiu sustentar sua enorme vantagem no segundo tempo e continuou jogando no ataque. Mas nenhuma equipe do mundo conseguiria manter esse ritmo de correria alucinante. Os coreanos, que haviam corrido muito até então em todo o Mundial, começaram a sentir mais ainda o desgaste físico.
Por sua vez, Portugal tocava a bola, se aproveitando da técnica mais apurada. Enquanto Eusébio brilhava individualmente, seu conterrâneo, o também moçambicano Mário Coluna, o capitão e camisa 10, marcava, organizava, lançava, criava e finalizava. Outra grande estrela daquela seleção lusa.
Aos 11 minutos da etapa complementar, Simões lançou Eusébio pela direita. Do bico da pequena área, o camisa 13 disparou e tocou por cobertura. Um golaço! Era o empate! Incrível!
A virada veio apenas três minutos depois. Eusébio arrancou em velocidade pela esquerda e enfileirou dois marcadores. Ao invadir a área, foi derrubado infantilmente por Lim Zoong-sun. Pênaltis eram uma das especialidades de Eusébio. Ele cobrou com força, no alto, à direita, e colocou Portugal em vantagem pela primeira vez na partida. Era o quarto gol de Eusébio, igualando o recorde de gols marcados em uma partida de Copa do Mundo.
Mas “Os Magriços” só descansaram mesmo ao anotarem o quinto gol, a dez minutos do fim. Coluna cobrou escanteio para a área, Torres escorou de cabeça e José Augusto, sozinho na pequena área, cabeceia para o gol e põe fim às movimentações no placar. Fim de jogo: Portugal 5 x 3 Coreia do Norte.
(Imagem: AP / PA Archive / Press Association Images)
● Certamente esse foi um dos jogos mais emocionantes e dramáticos da história dos Mundiais. É a segunda maior virada da história das Copas, atrás apenas de Suíça 5 x 7 Áustria, em 1954.
Nessa partida, Eusébio, o “Pantera Negra” se tornou o quinto jogador a marcar quatro gols em uma partida de Copa do Mundo. Os outros foram o polonês Ernest Wilimowski (Polônia 5 x 6 Brasil, em 1938), o brasileiro Ademir de Menezes (Brasil 7 x 1 Suécia, em 1950), o húngaro Sándor Kocsis (Hungria 8 x 3 Alemanha Ocidental, em 1954) e o francês Just Fontaine (França 6 x 3 Alemanha Ocidental, em 1958). Em diversas localidades, esse feito é chamado de “Pôquer” ou “Quatrilho”.
Após a eliminação do Brasil, a Coreia do Norte herdou o ônibus que transportava a Seleção, ainda com a expressão “Brazilian Football Team” pintada na lateral. Não deu muita sorte. Assim como os brasileiros, os coreanos também foram eliminados pelos portugueses jogando em Liverpool.
Curiosamente, o comitê organizador do Mundial decidiu não executar nenhum hino nacional antes das partidas, como sempre foi o protocolo. O Reino Unido não tinha relações diplomáticas com a Coreia do Norte e não tocaria o hino do país em seu território. Assim, decidiram não tocar nenhum. Os hinos só começaram a ser executados após a eliminação dos norte-coreanos.
Em sua primeira Copa do Mundo, Portugal estava merecidamente entre os quatro melhores e enfrentaria a anfitriã Inglaterra nas semifinais.
Mas, curiosamente, quando o árbitro apitou o final da partida, a seleção da Coreia do Norte que foi aplaudida de pé pelos 40.248 presentes no estádio Goodson Park. O conto de fadas norte-coreano chegava ao fim. Eles exibiram um belo e envolvente futebol. Chegaram entre os oito melhores do Mundial, feito que só seria superado pela co-irmã Coreia do Sul em 2002.
Três pontos sobre… … 20/07/1966 – Inglaterra 2 x 0 França
(Imagem: Getty Images)
● A Inglaterra estreou com um horrível empate sem gols com o Uruguai. Depois, bateu o México por 2 a 0 em uma partida fraca, com um futebol previsível e pouca inspiração ofensiva. Um empate contra os franceses garantiria o primeiro lugar do Grupo A.
