… 13/06/1962 – Brasil 4 x 2 Chile

Três pontos sobre…
… 13/06/1962 – Brasil 4 x 2 Chile


(Imagem: FIFA)

Três dias antes, Garrincha havia descido do céu como um “extra-terrestre” e tinha acabado com a Inglaterra na vitória por 3 a 1, que classificou a Seleção Brasileira para a semifinal. O adversário seria o pior de todos – não pelo futebol, mas por ser o dono da casa.

O Chile estava fazendo uma campanha digna, de certa forma até surpreendente. Estreou vencendo a Suíça por 3 x 1 de virada. Na sequência, venceu um jogo duríssimo contra a Itália por 2 x 0. A derrota por 2 x 0 para a Alemanha Ocidental deixou os anfitriões em segundo lugar do grupo. Nas quartas de final, o Chile bateu a União Soviética por 2 a 1 e estava entre os quatro melhores do mundo pela primeira (e até hoje única) vez em sua história.

Animados com a campanha, os torcedores comemoraram tanto a classificação, como se tivessem vencido a final. A capital Santiago foi tomada pela febre do futebol, que contagiou a todos – até mesmo os que nunca assistiram a uma partida na vida. Até nas casas noturnas e teatros, o tema era a bola. O Chile era a capital da bola.

A empolgação da torcida local passava do ponto, chegando a encher a capital Santiago de frases cômicas e ameaçadoras, como, por exemplo: “Com Pelé ou sem Pelé, haveremos de tomar café” ou “Com Didi ou sem Didi, haveremos de fazer xixi”.

Por isso, naquela manhã de quarta-feira, a comissão técnica brasileira decidiu providenciar ela mesma a refeição dos jogadores e comprou salame, mortadela, queijo e pão. Os atletas almoçaram apenas sanduíches. Os dirigentes brasileiros tinham receio de que algo pudesse ser colocado na comida do hotel.


(Imagem: FIFA / Getty Images)

● Se fosse seguida a tabela original da Copa, a semifinal entre Brasil e Chile deveria ser disputada em Viña del Mar, enquanto Tchecoslováquia e Iugoslávia se enfrentariam em Santiago. Mas o comitê organizador, inverteu as sedes com o objetivo de ter uma renda maior.

Assim, ao mesmo tempo em que tchecos e iugoslavos duelavam no estádio Sousalito para 5.890 pessoas, brasileiros e chilenos jogavam para 76.594 expectadores. O “detalhe” é que o estádio Nacional tinha capacidade para 70 mil. Ou seja, o público presente extrapolou em mais de seis mil a lotação máxima. Foi o maior público e a maior renda da Copa.

Muitos jogos tiveram poucos expectadores no Chile. Cabe ressaltar o motivo não foi a falta de entusiasmo que afastou o público dos estádios, mas sim a falta de dinheiro. E não era possível adquirir o ingresso para um jogo só. Eles eram vendidos em pacotes e eram muito caros. O jeito era assistir de graça pelas televisões nas ruas. Onde houvesse uma TV ligada, havia uma multidão de chilenos com os olhos grudados na tela.

Recém saindo de um terremoto arrasador, o país vivia problemas econômicos, financeiros e até estruturais, inclusive com racionamento de energia elétrica. O fornecimento era interrompido em todas as tardes. A única exceção naqueles dias foi em 13/06, justamente no dia da semifinal entre Brasil e Chile. A direção geral da companhia energética recebeu milhares de cartas e telefonemas de pessoas que não tinham ingressos para o jogo, mas que não queriam perder a transmissão pelo rádio ou pela TV. Curiosamente, um dos bairros que deveria sofrer o corte naquele dia era justamente o do estádio Nacional, palco da disputa. Em caráter de exceção, o pedido foi prontamente atendido.


O Brasil atuava como em 1958, em um falso 4-2-4, se transformando em um 4-3-3 com o recuo voluntário de Zagallo.


O Chile atuava no sistema 4-2-4, com muita força pelas pontas.

● Os jogadores pareciam nervosos nos minutos iniciais, mas o Brasil dominou o jogo desde os primeiros momentos.

Didi cobrou falta com perigo, mas a bola foi por cima.

Após bola na área brasileira, Mauro escorou de cabeça e Djalma Santos cortou mal, para o meio da área. Leonel Sánchez chutou de esquerda e a bola bateu na trave direita de Gylmar. No rebote, Landa cabeceou por cima.

E os locais se decepcionaram logo aos nove minutos de bola rolando. Da esquerda, Zagallo ergueu a bola na área. Amarildo furou na tentativa de bicicleta e Vavá deixou para Garrincha. De fora da área, o ponta dominou e mandou uma bomba de perna esquerda no ângulo esquerdo do goleiro Misael Escuti, sem chance alguma de defesa.

