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… Garrincha e o restaurante francês

Três pontos sobre…
… Garrincha e o restaurante francês

Durante uma excursão à Europa, a Seleção precisou fazer escala em Paris e os jogadores acabaram almoçando no próprio restaurante do aeroporto.

Veja aqui mais uma das histórias hilárias de Mané Garricha, que estaria completando 88 anos hoje.

… 08/06/1958 – União Soviética 2 x 2 Inglaterra

Três pontos sobre…
… 08/06/1958 – União Soviética 2 x 2 Inglaterra


(Imagem: Pinterest)

● Por ser o mais equilibrado da Copa, o Grupo 4 era chamado pela imprensa de “Grupo de Ferro”. Além de Inglaterra e URSS, a chave ainda tinha o talento dos craques da Seleção Brasileira e o bom time da Áustria, que tinha terminado o Mundial anterior na 3ª colocação.

A União Soviética chegou ao Mundial como uma das favoritas ao título, muito por causa da conquista da medalha de ouro dos Jogos Olímpicos de 1956, em Melbourne. Mas teve certa dificuldade para se qualificar para o Mundial na Suécia. No Grupo 6 das eliminatórias, terminou empatada em número de pontos com a Polônia e precisou do jogo desempate, quando derrotou os poloneses por 2 x 0 em Leipzig, na Alemanha Oriental.

A URSS atraía a curiosidade de todos. Tudo que vinha “do lado de lá” da Cortina de Ferro tinha uma aura misteriosa e moderna que dava medo ao mundo ocidental, em todos os âmbitos: na ciência, nos equipamentos bélicos, no esporte e em tudo mais. A lenda do “futebol científico” – que havia produzido um sistema perfeito para derrotar qualquer equipe – deixava os adversários intimidados. Segundo uma história contada na época, a comissão técnica soviética teria cruzado o provável desempenho dos rivais em computadores e, após os cálculos, o país seria campeão do mundo.


Lev Yashin recebe a bola recuada antes da chegada de Derek Kevan (Imagem: Futbox)

● Em sua partida de estreia em Copas do Mundo, a União Soviética enfrentou um forte adversário.

A Inglaterra se classificou no Grupo 1 das eliminatórias. Mesmo em um grupo com a incipiente Dinamarca e a fraca Irlanda, o English Team não foi soberano. A qualificação foi alcançada apenas aos 44 minutos do segundo tempo do último jogo, quando John Atyeo fez o gol do empate por 1 x 1 com os irlandeses, em Dublin.

Os ingleses não tinham mais a aura de invencível, principalmente depois das duas surras que sofreram da Hungria em 1953 (3 x 6) e 1954 (1 x 7). Mas ainda era um time muito respeitável, com jogadores como o capitão Billy Wright, Bobby Robson, Johnny Haynes e Tom Finney. No banco já aparecia o craque Bobby Charlton, de apenas 20 anos, que lideraria a seleção campeã do mundo em 1966 (disputaria quatro Copas, entre 1958 e 1970). Inclusive, Charlton foi um dos sobreviventes da “Tragédia de Munique”.

O futebol inglês ainda vivia o luto causado pelo desastre aéreo ocorrido no aeroporto de Munique no dia 06 de fevereiro daquele mesmo ano, que causou a morte de 23 dos 38 tripulantes, sendo oito jogadores do Manchester United. Entre os mortos, três atletas que certamente seriam titulares do English Team na Copa da Suécia: Roger Byrne (28 anos), capitão do Man Utd, que havia jogado o Mundial de 1954; Tommy Taylor (26 anos), grande artilheiro dos Red Devils e também veterano da Copa de 1954; e Duncan Edwards (21 anos), um jogador polivalente, adorado pelos ingleses e que – segundo a imprensa europeia – tinha potencial para ser o melhor do mundo.

Os três foram perdas muito sentidas para o time formado pelo técnico Walter Winterbottom. Além do aspecto técnico, o fator psicológico também foi preponderante. Em um amistoso preparatório disputado um mês antes do Mundial, a Inglaterra perdeu por 5 x 0 para a Iugoslávia, em Belgrado.


(Imagem: sovsport.ru)

● Esse foi um duelo muito aguardado, por colocar frente a frente duas escolas diferentes e com grande qualidade técnica.

As duas seleções entraram em campo com seus uniformes tradicionais: os ingleses de calção preto e camisa branca com o símbolo dos três leões (Three Lions), enquanto os soviéticos vestiam calção branco e a camisa vermelha ostentando o famoso símbolo “CCCP” (Союз Советских Социалистических Республик – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, escrita em russo com o alfabeto cirílico). O goleiro Lev Yashin justificava a alcunha de Aranha Negra, com seu uniforme todo preto, sua tradicional boina e uma coisa inédita: luvas. Yashin foi o primeiro goleiro a usar luvas de couro para proteger as mãos em uma partida de Copa do Mundo.

A principal ausência na seleção soviética foi a do centroavante Eduard Streltsov, artilheiro do time nas eliminatórias. Ele foi impedido de sair de seu país por estar respondendo a um processo criminal por estupro. Diz a lenda que ele era inocente e seu julgamento teria sido todo armado porque ele bateu de frente com o regime comunista russo. Porém, essa é uma história polêmica que fica pra outro momento. Mas ele fez muita falta à equipe e, talvez, se estivesse em campo, a URSS poderia ter tido melhor sorte ao longo da competição.


A URSS jogava em um sistema W-M adaptado, com um homem na sobra, como um líbero. Os meias jogavam muito perto dos pontas e trocavam de posição com frequência.


A Inglaterra ainda utilizada o velho sistema W-M, criado por Herbert Chapman em 1925. Era um estilo de jogo mais estático que o dos soviéticos.

● Praticamente ninguém sabia como jogava a URSS. E os ingleses descobriram da pior maneira, já dentro de campo. A novidade tática dos soviéticos estava no ataque, com os meias jogando bem próximos dos pontas, com muita movimentação. O centroavante Nikita Simonyan se mexia incessantemente, caindo para os dois lados. Essa troca de posições constante confundiu muito a marcação da defesa inglesa. Mesmo com a proteção do grande Billy Wright como líbero, o time só se encontrou após sofrer dois gols.

O placar foi aberto aos 13 minutos. Após cruzamento da direita, a bola passou por todo mundo e Nikita Simonyan chutou para o gol vazio.

O segundo foi foi marcado aos 11′ do segundo tempo. Aleksandr Ivanov recebeu na meia-lua, invadiu a área sem marcação, driblou o goleiro Colin McDonald e finalizou de esquerda para o gol.

O jogo parecia resolvido. Mas os ingleses tinham uma jogada que praticavam desde o século XIX: os famosos “chuveirinhos” – as bolas aéreas cruzadas na área desde a linha lateral. E o primeiro gol saiu assim, aos 21′, em um desses incessantes cruzamentos. Bryan Douglas cruzou da direita. De dentro da pequena área, Derek Kevan cabeceou para baixo e a bola entrou à direita de Yashin.

O English Team seguiu atacando em busca da igualdade, principalmente apostando na bola aérea.

Em um bom lance, o veterano Tom Finney passou por Vladimir Kesarev, foi até a linha de fundo e cruzou da esquerda. Yashin segurou, mas Kevan atingiu o goleiro na dividida. A bola sobrou livre para Bobby Robson marcar o gol, mas o árbitro húngaro István Zsolt já havia marcado corretamente a falta no lance.

Yashin tinha dificuldades até para repor a bola em jogo, pois os atacantes ingleses ficavam em cima, impedindo a saída rápida do arqueiro soviético.

Mas McDonald também trabalhava. Aleksandr Ivanov cruzou da ponta direita e o goleiro inglês saiu para tirar a bola de Simonyan e evitar o gol.

O empate veio a cinco minutos do fim em um pênalti muito polêmico. Johnny Haynes foi derrubado quase na linha da grande área. Mal posicionado, o juiz assinalou o pênalti. Tom Finney bateu com precisão, forte e rasteiro, no canto direito de Yashin – que até acertou o lado, mas não conseguiu pegar.

No fim, o placar de 2 a 2 foi um empate honroso, que justificou a qualidade das duas seleções.


Tom Finney converte a cobrança de pênalti sobre o goleiro Lev Yashin (Imagem: Popperfoto / Getty Images)

● Na segunda partida, a URSS venceu a Áustria por 2 x 0 e perdeu para o Brasil pelo mesmo placar. Por sua vez, a Inglaterra empatou sem gols com a Seleção Brasileira e por 2 x 2 com a Áustria. Com a igualdade em número de pontos, tiveram que fazer uma partida extra entre si para definir quem passaria de fase.

Aliás, o equilíbrio tomou conta da fase de grupos. Tanto, que foram necessários três jogos desempate para definir os classificados para as quartas de final. Somente o Grupo 2 classificou dois países de forma direta. No Grupo 1, a Irlanda do Norte bateu a Tchecoslováquia por 2 x 1. Pelo Grupo 3, o País de Gales venceu a Hungria também por 2 x 1. No Grupo 4, União Soviética e Inglaterra voltaram a se enfrentar nove dias depois da primeira partida.

E, no dia 17/06/1958, qualquer uma das duas equipes poderiam ter vencido. Os soviéticos jogaram melhor na primeira etapa, mas não conseguiram abrir o placar. O segundo tempo foi dominado pelos ingleses e, mais especificamente, pelo atacante estreante Peter Brabrook, do Chelsea. Ele mandou duas bolas na trave e ainda teve um gol anulado (ele tocou a bola com a mão antes de finalizar no ângulo direito). Mas foi a URSS quem fez o único gol do jogo, aos 23′ da etapa final. O goleiro McDonald saiu jogando errado e entregou a bola nos pés de Valentin Ivanov. Após uma rápida troca de passes, o ponta esquerda Anatoli Ilyin ficou com a bola dentro da área e finalizou antes da chegada de dois marcadores. A bola tocou na trave direita antes de entrar. Depois do gol, os soviéticos recuaram para segurar o resultado. Os britânicos foram para o abafa, mas a defesa russa se sobressaiu, com destaques para o goleirão Lev Yashin e o zagueiro Yuriy Voynov.

Na sequência, o “futebol científico” soviético foi por água abaixo nas quartas de final ao ser eliminado pela Suécia, a dona da casa, com uma derrota por 2 x 0.


Lance do jogo desempate, quando a URSS eliminou a Inglaterra com vitória por 1 a 0 (Imagem: Popperfoto / Getty Images)

FICHA TÉCNICA:

 

UNIÃO SOVIÉTICA 2 x 2 INGLATERRA

 

Data: 08/06/1958

Horário: 19h00 locais

Estádio: Nya Ullevi

Público: 49.348

Cidade: Gotemburgo (Suécia)

Árbitro: István Zsolt (Hungria)

 

UNIÃO SOVIÉTICA (WM):

INGLATERRA (WM):

1  Lev Yashin (G)

1  Colin McDonald (G)

2  Vladimir Kesarev

2  Don Howe

3  Konstantin Krizhevsky

5  Billy Wright (C)

4  Boris Kuznetsov

3  Tommy Banks

5  Yuriy Voynov

4  Eddie Clamp

16 Viktor Tsaryov

6  Bill Slater

17 Aleksandr Ivanov

7  Bryan Douglas

8  Valentin Ivanov

8  Bobby Robson

9  Nikita Simonyan (C)

9  Derek Kevan

10 Sergei Salnikov

10 Johnny Haynes

11 Anatoli Ilyin

11 Tom Finney

 

Técnico: Gavriil Kachalin

Técnico: Walter Winterbottom

 

SUPLENTES:

 

 

12 Vladimir Maslachenko (G)

12 Eddie Hopkinson (G)

13 Vladimir Belyayev (G)

13 Alan Hodgkinson (G)

14 Leonīds Ostrovskis

14 Peter Sillett

22 Vladimir Yerokhin

16 Maurice Norman

15 Anatoli Maslyonkin

15 Ronnie Clayton

19 Gennadi Gusarov

18 Peter Broadbent

6  Igor Netto

22 Maurice Setters

20 Yuri Falin

20 Bobby Charlton

7  German Apukhtin

17 Peter Brabrook

18 Valentin Bubukin

19 Bobby Smith

21 Genrikh Fedosov

21 Alan A’Court

 

GOLS:

13′ Nikita Simonyan (URSS)

56′ Aleksandr Ivanov (URSS)

66′ Derek Kevan (ING)

85′ Tom Finney (ING) (pen)

Gols e outros momentos importantes da partida:

… 19/06/1958 – Brasil 1 x 0 País de Gales

Três pontos sobre…
… 19/06/1958 – Brasil 1 x 0 País de Gales


(Imagem: CBF / Baú do Futebol)

● Na fase de grupos, a Seleção Brasileira bateu a Áustria por 3 a 0 e empatou sem gols com a Inglaterra (no primeiro 0 x 0 da história das Copas, depois de 116 jogos). Na partida derradeira, o Brasil enfrentou o futebol científico da União Soviética, na estreia de Zito, Garrincha e Pelé. Após começar o jogo com tudo e venceu por 2 a 0, com dois gols de Vavá. Seu adversário nas quartas de final era a seleção do País de Gales.

