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Um Diamante Preso e o Derrame das Certidões Militares Falsas

Um Diamante Preso e o Derrame das Certidões Militares Falsas
Por José Renato Sátiro Santiago

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Nascido no bairro de São Cristovão no Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1913, Leonidas da Silva era filho de Manoel Nunes da Silva e Maria da Silva. Desde muito cedo o futebol se tornou a principal paixão do menino, que diante a impossibilidade de ter uma bola de couro, costumava roubar as meias da irmã, Aristotelina, para usa-las como bola e jogar pela casa. Por possuir certa aversão aos estudos e ter o costume de fugir das aulas, não era raro que levasse muitas palmadas de sua mãe. Os tempos eram difíceis para a família Silva e se tornou quase insustentável, com a morte de seu pai, Manoel. Graças a Mário Pinto de Sá, despachante de uma loja de cristais finos que criara sua mãe, Maria, desde pequena, e em cuja casa ela prestava serviços como arrumadeira e cozinheira, a família pode sobreviver dignamente. Na verdade, Leonidas e a irmã passaram a ter Mário, como pai de criação. Em 1926, ao se aposentar, Mário resolveu partir para novas atividades e arrendou o bar localizado na sede do São Cristovão Futebol Clube. Esta proximidade com o futebol acabou contribuindo muito para que Leonidas concretizasse o seu sonho de se tornar jogador de futebol, ainda que a contragosto de “Seo” Mário, que queria vê-lo médico, e de sua mãe, que sonhava em ter um filho advogado. Em 19 de outubro de 1927, com apenas 14 anos, começou a trabalhar como ajudante geral na Light, cujas oficinas se localizavam na frente da casa onde morava. A morte da irmã, com apenas 18 anos foi mais um doloroso golpe sofrido pela família.

Naquele tempo, os habitantes da cidade do Rio de Janeiro costumavam formar equipes, nas ruas onde moravam que se enfrentavam em partidas muito disputadas. Foi desta forma que o futebol de Leonidas passou a encantar a muitos aficionados pelo esporte, entre eles, um dirigente do Sírio e Libanês, clube da pequena colônia síria, com sede no bairro da Tijuca, e que participava do campeonato carioca de futebol. Leonidas ainda não tinha 17 anos quando estreou em 1930, no terceiro quadro da equipe. Seu começo foi fulminante e embora o futebol ainda fosse considerado amador naquela época, passou a receber uma ajuda de custo para jogar. O emprego da Light foi deixado para trás. Com o fechamento do clube da Tijuca, foi contratado pelo Bonsucesso, equipe pelo qual atuou no campeonato carioca e que defendia quando foi convocado pela primeira vez para atuar pela seleção brasileira, em partida realizada em 27 de novembro de 1932 frente a equipe do Andarahy. Considerado a maior revelação do futebol brasileiro em 1932, logo passou a ser titular da seleção brasileira, sendo contratado pelo Peñarol do Uruguai e a seguir pelo Vasco da Gama, onde conquistaria o titulo estadual de 1934. Convocado para a Copa do Mundo daquele ano, na Itália, foi dele a autoria do gol brasileiro, na derrota por 3 a 1 frente à seleção espanhola, na única partida do Brasil, em 27 de maio. Ao retornar ao país, Leonidas tinha 21 anos de idade e já tinha o status de ser o melhor jogador brasileiro em atividade. Confirmou sua fama ao ser campeão e artilheiro do campeonato carioca de 1935, atuando pelo Botafogo. Juntamente com os amigos Zezé Moreira, também atleta, e Antonio Lins, repórter do Diários Associados, Leonidas era um assíduo frequentador do famoso Café Nice, na Avenida Rio Branco. Ainda que estivesse vivendo um grande momento no futebol, achava que apenas um emprego público poderia servir de garantia para o seu futuro e para consegui-lo, precisava providenciar o seu certificado militar. Naquela época, aos 18 anos, os homens se apresentavam ao Centro de Recrutamento e esperavam pela convocação ou dispensa militar. Leonidas e seus amigos acabaram conhecendo o Sargento Condoru, que se prontificou a ajudá-los com certas facilidades nos trâmites legais. O caso de Leonidas era ainda mais critico pelo fato dele ser arrimo de família. Após apresentar alguns documentos, duas fotografias e assinar um requerimento, Leonidas ainda gratificou o militar com 500 mil réis por um certificado de primeira categoria, entregue aqueles que estão habilitados a desempenhar funções nas Forças Armadas. A carreira no futebol acabou mostrando um futuro sólido para Leonidas e o sonho do emprego público logo foi deixado de lado. Contratado pelo Flamengo em 1936 e artilheiro da Copa do Mundo de 1938, com 7 gols, na espetacular campanha da seleção brasileira que alcançou uma honrosa terceira colocação, passou a ser chamado de “homem de borracha”, por sua grande habilidade com a bola nos pés, e por “Diamante Negro”, apelido pelo qual passou a ser conhecido mundialmente no futebol. Campeão Carioca pela equipe rubro negra em 1939 e brasileiro pela seleção do Distrito Federal, o Rio de Janeiro em 1940, ao mesmo tempo em que era idolatrado pela torcida, vivia situações conflituosas com dirigentes da equipe carioca.