Por sua vez, a França estreou empatando com o México por 1 a 1, na primeira vez que os mexicanos não estrearam perdendo em uma Copa do Mundo. Na sequência, os franceses perderam para o Uruguai por 2 a 1, de virada. Agora, precisariam vencer os donos da casa para ter chances de avançar.
Para os ingleses, não bastava organizar a Copa do Mundo. Era preciso conquistá-la para reafirmar sua “supremacia”. Os “inventores do futebol” ainda procuravam a melhor formação de seu ataque. Martin Peters já havia conquistado sua vaga na ponta esquerda, no lugar de John Connelly. Mas na ponta direita, o técnico Alf Ramsey estava na terceira tentativa, dessa vez sacando Terry Paine e colocando Ian Callaghan (ainda hoje quem mais vestiu a camisa do Liverpool, com 857 jogos em 18 anos).
Mas aquela linha de frente só duraria essa partida. Mais ofensivo que Paine, Callaghan fez tudo que um ponta deveria fazer à época: avançar, driblar, ir à linha de fundo e cruzar. Mas era pouco para o técnico Alf Ramsey. Ele queria pontas que fizessem a recomposição no meio de campo, quando o time não tivesse a posse de bola. Por mais que a França não ameaçaria em momento algum, a partida foi usada para observações. Quis o destino que esse fosse o jogo certo para o English Team definir de uma vez seus onze titulares.
O técnico Alf Ramsey ainda insistia em utilizar o sistema 4-3-3, em sua terceira tentativa. Dessa vez, Ian Callaghan foi escalado na ponta direita, mas não fez uma boa partida.
Henri Guérin escalou a França no sistema 4-2-4.
● Como diria Mauro Beting no livro “As Melhores seleções estrangeiras de todos os tempos”, assim como o confronto bélico entre ingleses e franceses que ocorreu entre 1337 e 1453, essa partida “lembrou a Guerra dos Cem Anos: muita luta e desinteligência (mas sem deslealdade). E pareceu levar um longo tempo para acabar…”
A seleção francesa era fraca tecnicamente. Talvez uma das piores de sua história. Precisava da vitória para tentar a classificação, mas entrou em campo sem Néstor Combin, ainda machucado. Para piorar, o meia Robert Herbin se lesionou logo nos primeiros minutos e foi fazer número no ataque, já que não eram permitidas substituições à época. Les Bleus teriam que segurar os ingleses em Wembley com um jogador a menos.
A Inglaterra era muito melhor, mas confundia velocidade com afobação.
Aos 28 minutos de jogo, Jimmy Greaves chegou a mandar a bola para as redes, mas o assistente tcheco Karol Galba anulou o gol.
Esse mesmo bandeirinha seria fundamental para que o placar fosse aberto em Wembley. Aos 38 do primeiro tempo, Nobby Stiles disputa a bola na área. A zaga afasta nos pés de Jimmy Greaves, que cruza de primeira. Jack Charlton cabeceia livre no segundo pau, a bola bate na trave e sobra para Roger Hunt mandar para as redes. Os zagueiros Marcel Artelesa e Robert Budzynski reclamam veementemente de impedimento, mas o árbitro peruano confirmou o gol.
Curiosamente, Jack, o irmão mais velho do craque Bobby Charlton só chegou à seleção inglesa aos 30 anos, um ano antes dessa Copa. Jogou por 21 anos no Leeds United. Era veloz, ofensivo e aproveitava muito bem seu 1,91 m de altura. Do irmão mais novo, só tinha a fisionomia e a falta de cabelo. Com a bola nos pés, eram completamente desiguais. Não se combinavam fora de campo. Mas os dois foram fundamentais para a caminhada dos Three Lions no Mundial em casa.
Aos 16′ do segundo tempo, outro gol inglês anulado. Em jogada muito bem treinada, a bola alta na segunda trave encontrou Hunt, que ajeitou de cabeça para Bobby Charlton vir de trás e finalizar. Dessa vez, um impedimento absurdo, anotado pelo assistente búlgaro Dimitar Rumenchev.