Gales é um principado e não uma nação autônoma. Fica na ilha da Grã-Bretanha e faz parte do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Não participa dos Jogos Olímpicos como país independente, mas possui seleção própria no futebol (e em alguns poucos outros esportes) pela sua importância histórica. Foi um dos responsáveis por solidificar o futebol no século XIX e até hoje faz parte do IFAB – International Football Association Board, instituição responsável pelos regras do futebol.

Os britânicos estavam longe de serem uma potência no futebol. Conseguiram a classificação para a única Copa de sua história porque a Indonésia, o Egito e o Sudão (todos de maioria muçulmana) se negaram a jogar conta Israel e foram desclassificados. Assim, para que os israelenses não se qualificassem para o Mundial sem jogar as eliminatórias, foi feito um sorteio para definir qual país europeu disputaria a repescagem da zona asiática, dentre os segundos colocados em cada chave. Os galeses tiveram essa sorte, depois de terem ficado em segundo lugar no Grupo 4 das eliminatórias europeias, atrás da Tchecoslováquia e à frente da Alemanha Oriental. Foram duas vitórias fáceis e sonolentas sobre Israel, ambas por 2 x 0 – primeiro em Tel Aviv e depois em Cardiff.

Pela primeira e única vez, as quatro seleções britânicas disputaram uma Copa do Mundo: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Apenas galeses e norte-irlandeses se classificaram para a segunda fase.


(Imagem: Ultrajano)

● Os dois times jogaram desfalcados de seus centroavantes. O Brasil estava sem Vavá, que sofreu um profundo corte na canela na jogada do segundo gol contra a União Soviética. Mazzola ganhou nova chance no time titular.

Na primeira fase, os britânicos empataram as três partidas: 1 x 1 com a Hungria, 1 x 1 com o México e 0 x 0 com a Suécia. No jogo desempate, bateu a Hungria por 2 x 1.

Esse era o terceiro jogo de Gales em cinco dias. Havia jogado no domingo (contra os suecos), na terça (contra os húngaros) e agora jogava na quinta contra o Brasil. O escrete canarinho teve todos esses dias para descansar e chegava mais inteiro.

Gales não tinha sua estrela, seu melhor jogador, o grandalhão John Charles, que se machucou no estafante jogo-extra contra a Hungria. Relatos afirmam que ele foi derrubado pelos húngaros por mais de vinte vezes. Além dele, vários jogadores galeses jogaram reclamando de dores musculares.


O Brasil atuava em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo. Mazzolla era mais técnico que Vavá (mais brigador).


O País de gales jogava no sistema WM.

● O Brasil era amplamente favorito. O País de Gales era um equipe modesta, mas bem consciente de suas limitações e que sabia usar suas armas. O técnico Jimmy Murphy armou seu time de forma bem fechada, com marcação individual – especialmente em Garrincha, Pelé e Didi. Sem John Charles, os galeses não tinham tanto poder na bola aérea e, portanto, não tinha mais sua única estratégia de ataque. O negócio foi fechar o time todo na defesa e deixar apenas Colin Webster na frente – o substituto de Charles.

Com isso, a partida teve apenas um roteiro durante os noventa minutos: um duro duelo entre o ataque brasileiro e a defesa galesa. A bem da verdade, os britânicos se defendiam em bloco e se seguraram muito bem, dificultando muito o trabalho da linha de frente do escrete canarinho.

Bem marcados, os craques pouco podiam fazer. E, quando conseguiam chegar na área, paravam no goleiro Jack Kelsey, do Arsenal. Ele era o grande destaque individual da partida, responsável por grandes defesas e por fazer muita cera. Os beques Stuart Williams, Mel Charles e Mel Hopkins faziam marcação agressiva e chegaram a salvar lances em cima da linha de gol. Contaram com a sorte em um lance que Mazzola cabeceou e a bola bateu na trave, na linha de gol e não entrou.

Em compensação, Gylmar não tinha feito nenhuma defesa e havia recebido apenas duas bolas recuadas pelos zagueiros.

O primeiro tempo terminou 0 a 0. No intervalo, Vicente Feola fez uma preleção de acordar o time, que voltou mais vivo do vestiário.

Garrincha entrou na área, driblou um adversário cortando para a direita e bateu forte. Mesmo a queima-roupa, Kelsey espalmou para cima.

Em uma rara ocasião, o ponta direita Terry Medwin cortou Nilton Santos e chutou, mas Gylmar encaixou sem dificuldades.


(Imagem: AFP / FIFA)

O empate sem gols castigava a atuação brasileira e os 25.923 expectadores presentes no estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo.

Mas a retranca foi furada aos 28 minutos do segundo tempo, quando já começavam os sinais de nervosismo.

Da direita, Mazzola levantou a bola de bicicleta para a linha da grande área. Didi veio na corrida e escorou de cabeça. Pelé dominou dentro da área e, de costas para o gol, tocou com o pé direito para tirar Mel Charles da jogada, deixou a bola quicar e finalizou de pé direito antes da chegada de Williams na cobertura. A rapidez de raciocínio e da finalização de Pelé pegou de surpresa o goleiro Kelsey, que nem foi na bola.

Um golaço. Pelé não poderia entrar para a história com um gol qualquer. Foi o primeiro de seus doze gols em Copas do Mundo. Era o início do reinado de um menino negro de apenas 17 anos de idade.

Depois do gol, Pelé foi buscar a bola dentro do gol galês com a intenção de gastar algum tempo. Segundo ele, o jogo estava “muito difícil naquele momento”. Mas Garrincha, Didi e Zagallo não quiseram saber de mais nada e pularam em cima dele para comemorar, se amontoando dentro do gol mesmo. A cena propiciou uma das mais belas fotos do Mundial de 1958.

Os galeses perderam o ânimo totalmente, até porque sabiam que não tinham poder de fogo para empatar a partida. Assim, surgiram outras chances para a Seleção Brasileira ampliar. Aos 36′, Mazzola fez um lindo gol de bicicleta, estranhamento anulado pelo árbitro austríaco Fritz Seipelt por jogo perigoso, apesar de nenhum galês estar por perto.

O Brasil estava classificado para a semifinal da Copa do Mundo.


(Imagem: O Globo)

● O goleiro Gylmar continuava invicto, sem sofrer gols na competição.

Didi foi considerado o melhor em campo, mas todos os olhares e aplausos eram para Pelé. Ele é até hoje o jogador mais jovem a marcar gol em Copas, com 17 anos e 239 dias.

No fim do ano 2000, esse gol de Pelé foi eleito por um júri da revista Placar como o gol mais importante do futebol brasileiro no século XX.

O presidente da República, Juscelino Kubitschek, convidou o Sr. Amaro, pai de Garrincha, para ouvirem o jogo juntos pelo rádio no palácio do Catete. Quando saiu o gol de Pelé, o desbocado Amaro queria soltar um palavrão, mas se conteve na frente de pessoas tão importantes e desconhecidas. Mas JK foi mais espontâneo e disse o palavrão por ele.

No fim da partida, a seleção rumaria a Estocolmo para as semifinais. Mas, antes de partir, soube cativar o povo de Gotemburgo: Bellini comandou uma volta olímpica com os jogadores carregando a bandeira sueca.

No estádio Råsunda, o Brasil ainda venceria a França na semifinal por 5 x 2. Na decisão, venceria a Suécia, dona da casa, pelo mesmo placar de 5 x 2 e se consagraria o legítimo campeão da Copa do Mundo de 1958.


(Imagem: Pinterest)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 1 x 0 PAÍS DE GALES

 

Data: 19/06/1958

Horário: 19h00 locais

Estádio: Nya Ullevi

Público: 25.923

Cidade: Gotemburgo (Suécia)

Árbitro: Fritz Seipelt (Áustria)

 

BRASIL (4-2-4):

PAÍS DE GALES (WM):

3  Gylmar (G)

1  Jack Kelsey (G)

4  Djalma Santos

2  Stuart Williams

2  Bellini (C)

5  Mel Charles

15 Orlando

3  Mel Hopkins

12 Nilton Santos

4  Derrick Sullivan

19 Zito

6  Dave Bowen

6  Didi

7  Terry Medwin

11 Garrincha

8  Ron Hewitt

18 Mazzola

19 Colin Webster

10 Pelé

10 Ivor Allchurch

7  Zagallo

11 Cliff Jones

 

Técnico: Vicente Feola

Técnico: Jimmy Murphy

 

SUPLENTES:

 

 

1  Castilho (G)

12 Ken Jones (G)

14 De Sordi

13 Graham Vearncombe (G)

16 Mauro

14 Trevor Edwards

9  Zózimo

20 John Elsworthy

8  Oreco

15 Colin Baker

5  Dino Sani

16 Vic Crowe

13 Moacir

21 Len Allchurch

17 Joel

17 Ken Leek

20 Vavá

18 Roy Vernon

21 Dida

22 George Baker

22 Pepe

9  John Charles

 

GOL: 73′ Pelé (BRA)

Chute de Garrincha e gol de Pelé:

Gol de Pelé e gol (mal) anulado de Mazzola, de bicicleta:

… 15/06/1958 – Brasil 2 x 0 União Soviética

Três pontos sobre…
… 15/06/1958 – Brasil 2 x 0 União Soviética


(Imagem: FIFA)

● Na estreia, o Brasil havia vencido a Áustria com propriedade por 3 a 0. Depois, no segundo jogo, o empate sem gols e o ponto perdido contra a Inglaterra esfriou os ânimos e deixou os brasileiros apreensivos. Ainda assombrada pelo “complexo de vira-latas”, o fantasma dos jogos decisivos voltava a assombrar a Seleção Brasileira. E a última partida do Grupo 4 reservava um duro duelo com a temida União Soviética.

Veja mais:
… Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958
… 24/06/1958 – Brasil 5 x 2 França
… 29/06/1958 – Suécia 2 x 5 Brasil

A campanha soviética estava semelhante à brasileira: empate com a Inglaterra (2 x 2) e vitória sobre a Áustria (2 x 0). Assim, ambas equipes precisavam da vitória para se classificar de forma direta para as quartas de final. Foi a primeira partida entre os dois países na história.

Os soviéticos haviam conquistado a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1956 e eram considerados favoritos. Mas tiveram dificuldades para se qualificarem para o Mundial na Suécia. No Grupo 6 das eliminatórias europeias, terminaram empatados em número de pontos com a Polônia e precisaram do jogo desempate, quando derrotaram os poloneses por 2 x 0 em Leipzig, na Alemanha Oriental.

A União Soviética iria disputar a sua primeira Copa sob imensa curiosidade de todo o mundo. Tudo que vinha da URSS tinha uma aura misteriosa e moderna que dava medo ao mundo ocidental, em todos os âmbitos: no esporte, na ciência, nos equipamentos bélicos e em tudo mais. Politicamente, protagonizava a Guerra Fria com os Estados Unidos. Intimidava os adversários com a camisa vermelha com a inscrição CCCP em letras garrafais. A sigla significava União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. No alfabeto cirílico, o C tem o som de S e o P de R. Assim, o original em russo era Союз Советских Социалистических Республик. A transcrição fonética no alfabeto latino era Soyuz Sovetskikh Sotsialisticheskikh Respublik e causava temor apenas a simples tentativa de pronunciar tudo isso. O brasileiro, que faz piada com tudo, dizia que o significado era “Cuidado, Camarada, com o Crioulo Pelé”.

O time soviético começava sua escalação com seu maior nome em todos os tempos. O camisa 1 era Lev Yashin, que estamparia o pôster oficial do Mundial de 2018, na Rússia. Com o uniforme todo preto e camisa de mangas longas, ganhou o apelido de “Aranha Negra” na América do Sul e “Pantera Negra” na Europa. Ele foi o primeiro a usar luvas de couro para proteger as mãos em um jogo de Copa. Até hoje ele é considerado pela maioria dos especialistas o melhor goleiro da história do futebol. Ele ainda disputaria as três Copas seguintes (1962, 1966 e 1970 – esta última já veterano como reserva, mais como uma homenagem).

O time praticava o chamado “futebol científico”, em que os atletas estavam preparados para correr sem parar durante 180 minutos e ainda ficarem inteiros para mais. A lenda dizia que eles faziam quatro horas de ginástica pela manhã em dia de jogo. Dizia-se que a KGB tinha espiões espalhados por todo o mundo filmando os adversários e que seus “cérebros eletrônicos” (computadores) haviam produzido um sistema perfeito para derrotar qualquer equipe. Segundo uma história contada na época, a comissão técnica soviética teria cruzado os dados dos rivais em computadores e, após os cálculos, o país seria campeão do mundo.

Ninguém se preocupou em refazer os cálculos quando chegou a notícia de que o Brasil jogaria sem Dino Sani, Joel e Mazzola – que jogaram bem nas primeiras partidas. Eles dariam lugar a “um tal de Zito”, um aleijado de pernas tortas e um moleque negro de 17 anos.


(Imagem: Estadão)

● Uma das lendas mais românticas da história do futebol, reza que houve uma pequena rebelião dos líderes do elenco – Bellini, Didi e Nílton Santos – exigindo a escalação de Pelé e Garrincha. Mas foi só lenda mesmo. Dois dias antes do jogo, a escalação de Pelé já era uma certeza. Recuperado de contusão, ele entraria no lugar de Mazzola – que já estava vendido ao Milan e não estaria colocando o pé nas divididas (diziam as más línguas).