Nada, no entanto, tão relevante na sua vida, quando, nos primeiros meses de 1941, Leonidas foi chamado para depor em inquérito instaurado no Centro de Recrutamento Militar por conta de um escândalo relacionado a um derrame de falsos certificados militares. Orientado a se alistar novamente e requerer um certificado de terceira categoria, o de dispensa militar, indicado por ser arrimo de família, Leonidas e seus amigos foram acusados de conivência com o crime do Sargento Condoru e condenados a oito meses de prisão, em pena a ser cumprida no I Regimento da Vila Militar do Rio de Janeiro. O país viveu momentos de grande apreensão ao ver seu principal jogador de futebol, preso. Para Leonidas, no entanto, o período na prisão não foi tão ruim, afinal, por conta da sua fama era tratado como um hospede, com privilégios bancados pelos oficiais que admiravam seu futebol. Além disso, conseguira autorização do comandante para tratar adequadamente do joelho, que o fizera sofrer tanto no último ano. Em 24 de março de 1942, os oficiais da Vila Militar ofereceram um almoço de despedida para comemorar a sua liberdade. Os problemas com os dirigentes do Flamengo, no entanto, não foram esquecidos e na tarde do dia 10 de abril de 1942, quase 10 mil pessoas se espremiam na Estação do Norte, no bairro do Brás, para receber o novo reforço do São Paulo Futebol Clube, onde Leonidas se tornaria um dos principais nomes da história do clube, sendo campeão estadual em 1943, 1945, 1946, 1948 e 1949.


Sobre o autor:
José Renato Sátiro Santiago Júnior é autor do livro “Almanaque do São Paulo – 90 anos de glórias” – que pode ser comprado diretamente na página: https://www.facebook.com/almanaquedosaopaulo/. É consultor e Professor, atua e escreve sobre temas relacionados a Gestão do Conhecimento, Inovação, Pessoas, Projetos e Lições Aprendidas. Veja mais textos dele no link: https://jrsantiagojr.medium.com/

… 19/06/1938 – Brasil 4 x 2 Suécia

Três pontos sobre…
… 19/06/1938 – Brasil 4 x 2 Suécia


(Imagem: CBF / Correio da Manhã)

● A bem da verdade, a Suécia chegou tão longe por causa dos “atalhos”. Foi sorteada na chave da Áustria, em jogo que não ocorreu (como contamos detalhadamente aqui). Nas quartas de final, enfrentou a inexpressiva seleção de Cuba e goleou por 8 a 0. E foi reprovada logo em seu primeiro teste, ao perder para a Hungria nas semifinais por 5 a 1. Assim, sem fazer força alguma, a Suécia estava entre os quatro melhores da Copa.

Por sua vez, a Seleção Brasileira só enfrentou adversários com alto grau de dificuldade. Nas oitavas, precisou da prorrogação para bater a Polônia por 6 a 5. Nas quartas, foram necessárias duas partidas para passar pela Tchecoslováquia (1 x 1 no primeiro duelo e 2 x 1 no jogo desempate). Na semi, não contou com Leônidas, mas mesmo assim vendeu caro a derrota por 2 a 1 para a então campeã Itália.

Confiante na vitória sobre a Itália, os dirigentes brasileiros já haviam comprado as passagens aéreas de Marselha a Paris, onde seria a final da Copa. Depois da derrota, tomados pela raiva, os brasileiros se recusaram a ceder as passagens aos italianos – que tiveram de fazer a viagem de trem. Também foi de trem a volta do Brasil para Bordeaux.

Aliás, certamente o Brasil foi a seleção mais prejudicada pelas viagens em toda a história das Copas. Jogou contra a Polônia em Estrasburgo. De lá, viajou 758 quilômetros até Bordeaux para enfrentar a Tchecoslováquia. Depois, andou mais 503 km até Marselha, onde enfrentou a Itália. E, pra encerrar, voltou até Bordeaux (mais 503 km). Ao todo foram 1.764 km, ou seja, quase dois dias em viagem de trem.

Assim, Brasil e Suécia se encontraram na partida que decidiu o 3º lugar da Copa de 1938. Curiosamente, esse jogo ocorreu simultaneamente à final, que foi disputada entre Itália e Hungria.

Leônidas não pôde jogar contra a Itália, mas se recuperou a tempo de atuar contra os suecos.


O Brasil atuava no sistema clássico, o 2-3-5, com muita fragilidade no sistema defensivo.


A Suécia também atuava no 2-3-5, como era comum na época, mas mais obediente taticamente do que o Brasil.

● O que mais chamava a atenção da imprensa estrangeira em relação à Seleção Brasileira na Copa de 1938 foi o abismo entre o alto nível técnico dos jogadores e a disposição tática rudimentar. As duas equipes eram escaladas no sistema clássico, mas a linha de meio-campo brasileira era mais estática, ao invés de ser mais combativa e focar na marcação. Afinal, no esquema 2-3-5, a defesa e o meio campo deveriam ser os responsáveis pela marcação da linha de frente adversária. Mas os médios brasileiros costumavam deixar os zagueiros muito expostos. Um pouco devido às características dos jogadores tupiniquins, mas também por causa da falta de entrosamento e da bagunça feita pelo técnico Ademar Pimenta.

A Suécia era uma equipe que passava muito longe de ter o talento brasileiro, mas era melhor distribuída em campo.

O confronto começou com certo equilíbrio, mas logo o Brasil começou a tomar conta do jogo. E desperdiçou várias oportunidades com Leônidas, Patesko e Roberto.

