Arquivo da tag: Da Guia

… 19/06/1938 – Brasil 4 x 2 Suécia

Três pontos sobre…
… 19/06/1938 – Brasil 4 x 2 Suécia


(Imagem: CBF / Correio da Manhã)

● A bem da verdade, a Suécia chegou tão longe por causa dos “atalhos”. Foi sorteada na chave da Áustria, em jogo que não ocorreu (como contamos detalhadamente aqui). Nas quartas de final, enfrentou a inexpressiva seleção de Cuba e goleou por 8 a 0. E foi reprovada logo em seu primeiro teste, ao perder para a Hungria nas semifinais por 5 a 1. Assim, sem fazer força alguma, a Suécia estava entre os quatro melhores da Copa.

Por sua vez, a Seleção Brasileira só enfrentou adversários com alto grau de dificuldade. Nas oitavas, precisou da prorrogação para bater a Polônia por 6 a 5. Nas quartas, foram necessárias duas partidas para passar pela Tchecoslováquia (1 x 1 no primeiro duelo e 2 x 1 no jogo desempate). Na semi, não contou com Leônidas, mas mesmo assim vendeu caro a derrota por 2 a 1 para a então campeã Itália.

Confiante na vitória sobre a Itália, os dirigentes brasileiros já haviam comprado as passagens aéreas de Marselha a Paris, onde seria a final da Copa. Depois da derrota, tomados pela raiva, os brasileiros se recusaram a ceder as passagens aos italianos – que tiveram de fazer a viagem de trem. Também foi de trem a volta do Brasil para Bordeaux.

Aliás, certamente o Brasil foi a seleção mais prejudicada pelas viagens em toda a história das Copas. Jogou contra a Polônia em Estrasburgo. De lá, viajou 758 quilômetros até Bordeaux para enfrentar a Tchecoslováquia. Depois, andou mais 503 km até Marselha, onde enfrentou a Itália. E, pra encerrar, voltou até Bordeaux (mais 503 km). Ao todo foram 1.764 km, ou seja, quase dois dias em viagem de trem.

Assim, Brasil e Suécia se encontraram na partida que decidiu o 3º lugar da Copa de 1938. Curiosamente, esse jogo ocorreu simultaneamente à final, que foi disputada entre Itália e Hungria.

Leônidas não pôde jogar contra a Itália, mas se recuperou a tempo de atuar contra os suecos.


O Brasil atuava no sistema clássico, o 2-3-5, com muita fragilidade no sistema defensivo.


A Suécia também atuava no 2-3-5, como era comum na época, mas mais obediente taticamente do que o Brasil.

● O que mais chamava a atenção da imprensa estrangeira em relação à Seleção Brasileira na Copa de 1938 foi o abismo entre o alto nível técnico dos jogadores e a disposição tática rudimentar. As duas equipes eram escaladas no sistema clássico, mas a linha de meio-campo brasileira era mais estática, ao invés de ser mais combativa e focar na marcação. Afinal, no esquema 2-3-5, a defesa e o meio campo deveriam ser os responsáveis pela marcação da linha de frente adversária. Mas os médios brasileiros costumavam deixar os zagueiros muito expostos. Um pouco devido às características dos jogadores tupiniquins, mas também por causa da falta de entrosamento e da bagunça feita pelo técnico Ademar Pimenta.

A Suécia era uma equipe que passava muito longe de ter o talento brasileiro, mas era melhor distribuída em campo.

O confronto começou com certo equilíbrio, mas logo o Brasil começou a tomar conta do jogo. E desperdiçou várias oportunidades com Leônidas, Patesko e Roberto.

Aos 28′, Brandão errou o passe, Harry Andersson interceptou e lançou Sven Jonasson, que chutou forte para abrir o placar.

O escrete brasileiro tentou reagir, mas continuou errando muitos gols.

Os nórdicos aproveitaram para marcar o segundo, aos 38′. O perigoso Jonasson avançou pelo lado esquerdo e cruzou para Arne Nyberg, que driblou Machado e finalizou para notar o segundo tento de sua equipe.