Ficou decidido que jogaria apenas um centroavante e ele seria Vavá (de estilo mais rompedor), ao invés de Mazzola (mais técnico). Zito (também mais aguerrido) entraria no lugar de Dino Sani (mais clássico), que havia sofrido uma distensão na virilha. Com a marcação de Zito no meio, Didi ficaria mais à vontade para criar e atacar.

Quanto à Garrincha, a ideia de escalá-lo surgiu em uma conversa informal e não em uma rebelião. Foi uma reunião entre o técnico Vicente Feola, os jornalistas Armando Nogueira e Luiz Carlos Barreto e o lateral esquerdo Nílton Santos. Também foram consultados Paulo Machado de Carvalho, Didi e Bellini e todos foram favoráveis. Nos primeiros dois jogos, Joel havia recebido boas notas da imprensa por ser um ponta “moderno” que, assim como Zagallo do lado oposto, recuava para ajudar na marcação. E, com a entrada do marcador Zito no time, Feola teve a oportunidade de reforçar a linha de frente com um ponta que atacasse mais. E havia duas opções: trocar Zagallo por Pepe ou Joel por Garrincha. E como Joel estava sentindo dores no joelho, devido ao pisão de Bill Slater, na partida contra a Inglaterra, o Mané ganharia a vaga de titular. Compadre de Garrincha, Nilton Santos foi o responsável por dar a notícia ao ponta. “Acho que você vai entrar. Mané, se você entrar, capricha”, falou Nilton. “Se eu jogar, pode deixar”, respondeu Garrincha.

Na véspera da partida, o psicólogo João Carvalhaes fez um teste psicotécnico com os jogadores para verificar quais deles estavam em condições psicológicas para enfrentar a URSS. Dos onze que jogariam, apenas Pelé e Nilton Santos foram aprovados. Felizmente esses resultados não seriam levados em consideração pela comissão técnica.


(Imagem: O Globo)

● As delegações de Brasil e URSS estavam concentradas a cem metros uma da outra, em Hindås. A diferença era que o hotel dos russos ficava em uma pequena elevação que permitia ter uma visão privilegiada dos treinamentos do Brasil.

Sabia-se que os soviéticos se submetiam a uma carga de exercícios físicos descomunal. Da concentração brasileira, era possível vê-los correndo por várias horas seguidas em seu campo de treinamento. Os brasileiros, claro, ficavam cansados só de olhar.

Na quinta-feira, três dias antes do jogo, Feola comunicou à imprensa brasileira que a Seleção faria um treino coletivo no dia seguinte às 15h00, no campinho perto do hotel. Foi pedido sigilo, pois a comissão técnica não queria a presença de jornalistas estrangeiros, principalmente soviéticos. Na hora marcada, estavam todos presentes: a imprensa brasileira, a imprensa estrangeira e os espiões russos. E nenhum jogador no gramado. A Seleção havia treinado secretamente de manhã com todas as mudanças e, assim, escondeu bem o jeito que jogaria.

No fim da preleção antes da partida, Feola deu a instrução direta: “E não se esqueça, Didi. A primeira bola é para o Garrincha”. E disse para o Mané: “Tente descadeirá-los de saída”.

Os soviéticos conheciam Garrincha das excursões caça-níquéis afora. Só não sabiam como pará-lo.


O Brasil atuava em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo.


A URSS jogava em um sistema WM adaptado, com um homem na sobra, como um líbero.

● Quando o árbitro francês Maurice Guigue apitou o início da partida, a Seleção Brasileira precisou apenas de 180 segundos para demonstrar o melhor que o futebol já produziu, deixando assombrados os 50.928 expetadores no estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo. Mesmo sendo um jogo da primeira fase, esse foi o maior público da Copa.

Decidido a nocautear o adversário rapidamente, o Brasil teve um começo simplesmente arrasador. Garrincha começou o jogo endiabrado, em uma exibição fenomenal. Logo no primeiro lance, aos 40 segundos, ele entortou diversas vezes o zagueiro Boris Kuznetsov, passou como se ele não existisse, entrou na área e chutou forte, mas a bola carimbou a trave esquerda de Yashin e foi para fora.

Garrincha desmontou a defesa soviética em geral, e o pobre Kuznetsov em particular. Era a marca registrada do ponta brasileiro: ele deixava a bola entre ele e o marcador, ameaçava a arrancada jogando o corpo para a direita e voltava à posição inicial. Kuznetsov seguia o movimento do Mané uma, duas, três, todas as vezes, e a bola continuava parada entre os dois. Quando o russo ficava parado e ia direto na bola, Garrincha o driblava.

Enquanto Mané driblava Kuznetsov uma porção de vezes, o técnico Gavriil Kachalin perguntava atônito para o banco de reservas quem era o reserva de Joel, com aquelas pernas tortas. Desesperado, o treinador russo precisou reforçar a marcação no ponta, com Konstantin Krizhevsky. Mas nada pararia Garrincha. Percebendo a cintura dura dos seus adversários, ele era pura fantasia com a bola nos pés, gingando e driblando os desesperados soviéticos. Essa partida foi responsável pela lenda de que pela dificuldade em falar o nome dos russos, Garrincha passou a chamar os marcadores de “João”. E todos se tornaram os “Joãos” de Mané. Garrincha se divertia e divertia a todos dentro e fora do campo.

Quando os soviéticos recolocaram a bola em jogo, logo o escrete canarinho a recuperou. Garrincha fez mais uma de suas jogadas e lançou para Pelé, que arriscou o chute, mas a bola explodiu no travessão. O relógio ainda não tinha dado uma volta no ponteiro e o Brasil já havia carimbado a trave por duas vezes. O gol era questão de tempo.

E ele viria pouco mais de um minuto depois. Didi, realmente mais solto em campo, fez um lançamento de curva preciso pelo chão. Vavá se infiltrou na defesa soviética e, da meia-lua, tocou na saída de Yashin para abrir o placar.

O jornalista francês Gabriel Hanot, do jornal L’Equipe (ex-jogador, técnico e um dos idealizadores da atual UEFA Champions League) classificou aquele início brasileiro como “os três maiores minutos da história do futebol”, tal foi a força e a qualidade com que os jogadores brasileiros atacaram os soviéticos, sobretudo Garrincha.


(Imagem: O Globo)

● Os soviéticos estavam perdidinhos. Na tentativa de dominar o meio de campo, o técnico Gavriil Kachalin havia promovido a estreia de seu melhor jogador de linha, o capitão Igor Netto, que se recuperava de contusão. Ele era muito técnico e criativo, uma espécie de “Didi russo”. E nem havia tocado na bola quando Vavá inaugurou o marcador.

Didi, inteligente como só ele, levou Netto, para uma faixa mais neutra do campo, impedindo que o adversário conseguisse criar perigo. E o Príncipe Etíope ainda conseguia ditar o ritmo do jogo e entregava a bola a Garrincha sempre que podia.

Os soviéticos somente chegaram à área brasileira aos quinze minutos, em um lançamento longo para Anatoli Ilyin, que Gylmar saiu para interceptar.

Mas o baile continuou por todo o primeiro tempo, principalmente com um Mané diabolicamente incontrolável, provocando uma devastação na defesa soviética. Os russos pensavam que era um problema de ajuste de marcação e começaram a discutir entre si. Mas nada adiantou e o jogador do Botafogo continuou a fazer fila. Em certo momento, Garrincha deixou um marcador no chão, parou a bola e estendeu a mão para ajudá-lo a levantar. E seguiu o jogo normalmente, de forma inocente.

A partida teve duas fases: algumas poucas de algum equilíbrio e os muitos momentos de domínio brasileiro. Por isso, o segundo gol até demorou.

No segundo tempo, os soviéticos tiveram um de seus raros ataques. Anatoli Ilyin recuperou a bola e deixou com Igor Netto. Valentin Ivanov e Netto tabelaram pelo meio. Ivanov driblou De Sordi e chutou de esquerda. Gylmar encaixou firme, sem dar rebote.

Pelé foi discreto, deixando seu melhor para o jogo seguinte, contra o País de Gales. Ele perdeu dois gols que certamente faria se estivesse com mais ritmo de jogo e não tão nervoso. Normal, para um adolescente.

Aos 31 minutos do segundo tempo, em uma troca de passes entre Pelé e Vavá na área soviética, a bola sobrou entre Vavá e dois zagueiros. Conhecido como Peito de Aço por sua impetuosidade, Vavá esticou a perna esquerda, mesmo com a bola estando mais para o zagueiro Vladimir Kesarev e chutou para o fundo do gol. Em troca, Vavá ficou com um enorme corte na canela esquerda, causada pelas travas da chuteira de Kesarev – tentou tirar a bola no lance, mas chegou atrasado e atingiu em cheio o brasileiro.

O segundo gol trouxe um alívio tão grande que a comemoração passou do ponto: seis jogadores se empilharam sobre um lesionado Vavá, formando uma pirâmide humana até então desconhecida em campos europeus. O centroavante não aguentou de dor no corte e precisou deixar o campo alguns minutos depois. Com essa contusão, imaginava-se que Vavá estaria fora do restante do Mundial.

Aos 37, o ponta Ilyin acertou um chutaço que obrigou Gylmar a fazer a sua defesa mais difícil na Copa até então. E Gylmar terminou a primeira fase com a meta invicta, bem guarnecida por uma defesa irrepreensível formada por De Sordi, o capitão Bellini, Orlando e Nilton Santos. Do outro lado, Yashin evitou uma goleada histórica. O Brasil atacou 36 vezes, sendo a metade com perigo.


(Imagem: Globo Esporte)

● Nos minutos finais, a plateia viu um pequeno baile. Dos 38 aos 40, a bola rolou de pé em pé, de um lado para o outro e de volta ao ponto inicial, o capitão Bellini, sem que nenhum soviético conseguisse tocá-la. A até então comportada torcida sueca foi ao delírio. Deliciados com a arte dos brasileiros, os suecos riam à vontade com o futebol fantasia de Mané. Bastava ele receber a bola que o estádio se punha de pé. E aplaudiam com entusiasmo todo o time, de Gylmar a Zagallo.

O baile serviu para esfriar o ânimo dos soviéticos. Ateus, os comunistas russos pareciam rezar para que o juiz apitasse para que aquele pesadelo acabasse logo.

Os críticos presentes já não tinham mais adjetivos superlativos para descrever a Seleção Brasileira. Garrincha foi considerado “um assombro”. Os ingleses chamaram o ponta de “mercurial” (de outro mundo). Os jornais brasileiros disseram que Garrincha “arrombou a Cortina de Ferro”.

O decantado futebol científico da URSS se dobrava diante da malemolência do brasileiro: a genialidade de Didi, os dribles de Garrincha, o oportunismo de Vavá e tudo de Pelé.

No fim da partida, Garrincha resumiu tudo: “Eu tava com fome de bola”. No dia seguinte, ele recebeu o bicho direto das mãos do tesoureiro Adolpho Marques: cinquenta dólares. No Brasil, foi eleito o “desportista da semana” e ganhou uma bicicleta Gulliver.


(Imagem: Mais Futebol)

● No dia seguinte, em uma demonstração de esportividade, a delegação soviética visitou a concentração brasileira. Entre elogios e brincadeiras, principalmente com Garrincha, o zagueiro Kesarev se desculpou pelo rasgo na canela de Vavá. A URSS teve que jogar uma partida desempate com a Inglaterra pelo segundo lugar do grupo e venceu por 1 x 0. Nas quartas de final, caiu para a Suécia, dona da casa, por 2 x 0.

A principal ausência na seleção soviética foi a do centroavante Eduard Streltsov, artilheiro do time nas eliminatórias. Ele foi impedido de sair de seu país por estar respondendo a um processo criminal por estupro. Diz a lenda que ele era inocente e seu julgamento teria sido todo armado porque ele bateu de frente com o regime comunista russo. Porém, essa é uma história polêmica que fica pra outro momento. Mas ele fez muita falta à equipe e que, talvez, se estivesse em campo, a URSS poderia ter ido mais longe do que as quartas de final.

O desempenho dos brasileiros contra os soviéticos foi tamanho, que o placar foi considerado injusto, pois o Brasil teria merecido vencer por uma diferença mais expressiva no placar. Mas a vitória foi mais que o suficiente para classificar a Seleção Brasileira como líder do grupo. Cheia de confiança, enfrentaria o País de Gales nas quartas de final quatro dias depois. Esperamos contar essa história no próximo dia 19.

Enfim, Vicente Feola havia encontrado a escalação ideal. Pelé e Garrincha estrearam em Copas do Mundo e começaram a se transformarem em mitos. Com os dois juntos em campo, a Seleção Brasileira nunca foi derrotada. Foram oito anos e quarenta jogos (incluindo não oficiais) e o Brasil nunca perdeu: foram 35 vitórias e cinco empates). O título mundial era possível. Havia esperança e ela estava mais viva do que nunca.