Aos 28′, Brandão errou o passe, Harry Andersson interceptou e lançou Sven Jonasson, que chutou forte para abrir o placar.

O escrete brasileiro tentou reagir, mas continuou errando muitos gols.

Os nórdicos aproveitaram para marcar o segundo, aos 38′. O perigoso Jonasson avançou pelo lado esquerdo e cruzou para Arne Nyberg, que driblou Machado e finalizou para notar o segundo tento de sua equipe.

No último minuto da etapa inicial, Zezé Procópio lançou Romeu, que driblou dois adversários e chutou para marcar. Esse gol aliviou um pouco a situação e permitiu que o Brasil fosse para o vestiário com menos peso sobre os ombros.

A Seleção voltou para o segundo tempo pressionando em busca do empate e teve a chance logo aos dois minutos. Domingos lançou para Romeu, que passou para Roberto. Ele invadiu a área e foi derrubado por Erik Almgren. O árbitro belga John Langenus assinalou o pênalti. Patesko foi o encarregado da cobrança, mas bateu por cima do gol.

O empate veio aos 18′. Zezé tocou para Romeu (o artífice da criação do ataque brasileiro), que cruzou para a área. Leônidas se antecipou e deu um toquinho para encobrir o goleiro Henock Abrahamsson.

A partir dali, o Brasil passou a ter o controle da partida e os brasileiros, enfim, conseguiram transformar a superioridade técnica em gols.

O terceiro saiu aos 29′. Leônidas fez uma triangulação com Roberto e Romeu pelo lado direito e, contrariando as suas características, chutou de longe para virar o jogo.

A dez minutos do fim, Romeu (sempre ele) trocou passes com Leônidas, que lançou Perácio. O atacante do Botafogo mandou uma bomba de fora da área, sem chances para o goleiro sueco.

Cabe ressaltar que esse foi o único jogo em que Domingos da Guia passou sem cometer algum pênalti. Ele havia cometido três nos três jogos anteriores – justamente pela falta de proteção à defesa.


(Imagem: Pinterest)

● Essa até hoje é a maior virada brasileira na história das Copas.

No fim, ambos os países estavam orgulhosos por terem emplacado suas melhores campanhas em Copas até então.

A classificação final fez nascer no Brasil inteiro um sentimento de orgulho pelo bom desempenho da Seleção.

A delegação chegou de volta ao Rio de Janeiro 15 dias depois e teve uma recepção “apoteótica”, segundo o cronista Thomas Mazzoni, de A Gazeta Esportiva. Antes, o navio Almanzora teve que fazer escalas em Recife e Salvador e a recepção foi igualmente frenética. Na Bahia, um torcedor chegou a roubar o sapato de Leônidas. No Rio, às 15h30 de 02 de julho, o navio iniciou as manobras para atracar no porto e a polícia teve dificuldades para manter o cordão de isolamento que impedia o público de se aproximar do cais.

Em seguida, os jogadores desfilaram em carros abertos pela Avenida Rio Branco. Leônidas era o mais assediado e precisou ser conduzido em um veículo de transportes de soldados do Corpo de Fuzileiros Navais, protegido por uma brigada inteira de militares. Ainda assim, o cortejo não se movia e a polícia teve que fazer uso de força para que o público deixasse o desfile acontecer. A alegria era tamanha que os torcedores esqueceram todas as críticas anteriores. Até o técnico foi aplaudido e carregado pela multidão.

Como sempre, as autoridades políticas fizeram questão de posar para fotos com os jogadores, especialmente os mais populares segundo um concurso feito na época pelo Cigarro Magnólia: Leônidas, Domingos da Guia e Romeu.

Leônidas da Silva foi o artilheiro do certame com sete gols, sendo o único brasileiro a marcar gols em todas as partidas que disputou em Copas (fez um gol também em 1934). Aproveitando-se da popularidade de Leônidas, a Lacta lançou a barra de chocolate “Diamante Negro”, em referência ao apelido que o craque tinha recebido dos uruguaios em 1932.


A multidão se aglomera para receber a delegação brasileira (Imagem: CBF / Correio da Manhã)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 4 x 2 SUÉCIA

 

Data: 19/06/1938

Horário: 17h00 locais

Estádio: Parc Lescure

Público: 12.000

Cidade: Bordeaux (França)

Árbitro: John Langenus (Bélgica)

 

BRASIL (2-3-5):

SUÉCIA (2-3-5):

Walter (G)

Henock Abrahamsson (G)

Domingos da Guia

Ivar Eriksson

Machado

Erik Nilsson

Zezé Procópio

Erik Almgren

Brandão

Arne Linderholm

Afonsinho

Kurt Svanström (C)

Roberto

Åke Andersson

Romeu Pellicciari

Sven Jonasson

Leônidas da Silva (C)

Arne Nyberg

Perácio

Harry Andersson

Patesko

Erik Persson

 

Técnico: Ademar Pimenta

Técnico: József Nagy

 

SUPLENTES:

 

 

Batatais (G)

Gustav Sjöberg (G)

Jaú

Olle Källgren

Nariz

Harry Nilsson

Britto

Sven Jacobsson

Martim Silveira

Karl-Erik Grahn

Argemiro

Curt Bergsten

Lopes

Lennart Bunke

Luisinho Mesquita de Oliveira

Knut Hansson

Niginho

Tore Keller

Tim

Sven Unger

Hércules

Gustav Wetterström

 

