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… 23/06/1954 – Alemanha Ocidental 7 x 2 Turquia

Três pontos sobre…
… 23/06/1954 – Alemanha Ocidental 7 x 2 Turquia


Seleção alemã que entrou em campo para o jogo extra diante da Turquia. Da esquerda para a direita: Fritz Walter, Turek, Eckel, Laband, Posipal, Ottmar Walter, Klodt, Mai, Schäfer, Bauer e Morlock. (Imagem: Impromptuinc)

● A seleção alemã de futebol foi usada como uma importante arma de divulgação do governo de Adolf Hitler. Com a queda do nazismo e a derrota alemã na Segunda Guerra Mundial, em 1947 o país foi dividido em Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental, Sarre e Áustria (que voltou a ser uma nação independente). As seleções de futebol, com exceção da invadida Áustria, ficaram impedidas de disputar qualquer competição internacional até 1950. Depois do fim dessa suspensão, a Alemanha Ocidental – que herdou o histórico esportivo da Alemanha unificada – tratou de reorganizar o futebol local e voltou a disputar jogos oficiais. Mas enquanto os alemães passearam nas eliminatórias, se qualificando facilmente no Grupo 1 e deixando para trás as fracas seleções de Sarre e Noruega, a vida dos turcos foi muito mais difícil.

O Grupo 6 tinha apenas Turquia e Espanha. A Fúria era amplamente favorita, contando com veteranos que ficaram em 4º lugar no Mundial de 1950 (Agustín Gaínza, Antonio Puchades e Mariano Gonzalvo), além do craque húngaro naturalizado László Kubala.

Em Madri, os espanhóis fizeram valer o favoritismo e venceram fácil por 4 x 1. Na volta, em Istambul, a Turquia venceu por 1 x 0. Como não havia o critério de saldo de gols, foi necessária uma partida extra, que foi jogada em Roma. Houve empate por 2 x 2 no tempo normal e na prorrogação. E, como previa o regulamento na época, o vencedor foi decidido por sorteio! De olhos vendados, um menino italiano de 14 anos cujo pai trabalhava no estádio, Luigi Franco Gemma, foi o responsável por sortear o nome da Turquia. É isso mesmo: a Turquia disputou sua primeira Copa do Mundo porque teve seu nome sorteado num pote. Mas nada disso mais importava. No Mundial, todos começavam “do zero”.

O regulamento da Copa de 1954 era mesmo muito estranho. Na primeira fase, em grupos compostos por quatro seleções, haviam dois cabeças de chave que não se enfrentavam. Eles enfrentariam diretamente apenas as duas seleções teoricamente mais fracas do grupo – que também não se enfrentariam. Dessa forma, cada seleção faria apenas dois jogos. Se os duelos da primeira fase terminassem empatados, seria jogada uma prorrogação; mas, caso essa prorrogação terminasse empatada, o resultado de empate seria mantido. Caso duas equipes terminassem empatadas em pontos no segundo lugar do grupo, a vaga seria decidida em um jogo extra entre ambos. E foi o que aconteceu: Alemanha Ocidental e Turquia terminaram iguais, com dois pontos (uma vitória e uma derrota).


Seleção turca que foi a campo na partida desempate contra a Alemanha Ocidental. (Imagem: Impromptuinc)

● Seis dias antes, essas mesmas seleções haviam jogado para 39 mil pessoas no estádio Wankdorf, em Berna. A Alemanha Ocidental venceu com propriedade por 4 a 1, com gols de Schäfer, Klodt, Ottmar Walter e Morlock.

Mesmo com a boa vitória na estreia, o técnico alemão Sepp Herberger seguia criticado pela imprensa alemã. E a reprovação foi ainda maior quando seu time perdeu por 8 x 3 para a poderosa Hungria. O que quase ninguém sabia é que a derrota fazia parte dos planos de Herberger – uma verdadeira raposa. Ele havia entendido muito bem o regulamento.

Prevendo uma derrota para os magiares [na verdade, todos previam], ele poupou seis titulares para o jogo desempate, novamente contra a Turquia. E, pior, deixou os húngaros sem saber como realmente jogava o time principal da Nationalelf. Melhor que isso, só a terrível lesão que Liebrich causou no húngaro Ferenc Puskás, praticamente tirando o craque do restante da Copa.


(Imagem: Impromptuinc)

● Em sua segunda partida, a Turquia encarou com seriedade os amadores da Coreia do Sul e venceu por 7 x 0.

Para o jogo desempate diante dos alemães, os dirigentes turcos convidaram o garoto talismã – Luigi Franco Gemma – para ir a Zurique. Mas dessa vez ele não conseguiu trazer a sorte necessária.

Em uma tentativa de surpreender os alemães, o técnico italiano Sandro Puppo fez várias alterações na equipe da Turquia, principalmente no ataque. O trio de frente (Suat, Feridun e Burhan) havia atuado bem nas eliminatórias e no jogo diante da Coreia do Sul, mas, embora tivessem mais técnica, tinha menos força física para encarar os gigantes zagueiros alemães – como o primeiro jogo entre ambos já havia mostrado.

Suat e Burhan eram os artilheiros da equipe na Copa com três gols cada. Sem poder de fogo, “Ay-Yıldızlılar” (“Estrelas da Lua”, em turco – apelido da seleção) foi presa fácil para os alemães.

Outra das principais alterações foi a troca dos goleiros. Saiu Turgay para a entrada de Şükrü.


As duas equipes jogavam no sistema tático W-M.

● Por ter vencido o primeiro duelo entre as duas seleções, Die Mannschaft era amplamente favorita. Vários titulares, que haviam ficado de fora contra os húngaros, estavam de volta ao time. Em compensação, foram poupados os zagueiros Werner Liebrich e Werner Kohlmeyer, além do ponta direita Helmut Rahn.

Mas o jogo foi mais fácil que o previsto. A Alemanha Ocidental começou a partida de forma avassaladora, pressionando muito a inexperiente seleção turca. E foi enfileirando gols com relativa facilidade.

O placar foi aberto logo aos sete minutos do primeiro tempo. Em uma transição rápida desde o círculo central, Horst Eckel passou na meia esquerda para Karl Mai, que abriu na esquerda para Hans Schäfer. O ponta foi até a linha de fundo e cruzou rasteiro. Ottmar Walter veio de frente, finalizou da marca do pênalti e mandou a bola para o fundo da rede.

Cinco minutos depois, Schäfer avançou pela esquerda sem marcação, invadiu a área e bateu para o gol, fazendo 2 a 0 para os alemães.

A Turquia manteve a esperança aos 17′. Após cruzamento de Coşkun da esquerda, Mustafa subiu sozinho e cabeceou no canto esquerdo do goleiro Toni Turek. Ele chegou a tocar na bola, mas não evitou o gol.

A Alemanha nem se incomodou e seguiu atacando. Eckel apareceu quase na pequena área e chutou. Şükrü defendeu bem e Rıdvan chutou para longe para afastar o perigo.

A situação dos turcos ficou muito mais complicada com a lesão no ombro do goleiro Şükrü, quando o placar estava em 2 x 1 para a Alemanha. Como não eram permitidas substituições na época, teve que continuar jogando.

E o 3 a 1 veio aos 31 minutos. Max Morlock aproveitou falha de Rober e finalizou de dentro da área, na saída do goleiro.


(Imagem: Impromptuinc)

No segundo tempo, a Alemanha não se deu por satisfeita. O instinto sanguinário fazia a “Die Adler” (“As Águias”, em alemão) querer trucidar o adversário.

Sem correr riscos na defesa e sem sofrer resistência no ataque, os alemães marcaram novamente aos 15′, quando Morlock anotou seu segundo tento na partida. Depois de um cruzamento rasteiro de Schäfer na esquerda, ele deu um carrinho quase em cima da linha e mandou para o gol. 4 a 1. Esse foi o gol de número 400 da história das Copas.

O quinto saiu segundos depois. Ottmar Walter rolou da esquerda e seu irmão Fritz Walter bateu da entrada da área no cantinho direito, sem chances para o combalido Şükrü.

Max Morlock chegou ao “hat trick” aos 32. Bernhard Klodt protegeu na área e rolou para trás. Morlock dominou e bateu da meia lua, no ângulo direito do goleiro turco.

O sétimo gol alemão foi marcado por Schäfer apenas dois minutos depois, completando um cruzamento de Fritz Walter.