Garrincha continuava a brilhar, aparecendo em todos os lados do ataque. Pouco depois, ele avançou pela direita e chutou cruzado para dentro da pequena área. A bola passou por todo mundo, até pelo goleiro chileno, mas a zaga recuperou e afastou o perigo. Claramente a marcação sobre Garrincha não estava funcionando. Para tentar parar o ponta direita, o técnico Fernando Riera havia escalado Manuel Rodríguez (mais forte e melhor na marcação individual) na lateral esquerda, ao invés de Sergio Navarro – que havia sido titular nas partidas anteriores.

Aos 21′, Vavá marcou o segundo, mas o árbitro Arturo Yamasaki anulou alegando impedimento. Foi a primeira de algumas decisões controversas do juiz peruano.

Mas nem fez muita diferença. Dez minutos depois, Zagallo cobrou escanteio de trivela da esquerda. Garrincha subiu mais que Rodríguez e, do bico da pequena área, cabeceou forte para dentro. Foi um lance muito semelhante ao gol de cabeça que o mesmo Mané havia marcado contra a Inglaterra três dias antes. Desde o princípio, o Chile já havia se mostrado vulnerável na bola aérea defensiva.

Mas a animada e esperançosa torcida local não se cansava de incentivar o seu time. E empurrado pela fanática torcida, o Chile não se dava por vencido. Jorge Toro recebeu na intermediária ofensiva e sofreu falta de Zito. O próprio Toro cobrou com perfeição e mandou no ângulo direito de Gylmar.

Os donos da casa foram para o segundo tempo na esperança de conseguir o empate, mas foram frustrados logo aos três minutos. Garrincha cobrou escanteio da direita. Vavá escapou da marcação, subiu nas costas de Raúl Sánchez e cabeceou para baixo. A bola quicou no chão e tomou o rumo do gol, sem chances para o goleiro (que foi com a mão mole na bola).


(Imagem: Barão Lhkz)

Mas a vantagem de dois gols não deixou o jogo mais fácil para o Brasil. O Chile passava a ter mais posse de bola.

No esforço de agradar ao time da casa, Yamasaki tomou outra de suas decisões discutíveis ao marcar um pênalti para o Chile aos 16′. Os brasileiros reclamaram muito, alegando que a bola teria batido na mão de Zózimo de forma involuntária. Nada adiantou. Leonel Sánchez cobrou rasteiro, no canto esquerdo e diminuiu para os chilenos. Gylmar nem pulou.

Mas Garrincha continuava a mandar no jogo. Em outra arrancada, Mané finalizou, mas o chute saiu fraco para uma defesa fácil do goleiro Escuti.

Somente aos 33′ o escrete canarinho respiraria aliviado. Em cobrança de falta da esquerda, Zagallo ergueu a bola na pequena área. Vavá, forte e sempre bem posicionado, apareceu entre Sánchez e Rodríguez e cabeceou para o gol. Curiosamente, Vavá se desgastou tanto nessa partida, que perdeu 3,5 kg.

E depois o jogo descambou para a violência. Aos 35′, Honorino Landa fez falta dura em Zito e acabou expulso.

Na tentativa de fazer o impossível e tentar parar Garrincha, Eladio Rojas utilizou todas suas “ferramentas”: pontapés, cotoveladas e dedos nos olhos. E o juiz foi complacente com tudo isso. E aos 39 minutos do segundo tempo, com o placar já definido, Garrincha levou outro pontapé de Rojas. Caiu e se levantou. De forma cômica, com todo o “estilo Garrincha de ser”, o Mané deu um peteleco de joelho na bunda de Rojas. O chileno se atirou ao chão, como se houvesse sido agredido brutalmente. Os chilenos acusaram o lance e cercaram o árbitro. Depois de consulta ao bandeirinha uruguaio Esteban Marino (que estava a um metro do lance), o juiz expulsou o brasileiro – que havia apanhado calado o jogo todo. Após sair de campo e enquanto caminhava junto à linha lateral, Garrincha foi atingido na cabeça por uma pedra atirada pela torcida (algumas fontes indicam que foi uma garrafa). Abriu-se um corte que precisou de pontos e o craque passou a noite com a cabeça enfaixada.

Mesmo com tudo isso, após o apito final, os craques brasileiros homenagearam a torcida chilena, para que ela ficasse ao seu favor na decisão. O Brasil estava em sua segunda final de Copa do Mundo consecutiva.

Com o resultado definido, a preocupação era outra. Garrincha seria punido e suspenso da final pela FIFA?