(Imagem: Mais Futebol)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 2 x 0 UNIÃO SOVIÉTICA

 

Data: 15/06/1958

Horário: 19h00 locais

Estádio: Nya Ullevi

Público: 50.928

Cidade: Gotemburgo (Suécia)

Árbitro: Maurice Guigue (França)

 

BRASIL (4-2-4):

UNIÃO SOVIÉTICA (WM):

3  Gylmar (G)

1  Lev Yashin (G)

14 De Sordi

2  Vladimir Kesarev

2  Bellini (C)

4  Boris
Kuznetsov

15 Orlando

5  Yuriy Voynov

12 Nilton Santos

3  Konstantin Krizhevsky

19 Zito

16 Viktor Tsaryov

6  Didi

17 Aleksandr Ivanov

11 Garrincha

8  Valentin Ivanov

20 Vavá

9  Nikita Simonyan

10 Pelé

6  Igor Netto (C)

7  Zagallo

11 Anatoli Ilyin

 

Técnico: Vicente Feola

Técnico: Gavriil Kachalin

 

SUPLENTES:

 

 

1  Castilho (G)

12 Vladimir Maslachenko (G)

4  Djalma Santos

13 Vladimir Belyayev (G)

16 Mauro

14 Leonīds Ostrovskis

9  Zózimo

22 Vladimir Yerokhin

8  Oreco

15 Anatoli Maslyonkin

5  Dino Sani

19 Gennadi Gusarov

13 Moacir

20 Yuri Falin

17 Joel

7  German Apukhtin

18 Mazzola

18 Valentin Bubukin

21 Dida

10 Sergei Salnikov

22 Pepe

21 Genrikh Fedosov

 

GOLS:

3′ Vavá (BRA)

77′ Vavá (BRA)

Veja imagens raras da partida:

Lance inicial e gols do jogo:

Algumas imagens da partida:

● Sobre “aqueles primeiros três minutos”, no livro “Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha”, Ruy Castro reproduz o relato do repórter Ney Bianchi na revista Manchete Esportiva e depois complementa:

“Monsieur Guigue, gendarme nas horas vagas, ordena o começo da partida. Didi centra rápido para a direita: 15 segundos de jogo. Garrincha escora a bola com o peito do pé: 20 segundos. Kuznetzov parte sobre ele. Garrincha faz que vai para a esquerda, não vai, sai pela direita. Kuznetzov cai e fica sendo o primeiro João da Copa do Mundo: 25 segundos. Garrincha dá outro drible em Kuznetzov: 27 segundos. Mais outro: 30 segundos. Outro. Todo o estádio levanta-se. Kuznetzov está sentado, espantado: 32 segundos. Garrincha parte para a linha de fundo. Kuznetzov arremete outra vez, agora ajudado por Voinov e Krijveski: 34 segundos. Garrincha faz assim com a perna. Puxa a bola para cá, para lá e sai de novo pela direita. Os três russos estão esparramados na grama, Voinov com o assento empinado para o céu. O estádio estoura de riso: 38 segundos. Garrincha chuta violentamente, cruzado, sem ângulo. A bola explode no poste esquerdo da baliza de Iashin e sai pela linha de fundo: 40 segundos. A platéia delira. Garrincha volta para o meio do campo, sempre desengonçado. Agora é aplaudido.”

“A torcida fica de pé outra vez. Garrincha avança com a bola. João Kuznetzov cai novamente. Didi pede a bola: 45 segundos. Chuta de curva, com a parte de dentro do pé. A bola faz a volta ao lado de Igor Netto e cai nos pés de Pelé. Pelé dá a Vavá: 48 segundos. Vavá a Didi, a Garrincha, outra vez a Pelé, Pelé chuta, a bola bate no travessão e sobe: 55 segundos. O ritmo do time é alucinante. É a cadência de Garrincha. Iashin tem a camisa empapada de suor, como se já jogasse há várias horas. A avalanche continua. Segundo após segundo, Garrincha dizima os russos. A histeria domina o estádio. E a explosão vem com o gol de Vavá, exatamente aos três minutos.”

Foi assim que o repórter Ney Bianchi reproduziu em Manchete Esportiva aquele começo de jogo, como se tivesse um olho na bola e outro no cronômetro. Mas não estava longe da verdade. Outro jornalista, Gabriel Hannot, diria que aqueles foram os maiores três minutos da história do futebol e, com mais de setenta anos, ele fora testemunha ocular dessa história. A avalanche fora tão impressionante que, assim que se viu vazado, Iashin cumprimentou o primeiro brasileiro que lhe passou por perto – por acaso, Pelé.

E ainda faltavam 87 minutos para o jogo acabar! A continuar daquele jeito, já havia russos contemplando uma temporada na Sibéria. Nunca o orgulho do “científico” futebol soviético fora tão desmoralizado, e pelo mais improvável dos seres: um camponês brasileiro, mestiço, franzino, estrábico e com as pernas absurdamente tortas. A anticiência por excelência, o anti-Sputnik, o anticérebro eletrônico ou qualquer cérebro. Kessarev, Krijveski, Voinov, Tsarev e, mais que os outros, Kuznetzov, todos os zagueiros russos foram driblados por Garrincha em algum momento do jogo: um de cada vez, dois, três ou, em fila, todos ao mesmo tempo. Garrincha deixava um russo sentado e dizia, como se ele pudesse entendê-lo:

“Conheceu, papudo?”

… 08/06/1958 – França 7 x 3 Paraguai

Três pontos sobre…
… 08/06/1958 – França 7 x 3 Paraguai


(Imagem: Imortais do Futebol)

● Na primeira partida das eliminatórias europeias para a Copa do Mundo de 1958, a França logo tratou de mostrar suas credenciais. Em Paris, goleou sua maior concorrente, a Bélgica, por 6 x 3, com cinco gols do centroavante Thadée Cisowski, polonês naturalizado francês. O empate sem gols no jogo da volta, em Bruxelas, garantiu a liderança do Grupo 2 (que também tinha a Islândia) e a vaga no Mundial. Nessa partida, os destaques foram o goleiro Claude Abbes e o zagueiro Mustapha Zitouni. Porém, Zitouni, que era argelino, abandonou Les Bleus antes da Copa para se juntar à seleção da FLN – Frente de Libertação Nacional –, que era um grupo de guerrilheiros que vinham travando combates contra o domínio francês desde 1954 e lutando pela independência da Argélia – o que só viria a ocorrer em 1962. As ações da FLN ganharam maior força em 1958. Outros três argelinos deixaram a seleção francesa e voltaram para seu país natal: os meias Rachid Mekloufi e Abdelaziz Ben Tifour, além do ponta direita Said Brahimi. O atacante Célestin Oliver, também argelino, permaneceu na seleção francesa.

Se já não bastasse o problema da deserção, ainda houve a lesão de Cisowski, que fraturou a perna jogando pelo Racing de Paris. Para piorar, René Bliard, outro atacante, lesionou o tornozelo em jogo-treino contra um clube sueco, a poucos dias do Mundial. Essas ausências acabaram abrindo brecha para a convocação de Just Fontaine. Ele era outro imigrante, nascido no Marrocos, mas seu país de nascimento já era independente desde 1956 e ele já estava radicado na França há cinco anos. Fontaine era um atacante de enorme poder de finalização, como seria provado durante o Mundial.

Assim, o técnico Albert Batteux não conseguiu formar seu time ideal e teve que remontar sua lista de convocados. O treinador optou pelo entrosamento, ao chamar seis jogadores do Stade de Reims, multicampeão nacional e duas vezes vice-campeão da Copa dos Campeões Europeus (atual UEFA Champions League).

Raymond Kopa não esteve presente nas eliminatórias, mas pôde fortalecer o elenco bleu no Mundial. O meia jogava no Real Madrid desde 1956 e, como a Espanha não se qualificou para a Copa, os dirigentes do Real Madrid concordaram em sua liberação.


(Imagem: Pinterest)

● No Grupo 3 do qualificatório sul-americano, o Uruguai jogava pelo empate, mas o Paraguai surpreendeu. Com a lesão do ponta esquerda Genaro Benítez (único da equipe que jogava no exterior, no Millonarios, da Colômbia), o jovem Florencio Amarilla estreou na seleção albirroja e marcou um “hat trick” na goleada de 5 x 0 sobre a Celeste Olímpica, que garantiu o Paraguai na liderança da chave e, consequentemente, a vaga para a Copa.

O time na Suécia era praticamente o das eliminatórias. Não pôde contar com alguns dos melhores jogadores nascidos em seu território: o já citado Genaro Benítez, o zagueiro Heriberto Herrera (do Atlético de Madrid) e o atacante Eulogio Martínez (do Barcelona). Ambos haviam se naturalizado e vestiram a camisa da seleção espanhola. Certamente esses três elevariam muito o nível técnico da aguerrida equipe guarani, treinada por Aurelio González, ex-atacante do Olimpia e da seleção.


Como praticamente todas as seleções da Copa de 1958, o sistema defensivo francês ainda estava disposto no WM, mas já indicava uma transição para uma formação com quatro defensores. Armand Penverne era o meia defensivo pela direita, mas recuava com frequência quase como se fosse um quarto zagueiro. Kopa era mais armador e Piantoni avançava como um ponta de lança.


O Paraguai jogava duro e cometia muitas faltas. Atuava em tática semelhante, mais parecido ao sistema WM Diagonal criado pelo técnico brasileiro Flávio Costa. Salvador Villalba era o meia defensivo que jogava mais recuado. José Parodi fazia o balanço no meio, enquanto Cayetano Ré (que seria artilheiro no Barcelona na década seguinte) avançava para completar o quarteto de ataque.

● No domingo, dia 08/06/1958, mais de 16 mil pessoas estiveram no estádio Idrottsparken, na cidade de Norrköping, no sudoeste da Suécia. Cercada de expectativas, a França estreou contra o Paraguai. Os expectadores puderam presenciar uma partida incrível, com três viradas e dez gols marcados.

Aos 21 minutos de jogo, o centroavante Jorge Lino Romero foi derrubado dentro da área. Amarilla converteu e abriu o placar.

Quatro minutos depois, Fontaine recebeu de Kopa dentro da área e finalizou da marca do pênalti, empatando a partida.

A primeira virada foi francesa. Aos 30′, novamente Kopa fez o passe e Fontaine finalizou de dentro da área, vencendo o goleiro Ramón Mayeregger e fazendo 2 x 1. Foram dois passes geniais de Kopa e dois gols quase idênticos de Fontaine.

Mas os paraguaios estavam ligados em uma tomada de 220 volts e não se deram por vencidos. Como o time francês era muito ofensivo, oferecia espaços entre as linhas, especialmente na defesa. Amarilla, de novo, empatou no finalzinho do primeiro tempo. Ele recebeu na entrada da área e chutou no angulo esquerdo do goleiro François Remetter.

Mais uma virada ocorreu aos cinco minutos da etapa final, quando Amarilla lançou para Romero finalizar. Paraguai 3, França 2.

Logo na sequência, o jogo mudaria drasticamente. O meia José Parodi levou a pior em um choque de cabeças com Jean-Jacques Marcel e ficou praticamente desacordado. Ele teve que sair de campo e deixou os guaranis com um a menos, já que não haviam substituições na época.

Foi o que precisava para começar o show do avassalador ataque francês. Aos 7, o ponta de lança Roger Piantoni finalizou sem defesa para o goleiro Ramón Mayeregger: 3 a 3.

Maryan Wisnieski fez boa jogada individual e marcou aos 17′, na derradeira e definitiva virada desse memorável jogo: 4 x 3.

O quinto gol saiu aos 21′. Piantoni cruzou para a pequena área. Fontaine ganhou a dividida com o goleiro e marcou seu “hat trick”.

Kopa fez o seu aos 25′, avançando com a bola dominada e chutando sem chances para o goleiro paraguaio.

A seis minutos do apito final, o marcador foi fechado pelo ponta esquerda Jean Vincent, que recebeu de Kopa e arrematou no canto, fechando o jogo em absurdos 7 x 3.


(Imagem: Europe1.fr)

● Quem viu apenas o resultado não imagina o quanto a partida foi difícil. Foi um duelo muito equilibrado, em que a linha ofensiva dos bleus estava imparável e, comandada por Fontaine, fez toda a diferença para a goleada exagerada.

O placar elástico surpreendeu o público e a imprensa, assim como o outro resultado do grupo, o empate por 1 x 1 entre Iugoslávia e Escócia – pois os iugoslavos eram amplamente favoritos.

O Paraguai caiu na primeira fase, mas teve uma despedida honrada, ao vencer a Escócia por 3 x 2 e empatar com a Iugoslávia por 3 x 3.

Por sua vez, a França perdeu para a Iugoslávia por 3 a 2 e venceu a Escócia por 2 a 1, se classificando como líder do Grupo 2, com quatro pontos. Nas quartas de final, goleou a Irlanda do Norte por 4 a 0. Nas semifinais, não foi páreo para o Brasil de Didi e Pelé e perdeu por 5 a 2. Na decisão do 3º lugar, massacrou a Alemanha Ocidental por 6 a 3, com quatro gols de Fontaine, artilheiro do Mundial com 13 gols em 6 partidas. Até hoje ele é o maior goleador em uma única edição de Copa do Mundo.


Fontaine é festejado pelos companheiros de seleção (Imagem: Getty Images / FIFA)

● Quando se fala em seleção francesa de futebol, logo se pensa nos campeões do mundo de 1998 e 2018. O que essas grandes equipes tem em comum? As três cores principais da bandeira estão mais para “black, blanc, beur” (uma alusão aos negros, brancos e árabes) do que azul, branco e vermelho. Os imigrantes sempre foram a principal força do futebol no país, desde seus primórdios. Se em 1998, 13 dos jogadores possuíam alguma ligação ou origem estrangeira, no time de 2018 eram 20 dos 23. A primeira equipe francesa de destaque, que ficou com o 3º lugar na Copa do Mundo de 1958, também tinha “pé de obra” importado. Além dos argelinos que deixaram Les Bleus para atuarem pela FLN e de Thadée Cisowski, nascido na Polônia, o destaque foi o artilheiro do Mundial com 13 gols: o marroquino Just Fontaine. O grande craque era Raymond Kopaszewski, o Kopa, de família polonesa, assim como Maryan Wisnieski. Por sua vez, o ponta direita era amigo de infância de Roger Piantoni, de ascendência italiana, assim como o arqueiro Dominique Colonna e o meia Bernard Chiarelli. O atacante Célestin Oliver nasceu na Argélia. O goleiro Claude Abbes era filho de um agricultor espanhol. Já os familiares de Kazimir Hnatow deixou a região onde fica a atual Ucrânia antes que o atleta nascesse.


Em pé: Kaelbel, Penverne, Jonquet, Marcel, Remetter e Lerond. Sentados: Wisnieski, Fontaine, Kopa, Piantoni e Vincent. (Imagem: Imortais do Futebol)

FICHA TÉCNICA:

 

FRANÇA 7 x 3 PARAGUAI

 

Data: 08/06/1958

Horário: 19h00 locais

Estádio: Idrottsparken

Público: 16.518

Cidade: Norrköping (Suécia)

Árbitro: Juan Gardeazábal Garay (Espanha)

 

FRANÇA (WM):

PARAGUAI (WM):

3  François Remetter (G)

1  Ramón Mayeregger (G)

4  Raymond Kaelbel

2  Edelmiro Arévalo

10 Robert Jonquet (C)

3  Juan Vicente Lezcano

5  André Lerond

17 Agustín Miranda

13 Armand Penverne

5  Salvador Villalba

12 Jean-Jacques Marcel

4  Ignacio Achúcarro

22 Maryan Wisnieski

7  Juan Bautista Agüero (C)

20 Roger Piantoni

8  José Parodi

17 Just Fontaine

9  Jorge Lino Romero

18 Raymond Kopa

21 Cayetano

21 Jean Vincent

11 Florencio Amarilla

 

Técnico: Albert Batteux

Técnico: Aurelio González

 

SUPLENTES:

 

 

1  Claude Abbes (G)

12 Samuel Aguilar (G)

2  Dominique Colonna (G)

13 Luis Gini

6  Roger Marche

14 Darío Segovia

7  Robert Mouynet

6  Eligio Echagüe

11 Maurice Lafont

19 Eliseo Insfrán

8  Bernard Chiarelli

15 Luis Santos Silva

9  Kazimir Hnatow

16 Claudio Lezcano

14 Raymond Bellot

18 Benigno Gilberto Penayo

15 Stéphane Bruey

20 José Raúl Aveiro

16 Yvon Douis

10 Óscar Aguilera

19 Célestin Oliver

22 Eligio Antonio Insfrán

 

GOLS:

20′ Florencio Amarilla (PAR)

24′ Just Fontaine (FRA)

30′ Just Fontaine (FRA)

44′ Florencio Amarilla (PAR) (pen)

50′ Jorge Lino Romero (PAR)

52′ Roger Piantoni (FRA)

61′ Maryan Wisnieski (FRA)

67′ Just Fontaine (FRA)

70′ Raymond Kopa (FRA)

83′ Jean Vincent (FRA)

Veja os gols da partida:

 

… 11/06/1958 – Brasil 0 x 0 Inglaterra

Três pontos sobre…
… 11/06/1958 – Brasil 0 x 0 Inglaterra


(Imagem: DPA / FourFourTwo)

● Em partida válida pela segunda rodada do Grupo 4, mais de quarenta mil pessoas estiveram presentes no estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo, para assistir ao primeiro jogo oficial entre Brasil e Inglaterra.

Após a vitória de 3 a 0 sobre a Áustria, o Brasil liderava seu grupo com dois pontos. Na primeira rodada, Inglaterra e União Soviética haviam empatado por 2 a 2.

O futebol inglês ainda vivia o luto causado pelo desastre aéreo ocorrido no aeroporto de Munique no dia 06/02, que causou a morte de 23 dos 38 tripulantes, sendo oito jogadores do Manchester United. Entre os mortos, três atletas que certamente seriam titulares do English Team na Copa da Suécia: Roger Byrne (28 anos), capitão do Man Utd, que havia jogado o Mundial de 1954; Tommy Taylor (26 anos), grande artilheiro dos Red Devils e também veterano da Copa de 1954; e Duncan Edwards (21 anos), um jogador polivalente, adorado pelos ingleses e que – segundo a imprensa europeia – tinha potencial para ser o melhor do mundo. Os três foram perdas muito sentidas para o time formado pelo técnico Walter Winterbottom. Entre os sobreviventes, um garoto de 20 anos, Bobby Charlton, que esteva no elenco em 1958 e que lideraria a seleção campeã do mundo em 1966 (disputaria quatro Copas, entre 1958 e 1970).


(Imagem: Central Press / Hulton Archive / Getty Images)

● Como já contamos detalhadamente nesse outro texto (clique aqui para ler) a pacata cidade de Hindås foi o local escolhido para concentração da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958. A cerca de 300 metros estava hospedada também a delegação da União Soviética.

Na véspera do jogo contra a Inglaterra, o goleiro Gymar dos Santos Neves recebeu a visita do colega Lev Yashin. O arqueiro soviético falava um pouquinho de espanhol e alertou o brasileiro sobre o centroavante inglês Derek Kevan, que costumava entrar dando cotoveladas para quebrar os goleiros rivais. O “Aranha Negra” descobriu isso da pior maneira na partida anterior e sofreu com o jogo sujo do inglês – que também era acostumado a cuspir nos adversários.

Gylmar entrou em campo prevenido. Na partida, saía do gol com o joelho levantado para acertar os oponentes antes de ser acertado. Isso ajudou a manter o ataque inglês longe de sua área. Na época o futebol britânico era pouco criativo e tinha praticamente uma única jogada de ataque: os cruzamentos para a área adversária. Foi um jogo duro, muito sofrido. Kevan jogava sujo, mas era um grande jogador e deu muito trabalho à defesa brasileira.

Antes da partida, Feola recebeu informações sobre o forte sistema defensivo inglês e resolveu reforçar o ataque, com dois atacantes de ofício. Dida sentia dores no pé e não conseguia sequer chutar uma bola. Foi substituído por Vavá. Além disso, Pelé havia sido barrado pelo médico, o Dr. Hilton Gosling, por ainda estar com o joelho em tratamento.

O treinador brasileiro pretendia escalar uma equipe mais ofensiva do que na estreia e queria que Garrincha jogasse no lugar de Joel. Mas, outra vez, foi convencido do contrário pelo observador Ernesto Santos, que alertou que o lateral esquerdo Bill Slater era um jogador muito violento e que poderia atingir Garrincha e tirá-lo do restante da Copa. Segundo Ernesto, Slater era o “jogador mais perverso que já vira atuar”. A jogada desleal do inglês consistia em “pisar com força o calcanhar do adversário na corrida, prender-lhe o pé e embolar-se com ele na queda”. E, enquanto o juiz nem marcava falta, o ponta passava o resto do jogo fazendo número ou saía de campo para não mais voltar.

Joel foi escalado e orientado a buscar mais o jogo no meio ao invés de abrir pela ponta, evitando o confronto direto com Slater. Seguiu o posicionamento à risca na primeira etapa e quase marcou um gol – salvo em cima da linha por Billy Wright. Porém, no segundo tempo, o brasileiro se empolgou, deu uma sequência de dribles no inglês, recebeu uma pancada e saiu de campo com muitas dores.


Influenciado pelo técnico húngaro Béla Guttmann, de quem foi auxiliar no São Paulo FC, Vicente Feola escalou seu time no revolucionário sistema 4-2-4. Com o recuo voluntário de Zagallo, o esquema se transformava em um 4-3-3 sem a bola.


A Inglaterra ainda utilizada o velho sistema W-M, criado por Herbert Chapman em 1925.

● O Brasil deu o pontapé inicial. Mas logo nos primeiros segundos, quem atacou foi a Inglaterra. O ponta esquerda Alan A’Court avançou e tabelou com Johnny Haynes. O capitão Bellini cortou e Dino Sani aliviou o perigo.

No fim do primeiro tempo, Zagallo cruzou para a área e a bola sobrou para Joel, que chutou forte para boa defesa de McDonald. Eddie Clamp pegou a sobra e bateu para cima.

A Inglaterra partiu para o ataque. Johnny Haynes, tabelou com Kevan e chutou bem. Gylmar defendeu em dois tempos. Foi o lance mais perigoso dos ingleses nos 90 minutos.

O English Team soube fechar os espaços para Didi, evitando que a criação de jogadas passasse pelo astro brasileiro. Com isso, o Brasil não conseguiu criar muito e não faz gols.

O goleiro inglês Colin McDonald esteve em uma noite inspirada e fechou o gol. Ele fez várias defesas à queima roupa, especialmente de Mazzola, e viu o Brasil acertar a trave com Vavá.

Já no finzinho, foi Mazzola quem desperdiçou a melhor oportunidade do jogo, ao perder um gol embaixo da trave, finalizando por cima.


(Imagem: Pinterest)

● Essa partida ficou marcada por ter sido a primeira a terminar sem gols em toda a história das Copas, após 116 jogos. Como era uma situação inédita, alguns jogadores ficaram meio perdidos em campo, chegando a pensar que o árbitro alemão Albert Dusch daria uma prorrogação.

O placar soou como um alerta para a comissão técnica denunciou algumas deficiências no ataque brasileiro que não tinham sido percebidas na estreia. O terceiro jogo seria de “vida ou morte” e seria justamente contra os temidos soviéticos.


(Imagem: Pinterest)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 0 x 0 INGLATERRA

 

Data: 11/06/1958

Horário: 19h00 locais

Estádio: Nya Ullevi

Público: 40.895

Cidade: Gotemburgo (Suécia)

Árbitro: Albert Dusch (Alemanha Ocidental)

 

BRASIL (4-2-4):

INGLATERRA (WM):

3  Gylmar (G)

1  Colin McDonald (G)

14 De Sordi

2  Don Howe

2  Bellini (C)

5  Billy Wright (C)

15 Orlando

3  Tommy Banks

12 Nilton Santos

4  Eddie Clamp

5  Dino Sani

6  Bill Slater

6  Didi

7  Bryan Douglas

17 Joel

8  Bobby Robson

18 Mazzola

9  Derek Kevan

20 Vavá

10 Johnny Haynes

7  Zagallo

21 Alan A’Court

 

Técnico: Vicente Feola

Técnico: Walter Winterbottom

 

SUPLENTES:

 

 

1  Castilho (G)

12 Eddie Hopkinson (G)

4  Djalma Santos

13 Alan Hodgkinson (G)

16 Mauro

14 Peter Sillett

9  Zózimo

16 Maurice Norman

8  Oreco

15 Ronnie Clayton

19 Zito

18 Peter Broadbent

13 Moacir

22 Maurice Setters

11 Garrincha

20 Bobby Charlton

21 Dida

17 Peter Brabrook

10 Pelé

19 Bobby Smith

22 Pepe

11 Tom Finney

Lances da partida:

… 08/06/1958 – Brasil 3 x 0 Áustria

Três pontos sobre…
… 08/06/1958 – Brasil 3 x 0 Áustria


Nílton Santos surpreendeu, avançou ao ataque e marcou o segundo gol brasileiro (Imagem: Getty Images)

● Para a Copa do Mundo de 1958, chegaram como favoritas para a competição a seleção da Inglaterra (que embora não justificasse em campo, ainda era aclamada como a melhor do mundo), a Alemanha Ocidental (campeã mundial em 1954) e a União Soviética (com seu “futebol científico”). Dentre as sul-americanas, apenas a Argentina merecia alguma atenção, não pelo favoritismo, mas pelo fato de ter voltado a disputar um Mundial 24 anos depois.

O Brasil foi sorteado no grupo mais equilibrado da competição. A Áustria tinha terminado o Mundial anterior no 3º lugar; a Inglaterra era sempre forte, embora desfalcada pelo acidente que vitimou vários atletas do Manchester United e titulares do English Team; a União Soviética era estreante em Copas, mas vinha com praticamente a mesma equipe que tinha conquistado a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos em 1956, em Melbourne.

O adversário brasileiro na estreia era a forte Áustria, capitaneada por Gerhard Hanappi.

Mas a Seleção Brasileira estava muito bem preparada, como já contamos neste outro texto.


O Brasil atuava em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo.


A Áustria jogava no tradicional sistema WM.

● Um público de 17.788 pessoas compareceram ao estádio Rimnersvallen, na pequena cidade de Uddevalla, para assistir a um encontro clássico: a técnica sul-americana contra a força e a destreza europeia.

O jogo foi duro, especialmente na primeira etapa, com os jogadores tensos e o ataque brasileiro hesitante.

Gylmar chegou a salvar algumas oportunidades criadas pela Áustria.

Até que aos 37 minutos, o craque brasileiro Didi faz um lançamento genial, de seu próprio campo, para José Altafini, o “nosso” Mazzola. O jovem prodígio do Palmeiras recebe na área, domina e chuta cruzado, no canto direito de Szanwald, para abrir o placar.