A Turquia teve uma pequena alegria ao marcar o segundo, a seis minutos do fim. Após cruzamento da esquerda, Lefter dominou e bateu por baixo de Turek.

Final: Alemanha Ocidental 7, Turquia 2.


(Imagem: Impromptuinc)

● O presidente honorário da FIFA, Jules Rimet (que já dava nome à taça de campeão do mundo), foi assistir a essa partida. Na sua chegada, ele não teve entrada autorizada no estádio Hardturm, pois não estava portando seus documentos. Com paciência, ele explicou que seus documentos haviam ficado no hotel. Ele só teve sua entrada permitida quando um diretor da organização local o reconheceu e liberou seu ingresso.

Curiosamente, a Copa do Mundo de 1954 foi a primeira em que os jogadores atuaram com numeração fixa. Cada atleta tinha seu próprio número para ser usado na camisa durante todo o torneio, de 1 a 22.

No fim, a estratégia de Herberger acabou dando certo. Com a nova vitória diante dos turcos, a Alemanha se classificou para as quartas de final, onde venceu a Iugoslávia por 2 x 0. Nas semifinais, goleou a vizinha Áustria por 6 x 1. Na decisão, enfim Herberger escalou seu melhor time e venceu a Hungria de virada por 3 x 2, com a Alemanha conquistando o primeiro dos seus quatro títulos em Copas do Mundo. E esse primeiro troféu muito se deve à astúcia do técnico Sepp Herberger.


(Imagem: Impromptuinc)

FICHA TÉCNICA:

 

ALEMANHA OCIDENTAL 7 X 2 TURQUIA

 

Data: 23/06/1954

Horário: 18h00 locais

Estádio: Hardturm

Público: 17.000

Cidade: Zurique (Suíça)

Árbitro: Raymond Vincenti (França)

 

ALEMANHA (WM):

TURQUIA (WM):

1  Toni Turek (G)

12 Şükrü Ersoy (G)

2  Fritz Laband

2  Rıdvan Bolatlı

7  Josef Posipal

3  Basri Dirimlili

4  Hans Bauer

17 Naci Erdem

6  Horst Eckel

5  Çetin Zeybek

8  Karl Mai

6  Rober Eryol

14 Bernhard Klodt

7  Erol Keskin

13 Max Morlock

4  Mustafa Ertan

15 Ottmar Walter

d 20 Necmi Onarıcı

16 Fritz Walter (C)

11 Lefter Küçükandonyadis (C)

20 Hans Schäfer

22 Coşkun Taş

 

Técnico: Sepp Herberger

Técnico: Sandro Puppo

 

SUPLENTES:

 

 

22 Heinz Kwiatkowski (G)

1  Turgay Şeren (G)

21 Heinz Kubsch (G)

13 Bülent Eken

10 Werner Liebrich

14 Ali Beratlıgil

3  Werner Kohlmeyer

16 Nedim Günar

5  Herbert Erhardt

18 Akgün Kaçmaz

11 Karl-Heinz Metzner

19 Ahmet Berman

19 Alfred Pfaff

15 Mehmet Dinçer

12 Helmut Rahn

1 Kadri Aytaç

17 Richard Herrmann

8  Suat Mamat

18 Ulrich Biesinger

9  Feridun Buğeker

9  Paul Mebus

10 Burhan Sargun

 

GOLS:

7′ Ottmar Walter (ALE)

12′ Hans Schäfer (ALE)

17′ Mustafa Ertan (TUR)

31′ Max Morlock (ALE)

60′ Max Morlock (ALE)

62′ Fritz Walter (ALE)

77′ Max Morlock (ALE)

79′ Hans Schäfer (ALE)

84′ Lefter Küçükandonyadis (TUR)

 Gols da partida:

… 30/06/1954 – Hungria 4 x 2 Uruguai

Três pontos sobre…
… 30/06/1954 – Hungria 4 x 2 Uruguai


(Imagem: The Guardian)

● Considerada uma das maiores partidas da história do futebol, era o duelo entre os dois principais favoritos ao título.

O Uruguai era a única seleção sul-americana entre os quatro semifinalistas. Era o então campeão mundial após o “Maracanazzo” de 1950 e nunca havia perdido uma partida de Copa do Mundo. A Celeste mantinha seus principais expoentes de 1950. A ausência mais sentida era Alcides Ghiggia, que não foi liberado pelo seu clube, a Roma. Na fase de grupos, venceu a Tchecoslováquia por 2 x 0 e a Escócia por 7 x 0. Na sequência, bateu a Inglaterra por 4 x 2 nas quartas de final.

A Hungria chegava mais forte ainda, campeã olímpica em 1952 e ostentando quatro anos de invencibilidade. Nos últimos 27 jogos, tinha vencido 23 e empatado quatro. Na primeira fase, os húngaros massacraram os adversários. Foram duas goleadas: 9 x 0 sobre a Coreia do Sul e 8 x 3 em cima da Alemanha Ocidental. Nas quartas de final, venceu o Brasil por 4 x 2 na “Batalha de Berna”. Em relação ao Uruguai, a Hungria vinha de um confronto mais difícil e ainda teve um dia a menos de descanso.

Por lesão, ambas equipes estavam desfalcadas de seus capitães e maiores estrelas. Os húngaros não tinha Ferenc Puskás (lesionado desde a primeira fase) e os celestes não podiam contar com o lendário Obdulio Varela (que se machucou contra os ingleses).

O time húngaro tinha ainda duas mudanças em relação ao jogo anterior. László Budai jogou na ponta direita no lugar do contundido József Tóth. Péter Palotás entrou na meia esquerda no lugar de Mihály Tóth.


A Hungria jogou em seu incipiente 4-2-4, com o recuo do centroavante Hidegkuti para armar o jogo e o consequente recuo de Zakariás para a linha defensiva. Palotás jogou na função de Puskás.


O Uruguai atuou no sistema WM adaptado, com um homem na sobra (Martínez) no sistema defensivo.

● Essa semifinal era vista por muitos como a final antecipada da Copa e correspondeu às expectativas com gols e alta qualidade técnica. Mesmo sob forte chuva, os 45 mil expectadores que estiveram no Estádio Olímpico de la Pontaise, em Lausanne, ficaram extasiados com a partida que assistiram.

Como de costume, a Hungria começou o jogo com agressividade no ataque e abriu o placar aos treze minutos. Nándor Hidegkuti ergueu a bola para a entrada da área, Sándor Kocsis desviou de cabeça e Zoltán Czibor a deixou quicar para emendar o voleio rasteiro de canhota, no canto esquerdo do goleiro uruguaio.

Os danubianos seguiam no ataque, mas a defesa rioplatense segurava firme. Em bola jogada para a área, a defesa celeste cortou mal. Czibor recolheu a bola, foi até a linha de fundo, cortou para dentro e cruzou de direita. Kocsis cabeceou forte e no alto, mas Roque Máspoli defendeu à queima roupa.

Essa foi a única partida em que os húngaros não abriram dois gols de vantagem nos vinte primeiros minutos.

A partida se apresentou com um duelo tático interessante. Parte do sucesso dos húngaros foi por causa do recuo do seu centroavante para armar as jogadas de ataque pelo meio (Nándor Hidegkuti ou Péter Palotás), deixando as defesas adversárias sem um homem de referência e abrindo espaço para a infiltração dos meias. Mas nessa partida, o técnico uruguaio Juan López Fontana destacou Néstor Carballo para a marcação individual sobre Hidegkuti. Os húngaros não estavam acostumados com isso e tiveram um pouco de dificuldades. Até que o treinador magiar Gusztáv Sebes contra-arquitetasse orientando para Zoltán Czibor para se movimentar no espaço aberto pela saída de Carballo.

O segundo gol só saiu no primeiro minuto do segundo tempo, László Budai cruzou da direita à meia altura para a segunda trave e Hidegkuti mandou para as redes de peixinho.

Com dois gols de vantagem no placar, a peleja parecia resolvida. Mas do outro lado tinha o bravo Uruguai.


(Imagem: Pinterest)

Aos trinta minutos da etapa final, Juan Alberto Schiaffino fez um lançamento para Juan Hohberg na meia-lua. Sem marcação, ele invadiu a área e chutou rasteiro no canto esquerdo do goleiro.

A Celeste Olímpica cresceu e a Hungria sentiu o golpe.

A quatro minutos do fim, Hohberg aproveitou confusão na área adversária, ganhou uma dividida com o goleiro Grosics e, mesmo caindo, anotou seu segundo tento na partida, igualando o placar.