“Foi um pontapezinho de amizade” — afirmou o ingênuo Garrincha.


(Imagem: FIFA)

● Embora o regulamento da época não previsse a suspensão automática em caso de expulsão, a pressão dos chilenos era enorme para que isso acontecesse. A imprensa transformou a atitude pueril de Garrincha em uma agressão criminosa. A comissão disciplinar da FIFA se reuniu no dia seguinte para julgar o caso.

Foi feita uma força-tarefa na tentativa de absolver Garrincha. Representantes da CBD fizeram um amplo dossiê, baseando sua defesa no fato dele nunca ter sido expulso de campo. Tancredo Neves, primeiro-ministro brasileiro, passou um telegrama à comissão “em nome do povo brasileiro” pedindo perdão para o jogador. Até o presidente do Peru pediu ao árbitro para que não prejudicasse o craque brasileiro.

Mas o maior feito foi o “sumiço” do bandeirinha uruguaio Esteban Marino. O presidente da CBD, João Havelange, por intermédio do árbitro brasileiro João Etzel Filho, deu de presente a Marino um passeio de Santiago a Paris, saindo logo de manhã. Coincidentemente, antes do julgamento ocorrer.

E tudo ficou mais fácil quando a comissão disciplinar leu a súmula. O árbitro escreveu que “não viu a infração de Garrincha” e que seu auxiliar “tivera de viajar”, mas que lhe deixou um bilhete descrevendo a suposta agressão como um “revide típico de lance de jogo”. Assim, a agressão estava descaracterizada e Garrincha foi absolvido por 5 votos a 2, recebendo apenas uma advertência simbólica.

Cabe ressaltar que o mesmo Marino tinha sido bandeirinha na vitória do Brasil sobre a Espanha, quando o escrete canarinho foi beneficiado pela não marcação de um pênalti e por um gol sofrido incorretamente anulado, quando perdia por 1 a 0. “Coincidentemente”, um mês depois, Marino foi contratado como árbitro pela Federação Paulista de Futebol.

Mas possivelmente nem seria necessária toda essa proeza. Ninguém tinha interesse que um país comunista (Tchecoslováquia) vencesse a Copa. Além disso, a FIFA era grata ao Brasil por ter sediado a Copa de 1950, logo no pós-Guerra. Por isso e muito mais, a FIFA é historicamente “simpática” ao Brasil.

E se Garrincha foi absolvido, o chileno Landa foi suspenso para a decisão do bronze entre Chile e Iugoslávia. Mas, mesmo sem ele, o Chile venceu por 1 a 0. A festa pelo terceiro lugar tomou as ruas de Santiago e só parou no dia seguinte, poucas horas antes da final entre Brasil e Tchecoslováquia.


(Imagem: FIFA)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 4 x 2 CHILE

 

Data: 13/06/1962

Horário: 14h30 locais

Estádio: Nacional

Público: 76.594

Cidade: Santiago (Chile)

Árbitro: Arturo Yamasaki (Peru)

 

BRASIL (4-2-4):

CHILE (4-2-4):

1  Gylmar (G)

1  Misael Escuti (G)

2  Djalma Santos

2  Luis Eyzaguirre

3  Mauro (C)

3  Raúl Sánchez

5  Zózimo

15 Manuel Rodríguez

6  Nilton Santos

5  Carlos Contreras

4  Zito

6  Eladio Rojas

8  Didi

7  Jaime Ramírez

7  Garrincha

8  Jorge Toro (C)

19 Vavá

9  Honorino Landa

20 Amarildo

21 Armando Tobar

21 Zagallo

11 Leonel Sánchez

 

Técnico: Aymoré Moreira

Técnico: Fernando Riera

 

SUPLENTES:

 

 

22  Castilho (G)

12 Adán Godoy (G)

12 Jair Marinho

22 Manuel Astorga (G)

13 Bellini

13 Sergio Valdés

14 Jurandir

14 Hugo Lepe

15 Altair

4  Sergio Navarro

16 Zequinha

16 Humberto Cruz

17 Mengálvio

17 Mario Ortiz

18 Jair da Costa

18 Mario Moreno

9  Coutinho

19 Braulio Musso

10 Pelé

20 Carlos Campos Silva

11 Pepe

10 Alberto Fouilloux

 

GOLS:

9′ Garrincha (BRA)

32′ Garrincha (BRA)

42′ Jorge Toro (CHI)

47′ Vavá (BRA)

61′ Leonel Sánchez (CHI) (pen)

78′ Vavá (BRA)

 

EXPULSÕES:

80′ Honorino Landa (CHI)

83′ Garrincha (BRA)

Melhores momentos da partida:

Jogo completo:

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