No último minuto da etapa inicial, Zezé Procópio lançou Romeu, que driblou dois adversários e chutou para marcar. Esse gol aliviou um pouco a situação e permitiu que o Brasil fosse para o vestiário com menos peso sobre os ombros.

A Seleção voltou para o segundo tempo pressionando em busca do empate e teve a chance logo aos dois minutos. Domingos lançou para Romeu, que passou para Roberto. Ele invadiu a área e foi derrubado por Erik Almgren. O árbitro belga John Langenus assinalou o pênalti. Patesko foi o encarregado da cobrança, mas bateu por cima do gol.

O empate veio aos 18′. Zezé tocou para Romeu (o artífice da criação do ataque brasileiro), que cruzou para a área. Leônidas se antecipou e deu um toquinho para encobrir o goleiro Henock Abrahamsson.

A partir dali, o Brasil passou a ter o controle da partida e os brasileiros, enfim, conseguiram transformar a superioridade técnica em gols.

O terceiro saiu aos 29′. Leônidas fez uma triangulação com Roberto e Romeu pelo lado direito e, contrariando as suas características, chutou de longe para virar o jogo.

A dez minutos do fim, Romeu (sempre ele) trocou passes com Leônidas, que lançou Perácio. O atacante do Botafogo mandou uma bomba de fora da área, sem chances para o goleiro sueco.

Cabe ressaltar que esse foi o único jogo em que Domingos da Guia passou sem cometer algum pênalti. Ele havia cometido três nos três jogos anteriores – justamente pela falta de proteção à defesa.


(Imagem: Pinterest)

● Essa até hoje é a maior virada brasileira na história das Copas.

No fim, ambos os países estavam orgulhosos por terem emplacado suas melhores campanhas em Copas até então.

A classificação final fez nascer no Brasil inteiro um sentimento de orgulho pelo bom desempenho da Seleção.

A delegação chegou de volta ao Rio de Janeiro 15 dias depois e teve uma recepção “apoteótica”, segundo o cronista Thomas Mazzoni, de A Gazeta Esportiva. Antes, o navio Almanzora teve que fazer escalas em Recife e Salvador e a recepção foi igualmente frenética. Na Bahia, um torcedor chegou a roubar o sapato de Leônidas. No Rio, às 15h30 de 02 de julho, o navio iniciou as manobras para atracar no porto e a polícia teve dificuldades para manter o cordão de isolamento que impedia o público de se aproximar do cais.

Em seguida, os jogadores desfilaram em carros abertos pela Avenida Rio Branco. Leônidas era o mais assediado e precisou ser conduzido em um veículo de transportes de soldados do Corpo de Fuzileiros Navais, protegido por uma brigada inteira de militares. Ainda assim, o cortejo não se movia e a polícia teve que fazer uso de força para que o público deixasse o desfile acontecer. A alegria era tamanha que os torcedores esqueceram todas as críticas anteriores. Até o técnico foi aplaudido e carregado pela multidão.

Como sempre, as autoridades políticas fizeram questão de posar para fotos com os jogadores, especialmente os mais populares segundo um concurso feito na época pelo Cigarro Magnólia: Leônidas, Domingos da Guia e Romeu.

Leônidas da Silva foi o artilheiro do certame com sete gols, sendo o único brasileiro a marcar gols em todas as partidas que disputou em Copas (fez um gol também em 1934). Aproveitando-se da popularidade de Leônidas, a Lacta lançou a barra de chocolate “Diamante Negro”, em referência ao apelido que o craque tinha recebido dos uruguaios em 1932.