Curiosamente, Juan Hohberg era nascido na Argentina. Ele esteve lesionado durante a fase de grupos e só foi estrear justamente nessa partida. No lance do gol de empate uruguaio, ele caiu desacordado. Depois soube-se que ele teve uma parada cardíaca ali mesmo, ficando alguns segundos morto. O médico uruguaio, Carlos Abate, deu duas doses de coramina ao jogador, além de fazer massagem cardíaca para reanimá-lo. O Uruguai voltou a campo com dez jogadores para a disputa do tempo extra, mas pouco depois, mesmo desaconselhado pelos médicos, Hohberg voltou a campo.

A partida mudou totalmente na prorrogação, com os uruguaios mais perto da vitória. Logo no primeiro lance, Schiaffino bateu cruzado, Grosics deslizou pela grama molhada e a bola carimbou a trave direita.

Mas prevaleceu o melhor preparo físico e os mágicos magiares reapoderam de forma fatal na segunda parte do tempo extra.

Aos 6′, após cruzamento de Budai para a área, Kocsis ganhou no alto de José Santamaría e cabeceou no canto esquerdo de Máspoli.

Aos 11, jogada muito semelhante. József Bozsik cruzou para a área, Kocsis ganhou no alto e cabeceou no canto direito do goleiro uruguaio, garantindo a passagem dos europeus à decisão.

Placar final: 4 a 2. E a Hungria chegaria mais favorita que nunca para a final da Copa.


(Imagem: Pinterest)

● Em 1960, apenas seis anos depois, a revista inglesa World Soccer chamou a partida de “o maior jogo de futebol de todos os tempos”.

Essa derrota uruguaia foi a primeira do país na história das Copas do Mundo. A Celeste Olímpica foi campeã em 1930 e não disputou os Mundiais de 1934 e 1938. Voltou em 1950 e novamente conquistou o título. O Uruguai também conquistou a medalha de ouro no futebol nos Jogos Olímpicos de 1924 e 1928. Assim, no total, entre 1924 e 1954, entre Olimpíadas e Copas do Mundo, o Uruguai teve uma fantástica série de 21 partidas invictas.

Ao fim da partida, o capitão uruguaio, William Martínez, foi cordialmente ao vestiário da Hungria para cumprimentar os vencedores. Os húngaros mostraram respeito e reverência aos uruguaios, ao contrário do sentimento nutrido em relação aos brasileiros, eliminados três dias antes. Para Kocsis, o Brasil era um time covarde. “Nós éramos melhores e ganharíamos quantas vezes precisássemos”, disse o atacante magiar.

“Nunca vi um desempenho tão notável entre duas equipes jogando no seu nível mais alto. Ambas as equipes foram excelentes. Eu instruí a Hungria a colocar a bola no chão e fazê-la correr o tempo todo. Estávamos conscientes de que a equipe uruguaia não conseguia acompanhar o ritmo que ditava no período final do jogo, e nossa suposição acabou sendo verdadeira na prorrogação.” ― Gusztáv Sebes

“Nunca vi o time húngaro jogando com tanta dedicação, mantendo seus padrões de futebol por tanto tempo, até mesmo na prorrogação.” ― Walter Winterbottom, técnico da seleção inglesa

“O jogo foi especialmente notável, pois os uruguaios jogam o mesmo futebol que nós. Nós apenas jogamos um pouco melhor.”József Bozsik

“O Uruguai foi o melhor time que a Hungria enfrentou em todos os tempos.” ― Gyula Mándi, treinador de campo e assistente de Gusztáv Sebes

“É seguro dizer que o time uruguaio é o melhor que enfrentamos até agora.” ― Gyula Grosics

“Com os húngaros perdemos por 4 a 2 e me tocou converter os dois gols uruguaios. A Hungria foi a melhor equipe que vi em minha vida. Era uma máquina infernal.” ― Juan Hohberg

“A Hungria é o maior time que eu já joguei contra. Sua qualidade é fascinante.” ― Víctor Rodríguez Andrade

“O time uruguaio joga de maneira diferente do Brasil. Eles colocam mais ênfase no trabalho em equipe. Individualmente eles não são tão brilhantes quanto os brasileiros. Mas o Uruguai é mais perigoso por causa de seu trabalho em equipe disciplinado e de seus esforços coletivos. Além disso, os jogadores têm excelente controle de bola e são capazes de boas combinações e lideraram alguns ataques maravilhosos. Víctor Rodríguez Andrade e Juan Alberto Schiaffino são seus melhores jogadores – o último é simplesmente impossível de desarmar. Deve ser notado que a marcação deles era às vezes frouxa e os defensores davam muito espaço para os nossos atacantes (especialmente William Martínez contra László Budai), que poderiam ter a bola relativamente desmarcada, e depois virá-la a seu favor.” (Parte da crônica do jornal húngaro Nemzeti Sport sobre a partida)

Na decisão do 3º lugar, o Uruguai não jogou bem e perdeu para a Áustria por 3 x 1. A Hungria enfrentou novamente a Alemanha Ocidental na final e perdeu de virada por 3 x 2.


(Imagem: Liga Retro)

FICHA TÉCNICA:

 

HUNGRIA 4 x 2 URUGUAI

 

Data: 30/06/1954

Horário: 18h00 locais

Estádio: Stade Olympique de la Pontaise

Público: 45.000

Cidade: Lausanne (Suíça)

Árbitro: Benjamin Griffiths (País de Gales)

 

HUNGRIA (4-2-4):

URUGUAI (WM):

1  Gyula Grosics (G)

1  Roque Máspoli (G)

2  Jenő Buzánszky

2  José Santamaría

3  Gyula Lóránt

3  William Martínez (C)

4  Mihály Lantos

4  Víctor Rodríguez Andrade

5  József Bozsik (C)

16 Néstor Carballo

6  József Zakariás

17 Luis Cruz

16 László Budai

18 Rafael Souto

8  Sándor Kocsis

19 Javier Ambrois

9  Nándor Hidegkuti

8  Juan Hohberg

19 Péter Palotás

10 Juan Alberto Schiaffino

11 Zoltán Czibor

11 Carlos Borges

 

Técnico: Gusztáv Sebes

Técnico: Juan López Fontana

 

SUPLENTES:

 

 

21 Sándor Gellér (G)

12 Julio Maceiras (G)

22 Géza Gulyás (G)

13 Mirto Davoine

12 Béla Kárpáti

14 Eusebio Tejera

13 Pál Várhidi

15 Urbano Rivera

14 Imre Kovács

5  Obdulio Varela

15 Ferenc Szojka

6  Roberto Leopardi

7  József Tóth

7  Julio Abbadie

17 Ferenc Machos

20 Omar Méndez

18 Lajos Csordás

9  Óscar Míguez

20 Mihály Tóth

21 Julio Pérez

10 Ferenc Puskás

22 Luis Ernesto Castro

 

GOLS:

13′ Zoltán Czibor (HUN)

46′ Nándor Hidegkuti (HUN)

75′ Juan Hohberg (URU)

86′ Juan Hohberg (URU)

111′ Sándor Kocsis (HUN)

116′ Sándor Kocsis (HUN)

Gols do jogo:

Compacto estendido da partida:

 

… 20/06/1954 – Hungria 8 x 3 Alemanha Ocidental

Três pontos sobre…
… 20/06/1954 – Hungria 8 x 3 Alemanha Ocidental


(Imagem: Sport Illustrated)

● É impossível falar na evolução tática do futebol sem falar na seleção da Hungria da década de 1950.

Com o completo estabelecimento do WM em praticamente todas as equipes do mundo, o centroavante ficava muito sobrecarregado, sendo o principal responsável pelo embate físico com o zagueiro central (o antigo centromédio). Mas o estilo de jogo dos países da Europa Central (como Hungria, Áustria e Tchecoslováquia) era de centroavantes rápidos e dribladores. Estes agora não tinham mais chances contra os fortes zagueiros centrais.

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Assim, a primeira coisa a fazer era moldar novos “camisas 9” mais pesados e fortes. Mas em 1948, Márton Bukovi, técnico do MTK (ou Vörös Lobogó, nome adotado após a nacionalização do time em 1949), não aceitou essa hipótese. Se ele não tinha um jogador com o perfil da posição, em vez de insistir em atletas inadequados, preferiu acabar com a função do centroavante em seu time. Inverteu o “W” do WM, desenvolvendo uma espécie de “MM“.