GOLS:

28′ Sven Jonasson (SUE)

38′ Arne Nyberg (SUE)

44′ Romeu Pellicciari (BRA)

63′ Leônidas da Silva (BRA)

74′ Leônidas da Silva (BRA)

80′ Perácio (BRA)

Imagens da partida:

… 16/06/1938 – Itália 2 x 1 Brasil

Três pontos sobre…
… 16/06/1938 – Itália 2 x 1 Brasil


Piola passa pela defesa brasileira (Imagem: Pinterest)

● Nenhuma partida é fácil em uma Copa do Mundo. Em 1938, após a vitória na estreia sobre a Polônia por 6 a 5 na prorrogação, o Brasil enfrentou a Tchecoslováquia (vice-campeã da Copa anterior). Após um empate em 1 a 1, foi necessário o jogo desempate, vencido pelos brasileiros por 2 a 1. Nessa segunda partida, o técnico Ademar Pimenta escalou a equipe com nove alterações em relação à anterior. As exceções era o goleiro Walter e o centroavante Leônidas da Silva, que só foi escalado porque Niginho, seu reserva imediato, estava com a documentação irregular junto à FIFA.

Veja mais:
… 05/06/1938 – Brasil 6 x 5 Polônia
… 12/06/1938 – Brasil 1 x 1 Tchecoslováquia

… Domingos da Guia: o maior zagueiro da história do Brasil
… Patesko: ponta esquerda craque e letal
… Luís Mesquita de Oliveira: ícone do futebol paulista nos anos 1930

Por ironia do destino, Leônidas (já combalido pelos pontapés do primeiro embate contra os tchecos) se exauriu no jogo seguinte e não pôde jogar a semifinal contra a Itália. Por muito tempo Ademar Pimenta foi acusado de ter poupado Leônidas contra a Itália para resguardá-lo para a final, o que não é verdade, pois ele era imprescindível para todos os jogos.

Sem Leônidas e sem Tim (melhor da segunda partida contra os tchecos), o Brasil perdeu seu encanto e se tornou um time comum. Romeu, que era meia, foi improvisado como centroavante. A linha de frente do Brasil foi formada por Lopes, Luisinho, Romeu, Perácio e Patesko. Esse ataque nunca havia atuado junto.

Campeões em 1934, os italianos renovaram e fortaleceram toda a seleção, especialmente no ataque, com a entrada de Silvio Piola na equipe. Ele foi o melhor jogador da Copa de 1938, na qual anotou cinco gols.


A Itália jogava em uma adaptação do sistema 2-3-5 chamada “Metodo”, que consistia no ligeiro recuo de dois atacantes, deixando o ataque em uma espécie de “W”, com dois meia-atacantes, dois pontas bem abertos e um centroavante.

O Brasil também atuava no “sistema clássico”, o 2-3-5. Com Romeu improvisado como centroavante, ninguém atuou fixo na área. Por mais que o ataque tenha tido mais mobilidade, pois outro lado, faltou presença física na área adversária.

● O jogo começa com as duas seleções pressionando as defesas contrárias. O Brasil esteve bem no primeiro tempo, com tabelas rápidas e dribles imprevisíveis no ataque, mas sem criar chances claras de gols. Em uma etapa equilibrada, as duas defesas se sobressaiam aos ataques. Mas a situação foi bem diferente no segundo tempo.

Logo aos seis minutos, na primeira vez que conseguiu escapar da marcação, o atacante Piola se antecipou a Domingos da Guia e tocou na esquerda para Gino Colaussi, livre para chutar forte e rasteiro, à esquerda do goleiro Walter e fazer 1 a 0.

A Seleção Brasileira correu atrás do empate, mas aos 15 minutos houve o lance capital da partida. Do meio campo, o árbitro suíço Hans Wüthrich flagrou uma agressão de Domingos sobre Piola dentro da área e assinalou pênalti. O zagueiro brasileiro aproveitou que a bola estava longe da área e, fora do lance, deu um chute no joelho do atacante, revidando as inúmeras provocações feitas pelo italiano. Domingos jura que a partida estava paralisada, mas a verdade é que, naquele momento, a defesa brasileira havia rebatido uma bola para o meio campo e o jogo estava em andamento.

“O jogo estava parado. Piola vinha na corrida e me atingiu com um pontapé, que eu revidei. Admitiria que o juiz fosse rigoroso comigo. Mas não podia prejudicar o time com o jogo parado.” — Domingos da Guia, em sua versão sobre o pênalti.

Domingos da Guia, considerado por muitos como o melhor e mais técnico zagueiro brasileiro da história, cometeu três pênaltis em quatro partidas na Copa de 1938. Neste sobre Piola, Domingos foi irresponsável.

Mesmo com protestos brasileiros, a penalidade foi ratificada. Na hora de bater o pênalti, o italiano Giuseppe Meazza resolveu amarrar melhor o calção, mas acabou rompendo o cordão. Assim, com a mão na cintura para segurar o calção, ele converteu o pênalti, no ângulo direito. Ao comemorar o gol, Meazza levantou os dois braços e deixou o calção cair, em uma cena hilária. Depois do gol, ele finalmente trocou a vestimenta para terminar a partida.

Depois do segundo gol, a Itália se retraiu. No fim da partida, Romeu fez uma bela jogada individual e tocou no canto de Olivieri, para diminuir o marcador. Mas insuficiente para levar o Brasil à sua primeira decisão de Copa.