A multidão se aglomera para receber a delegação brasileira (Imagem: CBF / Correio da Manhã)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 4 x 2 SUÉCIA

 

Data: 19/06/1938

Horário: 17h00 locais

Estádio: Parc Lescure

Público: 12.000

Cidade: Bordeaux (França)

Árbitro: John Langenus (Bélgica)

 

BRASIL (2-3-5):

SUÉCIA (2-3-5):

Walter (G)

Henock Abrahamsson (G)

Domingos da Guia

Ivar Eriksson

Machado

Erik Nilsson

Zezé Procópio

Erik Almgren

Brandão

Arne Linderholm

Afonsinho

Kurt Svanström (C)

Roberto

Åke Andersson

Romeu Pellicciari

Sven Jonasson

Leônidas da Silva (C)

Arne Nyberg

Perácio

Harry Andersson

Patesko

Erik Persson

 

Técnico: Ademar Pimenta

Técnico: József Nagy

 

SUPLENTES:

 

 

Batatais (G)

Gustav Sjöberg (G)

Jaú

Olle Källgren

Nariz

Harry Nilsson

Britto

Sven Jacobsson

Martim Silveira

Karl-Erik Grahn

Argemiro

Curt Bergsten

Lopes

Lennart Bunke

Luisinho Mesquita de Oliveira

Knut Hansson

Niginho

Tore Keller

Tim

Sven Unger

Hércules

Gustav Wetterström

 

GOLS:

28′ Sven Jonasson (SUE)

38′ Arne Nyberg (SUE)

44′ Romeu Pellicciari (BRA)

63′ Leônidas da Silva (BRA)

74′ Leônidas da Silva (BRA)

80′ Perácio (BRA)

Imagens da partida:

… Domingos da Guia: uma lenda do futebol mundial

Três pontos sobre…
… Domingos da Guia: uma lenda do futebol mundial


(Imagem localizada no Google)

● Jogou em uma época em que os bons zagueiros eram os que davam chutão, carrinho e botinada. Domingos foi o primeiro zagueiro a não ter raiva da bola, a agredindo com chutões. Os mais entusiasmados diziam que em um cruzamento, ele era capaz dominar a bola com a testa e sair jogando. Amava a bola, assim como ela o amava. Jogava de cabeça erguida, com um senso de posicionamento e poder de antecipação absurdos e inéditos para a época. Sua postura discreta, séria e sua maneira de jogar, recordava o estilo britânico clássico do século XIX. Foi um dos primeiros defensores a ser chamado de craque. Possuidor de excelente técnica, é apontado como um dos melhores na posição em todos os tempos. Jogava sempre com a cabeça erguida, antevendo os lances e dificultando para o adversário a missão de driblá-lo. Não cometia muitas faltas e sempre saía jogando com classe. Essa sua costumeira jogada, de extremo risco, era executada sempre com perfeição e foi apelidada de “Domingada”. Mesmo sendo raros seus registros em vídeo, impossível contestar seu posto de maior zagueiro brasileiro de todos os tempos.

Gilberto Freyre o definiu como “um apolíneo em meio aos dionisíacos”. José Lins do Rego o chamava de “intelectual de calção, meias e chuteiras”, devido a sua grande inteligência e exuberância.

Feitos e premiações de Domingos da Guia:

Pela Seleção Brasileira:
– 3º lugar na Copa do Mundo de 1938.
– Bicampeão da Copa Rio Branco em 1931 e 1932.
– Campeão da Copa Rocca em 1945.

Pela Seleção do Rio de Janeiro:
– Campeão do Campeonato Brasileiro de Seleções em 1931, 1940 e 1943.

Pelo Nacional (Uruguai):
– Campeão Uruguaio em 1933.

Pelo Vasco da Gama:
– Campeão Carioca em 1934.
– Campeão da Copa dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo em 1934.
– Campeão Carioca de Aspirantes em 1934.
– Campeão do Torneio Início do Rio de Janeiro em 1932.

Pelo Boca Juniors (Argentina):
– Campeão Argentino em 1935.

Pelo Flamengo:
– Campeão Carioca em 1939, 1942 e 1943.
– Campeão do Torneio Aberto do Rio de Janeiro em 1936.
– Campeão do Torneio Relâmpago do Rio de Janeiro em 1943.
– Campeão da Taça João Vianna Seilir em 1936, no Paraná.
– Campeão da Taça da Paz em 1937, no Rio de Janeiro.

Pelo Corinthians:
– Bicampeão da Taça Cidade de São Paulo em 1947 e 1948.
– Campeão do Torneio Início do Campeonato Paulista em 1944.