Gradualmente, à medida que o centroavante recuava mais e mais para se tornar um meio campista armador, os dois pontas foram avançando, de modo a criar uma linha de quatro atacantes. Com esse novo jogador no meio, sua posição acabava chocando com os outros dois meias. Assim, um deles inevitavelmente acabava recuando, passando a jogar praticamente na linha de defesa, enquanto o outro continuava posicionado no meio.

O primeiro jogador da “nova posição” foi Péter Palotás, um jogador muito inteligente. Mas logo essa função passou a ser ocupada por Nándor Hidegkuti, um jogador completo, verdadeiro craque, que se adaptou à posição apesar de seus mais de 30 anos de idade.

Dessa forma, os adversários da Hungria não sabiam como agir. Se o zagueiro central seguisse o centroavante recuado, ele deixaria um buraco no meio de sua defesa. Se não o seguisse, ele jogaria livre, leve e solto, conduzindo o jogo como quisesse.


A Hungria jogou em seu incipiente 4-2-4, com o recuo do centroavante Hidegkuti para armar o jogo e o consequente recuo de Zakariás para a linha defensiva.


A Alemanha Ocidental atuava no sistema WM. Nesta partida, com time misto e mais recuado, Eckel (que era meia defensivo) jogou como meia ofensivo. Posipal (que era zagueiro) jogou na primeira linha de meio.

● Foi dessa forma que a Hungria encantou o mundo, ficando invicta entre 1950 e 1954, com 31 partidas (27 vitórias e 4 empates, além de conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952. Mas outros dois jogos se destacaram. O primeiro foi em 25/11/1953, quando venceu a prepotente Inglaterra por 6 a 3 em pleno estádio Wembley. Foi a primeira derrota inglesa em casa para seleções não-britânicas  em toda a história. Na revanche, em Budapeste, já em preparação para a Copa de 1954, os magiares aplicaram nova goleada nos “inventores do futebol”, com inapeláveis 7 a 1.

E foi com essa aura de imbatível que a Hungria foi a primeira seleção a desembarcar na Suíça, para se acostumar com o clima. Estreou na Copa do Mundo enfiando 9 a 0 na ingênua Coreia do Sul. Durante essa partida, a Hungria não fez nenhuma falta e a Coreia apenas cinco. Fato único, o de haver menos faltas do que gols. Três dias depois, enfrentaria a Alemanha Ocidental, que tinha batido a Turquia por 4 a 1.

Do lado alemão, mesmo com a vitória na estreia, o técnico Sepp Herberger continuava criticado pela imprensa alemã. E a reprovação foi ainda maior ao ver a escalação de sua equipe para enfrentar a poderosa Hungria. Seu time estava sem seis titulares: o goleiro Turek, o meia Mai e os atacantes Klodt, Morlock, Ottmar Walter e Schäfer. Além disso, Posipal e Eckel atuaram fora de suas posições. O que ninguém sabia é que essa escalação era parte dos planos de Herberger. Ele havia entendido muito bem o regulamento. Prevendo uma derrota para os magiares [na verdade, todos previam], ele poupou vários titulares para o jogo desempate, novamente contra a Turquia.


(Imagem: Pinterest)

● Contra o time misto da Alemanha, a Hungria fez o de sempre: abriu dois gols de diferença em menos de 20 minutos e foi empilhando gols com o passar do tempo. Parecia mais um amistoso ou um jogo treino. Os alemães demonstraram pouca resistência.

Logo aos três minutos, escanteio cobrado para a pequena área alemã. O goleiro Kwiatkowski cortou mal pelo alto e Kocsis pegou de primeira, acertando o ângulo direito.

Aos 17, Puskás avança, entrou na área pelo lado direito do ataque e tocou por baixo de Kwiatkowski.

Ainda aos 21, Puskás driblou um adversário e serviu Kocsis. Da marca do pênalti, o artilheiro finaliza de primeira, no contrapé do goleiro.

A Alemanha diminuiu aos 25 minutos do primeiro tempo. Pfaff recebeu dentro da área e tocou à esquerda de Grosics.

A Hungria voltou com tudo no segundo tempo. Aos cinco minutos, Puskás chutou, a bola rebateu na defesa alemã e sobrou para Hidegkuti, que chutou por baixo do goleiro.

Quatro minutos depois, de novo Hidegkuti. Ele recebeu na área, driblou Kohlmeyer e tocou no canto esquerdo de Kwiatkowski.

Aos 15 do segundo tempo, aconteceu um lance que mudaria a história da Copa. O zagueiro Werner Liebrich acertou Ferenc Puskás por trás e lesionou seriamente seu tornozelo esquerdo. O craque teve que ser retirado de campo e a Hungria ficou com dez homens em campo. Era a terceira tentativa de agressão sem bola de Liebrich em Puskás. A conivente arbitragem do inglês William Ling permitiu a “caçada” a Puskás.

Mas a Hungria não parava. Aos 22, Kocsis avançou absolutamente livre, entrou na área e tocou no canto direito. 6 a 1.

Aos 28 minutos, József Tóth arrancou pela direita e, mesmo marcado por Liebrich, chutou no ângulo esquerdo.

O segundo gol alemão veio aos 32, quando Helmut Rahn recebeu pela ponta direita. Grosics saiu como um louco e foi driblado por Rahn, perto da linha de fundo. Rahn ainda passou por Lantos e bateu por cobertura, fazendo um lindo gol e demonstrando toda sua qualidade.

No minuto seguinte, Kocsis desviou um cruzamento e a bola passou por baixo do goleiro.

O placar foi alterado pela última vez aos 36 minutos da segunda etapa. Lançamento para a área da Hungria. A bola passa por Grosics e Herrmann só complemente para o gol vazio.


(Imagem: Pinterest)

● Resultado final: o massacre de 8 a 3 da Hungria sobre a Alemanha só não foi maior do que a ausência do contundido capitão magiar Ferenc Puskás nas partidas seguintes. Muito provavelmente, ele estaria fora do restante da Copa.

No fim, a estratégia de Sepp Herberger deu certo. No jogo desempate, a Alemanha Ocidental goleou a Turquia por 7 a 2 e se classificou para as quartas de final, seguindo firme na disputa da Copa do Mundo.

Além da variação no sistema tático, outro fator de grande destaque na equipe húngara era a preparação física. Pouco antes das partidas, os jogadores faziam aquecimento, o que era inédito na época. Enquanto o oponente ainda estava frio, a Hungria começava seus jogos de forma arrasadora. Dos cinco jogos que disputou na Copa, em quatro os magiares abriram dois gols de vantagem nos primeiros vinte minutos (a exceção foi a semifinal contra o Uruguai, na qual marcou apenas um gol no início).

FICHA TÉCNICA:

 

HUNGRIA 8 x 3 ALEMANHA OCIDENTAL

 

Data: 20/06/1954

Horário: 16h50 locais

Estádio: St. Jakob

Público: 56.000

Cidade: Basileia (Suíça)

Árbitro: William Ling (Inglaterra)

 

HUNGRIA (4-2-4):

ALEMANHA (WM):

1  Gyula Grosics (G)

22 Heinz Kwiatkowski (G)

2  Jenő Buzánszky

4  Hans Bauer

3  Gyula Lóránt

10 Werner Liebrich

4  Mihály Lantos

3 Werner Kohlmeyer

5  József Bozsik

7  Josef Posipal

6  József Zakariás

9  Paul Mebus

7  József Tóth

12 Helmut Rahn

8  Sándor Kocsis

6  Horst Eckel

9  Nándor Hidegkuti

19 Alfred Pfaff

10 Ferenc Puskás (C)

16 Fritz Walter (C)

11 Zoltán Czibor

17 Richard Herrmann

 

Técnico: Gusztáv Sebes

Técnico: Sepp Herberger

 

SUPLENTES:

 

 

21 Sándor Gellér (G)

1  Toni Turek (G)

22 Géza Gulyás (G)

21 Heinz Kubsch (G)

12 Béla Kárpáti

5  Herbert Erhardt

13 Pál Várhidi

2  Fritz Laband

14 Imre Kovács

11 Karl-Heinz Metzner

15 Ferenc Szojka

8  Karl Mai

16 László Budai

14 Bernhard Klodt

17 Ferenc Machos

18 Ulrich Biesinger

18 Lajos Csordás

13 Max Morlock

19 Péter Palotás

15 Ottmar Walter

20 Mihály Tóth

20 Hans Schäfer

 

GOLS:

3′ Sándor Kocsis (HUN)