A Áustria começa bem o segundo tempo, dando sinais de que continuaria pressionando. O ponta direita Walter Horak passa pela defesa brasileira, mas Gylmar agarra firme o chute de Hans Buzek.

Os austríacos avançam com tudo, mas sofrem com os contra-ataques.

Aos 5′ da etapa final, Nílton Santos, a “Enciclopédia do Futebol”, roubou a bola de Horak e arrancou pela esquerda (uma cena raríssima no futebol daquela época). Como Zagallo fez a cobertura, o lateral esquerdo avançou, chegou à área, tabelou com Mazzola, recebeu nas costas da defesa e tocou no alto, na saída do goleiro. Foi o gol mais importante dos 14 que Nílton marcou em toda sua carreira. Ele contrariou completamente as ordens do técnico Vicente Feola, que, do banco de reservas, gritava: “Volta, Nílton! Volta!” até o momento em que a bola parou na rede. Felizmente o craque não obedeceu ao treinador, que depois mudou o grito: “Boa, Nílton! Boa!”

Pouco depois, Dino Sani cruza perigosamente, mas o goleiro Rudolf Szanwald segura com tranquilidade.

O Brasil se mantém firme diante da pressão constante (mas inócua) da Áustria.

De Sordi avança, mas não tem a qualidade de Nílton Santos. Seu chute vai longe da meta.

A um minuto do fim, Mazzola arranca, cercado por dois marcadores, e chuta de fora da área, no canto esquerdo do goleiro. Era seu segundo gol no jogo, o terceiro do Brasil.

Boa estreia brasileira: 3 a 0.


Mazzola deu muito trabalho ao goleiro Rudolf Szanwald (Imagem: Globo Esporte)

● As joelheiras de Gylmar ¹*

Ao chegar no vestiário, o goleiro Gylmar dos Santos Neves notou o desespero do roupeiro:
– Gylmar, esqueci as suas joelheiras no hotel. O doutor Paulo vai querer me matar!
– Não se preocupe! – respondeu Gylmar. – Vou dizer que eu é que decidi jogar sem joelheiras.
Gylmar jogou sem o acessório contra a Áustria e não sentiu falta. Tanto que não usaria mais joelheiras pelo resto da competição.
– No final, achei que joguei com mais liberdade.

¹* Trecho extraído do livro:
Duarte, Marcelo. O Guia dos Curiosos: Copas. 1. ed. São Paulo: Panda Books, 2014.


(Imagem localizada no Google)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 3 x 0 ÁUSTRIA

 

Data: 08/06/1958

Horário: 19h00 locais

Estádio: Rimnersvallen

Público: 17.788

Cidade: Uddevalla (Suécia)

Árbitro: Maurice Guigue (França)

 

BRASIL (4-2-4):

ÁUSTRIA (WM):

3  Gylmar (G)

1  Rudolf Szanwald (G)

14 De Sordi

5  Gerhard Hanappi (C)

2  Bellini (C)

3  Ernst Happel

15 Orlando

4  Franz Swoboda

12 Nilton Santos

2  Paul Halla

5  Dino Sani

6  Karl Koller

6  Didi

7  Walter Horak

17 Joel

11 Helmut Senekowitsch

18 Mazzola

9  Hans Buzek

21 Dida

10 Alfred Körner

7  Zagallo

13 Walter Schleger

 

Técnico: Vicente Feola

Técnico: Josef Argauer

 

SUPLENTES:

 

 

1  Castilho (G)

12 Kurt Schmied (G)

4  Djalma Santos

22 Bruno Engelmeier (G)

16 Mauro

15 Walter Kollmann

9  Zózimo

18 Leopold Barschandt

8  Oreco

16 Karl Stotz

19 Zito

17 Ernst Kozlicek

13 Moacir

21 Ignaz Puschnik

11 Garrincha

20 Herbert Ninaus

20 Vavá

8  Paul Kozlicek

10 Pelé

14 Josef Hamerl

22 Pepe

19 Robert Dienst

 

GOLS:

37′ Mazzola (BRA)

50′ Nilton Santos (BRA)

85′ Mazzola (BRA)

Gols da partida:

Melhores momentos da partida:

… Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958

Três pontos sobre…
… Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958


(Imagem: Baú do Futebol)

● As cinco primeiras Copas do Mundo ofereceram uma experiência extraordinária para a Seleção Brasileira. Assim, para a Copa de 1958, na Suécia, a CBD organizou melhor a seleção dentro e fora de campo. Pela primeira vez, a delegação contava com supervisor (Carlos Nascimento, do Bangu), preparador físico (Paulo Amaral, do Botafogo), médico (Hilton Gosling, do Bangu), dentista (Mário Trigo de Loureiro, fundamental também por descontrair qualquer ambiente com suas piadas), massagista (Mário Américo) e até um psicólogo (João Carvalhaes).

O processo de escolha do técnico foi o resultado de um consenso entre João Havelange, presidente da CBD desde o início do ano, e Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação brasileira na Copa (e fundador da Rede Record). Vários nomes foram cogitados, como o paraguaio Fleitas Solich (técnico do Flamengo), Flávio Costa (técnico da Copa de 1950) e Zezé Moreira (técnico da Copa de 1954). Mas escolheram Vicente Feola, que era auxiliar técnico de Béla Guttmann no São Paulo, quando o húngaro implementou um inédito esquema tático com quatro zagueiros no clube paulista, semelhante à grande seleção da Hungria de 1954. Feola utilizaria também este sistema na Seleção.

Dr. Paulo encomendou um plano de preparação bem detalhado para a Copa, elaborado por três jornalistas da TV Record: Paulo Planet Buarque, Flávio Iazzetti e Ary Silva. Nele, foi traçado todo o roteiro de treinamento, dia a dia, desde a manhã da apresentação, no dia 07/04, o embarque para a Europa, no dia 24/05 e até a realização dos jogos amistosos.

A preparação toda foi cercada de muitos cuidados. A delegação levou carne e um cozinheiro para a concentração no Turist Hotel, na pacata cidade de Hindås, à beira de um belo lago. Para não correr nenhum risco, a comissão técnica escolheu o local um ano antes e conseguiu convencer a direção do hotel a substituir, naquele mês, 28 funcionárias mulheres (cozinheiras, garçonetes e arrumadeiras) por homens.

Para se ter uma noção da dificuldade de comunicação entre Brasil e Suécia na época (e também do rigor da concentração da Seleção), havia um dia específico marcado para cada um telefonar ao Brasil. Essa ligação poderia ocorrer só uma vez por semana e não deveria ultrapassar três minutos.

Os brasileiros introduziram uma novidade nos modelos esportivos usados na época: os calções curtos e camisas com modelos mais adequados para a prática do futebol. Em seu estágio primitivo, os calções chegavam aos joelhos e as camisas tinham até bolso.

Tudo foi planejado de forma inédita, da melhor maneira possível. Uma preparação de campeão. Essa enorme equipe técnica só falhou em um pequeno detalhe: esqueceu de informar à FIFA os números das camisas dos jogadores. Reza a lenda que, assim, coube ao uruguaio Lorenzo Villizio, integrante do comitê organizador da Copa, definir os números com base no que conhecia dos jogadores. E ele cometeu erros grosseiros, como dar a camisa 3 para o goleiro Gylmar e a 9 ao zagueiro reserva Zózimo. Por uma grande e feliz coincidência, a camisa 10 ficou com Pelé.


Pelé chora de emoção, amparado pelo grande goleiro Gylmar (Imagem: O Globo)

● O brasileiro sofria de “complexo de vira-lata”. Essa expressão foi criada pelo jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues (irmão de Mário Filho, também jornalista, que dá nome ao estádio Maracanã). Ela refletia o sentimento que tomou conta do país depois da derrota na Copa de 1950. Mesmo quando a Seleção demonstrava um bom futebol, esse complexo fazia a torcida duvidar. Sempre tinha um “pé atrás”. Didi era um craque de reconhecido nível mundial, mas no Brasil era criticado por ser preguiçoso nos treinamentos. Essa “síndrome” só terminaria quando viesse uma grande conquista.

Desde a Copa de 1938, o jogador brasileiro sempre chamou a atenção por sua habilidade e irreverência. Mas a falta de um título mundial colocava nosso futebol em xeque. Para a maioria, faltava seriedade aos craques e técnica aos mais sérios. Sempre enxergamos isso mais como um problema do que como uma solução. Mas a Seleção de 1958 veio para mudar esse estigma, com o irreverente Garrincha e o carrancudo Didi.

O Brasil chegou à Suécia sem despertar maiores interesses da imprensa e do público de modo geral. Embora tivesse vários jogadores de qualidade reconhecida, era apenas mais uma boa equipe dentre tantas outras. A equipe passou pelas eliminatórias empatando com o Peru, em Lima (1 x 1) e vencendo o jogo de volta por 1 a 0, no Maracanã, com um gol de Didi cobrando falta, com sua famosa “folha-seca”. Mesmo com dificuldades, o Brasil estava pronto para disputar de verdade o título mundial.

De todos os 33 convocados da lista inicial, a ausência mais sentida foi do craque veterano Zizinho, que ainda jogava em altíssimo nível, mesmo aos 37 anos. Mas havia uma geração de craques a serviço do escrete canarinho. Formado por 12 atletas do Rio de Janeiro e 10 de São Paulo, era uma equipe equilibrada, que podia apostar também no vigor físico de seus atletas. Dos jogadores que entraram em campo, apenas Nílton Santos tinha mais que 30 anos. Os caçulas eram Pelé, com 17, e Mazzola, com 19. A média de idade era de 25 anos.

O elenco se apresentou no dia 07/04 e iniciou os treinamentos nas cidades mineiras de Poços de Caldas e Araxá. Para fazer os cortes necessários e fechar a lista nos 22 atletas, a Seleção fez alguns jogos preparatórios. Pelo torneio amistoso “Taça Oswaldo Cruz”, foram duas partidas contra o Paraguai: goleada por 5 x 1 e empate por 0 x 0. Depois, em dois amistosos contra a Bulgária, foram duas vitórias: 4 x 0 e 3 x 1.

Tiveram ainda dois jogos treino, com derrota por 1 x 0 para o Flamengo e vitória por 5 x 0 contra o Corinthians, a três dias da viagem para a Europa. Nessa última partida, veio o drama: Pelé sofreu uma entrada violenta do lateral corintiano Ari Clemente e teve torção de tornozelo. Se ele fosse cortado, Almir Pernambuquinho entraria em seu lugar. Mas a comissão técnica resolveu levar Pelé mesmo assim, pois acreditavam que ele estaria apto a entrar na terceira partida do Mundial. Pelé era o caçula da equipe. Por causa das dores no joelho que surgiram durante a preparação, ele pediu diversas vezes para ser mandado de volta para o Brasil. Mas Dr. Paulo se recusava: “Calma, garoto, você vai jogar nessa Copa e vai fazer muitos gols”. Um dia Pelé não aguentou a carga de exercícios e pediu novamente para ser desligado. Foi aí que o massagista Mário Américo provocou o moleque: “Você só não joga essa Copa se não for homem. Você é homem?” Pelé gritou que era muito macho e todos riram. E nesse momento, quando viu mexerem com seus “brios”, o menino começou a ganhar confiança.


(Imagem: Pinterest)

● A Seleção fez ainda mais dois amistosos em solo europeu: uma foi em 29/05, na partida de despedida de Julinho da Fiorentina, e outra contra a Internazionale de Milão, no dia 01/06. Em ambas, o Brasil goleou por 4 a 0.

Julinho é um caso a parte nessa história. Ele havia se firmado como titular indiscutível da ponta direita da Seleção, após as excelentes partidas na Copa de 1954. No ano seguinte, ele foi jogar na Fiorentina, da Itália. Mas na época, não era comum a convocação de jogadores que atuavam no exterior. Devido ao grande moral que tinha e sua enorme qualidade, uma exceção seria aberta para ele. Então, no início de 1958, João Havelange escreveu uma carta a Julinho perguntando quando terminaria seu contrato e se ele estaria disposto a defender o Brasil na Copa. Ele respondeu que seu contrato terminaria dia 30/05, às vésperas do Mundial, e que gostaria muito de representar a Seleção, pois estava em plena condição física. No entanto, com muito pesar, ele disse que recusaria a convocação em consideração aos colegas que haviam atuado na posição com a camisa da Seleção nos últimos anos. Um gesto de hombridade de um jogador deste tamanho. Possivelmente, Joel seria o reserva, caso Julinho tivesse ido para a Copa. Dessa forma, Garrincha ficaria de fora.

Garrincha também merece um parágrafo só para ele neste texto. Feola tinha uma dúvida na posição: Joel ou Garrincha. O Mané tinha desagradado à comissão técnica por uma molecagem no amistoso contra a Fiorentina. No lance do quarto gol brasileiro, ele driblou o goleiro e ficou esperando, pouco antes da risca; quando o zagueiro veio em sua direção, Garrincha o driblou e tocou de calcanhar para o gol. Agradou à torcida, mas não ao supervisor Carlos Nascimento e ao psicólogo João Carvalhaes. Eles disseram que o ponta tinha mentalidade de criança e poderia comprometer a Seleção. Uma grande irresponsabilidade, que poderia por tudo a perder em uma partida oficial. Feola teria escalado Garrincha mesmo assim, mas, segundo Ruy Castro, essa difícil decisão contou com a participação do observador Ernesto Santos.

Ernesto expôs à comissão técnica sobre a qualidade dos quatro meio campistas do WM austríaco e sugeriu que o Brasil reforçasse o setor para equilibrar as ações. Portanto, seria necessário que o ponta direita auxiliasse na recomposição, como Zagallo fazia com maestria pelo lado esquerdo. Feola argumentou que eles poderiam pedir a Garrincha para executar esse papel. Mas o preparador físico Paulo Amaral, que conhecia bem o ponta do Botafogo, foi taxativo ao afirmar que ele não conseguiria cumprir função tática nenhuma e que não seguiria o pedido de marcar pelo meio. Assim, Joel, ótimo ponta direita e mais disciplinado, foi o escolhido para a primeira partida do Mundial.

Nílton Santos era o jogador mais experiente do grupo, com 33 anos e iria para seu terceiro Mundial. Ele era o titular da lateral esquerda nos anos anteriores, mas havia uma pressão da imprensa paulista a favor de Oreco, que atuava no Corinthians. De acordo com Ruy Castro, Nílton estava definido como titular desde os amistosos na Itália, mas Péris Ribeiro (autor do livro “Didi – o gênio da folha-seca”) garante que Oreco é quem começaria o primeiro jogo de estreia. Mas, na véspera, o lateral do time paulista sofreu um afundamento de malar.

Na preparação para a Copa, notícias diziam que Moacir, do Flamengo, estava treinando melhor que Didi, que não se esforçava nos treinos. A imprensa logo pediu a troca no time titular. A responsa de Didi ficou na história: “Treino é treino, jogo é jogo”.


Garrincha passa por marcador soviético (Imagem: R7)

● Na primeira partida do Grupo 4, o Brasil bateu a forte Áustria por 3 a 0. Essa vitória contundente deixou a torcida brasileira esperançosa. Mas no jogo seguinte, o bom futebol não se repetiu e o Brasil empatou em 0 a 0 com a Inglaterra, com uma grande atuação do goleiro inglês Colin McDonald. Essa foi a primeira partida sem gols da história das Copas, depois de 116 jogos.

O resultado e o nível apresentado desagradaram Feola, que promoveu três alterações para a partida seguinte: saíram da equipe Dino Sani, Joel e Mazzola, e entraram Zito, Garrincha e Pelé. Zito entrou no time porque Dino Sani sentia dores. O menino Pelé se recuperou da contusão, como esperado, e tinha seu lugar no time titular. Joel sentiu dores e Garrincha foi escalado. Há também a lenda que diz sobre uma reunião sobre a escalação entre Feola, Nilton Santos e dois jornalistas, mas de qualquer forma Garrincha entraria.

Assim, com essas mudanças, o Brasil começou o jogo com tudo contra a União Soviética. O jornalista francês Gabriel Hanot (criador da UEFA Champions League) afirmou que aqueles foram os “três minutos mais incríveis da história do futebol”. Garrincha mostrou a que veio e o Brasil venceu por 2 a 0, com dois gols de Vavá.

Nas quartas de final, a Seleção Brasileira passou por País de Gales, que tinha uma equipe modesta, mas muito bem armada. A vitória foi por 1 a 0, com um gol espetacular de Pelé, seu primeiro em Copas do Mundo. Ele iniciava ali o seu longo reinado.

O adversário na semifinal foi a fortíssima seleção francesa, que vinha de resultados expressivos e tinha ótimos jogadores, como Robert Jonquet, Roger Piantoni, Raymond Kopa e Just Fontaine (o artilheiro do Mundial, com incríveis 13 gols em seis jogos). Mas a Seleção venceu por 5 a 2, com um gol de Vavá, um de Didi e três de Pelé (“hat trick”).

Na decisão, o Brasil bateu os donos da casa, de virada, por 5 a 2, com dois gols de Vavá, dois de Pelé e um de Zagallo. Vitória maiúscula na final! Brasil campeão do mundo!

Pela primeira vez a taça não ficou no continente que a promoveu. O Brasil foi o primeiro país a vencer uma Copa do Mundo fora de seu continente, e repetiu a façanha em 2002, ao ganhar a Copa da Coreia do Sul e do Japão. Esse feito foi repetido pela Espanha em 2010, com o título na África do Sul, e pela Alemanha, vencendo no Brasil em 2014.


Bellini foi escolhido pelo técnico Feola depois da recusa de Didi e Nilton Santos. Mal sabiam que o zagueiro ficaria eternizado na história do futebol por isso… (Imagem: Baú do Futebol)

Todos os gols da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958:

… Castilho: sua sorte não foi o suficiente

Três pontos sobre…
… Castilho: sua sorte não foi o suficiente


(Imagens localizadas no Google)

● Carlos José Castilho nasceu em 27/11/1927, no Rio de Janeiro, então capital federal. Iniciou a carreira como atacante no Tupã Futebol Clube, de Brás de Pina, subúrbio do Rio. Certa vez, o goleiro titular não apareceu para uma partida e Castilho atuou em seu lugar, mas sem se fixar na posição. Com 17 anos, em 1944, foi levado aos juvenis do Olaria por Menezes, pai de Ademir de Menezes, craque do Vasco na época. Fez seus primeiros treinos como ponta esquerda, mas pediu ao treinador para ser testado no gol. Assim ficou por dois anos, sem nunca atuar em nenhuma partida, nem entre os aspirantes.

Em 1946, quando o técnico Gentil Cardoso pediu Ademir para o Flu, seu pai, que o representava, mais uma vez levou Castilho e o apresentou a Gentil. O goleiro fez testes no tricolor carioca e foi aprovado pelo ranzinza Gentil. Com apenas 19 anos, Castilho assinou com os aspirantes do Flu, recebendo três mil cruzeiros de luvas e um salário mensal de 800 cruzeiros. Estreou em 06/10/1946, em um amistoso na cidade mineira de Pouso Alegre, contra o Fluminense local. o time carioca venceu por 4 a 0, com Castilho defendendo seu primeiro pênalti na carreira. A partir de 1947 se tornou titular da equipe principal.

Entrou para a história como um goleiro “milagreiro”, com defesas consideradas quase impossíveis. Além de bom posicionamento e reflexo, se tornou mais lendário por sua inesgotável sorte. Em um Fla x Flu que seu time venceu por 1 a 0, chegou a levar cinco bolas na trave, além de defender um pênalti. Passou a ser chamado pela imprensa carioca de “Leiteria”, que significava “homem de sorte”, na época. O apelido tinha relação não só com a infância de Castilho, quando ele foi entregador de leite, mas também à fama alcançada por um leiteiro do bairro das Laranjeiras, que por duas vezes teve seu bilhete premiado pela Loteria Federal. Então, no Rio dos anos 1950, “leiteiro” se tornou sinônimo de “sujeito de sorte”. Os torcedores do Flu o chamavam de “São Castilho”. Foi o primeiro goleiro “canonizado” pelos torcedores, devido aos milgres debaixo das traves.

Vestiu o manto tricolor de 1946 a 1965. É o recordista de atuações pelo Fluminense, com 698 partidas. Sofreu 764 gols (incrível média de 1,09) e saiu invicto em 255 partidas. Estreou contra o Fluminense de Pouso Alegre (MG) pelo time de aspirantes. Se firmou como titular em 1948. É considerado o melhor goleiro do clube em todos os tempos. Tinha 1,81 m e 75 kg, padrão baixo atualmente, mas bom para a época. Se destacava também em defesas de pênaltis (só em 1952 defendeu 6). Foi o pioneiro em se posicionar com os braços abertos no momento em que o adversário se prepara para a cobrança; ele percebeu que esse ato aumentava seu tamanho diante do cobrador.

Castilho observou também que as cores das camisas dos goleiros da época facilitavam a vida dos artilheiros, pois as cores escuras que vestiam servia de ponto de referência para os adversários: eles podiam entrar na área com a bola dominada, que com o canto do olho já sabiam onde estava o goleiro. Assim, ele passou a vestir uniformes de cores mais neutras, como cinza claro, para que se camuflasse com as cores das arquibancadas ou com as redes dos gols. Era daltônico e enxergava as cores trocadas. Da mesma forma que acreditava que era favorecido por ver como vermelhas as bolas amarelas, era prejudicado pelas bolas brancas a noite.

Na época, os goleiros jogavam sem luvas. Era comum eles quebrarem dedos após defesas, tendo que até mesmo encerrar suas carreiras devido a essas contusões. No Torneio Rio-São Paulo de 1953, fraturou o dedo mínimo da mão esquerda pela primeira vez, ficando fora do gol tricolor em várias oportunidades. Em 1955, teve que extrair os meniscos e passou a se revezar no gol com o parceiro Veludo; assim, nesse ano jogou apenas 19 vezes, sua pior marca, já que ficou mais de um ano sem jogar, voltando apenas em abril do ano seguinte. Em 1957, ficou novamente fora dos gramados por 45 dias após fraturar o mindinho esquerdo pela quinta vez. Avaliado pelo Dr. Newton Paes Barreto, descobriu que a lesão era proveniente de uma destruição óssea e que ele deveria passar por outros três meses de tratamento ou até mesmo parar de jogar. Como profissional, Castilho era um obcecado. Foi ao mesmo tempo um exemplo de estoicismo e uma mostra de sua loucura quando ele resolveu amputar a metade do dedo para retornar mais rápido aos jogos decisivos da temporada. Duas semanas depois da amputação, ele já havia voltado a jogar pelo Fluminense contra o Flamengo. Um gesto extremo de amor ao seu ofício.

“O fato concreto é que, no meu entendimento, meu dedo continuaria imóvel, e isso me roubava a autoconfiança. Foi quando pensei na amputação parcial. Só com ela eu me sentiria novamente confiante. Dr. Paes Barreto foi contrário à operação. Ficou então determinado que, para que houvesse a operação eu teria de assinar um termo de responsabilidade. Vivi um drama durante 48 horas. De um lado a minha convicção de que só a amputação resolveria o meu problema. No outro lado minha senhora e os médicos não concordavam. Telefonei para o Dr. Paes Barreto e fui franco. Se não houver operação não poderei mais continuar jogando, assim não confio mais em mim. No dia seguinte dei entrada na Casa de Saúde. Eram oito horas. Paes Barreto já me esperava. Antes da anestesia, ainda ouvi sua última frase: ‘Castilho, você é louco!’.” ¹*

Pelo Fluminense, ainda em 1952, venceu a Taça Rio, uma espécie de Campeonato Mundial Interclubes, que reunia os principais campeões do mundo. O Flu venceu grandes times, entre eles o Peñarol, que tinha a base da fortíssima seleção uruguaia.

Em 1965 ele já estava desgastado no clube e queria mudar de ares. A diretoria “pó-de-arroz” não permitiu que ele fosse para o Vasco, mas o liberou por empréstimo para o Paysandu. No clube paraense, foi campeão estadual e encerrou a carreira. Na comemoração dos 98 anos do Paysandu, Castilho foi eleito o melhor goleiro da história do clube, em eleição organizada por cem eleitores ilustres e coordenada pelo jornalista e historiador Ferreira da Costa.

“Não se deve parar de olhar a bola nem quando ela está nas mãos do gandula. Ela é nossa maior inimiga, e só vigiando-a o tempo todo que nós deixaremos de tomar o ‘frango do fotógrafo’, aquele que levamos por uma distração, por estarmos conversando.” – Castilho.

● Pela Seleção Brasileira, conquistou o primeiro título relevante fora do Brasil: o Campeonato Pan-Americano de 1952, em Santiago. A final contra o Uruguai foi conturbada, terminando com uma série de agressões e confusões. O Brasil minimizou a dor da derrota na final da Copa de 1950, já que boa parte do elenco uruguaio ainda era o mesmo. Disputou quatro Copas do Mundo: 1950 (reserva de Barbosa, foi vice-campeão em casa), 1954 (única como titular), 1958 e 1962 (bicampeão, na reserva de Gylmar). Esteve na Copa América em 1953 e 1959, além de vários torneios e partidas amistosas. Disputou 29 jogos e sofreu 30 gols.

Após parar, Castilho adiou o sonho de ser treinador após o nascimento de seu primeiro filho homem. Em 1967, começou a nova carreira no mesmo Paysandu, sendo campeão paraense em 1967 e 1969. Esteve no Vitória entre 1973 e 1974 e até setembro de 2009 era o técnico que mais tinha dirigido e vencido pelo clube na Série A do Campeonato Brasileiro (foi ultrapassado por Vágner Mancini). Passou pelo Sport Recife e foi para o Operário, do Mato Grosso, onde conquistou o tricampeonato estadual em 1976/77/78 e levou a equipe ao terceiro lugar da série A do Campeonato Brasileiro em 1977. Passou pelos rivais gaúchos Grêmio e Inter, até chegar ao Santos, onde conquistou o Campeonato Paulista de 1984. Em 1986, foi treinar a seleção da Arábia Saudita e participou da Copa Asiática de Seleções. Voltaria ao Brasil no ano de 1987 com o sonho de ser técnico do seu Fluminense.

Castilho cometeu suicídio em 02/02/1987, aos 59 anos, no bairro de Bonsucesso, na zona norte do Rio de Janeiro. Ele foi visitar sua ex-esposa e, inesperadamente, saiu correndo pela sala e se atirou pela janela do apartamento, que ficava no sétimo andar do prédio. Ele não deixou explicações e nem carta de despedida, mas passava por problemas particulares. Pessoas próximas a ele indicam que ele sofria de depressão pelo esquecimento do público, mas o motivo exato é desconhecido por todos, até por sua família. Uma versão é que o ex-goleiro sofria de transtorno bipolar. Outra possibilidade é alguma enfermidade incurável que pudesse ter, pois sentiu fortes dores no mês de janeiro, na Arábia Saudita, e ele não revelou o conteúdo de seu exame a ninguém. Muitos falam em crise amorosa, já que ele vivia com a segunda mulher, Evelyna, que se recusou a viajar com ele para os Emirados Árabes Unidos dias antes. Essa separação brusca pode ter ocasionado seus distúrbios emocionais.

Castilho deixou cinco netos e dois filhos, um homem (Carlos) e uma mulher (Shirley), ambos de seu primeiro casamento. Sua primeira esposa (Vilma Lopes de Castilho) está viva e reside no Rio de Janeiro. O filho de Castilho, Carlos Roberto Lopes de Castilho, é executivo da Diretoria de Empresas da Cielo, líder do setor de pagamentos eletrônicos com máquinas de cartões de crédito e débito.

Sua história foi destacada em vários livros: “Castilho – Bicampeão Mundial de Futebol”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2003); “Os goleiros do Fluminense – De Marcos de Mendonça a Fernando Henrique”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2003); “Fluminense Football Club, história, conquistas e glórias no futebol” de Antônio Carlos Napoleão (2003); “O último homem da defesa”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2005); “Goleiros: Heróis e anti-heróis da camisa 1”, de Paulo Guilherme (2006); “Os 11 maiores goleiros do futebol brasileiro”, de Luís Augusto Simon (2010). O vestiário do departamento de futebol profissional do Fluminense tem o seu nome. Em 2007, o Tricolor das Laranjeiras inaugurou um busto de Castilho na entrada da sede social do clube, como agradecimento pelos serviços prestados, muito acima do que se pode esperar de um jogador profissional, pelas enormes e cegas demonstrações de amor pelo clube. Será sempre o maior ídolo dos tricolores em todos os tempos. Um dos grandes goleiros brasileiros na história.

Feitos e premiações de Castilho:

Como jogador, pela Seleção Brasileira:
– Campeão da Copa do Mundo em 1958 e 1962.
– Vice-campeão da Copa do Mundo em 1950.
– Campeão do Campeonato Pan-Americano em 1952.
– Campeão da Copa Roca em 1957.
– Campeão da Taça Bernardo O’Higgins em 1955.
– Campeão da Taça Oswaldo Cruz em 1950 e 1962.

Como jogador, pelo Fluminense:
– Campeão da Copa Rio em 1952 (equivalente a um Campeonato Mundial de Clubes, na época).
– Campeão do Campeonato Carioca em 1951, 1959 e 1964.
– Campeão do Torneio Rio-São Paulo em 1957 e 1960.
– Campeão do Torneio Municipal do Rio de Janeiro em 1948.
– Campeão do Torneio Início do Campeonato Carioca em 1954 e 1956.
– Campeão Regional Taça Brasil – Zona Sul em 1960.
– Campeão do Torneio José de Paula Júnior em 1952, em Minas Gerais.
– Campeão da Copa das Municipalidades do Paraná em 1953.
– Campeão da Taça Casa Nemo em 1949.
– Campeão da Taça Embajada de Brasil em 1950, no Peru (Sucre x Fluminense).
– Campeão da Taça Comite Nacional de Deportes em 1950, no Peru (Alianza Lima x Fluminense).
– Campeão da Taça General Manuel A. Odria em 1950, no Peru (Seleção de Arequipa x Fluminense).
– Campeão da Taça Adriano Ramos Pinto em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Cinquentenário do Fluminense em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Milone em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Ramon Cool J em 1960, na Costa Rica (Deportivo Saprissa x Fluminense).
– Campeão da Taça Canal Collor em 1960, no México (San Lorenzo-ARG x Fluminense).
– Campeão da Taça Embotelladora de Tampico SA em 1960, no México (Deportivo Tampico x Fluminense).
– Campeão da Taça Dínamo Moscou x Fluminense em 1963.
– Campeão da Taça Benemérito João Lira Filho em 1947 (inauguração do estádio do Olaria, entre Fluminense x Vasco).
– Campeão da Taça V.C Borba em 1947 (Atlético-PR x Fluminense).
– Campeão da Taça Folha da Tarde em 1949 (Internacional x Fluminense).
– Campeão do Troféu Prefeito Acrisio Moreira da Rocha em 1949 (Flamengo x Fluminense).
– Campeão da Taça Secretário da Viação de Obras Públicas da Bahia em 1951 (Bahia x Fluminense).
– Campeão da Taça Madalena Copello em 1951 (Flamengo x Fluminense).
– Campeão da Taça Desafio em 1954 (Fluminense x Uberaba Sport Club).
– Campeão da Taça Presidente Afonsio Dorázio em 1956 (Seleção de Araguari-MG x Fluminense).
– Campeão da Taça Vice-Presidente Adolfo Ribeiro Marques em 1957 (Combinado de Barra Mansa x Fluminense).
– Campeão da Taça Cidade do Rio de Janeiro em 1957 (Fluminense x Vasco).
– Campeão da Taça Movelaria Avenida em 1959 (Ceará x Fluminense).
– Campeão da Taça CSA x Fluminense em 1959.

Como jogador, pelo Paysandu:
– Campeão do Campeonato Paraense em 1965.

Como técnico, pelo Santos:
– Campeão do Campeonato Paulista de 1984.

Como técnico, pelo Paysandu:
– Campeão do Campeonato Paraense em 1967 e 1969.

Como técnico, pelo Operário:
– Tricampeão do Campeonato Mato-Grossense em 1976, 1977 e 1978.
– 3º lugar na Série A do Campeonato Brasileiro de 1977.

Distinções e premiações individuais:
– Prêmio Belfort Duarte em 1955 (premiação individual que homenageava o jogador de futebol profissional que passasse dez anos sem ser expulso de campo, tendo jogado pelo menos 200 partidas).

¹* Trecho extraído da obra:
GUILHERME, Paulo. Goleiros: Heróis e anti-heróis da camisa 1. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2006.

… Uwe Seeler: o professor dos centroavantes alemães

Três pontos sobre…
… Uwe Seeler: o professor dos centroavantes alemães


(Imagem: Hamburgo)

● Terceiro filho de Anny e Erwin Seeler (ex-jogador do Hamburgo), Uwe nasceu em Hamburgo, norte da Alemanha, em 05/11/1936 (exatamente 80 anos atrás). Na sua carreira, defendeu apenas duas camisas: Hamburger SV (clube de sua cidade natal) e a seleção da Alemanha Ocidental. A cidade retribuiu e o transformou em uma celebridade e cidadão honorário desde 2003. É considerado o melhor jogador da história do Hamburgo e um verdadeiro símbolo. Começou nas divisões de base aos dez anos e toda a vida recusou diversas propostas de transferência, tanto de clubes alemães, quanto de equipes estrangeiras. Pagou um preço por essa lealdade, conquistando apenas dois títulos em dezenove temporadas no clube (1953 a 1972). Foi campeão alemão da temporada 1959/60 (vice em 1957 e 1958) e conquistou a Copa da Alemanha em 1962/63 (3 x 0 no Borrussia Dortmund, com Seeler fazendo os três gols – foi vice em 1956 e 1967). Na Liga dos Campeões de 1960/61, ao lado de seu irmão Dieter Seeler, foi até as semifinais onde perdeu para o Barcelona (que seria vice). Teve a chance de um título continental, mas perdeu a final da Recopa Europeia de 1968 para o Milan (foi artilheiro da competição).

Pelo Hamburgo, marcou 764 gols em 810 jogos (ambos recordes difíceis de serem batidos no clube). Foi oito vezes o artilheiro do campeonato alemão (1955: 28 gols; 1956: 32 gols; 1957: 31 gols; 1959: 29 gols; 1960: 36 gols; 1961: 29 gols; 1962: 28 gols), sendo o primeiro goleador da Bundesliga (criada em 1963/64) com 30 gols. Foi o artilheiro da Copa da Alemanha em 1956 e 1963 e três vezes eleito como o jogador alemão do ano (1960, 1964 e 1970). No total da Liga Alemã, anotou 404 gols em 476 partidas, sendo 137 gols em 239 jogos pela Bundesliga. Recebeu um único cartão vermelho na carreira, em 1970. Foi eleito o terceiro melhor jogador do ano de 1960 pela Bola de Ouro da revista France Football (primeiro alemão no pódio do prêmio). Pelé o nomeou para a polêmica lista “FIFA 100” (os 125 melhores jogadores da história que até então estavam vivos em 2004).

Era um centroavante baixo para os padrões alemães, ainda mais para a época. Tinha só 1,69 m, mas muita força física. É considerado o precursor do homem de área germânico, o primeiro dos “Panzer” (tanques de guerra do país). Seeler tinha muita potência, brigava por espaço na área adversária e o conquistava, chegando com relativa facilidade ao gol. Seus gols eram simples, sem dribles, classe, efeitos, mas no duelo por espaço e na bola aérea (apesar de não ser alto) ele era imbatível. Era chamado pelos compatriotas de “Rei dos 18 metros” (o tamanho da grande área). Sua raça e sua dedicação em campo eram contagiantes e sua eficiência impressionava. Ele acabou ensinando às gerações futuras de atacantes que o jogo de corpo e a proteção da bola era a saída para quem não nasceu craque. Olivier Bierhoff e Miroslav Klose, dentre outros, aprenderam direitinho.

Seis anos após ter se aposentado, em 23/04/1978, disputou uma partida pelo Cork Celtic, a convite da Adidas, de seu amigo Adi Dassler. Marcou os dois gols na derrota por 2 x 6 contra o Shamrock Rovers, pelo campeonato da Irlanda.

● Na seleção, lhe faltou um pouco de sorte, pois a Alemanha Ocidental venceu as Copas de 1954 e 1974 e Uwe Seeler disputou como titular quatro Copas do Mundo (1958, 1962, 1966 e 1970 – 21 partidas no total), ou seja, todas as Copas entre um título e outro. Sua melhor classificação foi o vice-campeonato em 1966, quando perdeu na prorrogação para a anfitriã Inglaterra. Foi 3ª colocado na Copa de 1970 e 4º em 1958. Curiosamente, possui o recorde de marcar gols em quatro Copas do Mundo diferentes, em todas que disputou, juntamente com Pelé, Miroslav Klose e Cristiano Ronaldo. Era o capitão em 1966 e em 1970. Quando se aposentou, em 1972, a Federação de Futebol Alemã lhe concedeu a honraria de “capitão honorário da seleção”. É o único com tal honraria que nunca conquistou títulos pelo seu país.

Em fevereiro de 1965 sofreu uma ruptura do tendão de aquiles da perna direita e chegou a ter o fim da carreira anunciada. Mas ele voltou a jogar em agosto, às vésperas da convocação da seleção para o jogo contra a Suécia, para as eliminatórias da Copa de 1966. Foi selecionado, jogou e fez o gol da vitória dos alemães. Na Copa de 1970, fez 3 gols, mas foi obrigado a jogar fora de suas características, chamando a marcação e abrindo espaço para que surgisse um novo matador e artilheiro à sua altura: Gerd Müller.

Em 1987, na primeira Copa Pelé de Masters, a Alemanha tinha um “pequeno barril” no ataque, causando o riso de todos. Quando o “tiozinho” tocou na bola, todos ficaram estupefatos e viram que o velhote sabia das coisas. Sua equipe não foi muito longe no torneio, mas ele foi um dos destaques. No total, pela Alemanha Ocidental, fez 72 jogos e marcou 43 gols. O total da carreira foi 815 gols em 882 jogos.

● Uwe se casou em 18/02/1959 com Ilka (que conheceu no réveillon de 1953) e tem três filhas e sete netos. Um deles, Levin Öztunalı, de apenas 20 anos, é um meia que atua no Mainz 05.

Em 1972, Uwe interpretou a si mesmo em um filme de comédia alemã chamado “Willi wird das Kind schon schaukeln” (algo como “Willi vai fazer alguma coisa certa”). No fim do filme, um time de futebol chamado Jungborn faz uma contratação espetacular: o próprio Seeler. Todo mundo está em festa, mas o técnico do time, Willi Kuckuck (Heinz Erhardt), fica perplexo e pergunta: “Quem diabos é esse cara?”. Piada pronta, pois Seeler era um dos rostos mais conhecidos do país na época.

Em 1995, assumiu a presidência do Hamburgo, renunciando ao mandato em 1998 devido a um escândalo financeiro. Seeler não estava envolvido, mas assumiu a responsabilidade, pois funcionários indicados por ele foram responsáveis pelas irregularidades.

Em 24/08/2005 foi inaugurada uma escultura de seu pé direito, orçada em 250 mil euros e doada por um empresário alemão. Situada em frente a o estádio do Hamburgo, o Imtech Arena (antigo Volksparkstadion), com quatro toneladas, 5,15 metros de largura e 3,50 de altura, o monumento mostra um pé ferido e calejado por tantos esforços.

Publicou sua autobiografia em 2003, chamada “Obrigado, Futebol!”. Atualmente, vive em Norderstedt, perto de Hamburgo.