Pelo Bangu:
– Campeão da Taça Euvaldo Lodi em 1950, no Rio de Janeiro.

Distinções e premiações individuais:
– Eleito para a Seleção da Copa do Mundo de 1938.
– Eleito melhor jogador do Campeonato Sul-Americano de 1945.
– 40º lugar na lista dos melhores jogadores do século XX pela revista Placar em 1999.
– 80º lugar na lista dos melhores jogadores da história das Copas do Mundo pela revista Placar em 2006.
– 17º lugar na lista dos melhores jogadores brasileiros do século XX pela IFFHS.
– 43º lugar na lista dos melhores jogadores sul-americanos do século XX pela IFFHS.
– Eleito um dos 100 melhores jogadores de todos os tempos pela revista World Soccer em 1999.
– Eleito um dos 1000 maiores esportistas do século XX pelo jornal Sunday Times.
– Eleito para o Time dos Sonhos do Corinthians pela revista Placar em 1982.
– Eleito para o Time dos Sonhos do Corinthians pela revista Placar em 1994.
– Eleito para o Time dos Sonhos do Flamengo pela revista Placar em 1982.
– Eleito para o Time dos Sonhos do Flamengo pela revista Placar em 1994.
– Eleito para o Time dos Sonhos do Flamengo pela revista Placar em 2006.

Frases de Domingos e sobre Domingos:

“O jogo estava paralisado. Piola vinha na corrida e me atingiu com um pontapé, que eu revidei. Admitiria que o juiz fosse rigoroso comigo. Mas ele não podia prejudicar todo o time com a partida paralisada.” — Domingos, sobre o pênalti que cometeu na semifinal da Copa do Mundo de 1938, contra a Itália.

“Esta aqui, a bola, me ajudou muito. Ela ou as irmãs dela, não é? É uma família e sinto gratidão por ela. Na minha passagem pela Terra, ela foi o principal. Porque sem ela ninguém joga. Comecei na fábrica em Bangu, trabalhando, trabalhando, até que encontrei minha amiga. E fui muito feliz com essa aí. Conheço o mundo inteiro, viajei muito, muitas mulheres. Isso também é uma coisa gostosa, não é?” — Domingos, em entrevista a Roberto Moura.

“Coloco em primeiro lugar o Garrincha. Depois, Pelé, Zizinho, Ademir, Rivelino, Gérson, Zico, meu filho Ademir.” — Domingos, em entrevista ao Jornal do Brasil, em novembro de 1992.

“O melhor que vocês já tiveram foi Domingos, completo. Campeão lá [Brasil], aqui [Uruguai] e na Argentina” — declarou Obdulio (capitão uruguaio na Copa de 1950) para um repórter brasileiro em 1970.

“Ele era um verdadeiro ídolo da torcida do Boca. QUando fui jogar lá, anos depois, todos falavam dele.” — Orlando Peçanha, zagueiro brasileiro campeão da Copa do Mundo em 1958, sobre Domingos da Guia.

“Domingos, sempre com grande serenidade, não corria atrás do jogador adversário. Ele corria em uma faixa entre o jogador e a baliza. Quando o adversário se aproximava do gol, Domingos já estava na frente dele, coisa que Nilton Santos viria a fazer anos depois.” — Thiago de Mello, poeta amazonense e flamenguista.

“De certa forma Domingos foi o “Machado de Assis do futebol”… Era um inglês por fora, brasileiro por dentro e sobretudo carioca.” — Mário Filho.

“A leste, a Muralha da China. A oeste, Domingos da Guia. Nunca houve zagueiro mais sólido na história do futebol. Domingos da Guia foi campeão em quatro cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Montevidéu e Buenos Aires) e foi adorado pelas quatro: quando jogava, os estádios enchiam. Antes, os zagueiros se agarravam aos atacantes feito selos em envelope, e livravam-se da bola como se ela lhes queimasse os pés, chutando-a o quanto antes para o alto. Domingos, ao contrário, deixava passar o adversário, investida vã, enquanto lhes roubava a bola, e depois tomava todo o tempo do mundo para tirar a pelota da zona de perigo. Homem de estilo imperturbável, fazia tudo assobiando e olhando para o outro lado. Desprezava a velocidade. Jogava em câmera lenta, mestre do suspense, amante da lentidão”. — Eduardo Galeano em seu livro “Futebol ao Sol e à Sombra”.