17′ Ferenc Puskás (HUN)

21′ Sándor Kocsis (HUN)

25′ Alfred Pfaff (ALE)

50′ Nándor Hidegkuti (HUN)

54′ Nándor Hidegkuti (HUN)

67′ Sándor Kocsis (HUN)

73′ József Tóth (HUN)

77′ Helmut Rahn (ALE)

78′ Sándor Kocsis (HUN)

81′ Richard Herrmann (ALE)

Lances da partida:

… Castilho: sua sorte não foi o suficiente

Três pontos sobre…
… Castilho: sua sorte não foi o suficiente


(Imagens localizadas no Google)

● Carlos José Castilho nasceu em 27/11/1927, no Rio de Janeiro, então capital federal. Iniciou a carreira como atacante no Tupã Futebol Clube, de Brás de Pina, subúrbio do Rio. Certa vez, o goleiro titular não apareceu para uma partida e Castilho atuou em seu lugar, mas sem se fixar na posição. Com 17 anos, em 1944, foi levado aos juvenis do Olaria por Menezes, pai de Ademir de Menezes, craque do Vasco na época. Fez seus primeiros treinos como ponta esquerda, mas pediu ao treinador para ser testado no gol. Assim ficou por dois anos, sem nunca atuar em nenhuma partida, nem entre os aspirantes.

Em 1946, quando o técnico Gentil Cardoso pediu Ademir para o Flu, seu pai, que o representava, mais uma vez levou Castilho e o apresentou a Gentil. O goleiro fez testes no tricolor carioca e foi aprovado pelo ranzinza Gentil. Com apenas 19 anos, Castilho assinou com os aspirantes do Flu, recebendo três mil cruzeiros de luvas e um salário mensal de 800 cruzeiros. Estreou em 06/10/1946, em um amistoso na cidade mineira de Pouso Alegre, contra o Fluminense local. o time carioca venceu por 4 a 0, com Castilho defendendo seu primeiro pênalti na carreira. A partir de 1947 se tornou titular da equipe principal.

Entrou para a história como um goleiro “milagreiro”, com defesas consideradas quase impossíveis. Além de bom posicionamento e reflexo, se tornou mais lendário por sua inesgotável sorte. Em um Fla x Flu que seu time venceu por 1 a 0, chegou a levar cinco bolas na trave, além de defender um pênalti. Passou a ser chamado pela imprensa carioca de “Leiteria”, que significava “homem de sorte”, na época. O apelido tinha relação não só com a infância de Castilho, quando ele foi entregador de leite, mas também à fama alcançada por um leiteiro do bairro das Laranjeiras, que por duas vezes teve seu bilhete premiado pela Loteria Federal. Então, no Rio dos anos 1950, “leiteiro” se tornou sinônimo de “sujeito de sorte”. Os torcedores do Flu o chamavam de “São Castilho”. Foi o primeiro goleiro “canonizado” pelos torcedores, devido aos milgres debaixo das traves.

Vestiu o manto tricolor de 1946 a 1965. É o recordista de atuações pelo Fluminense, com 698 partidas. Sofreu 764 gols (incrível média de 1,09) e saiu invicto em 255 partidas. Estreou contra o Fluminense de Pouso Alegre (MG) pelo time de aspirantes. Se firmou como titular em 1948. É considerado o melhor goleiro do clube em todos os tempos. Tinha 1,81 m e 75 kg, padrão baixo atualmente, mas bom para a época. Se destacava também em defesas de pênaltis (só em 1952 defendeu 6). Foi o pioneiro em se posicionar com os braços abertos no momento em que o adversário se prepara para a cobrança; ele percebeu que esse ato aumentava seu tamanho diante do cobrador.

Castilho observou também que as cores das camisas dos goleiros da época facilitavam a vida dos artilheiros, pois as cores escuras que vestiam servia de ponto de referência para os adversários: eles podiam entrar na área com a bola dominada, que com o canto do olho já sabiam onde estava o goleiro. Assim, ele passou a vestir uniformes de cores mais neutras, como cinza claro, para que se camuflasse com as cores das arquibancadas ou com as redes dos gols. Era daltônico e enxergava as cores trocadas. Da mesma forma que acreditava que era favorecido por ver como vermelhas as bolas amarelas, era prejudicado pelas bolas brancas a noite.

Na época, os goleiros jogavam sem luvas. Era comum eles quebrarem dedos após defesas, tendo que até mesmo encerrar suas carreiras devido a essas contusões. No Torneio Rio-São Paulo de 1953, fraturou o dedo mínimo da mão esquerda pela primeira vez, ficando fora do gol tricolor em várias oportunidades. Em 1955, teve que extrair os meniscos e passou a se revezar no gol com o parceiro Veludo; assim, nesse ano jogou apenas 19 vezes, sua pior marca, já que ficou mais de um ano sem jogar, voltando apenas em abril do ano seguinte. Em 1957, ficou novamente fora dos gramados por 45 dias após fraturar o mindinho esquerdo pela quinta vez. Avaliado pelo Dr. Newton Paes Barreto, descobriu que a lesão era proveniente de uma destruição óssea e que ele deveria passar por outros três meses de tratamento ou até mesmo parar de jogar. Como profissional, Castilho era um obcecado. Foi ao mesmo tempo um exemplo de estoicismo e uma mostra de sua loucura quando ele resolveu amputar a metade do dedo para retornar mais rápido aos jogos decisivos da temporada. Duas semanas depois da amputação, ele já havia voltado a jogar pelo Fluminense contra o Flamengo. Um gesto extremo de amor ao seu ofício.

“O fato concreto é que, no meu entendimento, meu dedo continuaria imóvel, e isso me roubava a autoconfiança. Foi quando pensei na amputação parcial. Só com ela eu me sentiria novamente confiante. Dr. Paes Barreto foi contrário à operação. Ficou então determinado que, para que houvesse a operação eu teria de assinar um termo de responsabilidade. Vivi um drama durante 48 horas. De um lado a minha convicção de que só a amputação resolveria o meu problema. No outro lado minha senhora e os médicos não concordavam. Telefonei para o Dr. Paes Barreto e fui franco. Se não houver operação não poderei mais continuar jogando, assim não confio mais em mim. No dia seguinte dei entrada na Casa de Saúde. Eram oito horas. Paes Barreto já me esperava. Antes da anestesia, ainda ouvi sua última frase: ‘Castilho, você é louco!’.” ¹*

Pelo Fluminense, ainda em 1952, venceu a Taça Rio, uma espécie de Campeonato Mundial Interclubes, que reunia os principais campeões do mundo. O Flu venceu grandes times, entre eles o Peñarol, que tinha a base da fortíssima seleção uruguaia.

Em 1965 ele já estava desgastado no clube e queria mudar de ares. A diretoria “pó-de-arroz” não permitiu que ele fosse para o Vasco, mas o liberou por empréstimo para o Paysandu. No clube paraense, foi campeão estadual e encerrou a carreira. Na comemoração dos 98 anos do Paysandu, Castilho foi eleito o melhor goleiro da história do clube, em eleição organizada por cem eleitores ilustres e coordenada pelo jornalista e historiador Ferreira da Costa.

“Não se deve parar de olhar a bola nem quando ela está nas mãos do gandula. Ela é nossa maior inimiga, e só vigiando-a o tempo todo que nós deixaremos de tomar o ‘frango do fotógrafo’, aquele que levamos por uma distração, por estarmos conversando.” – Castilho.

● Pela Seleção Brasileira, conquistou o primeiro título relevante fora do Brasil: o Campeonato Pan-Americano de 1952, em Santiago. A final contra o Uruguai foi conturbada, terminando com uma série de agressões e confusões. O Brasil minimizou a dor da derrota na final da Copa de 1950, já que boa parte do elenco uruguaio ainda era o mesmo. Disputou quatro Copas do Mundo: 1950 (reserva de Barbosa, foi vice-campeão em casa), 1954 (única como titular), 1958 e 1962 (bicampeão, na reserva de Gylmar). Esteve na Copa América em 1953 e 1959, além de vários torneios e partidas amistosas. Disputou 29 jogos e sofreu 30 gols.

