… Ferenc Puskás e József Bozsik: amizade de uma vida inteira

Três pontos sobre…
… Ferenc Puskás e József Bozsik: amizade de uma vida inteira ¹*


József Bozsik e Ferenc Puskás, com a senhora Bozsik ao centro (Imagem: magicalmagyars.com)

József Bozsik e eu éramos amigos inseparáveis. Eu tinha apenas três anos quando a família dele se mudou para o apartamento ao lado do nosso; o deles era o 20 e o nosso o 19. Ele era um ano e meio mais velho do que eu [nasceu em novembro de 1925], mas como éramos vizinhos de porta acabamos ficando amigos e desenvolvemos um sistema de sinais de “batidas na parede” para indicar: “Que tal bater uma bola?”.

Talvez inevitavelmente, mas tenho certeza de que com muita precisão, lembro-me daqueles dias com grande ternura. Aqueles foram bons tempos. Minha amizade com “Cucu²* Bozsik era tão próxima que éramos como irmãos. Ficamos juntos quando crianças, depois como jogadores titulares do Kispest e da Hungria por muitos anos, até o levante de 1956, quando nos separamos pela primeira vez. Havia cinco meninos na família Bozsik, todos num só quarto. Todos eles jogavam pelo Kispest em vários níveis. Istvan jogava no gol e os outros estavam no time abaixo de dezoito anos, lembro-me bem. [Bozsik foi dirigente do Kispest entre fevereiro de 1966 e agosto de 1967.]

Cucu era um sujeito bem calado. Uma pessoa lenta e relaxada; muito pensativo, jamais se afobava. Ele amava profundamente o futebol, mas acho que de uma forma diferente da maioria de nós. Ele nunca parecia ficar excitado, jamais demonstrava isso. Fora do campo, acho que nunca o vi zangado; mas, em campo, se alguém lhe roubasse a bola ele podia ter um acesso de raiva e ameaçava sair. Às vezes eu tinha de ir atrás dele e acalmá-lo. Ele era um amigo de verdade para mim, no futebol e na vida. Em um jogo – talvez porque jogávamos juntos desde pequenos – , sabíamos exatamente onde o outro devia estar, com ou sem a bola. Nós realmente podíamos nos achar sem nem olhar.

Bozsik e eu tínhamos permissão para frequentar jogos profissionais no campo do Kispest, mas entrar em jogos fora de casa era outra coisa. Usávamos todos os tipos de truques para entrar em campos de futebol, desde a idade de cinco ou seis anos. Lembro que certa vez cavamos um túnel sob a cerca de perímetro em uma lateral abandonada de um campo, não lembro agora de qual campo. A terra era macia e arenosa, e naquele dia ficamos cobertos de areia até as orelhas. Mas nossa trapaça habitual era vestir nosso uniforme infantil, apanhar algum equipamento e colocá-lo em mochilas do Kispest e cruzar meia cidade em direção ao campo dos adversários, no qual entrávamos com o ar mais grandioso e oficial possível. Em geral, dava certo e, depois do jogo, tínhamos de voltar para casa com as mochilas. Nós dificilmente pensávamos duas vezes, pois o esforço valia a pena.

József Bozsik em ação, com a camisa branca da seleção húngara (Imagem: magicalmagyars.com)

Jovens, fazíamos de tudo juntos, e certa ocasião até gerenciamos uma loja. Isso foi por volta de 1947 ou 1948, eu acho. O Kispest não era um clube rico e nem de longe podia nos pagar o salário que merecíamos. Cucu e eu recebemos uma proposta de uma loja local na rua principal de Kispest. Era de um ferragista que vendia panelas e chaleiras. Você precisava nos ver, achávamos que íamos ganhar uma fortuna. Mas trabalhamos lá só por algumas semanas, pois o governo nacionalizou todos os pequenos negócios. Recebemos uma pequena indenização, mas acabou aí nossa carreira como lojistas.

Nós também passávamos todo nosso tempo livre juntos, passeando pela cidade, indo ao cinema à noite uma ou duas vezes por semana. A gente sempre pegava o bonde para voltar para casa, e certa vez, quando estávamos pagando a passagem, olhamos um para o outro e dissemos: “Por que estamos fazendo isso? A gente podia ir correndo para casa facilmente e ainda economizar um pouco”. Então começou um período no qual nós regularmente apostávamos corrida com o bonde até em casa. Era uma boa distância, uns 2,5 km, e no começo não esperávamos conseguir acompanhar o bonde. Mas depois de um tempinho, conseguimos e depois o vencemos. Os condutores do bonde adoravam a brincadeira. Nós estávamos com dezesseis anos e éramos bem dispostos como pulgas.

Meu pai também ficou impressionado com Bozsik. Ele admirava sua maturidade calma e passou a amá-lo como a um filho. Se eu estivesse tentando convencer meu pai de que algo acontecera no treino e sentisse que ele não estava acreditando em mim, eu dizia: “Pergunte a seu amigo Bozsik, ele vai confirmar que tenho razão”.

Naturalmente, quando meu pai se tornou técnico e depois administrador do clube, ele foi por algum tempo responsável direto por nós dois.

(Imagem: magicalmagyars.com)

¹* Trecho extraído de um depoimento do próprio Ferenc Puskás, no livro “Puskas: Uma Lenda do Futebol” ³*, que me foi gentilmente presenteado há cerca de dez anos pelo amigo Mário Suriani.

²* Nota Três Pontos: “Cucu“, apelido de József Bozsik, se pronuncia “Zuzu” ou “Tsutsu“.

³* Bibliografia:
TAYLOR, Rogan; JAMRICH, Klara. Puskas: uma lenda do futebol. São Paulo: DBA, 1997. p. 30-32.


(Imagem: Editora DBA)

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