A Itália chegava em sua segunda final consecutiva, como favorita.


A defesa brasileira rechaça um cruzamento italiano (Imagem: FIFA)

● Horas após o jogo, a Rádio Tupi soltou o furo de reportagem de que a partida seria anulada e disputada novamente, por causa do erro da arbitragem na marcação do pênalti. Mas não era verdade. O médico brasileiro Castello Branco realmente fez uma reclamação formal, mas a verdade é que a FIFA nunca considerou a possibilidade da anulação.

O Brasil estava tão confiante na vitória sobre a Itália, que já havia comprado as passagens aéreas de Marselha para Paris, onde seria a final da Copa. Depois da derrota, por pura raiva, os brasileiros se recusaram a ceder as passagens aos italianos, obrigando-os a fazer essa viagem de trem.

A qualidade técnica dos jogadores brasileiros era bastante apreciada pela torcida e pelos jornais franceses, mas não repercutia bem no resto do mundo. A pecha de “artistas da bola” não era vista como uma coisa boa, pois não resultava em títulos. Assim, o Brasil foi aplaudido pelo bom futebol que demonstrou, mas era criticado por ser frágil tática e psicologicamente. Com excessivas trocas de passes curtos e laterais, o ataque brasileiro era muito lento, permitindo o melhor posicionamento das equipes adversárias. Era um estilo bonito, mas não dava resultados em campo.

A imprensa brasileira também via os defeitos da Seleção. Segundo o jornal Sport Ilustrado, a Itália mereceu vencer, pois tinha jogado melhor e que o Brasil tinha tido “um ataque inoperante e sem energia e uma linha média parada e pouco combatida, salvando-se apenas a defesa”.

Brasil e Itália certamente foram as duas melhores equipes da competição. Pena que se encontraram na semifinal e não na decisão.

A polícia brasileira teve que intervir em algumas capitais, detendo várias pessoas raivosas e frustradas pela derrota para a Itália.

Com Leônidas da Silva de volta, o Brasil fez história na decisão do 3º lugar. Após sair perdendo por 2 a 0, a Seleção virou o placar para 4 a 2 e fez a sua melhor campanha em Copas até então. Essa foi a maior virada do Brasil em uma Copa até hoje.

Leônidas da Silva foi o artilheiro do certame com sete gols, sendo o único brasileiro a marcar gols em todas as partidas que disputou em Copas (fez um gol também em 1934).

Aproveitando-se da popularidade de Leônidas, a Lacta lançou a barra de chocolate “Diamante Negro”, em referência ao apelido que o craque tinha recebido dos uruguaios em 1932.


Cumprimentos iniciais entre os capitães Martim Silveira e Giuseppe Meazza (Imagem: Pinterest)

FICHA TÉCNICA:

 

ITÁLIA 2 x 1 BRASIL

 

Data: 16/06/1938

Horário: 18h00 locais

Estádio: Vélodrome

Público: 33.000

Cidade: Marselha (França)

Árbitro: Hans Wüthrich (Suíça)

 

ITÁLIA (2-3-5):

BRASIL (2-3-5):

Aldo Olivieri (G)

Walter (G)

Alfredo Foni

Domingos da Guia

Pietro Rava

Machado

Pietro Serantoni

Zezé Procópio

Michele Andreolo

Martim Silveira (C)

Ugo Locatelli

Afonsinho

Amedeo Biavati

Lopes

Giuseppe Meazza (C)

Luisinho Mesquita de Oliveira

Silvio Piola

Romeu Pellicciari

Giovanni Ferrari

Perácio

Gino Colaussi

Patesko

 

Técnico: Vittorio Pozzo

Técnico: Ademar Pimenta

 

SUPLENTES:

 

 

Guido Masetti (G)

Batatais (G)

Carlo Ceresoli (G)

Jaú

Eraldo Monzeglio

Nariz

Bruno Chizzo

Britto

Aldo Donati

Brandão

Renato Olmi

Argemiro

Mario Genta

Roberto

Mario Perazzolo

Niginho

Sergio Bertoni

Leônidas da Silva

Pietro Ferraris

Tim

Pietro Pasinati

Hércules

 

GOLS:

51′ Gino Colaussi (ITA)

60′ Giuseppe Meazza (ITA) (pen)

87′ Romeu Pellicciari (BRA) 

Lances da partida:

… 05/06/1938 – Brasil 6 x 5 Polônia

Três pontos sobre…
… 05/06/1938 – Brasil 6 x 5 Polônia

Seleção Brasileira perfilada (Imagem: FIFA)

● Após os conflitos internos e consequentes frustrações de 1930 (por causa do bairrismo de cariocas e paulistas) e 1934 (por incompatibilidades entre amadores e profissionais), finalmente a Seleção Brasileira pode contar com o que tinha de melhor e ainda teve tempo para se preparar.