Após parar, Castilho adiou o sonho de ser treinador após o nascimento de seu primeiro filho homem. Em 1967, começou a nova carreira no mesmo Paysandu, sendo campeão paraense em 1967 e 1969. Esteve no Vitória entre 1973 e 1974 e até setembro de 2009 era o técnico que mais tinha dirigido e vencido pelo clube na Série A do Campeonato Brasileiro (foi ultrapassado por Vágner Mancini). Passou pelo Sport Recife e foi para o Operário, do Mato Grosso, onde conquistou o tricampeonato estadual em 1976/77/78 e levou a equipe ao terceiro lugar da série A do Campeonato Brasileiro em 1977. Passou pelos rivais gaúchos Grêmio e Inter, até chegar ao Santos, onde conquistou o Campeonato Paulista de 1984. Em 1986, foi treinar a seleção da Arábia Saudita e participou da Copa Asiática de Seleções. Voltaria ao Brasil no ano de 1987 com o sonho de ser técnico do seu Fluminense.

Castilho cometeu suicídio em 02/02/1987, aos 59 anos, no bairro de Bonsucesso, na zona norte do Rio de Janeiro. Ele foi visitar sua ex-esposa e, inesperadamente, saiu correndo pela sala e se atirou pela janela do apartamento, que ficava no sétimo andar do prédio. Ele não deixou explicações e nem carta de despedida, mas passava por problemas particulares. Pessoas próximas a ele indicam que ele sofria de depressão pelo esquecimento do público, mas o motivo exato é desconhecido por todos, até por sua família. Uma versão é que o ex-goleiro sofria de transtorno bipolar. Outra possibilidade é alguma enfermidade incurável que pudesse ter, pois sentiu fortes dores no mês de janeiro, na Arábia Saudita, e ele não revelou o conteúdo de seu exame a ninguém. Muitos falam em crise amorosa, já que ele vivia com a segunda mulher, Evelyna, que se recusou a viajar com ele para os Emirados Árabes Unidos dias antes. Essa separação brusca pode ter ocasionado seus distúrbios emocionais.

Castilho deixou cinco netos e dois filhos, um homem (Carlos) e uma mulher (Shirley), ambos de seu primeiro casamento. Sua primeira esposa (Vilma Lopes de Castilho) está viva e reside no Rio de Janeiro. O filho de Castilho, Carlos Roberto Lopes de Castilho, é executivo da Diretoria de Empresas da Cielo, líder do setor de pagamentos eletrônicos com máquinas de cartões de crédito e débito.

Sua história foi destacada em vários livros: “Castilho – Bicampeão Mundial de Futebol”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2003); “Os goleiros do Fluminense – De Marcos de Mendonça a Fernando Henrique”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2003); “Fluminense Football Club, história, conquistas e glórias no futebol” de Antônio Carlos Napoleão (2003); “O último homem da defesa”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2005); “Goleiros: Heróis e anti-heróis da camisa 1”, de Paulo Guilherme (2006); “Os 11 maiores goleiros do futebol brasileiro”, de Luís Augusto Simon (2010). O vestiário do departamento de futebol profissional do Fluminense tem o seu nome. Em 2007, o Tricolor das Laranjeiras inaugurou um busto de Castilho na entrada da sede social do clube, como agradecimento pelos serviços prestados, muito acima do que se pode esperar de um jogador profissional, pelas enormes e cegas demonstrações de amor pelo clube. Será sempre o maior ídolo dos tricolores em todos os tempos. Um dos grandes goleiros brasileiros na história.

Feitos e premiações de Castilho:

Como jogador, pela Seleção Brasileira:
– Campeão da Copa do Mundo em 1958 e 1962.
– Vice-campeão da Copa do Mundo em 1950.
– Campeão do Campeonato Pan-Americano em 1952.
– Campeão da Copa Roca em 1957.
– Campeão da Taça Bernardo O’Higgins em 1955.
– Campeão da Taça Oswaldo Cruz em 1950 e 1962.

Como jogador, pelo Fluminense:
– Campeão da Copa Rio em 1952 (equivalente a um Campeonato Mundial de Clubes, na época).
– Campeão do Campeonato Carioca em 1951, 1959 e 1964.
– Campeão do Torneio Rio-São Paulo em 1957 e 1960.
– Campeão do Torneio Municipal do Rio de Janeiro em 1948.
– Campeão do Torneio Início do Campeonato Carioca em 1954 e 1956.
– Campeão Regional Taça Brasil – Zona Sul em 1960.
– Campeão do Torneio José de Paula Júnior em 1952, em Minas Gerais.
– Campeão da Copa das Municipalidades do Paraná em 1953.
– Campeão da Taça Casa Nemo em 1949.
– Campeão da Taça Embajada de Brasil em 1950, no Peru (Sucre x Fluminense).
– Campeão da Taça Comite Nacional de Deportes em 1950, no Peru (Alianza Lima x Fluminense).
– Campeão da Taça General Manuel A. Odria em 1950, no Peru (Seleção de Arequipa x Fluminense).
– Campeão da Taça Adriano Ramos Pinto em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Cinquentenário do Fluminense em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Milone em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Ramon Cool J em 1960, na Costa Rica (Deportivo Saprissa x Fluminense).
– Campeão da Taça Canal Collor em 1960, no México (San Lorenzo-ARG x Fluminense).
– Campeão da Taça Embotelladora de Tampico SA em 1960, no México (Deportivo Tampico x Fluminense).
– Campeão da Taça Dínamo Moscou x Fluminense em 1963.
– Campeão da Taça Benemérito João Lira Filho em 1947 (inauguração do estádio do Olaria, entre Fluminense x Vasco).
– Campeão da Taça V.C Borba em 1947 (Atlético-PR x Fluminense).
– Campeão da Taça Folha da Tarde em 1949 (Internacional x Fluminense).
– Campeão do Troféu Prefeito Acrisio Moreira da Rocha em 1949 (Flamengo x Fluminense).
– Campeão da Taça Secretário da Viação de Obras Públicas da Bahia em 1951 (Bahia x Fluminense).
– Campeão da Taça Madalena Copello em 1951 (Flamengo x Fluminense).
– Campeão da Taça Desafio em 1954 (Fluminense x Uberaba Sport Club).
– Campeão da Taça Presidente Afonsio Dorázio em 1956 (Seleção de Araguari-MG x Fluminense).
– Campeão da Taça Vice-Presidente Adolfo Ribeiro Marques em 1957 (Combinado de Barra Mansa x Fluminense).
– Campeão da Taça Cidade do Rio de Janeiro em 1957 (Fluminense x Vasco).
– Campeão da Taça Movelaria Avenida em 1959 (Ceará x Fluminense).
– Campeão da Taça CSA x Fluminense em 1959.

Como jogador, pelo Paysandu:
– Campeão do Campeonato Paraense em 1965.

Como técnico, pelo Santos:
– Campeão do Campeonato Paulista de 1984.

Como técnico, pelo Paysandu:
– Campeão do Campeonato Paraense em 1967 e 1969.

Como técnico, pelo Operário:
– Tricampeão do Campeonato Mato-Grossense em 1976, 1977 e 1978.
– 3º lugar na Série A do Campeonato Brasileiro de 1977.

Distinções e premiações individuais:
– Prêmio Belfort Duarte em 1955 (premiação individual que homenageava o jogador de futebol profissional que passasse dez anos sem ser expulso de campo, tendo jogado pelo menos 200 partidas).

¹* Trecho extraído da obra:
GUILHERME, Paulo. Goleiros: Heróis e anti-heróis da camisa 1. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2006.

… Ferenc Puskás e József Bozsik: amizade de uma vida inteira

Três pontos sobre…
… Ferenc Puskás e József Bozsik: amizade de uma vida inteira ¹*


József Bozsik e Ferenc Puskás, com a senhora Bozsik ao centro (Imagem: magicalmagyars.com)

József Bozsik e eu éramos amigos inseparáveis. Eu tinha apenas três anos quando a família dele se mudou para o apartamento ao lado do nosso; o deles era o 20 e o nosso o 19. Ele era um ano e meio mais velho do que eu [nasceu em novembro de 1925], mas como éramos vizinhos de porta acabamos ficando amigos e desenvolvemos um sistema de sinais de “batidas na parede” para indicar: “Que tal bater uma bola?”.

Talvez inevitavelmente, mas tenho certeza de que com muita precisão, lembro-me daqueles dias com grande ternura. Aqueles foram bons tempos. Minha amizade com “Cucu²* Bozsik era tão próxima que éramos como irmãos. Ficamos juntos quando crianças, depois como jogadores titulares do Kispest e da Hungria por muitos anos, até o levante de 1956, quando nos separamos pela primeira vez. Havia cinco meninos na família Bozsik, todos num só quarto. Todos eles jogavam pelo Kispest em vários níveis. Istvan jogava no gol e os outros estavam no time abaixo de dezoito anos, lembro-me bem. [Bozsik foi dirigente do Kispest entre fevereiro de 1966 e agosto de 1967.]