… Domingos da Guia na Seleção Brasileira

Três pontos sobre…
… Domingos da Guia na Seleção Brasileira


(Imagem localizada no Google)

● Pela Seleção, Domingos da Guia disputou 30 partidas entre 1931 e 1946, com 19 vitórias, 3 empates e 8 derrotas. Estreou em 06/09/1931, na vitória contra o Uruguai (campeão do mundo e bi olímpico), por 2 a 0, pela Copa Rio Branco, no Estádio das Laranjeiras. Domingos tinha apenas 18 anos e, mesmo atuando contra os atacantes campeões mundiais, jogou como um veterano. Segundo o jornalista Mário Filho, neste jogo Domingos protagonizou um lance hilário: o mítico ponta esquerda Pablo Dorado (autor do gol que abriu o placar da final da Copa do Mundo de 1930), conhecido pela velocidade, partiu em disparada para cima de Domingos. Passou por ele, pelo goleiro Veloso e só parou dentro do gol. Os jogadores celestes correram para comemorar o gol com Dorado, imaginando que ele havia entrado no gol com bola e tudo. Mas domingos olhava a cena sem entender nada, pois estava ele parado com a bola nos pés. O desarme foi tão perfeito que ninguém reparou. Nem Dorado, que entre os aplausos e gargalhadas da torcida brasileira, cumprimentou Domingos com um sorrisinho amarelo.

No estádio Centenário, em outra atuação monstra contra o Uruguai, Domingos comandou o Brasil em nova vitória por 2 a 1. Na mesma excursão, a Seleção também venceu os fortes Peñarol e Nacional. Em tempos de amadorismo no Brasil e profissionalismo no Uruguai, Domingos ficou por lá mesmo para jogar no Nacional. Não disputou a Copa de 1934, pois o clube uruguaio só o liberaria para a seleção se a CBD pagasse 45 contos de réis (uma fortuna para a época).


(Imagem: Memórias do Esporte)

● Na Copa do Mundo de 1938, a delegação brasileira se preparou um pouco melhor do que nas duas primeiras Copas, levando os principais jogadores em atuação. A viagem rumo à França, a bordo de um navio, durou 15 dias. No primeiro jogo, contra a forte Polônia, o esquema ofensivo brasileiro deixou muitos buracos entre as linhas e levou 5 gols, sendo 4 de Wilimowski. Sorte que o ataque brasileiro marcou 6 vezes. O jogo seguinte foi um empate com a Tchecoslováquia por 1 a 1, com muita disputa e violência. No jogo desempate, Domingos não jogou, mas o Brasil venceu por 2 a 1 e se classificou. Na semifinal viria a então campeã, a fascista Itália. Quando o Brasil já perdia por 1 a 0 e pressionava em busca do empate, aos 17 minutos do segundo tempo Domingos não se segurou diante das provocações do atacante Silvio Piola e lhe agrediu dentro da área com um chute. Mesmo com a bola não estando em jogo, o árbitro suíço equivocadamente marcou pênalti. Mesmo com os brasileiros inconformados, Giuseppe Meazza marcou o gol da vitória italiana por 2 x 1 sobre o Brasil. Domingos nunca aceitou a marcação: “A bola estava parada. Se ele tivesse que punir alguém seria eu, com a expulsão. Não poderia ter prejudicado o time todo”. Devido ao lance de infantilidade de Domingos, a “Domingada”, que era utilizada para seus lances geniais, passou também a ser usada como sinônimo de “trapalhada”. O Brasil teve de se contentar com o 3º lugar, vencendo a Suécia por 4 x 2. Mesmo assim, Domingos foi eleito o melhor zagueiro da competição e foi bastante aplaudido no retorno a seu país. Foi bastante atrapalhado pelo amadorismo (em 1934) e pela 2ª Guerra Mundial, que impediu a realização das Copas de 1942 e 1946 e tirou dele a chance de dar a volta por cima e se redimir em Copas. Nada que abalasse sua idolatria na América do Sul.

“Em 1938, o que eles falavam muito era que pegaram um navio aqui no Brasil, viajaram não sei quantos dias para a França, treinavam no navio. Chegaram lá sem muita condição e preparo físico e no jogo contra a Itália o juiz deu um pênalti que na verdade foi um lance muito discutido, porque primeiro a bola não estava dentro de campo, a bola tinha saído, e era uma jogada que se houve uma agressão tinha que ser expulso e não dar pênalti. Eu lembro muito disso porque as pessoas falavam: “Oh Domingos, como que foi aquele pênalti?”. E ele contava como é que foi a viagem e é mais ou menos isso que eu lembro. Mas que as pessoas sempre falavam que ele era um zagueiro muito técnico de uma condição espetacular”. – Contou Ademir, filho de Domingos.

● Domingos disputou os Campeonatos Sul-Americanos de 1942, 1945 e 1946, conseguindo no máximo o vice-campeonato dos dois últimos. Foi campeão da Copa Rio Branco em 1931 e 1932, além da Copa Rocca em 1945.

… Domingos da Guia: o “Divino Mestre”

Três pontos sobre…
… Domingos da Guia: o “Divino Mestre”


(Imagem localizada no Google)

● Domingos Antônio da Guia veio ao mundo em 19/11/1912 (algumas fontes citam que seu ano de nascimento é 1911), na então capital federal, Rio de Janeiro. Nascido e criado próximo da igreja de São Sebastião e Santa Cecília, no bairro de Bangu. Era de família humilde, filho de lavradores e neto de escravos. Deu seus primeiros passos no futebol no time da fábrica de tecidos Bangu, em 1929, assim como seus três irmãos: Luiz, Mamede (Médio) e Ladislau, meia que reinava no time do Bangu na época e que ainda é o maior artilheiro da história do clube, com 222 gols. Em seu início, Domingos ficou conhecido como o irmão de Ladislau. Mas sua ligação com o time é tão grande, que foi citado por Lamartine Babo quando este compôs a letra do hino do Bangu:

“O Bangu tem também a sua história e glória,
Enchendo seus fãs de alegria.
De lá pra cá, surgia Domingos da Guia.”

Sua habilidade começou cedo, nas peladas no subúrbio de Bangu. Sua posição original era de centromédio. Logo em seus primeiros treinos, Kanela (o maior técnico de basquete da história do Brasil, bicampeão mundial, que também foi treinador de futebol e passou pelo Bangu) achou melhor adaptar o garoto na defesa. Domingos ensinou que os defensores também podem ter habilidade. Estreou no Bangu em 04/04/1929, em uma vitória de 4 x 2 sobre o Fluminense (algumas fontes afirmam que o jogo era contra o Flamengo) pelo Campeonato Carioca, substituindo o zagueiro Conceição. Até a profissionalização do futebol no Brasil, Domingos conciliava os compromissos do futebol com as trabalhos como carpinteiro, na Fábrica de Tecidos Bangu e até como mata-mosquitos no Departamento de Saúde Pública do Rio de Janeiro. Após três temporadas, em 1932, trocou o Bangu pelo Vasco da Gama.

● Em 1933, após jogo da Copa Rio Branco pela Seleção Brasileira contra o Uruguai, decidiu ficar no futebol profissional uruguaio e assinar com o Nacional. Provocou uma revolução, pois jogava na mesma posição que José Nasazzi (capitão celeste campeão da primeira Copa do Mundo, em 1930). Assim, formaram uma inédita dupla em que os dois eram zagueiros pelo lado direito. Quando Domingos foi contratado, os uruguaios se revoltaram, alegando que não precisavam de zagueiro, pois tinham Nasazzi. Quando Domingos saiu do clube, disseram que só aprenderam com ele o verdadeiro significado da palavra “zagueiro”. No país vizinho, com apenas 20 anos, ganhou o apelido de “Divino Mestre”. Foi campeão uruguaio em 1933. Voltou ao Brasil para nova passagem pelo Vasco, já profissionalizado, e foi campeão do Campeonato Carioca da LCF em 1934.