Os ingleses ampliaram o marcador naturalmente, aos 30 minutos da etapa final. Bobby Charlton (mais uma vez o melhor em campo), desarmou o lateral rival e cruzou para a área. A defesa francesa bateu cabeça e Callaghan cruzou para Roger Hunt cabecear sozinho na pequena área. A cabeçada foi em cima do goleiro Marcel Aubour, que não conseguiu segurar. Dois gols de Roger Hunt, ainda hoje o segundo maior goleador da história do Liverpool, com 286 gols.
Os franceses contestaram também esse segundo gol, pois pediam que o jogo fosse paralisado para atendimento médico a Jacques Simon, duramente atingido por Nobby Stiles. Foi realmente uma entrada criminosa. Tanto, que a FIFA lhe deu uma advertência e o técnico Ramsey recebeu uma mensagem de sua federação questionando se “era mesmo necessário continar escalando Stiles”. Por uma questão de princípios, evitando interferência externa, e também porque sabia da importância do volante do Manchester United, o treinador ameaçou se demitir no meio do Mundial. Stiles era fundamental e continuaria sendo.
É completamente injusta a história de que a Copa estava “arranjada” para que a Inglaterra a conquistasse. Por diversas vezes naquele Mundial (principalmente na primeira fase), os ingleses foram duramente prejudicados por decisões equivocadas dos árbitros. Assim, chegamos à conclusão de que não era a intenção de beneficiar a seleção local: a arbitragem era realmente péssima, errando para todos os lados. Nessa partida mesmo, foram validados dois gols duvidosos e anulados dois gols legítimos.
Nos 90 minutos, a Inglaterra mandou no jogo. Criou nove chances de gol e a França apenas quatro. O placar só ficou em 2 a 0 porque a Inglaterra era um time que tinha pressa, mas não pensava.
(Imagem: Scoopnest)
● A França terminou em último lugar do grupo, com um empate e duas derrotas.
A vitória classificou o English Team como primeiros colocados do Grupo A. Enfrentariam a boa seleção da Argentina, que também estava invicta e tinha sido segunda colocada no Grupo B, atrás da Alemanha Ocidental apenas nos critérios de desempate.
Mas Alf Ramsey queria que o time rendesse mais. A equipe estava jogando pouco e se achando muito. Para se consolidar como favorita, precisava jogar mais bola.
Com a recuperação do lesionado Alan Ball e a manutenção de Martin Peters como titular, Ramsey teria pontas que fazem a recomposição, como ele tanto queria. Assim, contra a Argentina nas quartas de final, o técnico teria seu “4-4-2 ideal”. Mas, como uma providência divina, o astro Jimmy Greaves se machucou. Ele era o queridinho da imprensa e torcida. Era talentoso, mas não ajudava taticamente a equipe. Seu substituto seria Geoff Hurst, que até então só tinha cinco jogos pelos Three Lions. Era menos espetacular que Greaves, mas era mais forte fisicamente e mais capacitado para ganhar as disputas pelo alto, segurar a bola e fazer o papel de pivô. Como veremos no próximo dia 30/07, essa simples mudança alterou os rumos da história do futebol mundial.
Três pontos sobre… … 19/07/1966 – Portugal 3 x 1 Brasil
(Imagem: Fernando Amaral FC)
● Era o encontro mais aguardado da primeira fase. Na cidade de Liverpool, no estádio Goodison Park, do Everton, 58.479 pessoas iriam assistir ao encontro de duas das melhores equipes da década. O Brasil do Rei Pelé enfrentaria Portugal, do “príncipe” Eusébio, o “Pantera Negra”.
No Brasil, o otimismo era intenso e inveterado, contaminando torcida, imprensa e jogadores. Ninguém seguraria a Seleção, com Pelé e Garrincha ainda mais experientes que nas duas Copas anteriores. A revista Realidade chegou a publicar uma reportagem de capa prevendo como o Brasil conquistaria o tri.
A preparação brasileira foi uma enorme festa. O técnico Vicente Feola montou um grupo deveras inchado, com 47 jogadores, que se exibiu em cinco cidades brasileiras antes de embarcar para a Inglaterra. Além disso, a preparação física feita por Rudolf Hermanny, especialista em judô, se mostraria um enorme fiasco.