Cucu era um sujeito bem calado. Uma pessoa lenta e relaxada; muito pensativo, jamais se afobava. Ele amava profundamente o futebol, mas acho que de uma forma diferente da maioria de nós. Ele nunca parecia ficar excitado, jamais demonstrava isso. Fora do campo, acho que nunca o vi zangado; mas, em campo, se alguém lhe roubasse a bola ele podia ter um acesso de raiva e ameaçava sair. Às vezes eu tinha de ir atrás dele e acalmá-lo. Ele era um amigo de verdade para mim, no futebol e na vida. Em um jogo – talvez porque jogávamos juntos desde pequenos – , sabíamos exatamente onde o outro devia estar, com ou sem a bola. Nós realmente podíamos nos achar sem nem olhar.

Bozsik e eu tínhamos permissão para frequentar jogos profissionais no campo do Kispest, mas entrar em jogos fora de casa era outra coisa. Usávamos todos os tipos de truques para entrar em campos de futebol, desde a idade de cinco ou seis anos. Lembro que certa vez cavamos um túnel sob a cerca de perímetro em uma lateral abandonada de um campo, não lembro agora de qual campo. A terra era macia e arenosa, e naquele dia ficamos cobertos de areia até as orelhas. Mas nossa trapaça habitual era vestir nosso uniforme infantil, apanhar algum equipamento e colocá-lo em mochilas do Kispest e cruzar meia cidade em direção ao campo dos adversários, no qual entrávamos com o ar mais grandioso e oficial possível. Em geral, dava certo e, depois do jogo, tínhamos de voltar para casa com as mochilas. Nós dificilmente pensávamos duas vezes, pois o esforço valia a pena.

József Bozsik em ação, com a camisa branca da seleção húngara (Imagem: magicalmagyars.com)

Jovens, fazíamos de tudo juntos, e certa ocasião até gerenciamos uma loja. Isso foi por volta de 1947 ou 1948, eu acho. O Kispest não era um clube rico e nem de longe podia nos pagar o salário que merecíamos. Cucu e eu recebemos uma proposta de uma loja local na rua principal de Kispest. Era de um ferragista que vendia panelas e chaleiras. Você precisava nos ver, achávamos que íamos ganhar uma fortuna. Mas trabalhamos lá só por algumas semanas, pois o governo nacionalizou todos os pequenos negócios. Recebemos uma pequena indenização, mas acabou aí nossa carreira como lojistas.

Nós também passávamos todo nosso tempo livre juntos, passeando pela cidade, indo ao cinema à noite uma ou duas vezes por semana. A gente sempre pegava o bonde para voltar para casa, e certa vez, quando estávamos pagando a passagem, olhamos um para o outro e dissemos: “Por que estamos fazendo isso? A gente podia ir correndo para casa facilmente e ainda economizar um pouco”. Então começou um período no qual nós regularmente apostávamos corrida com o bonde até em casa. Era uma boa distância, uns 2,5 km, e no começo não esperávamos conseguir acompanhar o bonde. Mas depois de um tempinho, conseguimos e depois o vencemos. Os condutores do bonde adoravam a brincadeira. Nós estávamos com dezesseis anos e éramos bem dispostos como pulgas.

Meu pai também ficou impressionado com Bozsik. Ele admirava sua maturidade calma e passou a amá-lo como a um filho. Se eu estivesse tentando convencer meu pai de que algo acontecera no treino e sentisse que ele não estava acreditando em mim, eu dizia: “Pergunte a seu amigo Bozsik, ele vai confirmar que tenho razão”.

Naturalmente, quando meu pai se tornou técnico e depois administrador do clube, ele foi por algum tempo responsável direto por nós dois.

(Imagem: magicalmagyars.com)

¹* Trecho extraído de um depoimento do próprio Ferenc Puskás, no livro “Puskas: Uma Lenda do Futebol” ³*, que me foi gentilmente presenteado há cerca de dez anos pelo amigo Mário Suriani.

²* Nota Três Pontos: “Cucu“, apelido de József Bozsik, se pronuncia “Zuzu” ou “Tsutsu“.

³* Bibliografia:
TAYLOR, Rogan; JAMRICH, Klara. Puskas: uma lenda do futebol. São Paulo: DBA, 1997. p. 30-32.


(Imagem: Editora DBA)

… Ferenc Puskás: 10 anos sem a lenda

Três pontos sobre…
… Ferenc Puskás: 10 anos sem a lenda


(Imagem: FIFA)

● Hoje completa dez anos da morte de Ferenc Puskás, um dos maiores jogadores da história do futebol. Seu nome de registro era Ferenc Purczeld Biró (Purczeld Biró Ferenc, no padrão húngaro), mas sua família alterou o nome de origem alemã em uma das muitas mudanças de “ânimos” políticos húngaros, em uma época em que o nacionalismo era extremo no país, forçando muitas famílias a adaptar o sobrenome. “Puskás”, em húngaro, significa revólver. Ou seja, Puskás era matador até no nome.

Era mais conhecido em sua terra como “Öcsi Puskás”. O apelido surgiu em um dia em que Puskás estava resfriado e de cama, enquanto seu pai foi trabalhar (jogava no Kispest) e sua mãe foi fazer compras. Ele fugiu pela janela e foi jogar bola com os amiguinhos em um terreno baldio. Quando sua mãe voltou e o viu, pegou o rolo de macarrão para lhe dar uma lição, mas os demais meninos fizeram uma barreira ao redor de Ferenc para protegê-lo, dizendo: “Não bate nele, dona Puskás, ele é nosso irmãozinho”. É que Puskás era o mais novo de todos e eles o chamavam de “Öcsi” (irmãozinho em húngaro).

Em janeiro de 1949, a Hungria se tornou um estado comunista e os clubes de futebol foram nacionalizados. O time de Puskás, Kispest FC, foi assumido pelo Ministério da Defesa e tornou-se o time do exército húngaro, chamado Honvéd (defensores da pátria, no idioma local). O técnico era Gusztáv Sebes, Vice-Ministro do Esporte húngaro, que teve a liberdade de juntar alguns dos melhores jogadores do país no mesmo time. Todos esses craques tinham suas patentes no exército nacional e Puskás era major. Aí se origina outro de seus apelidos: “Major Galopante”.

(Imagem: Lance!)

Pela seleção da Hungria, entre 1945 e 1956 disputou 85 partidas e marcou incríveis 84 gols. Ainda é o segundo maior artilheiro por uma seleção, perdendo apenas para o iraniano Ali Daei (109 gols em 150 jogos). Entre 1950 e 1956, a seleção da Hungria perdeu apenas uma partida: justamente a final da Copa do Mundo de 1954, para a Alemanha Ocidental, por 3 a 2.

No Real Madrid, fez uma parceria memorável com Alfredo Di Stéfano e conquistou três UEFA Champions League. Na final do torneio de 1959/60, os merengues venceram o Eintracht Frankfurt por 7 x 3, com 3 gols de Di Stéfano e 4 de Puskás. Na Espanha, ganhou os apelidos de “Pancho” (uma variante diminutiva em espanhol de Francisco – Ferenc em castelhano) e “Cañoncito Pum” (algo como “tiro de canhão”, em tradução livre). Esteve também na Copa do Mundo de 1962, atuando pela Espanha, que foi eliminada na primeira fase.

Como técnico, treinou equipes dos cinco continentes, mas teve raros sucessos em times pequenos. Conquistou títulos na Austrália, mas teve mais destaque com o Panathinaikos conquistando o bicampeonato grego em 1971 e 1972, além de ser vice-campeão da UEFA Champions League de 1970/71, perdendo para o forte Ajax, de Johan Cruijff e cia.

Só voltou a seu país em 1981 e em 1995 foi alçado à patente de coronel. Em 1997, em comemoração aos seus 70 anos, o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Juan Antonio Samaranch, outorgou a Puskás a ordem de honra do COI, máxima condecoração olímpica. Desde o ano 2000, o craque sofria do Mal de Alzheimer e passou a ter dificuldades financeiras, no que foi prontamente amparado pelo Real Madrid. No ano seguinte, o Népstadion, de Budapeste, seria renomeado Estádio Puskás Ferenc. Faleceu há exatos dez anos, no hospital Kütvolgyi, na capital de seu país, depois de ficar internado com um pneumonia por dois meses. Desde 2009 a FIFA concede o Prêmio Puskás ao autor do gol mais bonito do ano. Homenagem justíssima a uma lenda do esporte.

(Imagem: O Gol)

Feitos e premiações de Ferenc Puskás:

Pela Seleção da Hungria:
– Medalha de Ouro nos Jogos Olímpicos de 1952.
– Vice-campeão da Copa do Mundo de 1954.

Pelo Honvéd:
– Campeão do Campeonato Húngaro em 1949/50, 1950-especial, 1952, 1954 e 1955.

Pelo Real Madrid:
– Campeão da Copa dos Campeões da UEFA (atual UEFA Champions League) em 1958/59, 1959/60 e 1965/66.
– Campeão da Copa Intercontinental em 1960.
– Campeão do Campeonato Espanhol em 1960/61, 1961/62, 1962/63, 1963/64 e 1964/65.
– Campeão da Copa do Generalíssimo (atual Copa do Rei) em 1961-1962.

Como Técnico, pelo Panathinaikos (Grécia):
– Vice-campeão da UEFA Champions League em 1971.
– Campeão do Campeonato Grego em 1971 e 1972.

Como técnico, pelo South Melbourne (Austrália):
– Campeão do Campeonato Australiano em 1991.
– Campeão da Copa da Austrália em 1990.
– Campeão da Copa Dockerty em 1989 e 1991.

Distinções e premiações individuais:
– Artilheiro do Campeonato Húngaro em 1947/48 (50 gols), 1949/50 (31 gols), 1950 (25 gols) e 1953 (27 gols).
– Artilheiro do Campeonato Espanhol em 1959/60 (25 gols), 1960/61 (28 gols), 1962/63 (26 gols) e 1963/64 (21 gols).
– Artilheiro da UEFA Champions League em 1959/60 (12 gols) e 1963/64 (7 gols).
– Chuteira de Ouro do Mundo em 1948 (50 gols).
– Jogador Europeu do Ano em 1953.
– Bola de Ouro da Copa do Mundo de 1954.
– Eleito para a Seleção da Copa do Mundo de 1954.
– Nomeado para a lista “FIFA 100” (feita por Pelé, onde constam os 125 melhores jogadores da história que até então estavam vivos em 2004).
– Prêmio Jogador de Ouro da Hungria no Jubileu da UEFA em 2004.
– Membro do Hall da Fama da FIFA desde 1998.
– Jogador Europeu do Século XX pelo jornal L´Equipe.
– Maior Artilheiro do Século XX pela IFFHS.
– 7º lugar na lista dos melhores jogadores do século XX pela revista World Soccer.
– 6º lugar na lista dos melhores jogadores do século XX pela IFFHS.
– 2º lugar na lista dos melhores jogadores europeus do século XX pela IFFHS.
– Melhor jogador húngaro do século XX pela IFFHS.

● Frases de Puskás e sobre Puskás:

“Os adversários podem jogar melhor, mas a bola é redonda para todos.” — Puskás.

“Futebol é muito simples: o time que tem a bola precisa jogar, o time que não tem a bola precisa marcar.” — Puskás, filosofando.

“Nós jogamos alegremente, eles disputaram o título.” — Puskás, sobre a derrota da Hungria para a Alemanha na final da Copa do Mundo de 1954.

“Deus disse: ao sétimo dia descansarás. Bom, homem, isso é o que deve fazer um técnico. O domingo é dos jogadores. Quando estão em campo, para que dar cambalhotas no banco ou gritar até ficar surdo, se eles são os únicos que podem virar um resultado ou ganhar uma partida? Eu, todavia, não vi ninguém que ganhou uma partida olhando.” — Puskás, em grande frase, reproduzida no segundo livro da coleção dos 90 anos da revista El Gráfico.

“O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stéfano. Eu me recuso a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo.” — Puskás.

“Quando olho para trás, vejo que ao longo de minha vida uma única linha se desenvolveu – apenas o futebol. Foi uma linha simples, direta, sem ambições conflitantes. Desde aquele momento na minha infância quando ouvi o misterioso clamor da multidão no estádio Kispest, a apenas alguns metros de distância da janela da nossa cozinha, acho que já estava predestinado.” — o próprio craque, na biografia “Puskás – Uma lenda do futebol mundial.”

“Ele era um jogador especial do seu tempo, sem nenhuma dúvida. Como a Hungria não venceu a Copa do Mundo de 1954 está além da minha compreensão.” — Sir Alex Ferguson, sobre Puskás.

“De todos nós, ele era o melhor. Ele tinha um sétimo sentido para o futebol. Se havia 1000 soluções, ele pegaria a 1001ª.” — Nandor Hidegkuti, companheiro de Puskás na seleção da Hungria.

“Olhe aquele cara gordo. Vamos acabar com ele.” — Jogador inglês não identificado, antes da derrota por 6 a 3 em 1953, em pleno Wembley.

“No seu livro, Puskás disse que se eu não tivesse jogado bem eles teriam marcado 12 gols! Era um privilégio jogar contra aquele time, mesmo que tenham acabado com a gente. O Puskás não era apenas um grande jogador de futebol, mas também um homem adorável.” — Goleiro inglês Gil Merrick.

“Ferenc realmente era um jogador maravilhoso. Ele era rechonchudo, mas um maravilhoso canhoto e um finalizador brilhante. Eu colocaria Puskás em qualquer lista dos melhores de todos os tempos. Um jogador maravilhoso, uma pessoa maravilhosa e ele gostava de jogar.” Sir Tom Finney.

“Puskás era um inferno para os goleiros a 30-35 metros de distância. Ele não tinha apenas um chute poderoso, mas também muita precisão. Eu o considerava um gênio.” — Raymond Kopa, companheiro de Puskás no Real Madrid.

“O homem era um super-talento. Eu perdi um amigo e um jogador de qualidade. Era assim que Puskás era como pessoa e jogador de futebol. Ele era um dos maiores jogadores de todos os tempos. Mas a vida, meu amigo, chega ao final quando você menos espera.” — Alfredo Di Stéfano, companheiro de Puskás do Real Madrid.

“Ele se deu bem com todos e tinha um caráter muito jovial que o ajudou a jogar com uma quantidade impressionante de alegria e serenidade. Ele tinha um grande chute e ele poderia acelerar muito rapidamente, tinha qualidades diversificadas e, sobretudo, tinha explosão.” — Luis Suárez, companheiro de Puskás na seleção da Espanha.

“Não houve um húngaro que não tenha ficado tocado pela morte de Ferenc Puskás. O húngaro mais famoso do século 20 nos deixou, mas a lenda vai sempre estar entre nós.” — Ferenc Gyurcsany, ex-primeiro ministro húngaro.

“Todos nós nos apaixonamos por Puskás e pela seleção húngara nos anos 50. Ele só tinha a perna esquerda e fazia maravilhas com ela.” — Armando Nogueira, um dia após o falecimento de Puskás.

“Ferenc foi um gênio porque nasceu sabendo.” — Mauro Beting em “As melhores seleções estrangeiras de todos os tempos”.

“Eu estava com (Bobby) Charlton, (Denis) Law e Puskás, estávamos dando aula em uma academia de futebol na Austrália. Os jovens que estávamos treinando não o respeitavam, fazendo piadas com o seu peso e sua idade. Nós decidimos deixar os garotos desafiarem um técnico a acertar uma barra 10 vezes seguidas. Obviamente, ele escolheram o velho gordo. Law perguntou aos meninos quantas vezes em 10 o treinador velho e gordo acertaria. A maioria disse que menos de cinco. Era melhor ter dito 10. O treinador velho e gordo se adiantou e acertou nove em sequência. No décimo chute, ele levantou a bola no ar, tocou com os dois ombros e a cabeça, deixou ela cair para o calcanhar e chutou de voleio na barra. Todos ficaram em silêncio e um dos meninos perguntou quem ele era e eu respondi: ‘Pra você, o nome dele é Senhor Puskás'”. — George Best.

“É importante preservar a memória dos grandes nomes do futebol que deixaram sua marca na nossa história. Ferenc Puskás era não só um jogador com imenso talento que ganhou muitas honras, mas também um homem notável. É, portanto, um prazer para a FIFA lhe prestar homenagem e lhe dedicar este prémio à sua memória.” — Joseph Blatter, ex-presidente da FIFA, sobre o prêmio “Ferenc Puskás”.