Despertou novo interesse estrangeiro e foi para o Boca Juniors em 1935. Em terras portenhas, fez uma ótima dupla de zaga com Victor Valussi, dando uma proteção “divina” ao goleiro Yustrich. Se tornou lenda também no Boca Juniors, de Francisco Varallo, e venceu o campeonato argentino de 1935. Seu maior orgulho foi ter sido campeão tricampeão consecutivo em três países diferentes: Uruguaio (1933), Carioca (1934) e Argentino (1935). Onde passou, deixou sua marca. Mesmo com o talento singular, nunca lhe faltou raça. Às vezes nem precisava se mexer. “Eu vou pelo atalho”, explicou certa vez. Mas um desentendimento de Domingos com um árbitro local o levou a uma suspensão de dois meses, o que motivou novas investidas de clubes brasileiros. Com diversas propostas, Domingos foi ser ídolo do Flamengo a partir de 1936.

Estreou em um empate em 2 x 2 com o Fluminense, em 16/08/1936. Após passar de novo e rapidamente pelo Boca em 1937, se consagrou definitivamente com a camisa do rubro-negra, jogando entre 1937 e 1943, disputando 223 partidas pelo Flamengo, com 138 vitórias, 46 empates e 39 derrotas. Se tornou campeão carioca em 1939, 1942 e 1943. Posteriormente, foi homenageado pelo Flamengo dando seu nome a escolinha do clube em São Gonçalo.

Em 1944, Domingos brigou com a diretoria do Flamengo e se mandou para jogar no Corinthians, já aos 32 anos. Chegou ao Timão por 300 contos de réis (maior transação da época). Foi um fato marcante que revolucionou o futebol paulista. Pelo Timão, entre 1944 e 1948, disputou 116 jogos, com 77 vitórias, 17 empates e 22 derrotas. Foi capitão do time e chegou a ser convocado para a Seleção Paulista, provando que a idade nunca foi um empecilho para o craque. Já tinha jogado pela Seleção do Rio de Janeiro entre 1931 e 1943, no antigo Campeonato Brasileiro de Seleções. Encerrou a carreira onde começou, no Bangu, onde jogou novamente de 1958 a 1950.


(Imagem: Globo)

● Após se despedir dos gramados, treinou o Olaria Atlético Clube, mas não teve sucesso como técnico. Em 1952 voltou a trabalhar no serviço público, no qual se aposentou como fiscal de renda. Depois, trabalhou como comerciante em um bar de sua propriedade. Não era um simples dono do bar. Sempre aparecia alguém da imprensa interessado apenas em suas histórias e em reviver seus grandes momentos dentro do gramado. Se estabeleceu no bairro de Bangu, em busca de suas raízes. Costumava passear pelas calçadas da Avenida Rio Branco, onde encontrava velhos amigos e a prosa era certa. Vestia-se com a mesma elegância com que jogava: com um terno branco e uma cartola. Se tornou parceiro de Zizinho, como morador do bairro do Méier, em 1974. Faleceu aos 87 anos, em 18/05/2000, em um quarto do Hospital Quarto Centenário, vítima de um acidente vascular cerebral, no mesmo Rio de Janeiro onde nasceu.

Seu maior orgulho era seu filho Ademir da Guia, maior ídolo da história do Palmeiras, que herdou o apelido e a “divindade” do pai. “Quando meu pai jogou no Nacional do Uruguai, ganhou o apelido de Divino Mestre. E quando eu cheguei aqui em São Paulo, os jornais colocaram: ‘O Palmeiras contratou o filho do Divino’. Então o apelido na verdade é do meu pai. Ele me incentivou bastante no início da carreira. Todo início de carreira em qualquer profissão é difícil e ele me incentivou, me ajudou muito, me abriu portas”. “Ele sabia de sua categoria, mas preferia não ficar se gabando. As pessoas falavam mais sobre as suas qualidades do que ele próprio”, afirmou certa vez Ademir, que não chegou a ver o pai atuando.

(Imagem: Gazeta Press)