Satisfeita com o trabalho do técnico Ademar Pimenta (que treinava o pequeno Madureira-RJ) no Sul-Americano de 1937, a CBD o manteve como técnico para a Copa do ano seguinte. Apesar de bem intencionado, não era muito firme nas decisões e era constante vítima das pressões dos dirigentes dos clubes para escalar esse ou aquele jogador. Mas ele não se atualizava. Criticado publicamente até pelo ponta esquerda Patesko, Ademar não conhecia, por exemplo, o sistema de jogo WM (formação implementada em 1925 pelo inglês Herbert Chapman no Arsenal), trazida para o Brasil pelo húngaro Dori Kürschner, quando veio treinar o Flamengo. O WM consistia em uma linha de três defensores, dois meio campistas recuados e dois mais avançados, além de três atacantes de ofício. O sistema já foi utilizado por algumas seleções naquela Copa e seria bastante utilizado no futuro pelas seleções europeias. O WM propiciava maior ocupação dos espaços do campo. Pimenta, porém, ainda usava o sistema clássico, a “pirâmide”, o 2-3-5.

Veja mais:
… 05/06/1938 – Brasil 6 x 5 Polônia
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… Domingos da Guia: o maior zagueiro da história do Brasil
… Patesko: ponta esquerda craque e letal
… Luís Mesquita de Oliveira: ícone do futebol paulista nos anos 1930

Em março de 1938, Pimenta relacionou 34 atletas para os treinamentos iniciais, na cidade mineira de Caxambu. Durante a preparação, ele montou dois times diferentes: o azul (mais leve) e o branco (mais pesado). E para se esquivar das pressões, nunca revelou qual dos dois seria titular. Ao ser questionado qual dos dois times seria titular, ele respondia: “Ou um ou o outro, ou uma mescla dos dois”. Apenas dois craques eram unanimidades: Leônidas da Silva e Domingos da Guia (ambos do Flamengo).

Dentre os cortados antes do embarque, destaque para o centromédio Fausto, do Flamengo (estrela brasileira da Copa de 1930 – que faleceu no ano seguinte, aos 34 anos, vítima de tuberculose); Waldemar de Brito, atacante do Flamengo; Carvalho Leite, atacante do Botafogo (com apenas 26 anos, mas com experiência de ter estado nas duas Copas anteriores); Santa Maria, zagueiro do Fluminense; Oswaldo, goleiro do São Christovam (atual São Cristóvão, clube que revelaria Ronaldo Fenômeno).

Agora profissionais, os atletas tiveram um desentendimento inicial com a CBD sobre os valores que receberiam (diárias, ajuda de custo, salário e “bicho” por vitória e/ou empate), mas logo tudo foi resolvido.

O zagueiro uberabense Nariz, que jogava no Botafogo-RJ, também foi o médico auxiliar do Dr. José Maria Castelo Branco. Nariz, o Dr. Álvaro Lopes Cançado, havia concluído o curso de medicina em 1936, na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Ele e o ponta Luisinho haviam pedido permissão à comissão técnica da Seleção Brasileira para levar suas esposas à França. O treinador aceitou o pedido, o que foi motivo de ciúmes dos demais atletas, que não gostavam do privilégio dos dois jogadores, chamados de “Acadêmicos” (um era médico e o outro advogado).

Apesar de tudo, a Seleção de 1938, ao contrário das anteriores, contava com duas coisas: seus melhores jogadores e a confiança do torcedor. Pela primeira vez acreditava-se, de verdade, que o Brasil poderia voltar da França campeão do mundo.

A travessia do Atlântico foi feita a bordo do navio inglês Arlanza, que custou 150 contos de réis à CBD. Os 18 dias de viagem para a França foram um problema para a seleção. Apesar dos exercícios físicos no convés, os jogadores engordavam. Romeu, o que tinha mais tendência a engordar, saiu do Brasil com 70 kg e chegou na França com 79. A seleção desembarcou em Marselha em 15 de maio, vinte dias antes da estreia na Copa. Teve tempo para se preparar devidamente, como nunca antes tivera.

A Polônia estava em sua primeira Copa do Mundo e os atletas se reuniram apenas uma semana antes do Mundial, devido aos jogos da Liga de futebol local, e chegaram à França a dois dias da estreia, após uma viagem de 36 horas de trem.

O Brasil atuava no sistema clássico, o 2-3-5, com muita fragilidade no sistema defensivo.

A Polônia também atuava no 2-3-5, como era comum na época, mas mais obediente taticamente do que o Brasil.

● No dia do jogo, o jornal “O Globo” anunciava: “Nada deterá o ímpeto do scratch branco!” Claro que se referia ao Brasil, mas… os poloneses também jogavam com camisas brancas. Por força de um sorteio, o Brasil teve que entrar em campo com um estranho uniforme: meias pretas, calção azul-bandeira e camisa num tom azul mais pálido. Foi a única vez que a Seleção Brasileira entrou em campo sem um distintivo no peito.

Aproveitando o campo pesado, consequência da forte chuva que caíra no dia anterior, os poloneses começaram atacando. O Brasil também partiu para o ataque, mostrando o que tinha de melhor: o individualismo, compensando a deficiência tática. O resultado foi um jogo cheio de gols.

Antes de Leônidas abrir o placar, aos 18 minutos, Perácio já havia acertado um de seus famosos petardos no travessão. Mas aos 23 minutos, o desprotegido Domingos foi obrigado a agarrar Wodarz dentro da área. Pênalti convertido por Scherfke, no canto direito do goleiro.

No minuto seguinte, Romeu ampliou. Aos 44, Perácio anotou o primeiro gol de cabeça da história do Brasil em Copas.

No segundo tempo, o gramado, que já era ruim, ficou em estado lastimável com a chuva. Isso privilegiou o estilo de jogo mais pesado dos poloneses, que empataram com dois gols de Ernest “Ezi” Wilimowski. Após parar a chuva, Perácio marcou outro aos 26 e Wilimowski empatou de novo, no penúltimo minuto, forçando a prorrogação. Aí brilhou Leônidas da Silva.