Dessa forma, o Brasil se tornou uma mescla mal feita entre alguns craques bicampeões nas duas Copas anteriores, com Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Zito, Garrincha e Pelé, além de jogadores que viriam a encantar o mundo em 1970, como Brito, Gérson, Tostão e Jairzinho. Várias unanimidades ficaram fora da lista final, como Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Roberto Dias, Servílio e outros.
Em compensação, Portugal chegou voando ao Mundial, tendo como base a equipe do Benfica, bicampeã da Copa dos Campeões da Europa (atual UEFA Champions League) no início da década. Treinada pelo brasileiro Otto Glória, Portugal tinha uma ótima equipe a partir do meio campo. Todos os jogadores da linha de frente vestiam a gloriosa camisa encarnada: José Augusto, Coluna, Eusébio, Torres e Simões. O “calcanhar de Aquiles” era o fraco sistema defensivo, que compensava com virilidade e violência.
Estreante em Copas do Mundo, “Os Magriços”*¹ começaram a competição com tudo, ao vencer a forte Hungria por 3 a 1. Na segunda rodada, inapelavelmente bateu a Bulgária por (baratos) 3 a 0. Assim, estava praticamente assegurado na fase seguinte, faltando apenas a confirmação matemática.
O Brasil começou bem, vencendo uma frágil Bulgária por 2 a 0, na última partida de Pelé e Garrincha juntos pela Seleção. Eles nunca perderam atuando juntos. Foram 40 partidas, com 36 vitórias e quatro empates. Curiosamente os dois gols contra os búlgaros foram em cobranças de falta diretas, um anotado pelo Rei e outro por Mané.
A Seleção estava invicta em Copas do Mundo havia 13 partidas, desde a derrota para a Hungria em 1954. Mas todas as fragilidades ficaram claras com a quebra de invencibilidade na segunda rodada, uma derrota por 3 a 1 para a mesma Hungria. (Curiosamente, Djalma Santos participou dessas duas partidas.) Com uma equipe lenta, especialmente no sistema defensivo, a Seleção foi presa fácil para a ótima geração húngara, que tinha Flórián Albert e Ferenc Bene como destaques. Pelé não jogou, lesionado. Essa foi a despedida de Garrincha com o escrete canarinho e sua única derrota em um total de 60 partidas.
Assim, para conseguir a vaga na próxima fase sem depender do resultado do jogo entre Hungria e Bulgária, o Brasil precisaria bater os portugueses por três gols de diferença, por causa do critério de desempate “goal average” (número de gols marcados divididos entre o número de gols sofridos).
Portugal atuava no 4-2-4. Liderado por Eusébio, o ataque tinha muita força e mobilidade. O capitão Coluna era mesmo a coluna vertebral do time, aparecendo em todos os espaços.
Vicente Feola escalou o Brasil no sistema 4-2-4.
● Pela necessidade de mudança de postura e de resultados, o técnico Vicente Feola simplesmente “surtou” e promoveu nada menos que nove mudanças em relação à partida anterior. Só Jairzinho e Lima foram mantidos como titulares. O capitão Bellini foi barrado, com a justificativa de que não tinha mais o mesmo vigor. Mas, como veremos, nem Brito e tampouco Orlando seriam capazes de parar Eusébio no auge da forma. Ele estava voando. Ele despontou para o futebol ainda garoto, jogando em Moçambique (seu país natal) e foi indicado ao Benfica pelo brasileiro Bauer, vice-campeão do mundo em 1950.
A reformulada e desentrosada defesa brasileira errou bastante, permitindo várias chances para o adversário. Rildo chegou a tocar a bola com o braço dentro da própria área, mas o árbitro inglês não marcou a penalidade máxima. O grande goleiro Manga falhou feio duas vezes, permitindo dois gols lusos.
A boa notícia era o retorno de Pelé, que não estava no melhor de sua forma física depois de ser alvo da violência dos búlgaros e ficar fora contra os húngaros. Desde o início, a defesa lusa fazia de tudo para pará-lo, de qualquer forma – especialmente com faltas repetidamente violentas, cometidas principalmente pelos zagueiros Morais e Vicente. O árbitro George McCabe ignorava as sucessivas agressões ao Rei.