No quinto gol brasileiro, aos três minutos, Leônidas marcou – diz a lenda – sem a chuteira do pé direito, que havia se rompido na costura. O juiz Eklind não teria percebido a irregularidade porque, àquela altura, os jogadores já estavam com os pés e as pernas cheios de barro. Na semana seguinte, um texto na revista parisiense Foot-ball afirmava que o juiz Eklind, ao perceber que Leônidas tirara do pé a chuteira rasgada e dava a impressão de pretender continuar jogando sem ela, havia procedido corretamente ao pedir que o atacante deixasse o campo e calçasse uma nova. Mas não fazia menção ao célebre “gol descalço”. Já o jornal paulista Folha da Manhã foi mais preciso, ao informar que Leônidas descalçara a chuteira “logo após o quinto gol brasileiro”. Essa história nunca foi totalmente confirmada e ficou a lenda do gol descalço.

O persistente Wilimowski ainda marcou o quinto para a Polônia a dois minutos do fim da prorrogação, se tornando até hoje o jogador que mais fez gols sobre a Seleção Brasileira em um único jogo (quatro gols).

Leônidas da Silva disputa bola com a defesa polonesa (Imagem: Daily Mail)

● A Polônia jogou muito bem, mas o Brasil foi melhor e venceu pela primeira vez em uma estreia de Copa. Os dirigentes da CBD anunciaram ainda no vestiário que o bicho seria pago em dobro.

A Copa de 1938 (assim como a de 1934) foi no formato eliminatório, começando direto nas oitavas de final. Ou seja, com a derrota, a Polônia foi eliminada logo na primeira partida, terminando em 11º lugar entre as 15 seleções.

O estilo criativo do futebol brasileiro encantou a crítica, mas não era levado à sério devido a fragilidade de seu sistema defensivo. Segundo a imprensa francesa, os brasileiros jogavam um futebol “mais intuitivo do que inteligente”.

A vitória sobre a Polônia foi o primeiro jogo de Copa do Mundo transmitido por rádio para o Brasil. O narrador pioneiro (ou speaker, como se dizia na época) foi Gagliano Neto, da rede Byington, formada pelas rádios “Clube do Brasil” e “Cruzeiro do Sul”. Gagliano, narrava de forma extremamente patriótica, denegrindo os adversários do Brasil. Foi necessário um telegrama do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, pedindo para ele ser menos parcial. Foi uma aventura. Durante a Copa, Gagliano chegou a narrar em pé, à beira do gramado, no meio da torcida, e até no telhado de uma casa vizinha.

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 6 x 5 POLÔNIA

 

Data: 05/06/1938

Horário: 17h30 locais

Estádio: Meinau

Público: 13.452

Cidade: Estrasburgo (França)

Árbitro: Ivan Eklind (Suécia)

 

BRASIL (2-3-5):

POLÔNIA (2-3-5):

Batatais (G)

Edward Madejski (G)

Domingos da Guia

Władysław Szczepaniak (C)

Machado

Antoni Gałecki

Zezé Procópio

Wilhelm Góra

Martim Silveira (C)

Erwin Nyc

Afonsinho

Ewald Dytko

Lopes

Ryszard Piec

Romeu Pellicciari

Leonard Piątek

Leônidas da Silva

Fryderyk Scherfke

Perácio

Ernest “EziWilimowski

Hércules

Gerard Wodarz

 

Técnico: Ademar Pimenta

Técnico: Józef Kałuża

 

SUPLENTES:

 

 

Walter (G)

Walter Brom (G)

Jaú

Edmund Giemsa

Nariz

Edmund Twórz

Britto

Kazimierz Lis

Brandão

Wilhelm Piec

Argemiro

Jan Wasiewicz

Roberto

Stanisław Baran

Luisinho Mesquita de Oliveira

Ewald Cebula

Niginho

Bolesław Habowski

Tim

Józef Korbas

Patesko

Antoni Łyko

 

GOLS:

18′ Leônidas da Silva (BRA)

23′ Fryderyk Scherfke (POL) (pen)

25′ Romeu Pellicciari (BRA)

44′ Perácio (BRA)

53′ Ernest Wilimowski (POL)

59′ Ernest Wilimowski (POL)

71′ Perácio (BRA)

89′ Ernest Wilimowski (POL)

93′ Leônidas da Silva (BRA)

104′ Leônidas da Silva (BRA)

118′ Ernest Wilimowski (POL)

Melhores momentos da partida, com todas as limitações de 80 anos atrás:

… 27/05/1934 – Espanha 3 x 1 Brasil

Três pontos sobre…
… 27/05/1934 – Espanha 3 x 1 Brasil


Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1934 (Imagem: UOL)

● Como veremos no próximo dia 14/07, os cartolas brasileiros não aprenderam a lição. Se em 1930 a discórdia era entre cariocas e paulistas, para a Copa de 1934 a briga foi entre amadores e profissionais. O profissionalismo no futebol nacional foi regulamentado em 1933 e a CBD (Confederação Brasileira de Desportos, atual CBF) era adepta ao amadorismo (atrasada desde sempre…).