Mas a Seleção não deixou por menos. Após uma cobrança de falta de Pelé, o goleiro José Pereira faz uma defesa segura e o atacante brasileiro Silva Batuta entrou feio, empurrando o goleiro português para dentro do gol. O tempo fechou e os patrícios reclamaram muito com a arbitragem.
Melhor em campo desde o início, Portugal inaugurou o marcador aos 15 minutos de partida. Eusébio escapou pela ponta esquerda e cruzou para a área. Manga, nervoso, espalmou feio para cima e o baixinho Simões cabeceou para o gol.
Aos 27, Coluna cobrou falta, o gigante Torres (1,91 m) ganha da zaga pelo alto e escora para Eusébio. Mesmo marcado por Orlando, o “Pantera” consegue cabecear para o gol. A bola vai em cima de Manga, que não consegue fazer a defesa. Era o segundo gol luso.
Dois minutos depois, Pelé recebeu duas entradas criminosas no mesmo lance. A segunda foi do zagueiro Morais, que tirou o Rei da partida. Ele voltou para o jogo no segundo tempo, mas apenas mancava em campo, fazendo número na ponta esquerda enquanto conseguiu, já que não eram permitidas substituições à época. Com um jogador a menos e Eusébio jogando o fino da bola, ninguém acreditava mais em um resultado diferente. Muito menos os brasileiros.
O Brasil só descontaria aos 25 minutos do segundo tempo, em um de seus raros ataques. Rildo invade a área e chuta cruzado e rasteiro, no canto esquerdo do goleiro José Pereira. Naquela altura, o Brasil precisaria de mais quatro gols, pois a Hungria estava vencendo a Bulgária por 3 a 1 (placar que se manteria até o fim).
No final da partida, Eusébio cobrou uma falta com um chute fortíssimo e Manga foi no ângulo desviar para escanteio. Depois, o mesmo Eusébio foi até a linha de fundo e chutou sem ângulo, para outra bela e difícil defesa de Manga.
No escanteio oriundo dessa jogada, a cinco minutos do fim, a esquadra lusa jogou a última pá de cal sobre o Brasil. Coluna cobrou escanteio, Torres ganhou de Brito pelo alto e escorou de cabeça para Eusébio chegar como uma flecha e emendar de primeira, do bico da pequena área. E o placar de 3 a 1 se manteve até o apito final.
Portugal venceu e convenceu contra o Brasil. A impressão que se tinha era da “troca de reis”: o fim de Pelé e o início do reinado de Eusébio.
Após a partida, todos os portugueses queriam cumprimentar e consolar Pelé. Mas não tiveram pena nenhuma do camisa 10 durante os 90 minutos.
(Imagem: PA Photos / Otherimages / Época / Globo)
● Com essa derrota, o super Brasil, bicampeão em 1958 e 1962, estava vergonhosamente eliminado ainda na fase de grupos. O que parecia um grupo fácil, se enfrentado com seriedade, se tornou um dos maiores vexames da Seleção em Copas do Mundo. Era a terceira (e, por enquanto, última) vez que o Brasil caía na primeira fase de um Mundial. Foi assim também em 1930 e 1934.
Assim, terminava de forma incontestável a esperança do tricampeonato, que seria adiado por mais quatro anos.
Foi o fim da carreira do treinador Vicente Feola. Ele não conseguiu montar um time-base nem mesmo durante a disputa da Copa. Dos 22 convocados, 20 foram utilizados nas três partidas, sendo que ainda não eram permitidas substituições na época.
Desgostoso com o excesso de violência e com o fiasco brasileiro no Mundial, Pelé disse que nunca mais disputaria uma Copa do Mundo. Por sorte do universo do futebol, ele mudou logo de ideia.
Portugal terminou o Grupo 3 com 100% de aproveitamento. Nas quartas de final, teria uma partida teoricamente fácil contra a surpreendente Coreia do Norte.
(Imagem: Footy Fair)
● FICHA TÉCNICA:
PORTUGAL 3 x 1 BRASIL
Data: 19/07/1966
Horário: 19h30 locais
Estádio: Goodison Park
Público: 58.479
Cidade: Liverpool (Inglaterra)
Árbitro: George McCabe (Inglaterra)
PORTUGAL (4-2-4):
BRASIL (4-2-4):
3José Pereira (G)
12 Manga (G)
17 João Morais
3 Fidélis
20 Alexandre Baptista
5Brito
4Vicente
7 Orlando (C)
9 Hilário
9Rildo
16 Jaime Graça
13 Denílson
10 Mário Coluna (C)
14 Lima
12 José Augusto
17 Jairzinho
13 Eusébio
19 Silva Batuta
18 José Torres
10 Pelé
11 António Simões
21 Paraná
Técnico: Otto Glória
Técnico: Vicente Feola
SUPLENTES:
1Américo (G)
1Gylmar (G)
2Joaquim Carvalho (G)
2Djalma Santos
22 Alberto Festa
4Bellini
21 José Carlos
6Altair
5Germano
8Paulo Henrique
14 Fernando Cruz
15 Zito
19 Custódio Pinto
11 Gérson
6Fernando Peres
16 Garrincha
7Ernesto Figueiredo
18 Alcindo Bugre
8João Lourenço
20 Tostão
15 Manuel Duarte
22 Edu
GOLS:
15′ António Simões (POR)
27′ Eusébio (POR)
70′ Rildo (BRA)
85′ Eusébio (POR)
*¹ “Os Magriços”
Era o apelido da seleção de Portugal que terminou a Copa do Mundo de 1966 em 3º lugar.
O apelido é baseado em Álvaro Gonçalves Coutinho, que era apelidado de “O Magriço”.
Álvaro era um cavaleiro português do século XIV que, juntamente com outros onze colegas, viajou para a Inglaterra para participar de um torneio para defender a honra de doze damas inglesas ofendidas por doze nobres, também ingleses.
Como essas damas não conseguiam encontrar cavaleiros na Inglaterra dispostos a lutar por suas respectivas honras, doze cavaleiros lusitanos partiram para essa luta, já que o povo português era conhecido em toda a Europa por serem defensores a honra.
A história é famosa e contada por Luís de Camões no canto VI de seu livro “Os Lusíadas”, mas é de veracidade duvidosa.
Antes da partida, a Bolívia tentou ganhar a simpatia e o apoio da torcida uruguaia. Cada jogador trazia uma letra gigante costurada na camisa e quando fizessem a formação do time para a clássica foto antes do jogo, seria escrita a frase “Viva Uruguay”. A ideia era que os quatro atletas agachados formassem a palavra “VIVA” e os sete dispostos em pé formassem “URUGUAY”.
Todavia, no momento de entrar em campo, um dos três que portavam a letra “U” teve uma indisposição gástrica e ficou um tempo a mais no vestiário.
Mesmo assim a foto foi tirada, mostrando seis bolivianos em pé e a palavra “URUGAY“. Na época, foi um fato pitoresco. Se fosse atualmente, talvez aquele “gay” resultasse em um incidente diplomático.
Pouco depois foi feita a fotografia com a formação completa.
Nos anos 1930, todas as equipes atuavam no ofensivo sistema “clássico” ou “pirâmide”, o 2-3-5.
● Apesar da gafe, a Bolívia começou bem a partida, resistindo à qualidade do ataque da Iugoslávia. Mas, no final do primeiro tempo, com a partida ainda empatada sem gols, o ponta direita Gumersindo Gómez, o melhor do time, fraturou a perna direita.
Jogando toda a segunda etapa com dez, os sul-americanos foram massacrados. Além de sofrerem quatro gols, ainda viram a bola bater quatro vezes em suas traves.
Aos 15 minutos, Ivan Bek fez o primeiro. Aos 20′, Blagoje Marjanović ampliou. Dois minutos depois, Bek fez seu segundo no jogo e o terceiro dos europeus. O placar foi fechado a cinco minutos do fim, com gol de Đorđe Vujadinović.
Curiosamente, o técnico da seleção boliviana, Ulises Saucedo (que era treinador na Inglaterra) também trabalhou árbitro na Copa. Ele apitou Argentina 6 x 3 México. Outro técnico, Constantin “Costel”, da Romênia, foi bandeirinha na mesma partida e também no jogo entre Argentina 1 x 0 França.