Com apenas 17 atletas, o fato é que a Seleção Brasileira foi montada com um “catado” de nove jogadores do Botafogo (único time forte que ainda era filiado a uma liga amadora), reforçado por um ou outro jogador profissional, como Luisinho, Patesko e o jovem Leônidas da Silva. Se o técnico oficial era Luiz Vinhais, quem fez a “convocação”, escalou e mandou em tudo era mesmo o cartola botafoguense Carlito Rocha.

Foram doze dias de viagem no navio Conte de Biancamano, onde os jogadores treinavam no convés do jeito que dava. Ao desembarcar na Itália, os brasileiros não sabiam que enfrentariam uma das melhores seleções do mundo na época. Os espanhóis tinham uma das defesas mais entrosadas da história, com Zamora, Ciriaco e Quincoces, todos do Real Madrid há mais de três anos.

Nos anos 1930, todas as equipes atuavam no ofensivo sistema “clássico” ou “pirâmide”, o 2-3-5.

● Com os jogadores fora de forma e sem inspiração, o Brasil começou mal. Logo nos primeiros minutos, era claro que a Espanha estava melhor no jogo, enquanto os brasileiros dependiam do talento individual de Leônidas e Waldemar de Brito. Porém, a Fúria abriu 3 a 0 antes da primeira meia hora de jogo, com dois gols de Iraragorri e um de Langara, mas acabou sendo beneficiada por um grave erro de arbitragem: Quincoces evitou um gol com o braço em cima da linha quando o Brasil perdia por 1 a 0. Poderia ser o gol de empate, mas a arbitragem não viu.

No segundo tempo, a Espanha tentou segurar e o Brasil foi para cima, diminuindo o prejuízo com Leônidas, aos 11 minutos. Aos 15, Luisinho marcou o segundo, mas o árbitro anulou por impedimento, gerando grande reclamação dos sul-americanos. Dois minutos depois, Waldemar de Brito trombou com Ciriaco na área e o árbitro assinalou pênalti. O próprio Waldemar bateu e Zamora defendeu no canto esquerdo, enterrando de vez as esperanças brasileiras.

Veja mais:
… 31/05/1934 – Itália 1 x 1 Espanha

● Ricardo Zamora estava com 33 anos e já era um mito em seu país. Por lá, ele é considerado o maior goleiro do mundo em todos os tempos. Tanto, que o troféu do goleiro menos vazado do Campeonato Espanhol leva seu nome. Reza a lenda que ele tinha um olhar hipnótico, que desconcentrava os batedores de pênaltis. Dizem também que em 1930, o Real Madrid o contratou junto ao Espanyol por uma quantia suficiente para comprar cinco times inteiros.

Ricardo Zamora (Imagem: Alchetron)

Waldemar de Brito ficou marcado como o primeiro jogador a perder um pênalti pela Seleção Brasileira em uma Copa do Mundo. Ele entraria na história também alguns anos depois, quando era técnico do Bauru Atlético Clube (o Baquinho) em 1954 e descobriu um garoto de 14 anos. Dois anos depois, resolveu levá-lo para o Santos. O garoto era simplesmente Pelé.

Apesar do preço elevado dos ingressos, o público da partida foi considerado excelente. Além disso, as colinas e os telhados das casas nas imediações do Estádio Comunale Marassi também estavam repletos de pessoas.

A Copa de 1934 (assim como a de 1938) foi no formato eliminatório, começando direto nas oitavas de final. Ou seja, com a derrota, o Brasil foi eliminado logo na primeira partida, terminando em 14º lugar entre 16 seleções.

A Espanha foi eliminada na fase seguinte para a anfitriã (e futura campeã) Itália em uma batalha sangrenta de 210 minutos (um jogo com prorrogação e um jogo desempate), com um gol decisivo do mítico Giuseppe Meazza.

FICHA TÉCNICA:

 

ESPANHA 3 X 1 BRASIL

 

Data: 27/05/1934

Horário: 16h30 locais

Estádio: Comunale Marassi (atual Luigi Ferraris)

Público: 21.000

Cidade: Gênova (Itália)

Árbitro: Alfred Birlem (Alemanha)

 

ESPANHA (2-3-5):

BRASIL (2-3-5):

Ricardo Zamora (G)(C)

Roberto Gomes Pedrosa (G)

Ciriaco Errasti

Sylvio Hoffmann

Jacinto Quincoces

Luís Luz

Leonardo Cilaurren

Tinoco

José Muguerza

Martim
Silveira (C)

Martín Marculeta

Canalli

Ramón de Lafuente

Luisinho Mesquita de Oliveira

José “Chato” Iraragorri

Waldemar de Brito

Isidro Lángara

Leônidas da Silva

Simón Lecue

Armandinho

Guillermo Gorostiza

Patesko

 

Técnico: Amadeo García Salazar

Técnico: Luiz Augusto Vinhais

 

SUPLENTES:

 

 

Juan José Nogués (G)

Germano (G)

Ramón Zabalo

Octacílio

Hilario

Ariel

Pedro Solé

Waldyr

Luis Regueiro

Áttila

Luis Martín

Carvalho Leite

Fede

 

Chacho

 

Campanal

 

Crisanto Bosch

 

Martí Ventolrà

 

 

GOLS:

18′ José Iraragorri (ESP) (pen)

25′ José Iraragorri (ESP)

29′ Isidro Lángara (ESP)

54′ Leônidas da Silva (BRA)

Reportagem da TV Cultura sobre a participação brasileira na Copa de 1934: