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… 16/07/1950 – Suécia 3 x 1 Espanha

Três pontos sobre…
… 16/07/1950 – Suécia 3 x 1 Espanha


Suécia no Mundial de 1950 (Imagem: Wikipédia)

● A Copa do Mundo de 1950 foi a única que não teve uma final. O Mundial disputado no Brasil teve uma primeira fase com quatro grupos, com o vencedor de cada chave se classificando para um quadrangular final. Esse regulamento foi mantido apenas nessa edição, com o objetivo de ter mais jogos e maior lucro – em um torneio esvaziado devido ao pós-guerra.

E para a fase final, se classificaram duas seleções europeias e duas sul-americanas: Brasil (Grupo 1), Espanha (Grupo 2), Suécia (Grupo 3) e Uruguai (Grupo 4) disputariam o título jogando entre si, todos contra todos em um único turno.

A Espanha chegou forte. Os maiores destaques eram o zagueiro José Parra, o ponta direita Estanislau Basora e o centroavante Telmo Zarra. O ponto fraco eram os goleiros: nenhum entre Antoni Ramallets, Ignacio Eizaguirre e Juan Acuña inspirava confiança.

A Fúria convenceu ao vencer os três jogos pelo Grupo 2 da primeira fase. Bateu os Estados Unidos por 3 a 1, o Chile por 2 a 0 e a poderosa Inglaterra por 1 x 0 – no primeiro Mundial que o English Team aceitou disputar.

No quadrangular decisivo os espanhóis, empataram com o Uruguai por 2 x 2 e foram goleados pelo Brasil por 6 x 1.


(Imagem: Pinterest)

● A seleção sueca não era uma equipe qualquer e merecia todo o respeito. Tinha um bom time, que havia conquistado a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948. O mesmo time base ainda ganharia a medalha de bronze nas Olimpíadas de Helsinque, em 1952.

Com 34 anos, o zagueiro sueco Erik Nilsson era o capitão de sua equipe. Ele havia disputado o Mundial de 1938. Apenas Nilsson e o suíço Alfred Bickel disputaram uma edição de Copa antes e outra depois da Segunda Guerra Mundial.

Além de Nilsson, os principais destaques individuais eram o goleiro Kalle Svensson, o centromédio Knut Nordahl, o ponta esquerda Lennart Skoglund e o centroavante Hasse Jeppson. Curiosamente, Svensson e Skoglund estariam presentes também na Copa de 1958, quando a Suécia perdeu a final em casa para o Brasil de Pelé por 5 x 2.

Para o Mundial de 1950, o técnico inglês George Raynor precisou montar o elenco sueco apenas com jogadores que atuavam no país e não pôde convocar seus principais destaques. O trio “Gre-No-Li”, formado pelos atacantes Gunnar Gren, Gunnar Nordahl e Nils Liedholm brilhava no Milan e não foi liberado pelos italianos para viajarem ao Brasil. Outros jogadores profissionais suecos impedidos de disputarem o Mundial foram: o zagueiro Kjell Rosén, os meias Bertil Nordahl, Åke Hjalmarsson, Ivar Eidefjäll, Pär Bengtsson e os atacantes Dan Ekner, Gunnar Andersson e Henry Carlsson. Certamente a Suécia teria um time ainda mais forte se pudesse ter contado com todos os seus melhores jogadores.

Pelo Grupo 3 da Copa, a Suécia venceu a Itália de virada por 3 x 2, naquela que foi a primeira derrota dos italianos na história das Copas. A classificação sueca foi garantida com o empate por 2 x 2 contra o Paraguai. A chave tinha três seleções, já que a Índia havia desistido de disputar a competição em protesto contra uma decisão da FIFA que proibia jogar descalço, como era comum no país.

Na fase final, a Suécia foi massacrada pela Seleção Brasileira por 7 x 1 e perdeu para o Uruguai por 3 x 2.


As duas seleções jogavam no sistema WM.

● No dia 16 de julho aconteceu a última rodada da fase final da Copa do Mundo de 1950. As duas partidas ocorreram simultaneamente.

Suécia e Espanha disputaram o 3º lugar no estádio Pacaembu para apenas 11.227 pessoas – em sua maioria, membros da colônia espanhola em São Paulo. Os paulistanos preferiam ficar em casa e acompanhar pelo rádio a transmissão de Brasil x Uruguai. Enquanto isso, enquanto o Maracanã tinha mais gente do que cabia (algumas fontes indicam mais de 200 mil expectadores).

Os espanhóis eram considerados amplamente favoritos e só precisavam de um empate para ficar com o bronze.

A Fúria deu o pontapé inicial e teve a primeira chance.

José Juncosa escapou pela ponta esquerda, mas foi travado em uma dividida com o goleiro Kalle Svensson e o zagueiro Lennart Samuelsson, que vinha por trás.

Com mais calma e entusiasmo, logo a Suécia passou a ter o domínio de jogo. Os suecos já haviam absorvido a goleada sofrida para os brasileiros (7 x 1) e os espanhóis ainda estavam remoendo a sua difícil derrota (6 x 1).

Aos 15′, Ingvar Gärd conduziu pelo meio, livre de marcação, e tocou para Karl-Erik Palmér. Ele dominou e bateu de fora da área. O goleiro Ignacio Eizaguirre espalmou mal e Stig Sundqvist finalizou no canto direito. Suécia 1 a 0.

Nervosos, os jovens defensores espanhóis ficaram discutindo entre si e ninguém foi tirar a bola do fundo do gol. Todos esperavam a nova saída, mas o bate-boca não cessava. O árbitro holandês Karel van der Meer precisou ir até a área, acalmar os ânimos, pegar a bola no fundo da rede e levá-la para o centro do campo.

A Espanha tentou reagir, mas sofreu o segundo gol no contra-ataque aos 33 minutos. Sundqvist cruzou da direita e Bror Mellberg apareceu na segunda trave para escorar para o gol.

Os suecos quase marcaram o terceiro. Palmér mandou um voleio do bico direito da área e a bola bateu no travessão. No rebote, Eizaguirre saiu nos pés de Rydell para impedir a finalização.

Depois do intervalo, os espanhóis passaram a agredir mais a defesa sueca, que precisou se fechar.

Juncosa cruzou da esquerda e Svensson tirou de soco.

Rosendo Hernández foi travado na hora do chute pelo capitão Erik Nilsson. Na sobra, Estanislau Basora cruzou para a área, mas Samuelsson cabeceou para escanteio.

Mas, a dez minutos do fim, foi o time nórdico quem fez o terceiro e esfriou as esperanças dos ibéricos. Em outro contragolpe, Gunnar Johansson cruzou da direita e Palmér chegou batendo de esquerda, da marca do pênalti.

Dois minutos depois, Telmo Zarra diminuiu para a Fúria, em um cruzamento da esquerda de Juncosa.


(Imagem: Pinterest)

● Mesmo perdendo, essa foi a melhor classificação final da seleção espanhola em Copas do Mundo até o título de 2010.

Para a Suécia, a terceira colocação estava muito além das expectativas iniciais.

Contudo, o sucesso nos gramados brasileiros teve um efeito devastador para a Suécia: 10 dos 11 titulares foram imediatamente contratados por clubes italianos – em efeito semelhante ao que já havia acontecido dois anos antes, quando venceram as Olimpíadas.

E o primeiro craque quase ficou pelo Brasil. No dia 06/07, o São Paulo F.C. fez uma proposta de 170 mil cruzeiros (cerca de 10 mil dólares na época) pelo ponta esquerda Lennart Skoglund. do AIK de Gotemburgo. O negócio não deu certo, pois o valor foi considerado baixo por um dirigente do clube, que acompanhava a delegação do país. Menos de um mês depois, Skoglund foi contratado pela Inter de Milão por um valor cinco vezes maior.


(Imagem: Pinterest)

FICHA TÉCNICA:

 

SUÉCIA 3 x 1 ESPANHA

 

Data: 16/07/1950

Horário: 15h00 locais

Estádio: Pacaembu

Público: 11.227

Cidade: São Paulo (Brasil)

Árbitro: Karel van der Meer (Holanda)

 

SUÉCIA (WM):

ESPANHA (WM):

1  Kalle Svensson (G)

1  Ignacio Eizaguirre (G)

2  Lennart Samuelsson

2  Vicente Asensi

3  Erik Nilsson (C)

3  Gabriel Alonso

4  Sune Andersson

5  José Parra

5  Gunnar Johansson

4  Alfonso Silva

6  Ingvar Gärd

6  Antonio Puchades

7  Stig Sundqvist

7  Estanislau Basora

8  Karl-Erik Palmér

8  Rosendo Hernández

9  Ingvar Rydell

9  Telmo Zarra (C)

10 Bror Mellberg

10 José Luis Panizo

11 Egon Jönsson

11 José Juncosa

 

Técnico: George Raynor

Técnico: Guillermo Eizaguirre

 

SUPLENTES:

 

 

Torsten Lindberg (G)

Antoni Ramallets (G)

Tore Svensson (G)

Juan Acuña (G)

Ivan Bodin

José Gonzalvo II

Knut Nordahl

Mariano Gonzalvo III

Arne Månsson

Francisco Antúnez

Olle Åhlund

Rafael Lesmes II

Stellan Nilsson

Nando

Börje Tapper

Silvestre Igoa

Lennart Skoglund

César

Hasse Jeppson

Luis Molowny

Kurt Svensson

Agustín Gaínza

 

GOLS:

15′ Stig Sundqvist (SUE)

33′ Bror Mellberg (SUE)

80′ Karl-Erik Palmér (SUE)

82′ Telmo Zarra (ESP)

Lances da partida:

… 09/07/1950 – Brasil 7 x 1 Suécia

Três pontos sobre…
… 09/07/1950 – Brasil 7 x 1 Suécia


(Imagem: Getty Images / FIFA)

● 7 a 1. Um placar familiar para um jogo de Copa no Brasil envolvendo os donos da casa.

Ainda está fresca na memória a maior derrota da história do Brasil em Copas: Brasil 1 x 7 Alemanha, em um dia 08 de julho, jogando em território brasileiro.

Curiosamente, a maior vitória brasileira em um Mundial foi em 09 de julho, também jogando em solo brasileiro, também na fase final da Copa, também por 7 x 1, mas sobre a Suécia.

E 7 a 1 foi pouco. O resultado só não foi ainda mais elástico porque o árbitro inglês Arthur Ellis anulou sem motivos um gol de Zizinho, ainda no primeiro tempo. Além disso, ainda marcou um pênalti inexistente para os suecos, em falta cometida por Bigode fora da área. E a Seleção Brasileira acertou três bolas na trave. Ou seja, se o placar fosse 11 a 0, não teria sido nenhum exagero.


(Imagem: AFP / Veja)

● A Copa do Mundo de 1950 foi a única que não teve uma final. O Mundial disputado no Brasil teve uma primeira fase com quatro grupos, com o vencedor de cada chave se classificando para um quadrangular final. Esse regulamento foi mantido apenas nessa edição, com o objetivo de ter mais jogos e maior lucro – em um torneio esvaziado devido ao pós-guerra.

E para a fase final, se classificaram duas seleções europeias e duas sul-americanas: Brasil (Grupo 1), Espanha (Grupo 2), Suécia (Grupo 3) e Uruguai (Grupo 4) disputariam o título jogando entre si, todos contra todos em um único turno.

Para as partidas da fase final, a direção do Maracanã fez um pedido curioso à polícia carioca: a proibição da venda de laranjas dentro do estádio e suas imediações. A justificativa foi as queixas de várias seleções que haviam sido vítimas dos “bombardeios” de laranjas atiradas por torcedores – algumas vezes até com violência.


(Imagem: Soccer, football or whatever)

● A seleção sueca não era uma equipe qualquer e merecia todo o respeito. Tinha um bom time, que havia conquistado a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948. O mesmo time base ainda ganharia a medalha de bronze nas Olimpíadas de Helsinque, em 1952.

Com 34 anos, o zagueiro sueco Erik Nilsson era o capitão de sua equipe. Ele havia disputado o Mundial de 1938. Apenas Nilsson e o suíço Alfred Bickel disputaram uma edição de Copa antes e outra depois da Segunda Guerra Mundial.

Além de Nilsson, os principais destaques individuais eram o goleiro Kalle Svensson, o centromédio Knut Nordahl, o ponta esquerda Lennart Skoglund e o centroavante Hasse Jeppson. Curiosamente, Svensson e Skoglund estariam presentes também na Copa de 1958, quando a Suécia perdeu em casa para o Brasil de Pelé por 5 x 2.

Mas o técnico inglês George Raynor precisou montar o elenco sueco apenas com jogadores que atuavam no país e não pôde convocar seus principais destaques. O trio “Gre-No-Li”, formado pelos atacantes Gunnar Gren, Gunnar Nordahl e Nils Liedholm brilhava no Milan e não foi liberado pelos italianos para viajarem ao Brasil. Outros jogadores profissionais suecos impedidos de disputarem o Mundial foram: o zagueiro Kjell Rosén, os meias Bertil Nordahl, Åke Hjalmarsson, Ivar Eidefjäll, Pär Bengtsson e os atacantes Dan Ekner, Gunnar Andersson e Henry Carlsson. Certamente a Suécia teria um time ainda mais forte se pudesse ter contado com todos os seus melhores jogadores.

Pelo Grupo 3 da Copa do Mundo, a Suécia venceu a Itália de virada por 3 x 2, naquela que foi a primeira derrota dos italianos na história das Copas. A classificação sueca foi garantida com o empate por 2 x 2 contra o Paraguai.


(Imagem: Sem Firulas)

● Pelo Grupo 1, o Brasil goleou o México por 4 x 0 na estreia. A segunda partida foi a única que a Seleção saiu do Maracanã e foi jogar no Pacaembu. E o empate por 2 x 2 com a Suíça não escapou das tradicionais vaias paulistas. Na sequência, venceu a Iugoslávia por 2 x 0 e garantiu a classificação – já que um empate bastaria aos europeus, líderes da chave até aquele momento.

Na primeira fase, o técnico Flávio Costa utilizou 17 jogadores. Só não entraram em campo o goleiro Castilho, os zagueiros Nena e Nilton Santos, o atacante Adãozinho e o ponta esquerda Rodrigues Tatu.

A Seleção Brasileira começava a viver uma semana decisiva. Com sete dias de folga entre o fim da primeira fase e a primeira partida do quadrangular final, Flávio Costa pôde dar um pouco de descanso aos seus atletas e conseguiu definir de vez seu time titular. Pela primeira vez ele conseguia repetir uma escalação. E o treinador preferiu manter o sistema tática testado contra os iugoslavos: o WM.


A Seleção Brasileira jogou no sistema WM nos quatro últimos jogos da Copa de 1950.

Uma linha de três zagueiros, sendo o capitão Augusto aberto pela direita e Bigode pela esquerda, com Juvenal ao centro. No meio, Bauer pela direita e Danilo Alvim pela esquerda. Dois meias criativos: Zizinho e Jair Rosa Pinto. Dois pontas que entravam em diagonal e apareciam bem na área: Maneca pela direita e Chico pela esquerda. E Ademir de Menezes como um centroavante que se movimentava muito e não ficava fixo na área (ele era meia de origem).

A Seleção Brasileira jogou no sistema Diagonal nos dois primeiros jogos da Copa de 1950 e em toda a preparação, desde o meio da década de 1940. O sistema foi criado pelo próprio técnico Flávio Costa no Flamengo, com a finalidade de ter um homem a mais no sistema defensivo e um a mais na aproximação ao ataque.

O WM deixava a Seleção menos protegida do que o sistema Diagonal, pois ficavam apenas três na linha defensiva, enquanto no esquema anterior, Bauer jogava mais recuado, quase como um zagueiro de ofício mesmo. Mas se perdia na proteção defensiva, ganhava em talento e troca de passes no meio de campo e forçava o adversário a se resguardar um pouco mais.


A Suécia jogava no sistema WM.

● O início da partida foi equilibrado. Aos dez minutos de partida, o árbitro inglês Arthur Ellis anulou indevidamente um gol de Zizinho, alegando que a bola havia saído pela linha de fundo antes do cruzamento de Ademir.

Aos 14′ e aos 15′, um aviso premonitório: o rápido ponta direita sueco Stig Sundqvist venceu Bigode na corrida por duas vezes e em ambas o brasileiro não teve alternativa a não ser parar o adversário com falta, pois o zagueiro Juvenal não conseguiu chegar a tempo para fazer a cobertura.

No primeiro tempo, a Seleção Brasileira passou alguns pequenos sustos, pelo fato de o sistema defensivo não estar acostumado a atuar no WM, deixando muitos espaços entre os defensores. Mas o entrosamento do ataque fez o escrete nacional não dar chances para os suecos.

E o Brasil abriu o marcador aos 17′. Jair avançou e tocou para Ademir. Já dentro da área, ele girou o corpo e bateu rasteiro de pé esquerdo no canto direito e a bola passou por baixo do goleiro Kalle Svensson. Brasil, 1 a 0.

Os dois times continuaram atacando, mas sem alterar o placar. Maneca chutou uma bola na trave.

Aos 35′, novamente Sundqvist venceu Bigode na corrida e chutou cruzado. A bola passou pela pequena área e foi pela linha de fundo, deixando a torcida apreensiva. A Suécia estava perto do empate, mas no lance seguinte saiu o segundo gol brasileiro.

Em um lance um pouco parecido com o primeiro gol, Danilo tocou para Jair na meia-lua, que tocou por cima da marcação de primeira para Ademir invadir pelo meio da área e chutar forte no canto esquerdo. Brasil, 2 a 0.

Três minutos depois, Ademir deu a assistência para Chico, que infiltrou dentro da área, deu dois cortes em Lennart Samuelsson e chutou com força de pé esquerdo, no ângulo direito, para marcar o gol mais bonito da noite. Brasil 3 a 0.

Esse gol desmotivou totalmente os suecos. Nos seis minutos seguintes, o Brasil criaria outras três chances claras que não foram concretizadas em gols.

Quando o primeiro tempo acabou, era evidente os sinais de abatimento dos suecos.


(Imagem: Folhapress / Veja)

No início da etapa final, Ademir carimbou a trave.

Aos sete minutos, o Queixada marcou o seu “hat trick”. Zizinho fez o lançamento e o centroavante brasileiro invadiu a área sozinho, passou pelo goleiro Svensson e entrou no gol com bola e tudo. Brasil 4 a 0.

Pouco depois, Zizinho acertaria a trave sueca pela terceira vez na partida.

E o poker (quatro gols em um jogo) de Ademir saiu aos 13′. Jair cruzou, a defesa sueca não conseguiu cortar e o camisa 9 bateu de primeira no canto esquerdo do goleiro. Brasil 5 a 0.

Depois do quinto gol, Flávio Costa ordenou que os atletas tirassem o pé do acelerador para se pouparem para o próximo duelo, diante da Espanha.

“Não houve desinteresse espontâneo dos jogadores. Depois do quinto tento, lembrei-me de que quinta-feira teremos pela frente a seleção da Espanha. Era, portanto, necessário economizar energias. E foi por isso que dei instruções para que evitassem as jogadas mais difíceis, os lances em que fosse necessário o emprego do corpo.” ― Flávio Costa, em entrevista posterior ao Jornal dos Sports.

E a Suécia aproveitou para conseguir o gol de honra em um erro ridículo da arbitragem, aos 22′. Karl-Erik Palmér puxou um rápido contra-ataque e levou uma rasteira de Bigode, dois passos fora da área brasileira. O juiz estava muito distante da jogada e marcou pênalti. Sune Andersson bateu à meia altura e à esquerda de Barbosa, que acertou o canto, mas não conseguiu defender. Brasil 5 a 1.

No minuto seguinte, o ponta direita Maneca sentiu uma fisgada na coxa e ficou em campo apenas fazendo número, pois não eram permitidas as substituições à época. Só depois se saberia a gravidade da lesão de Maneca, que acabou por o tirar do restante da Copa.

Satisfeitos com o placar, os dois times se acomodaram no resultado e passaram vinte minutos sem se atacarem. Mas aos 40′, Chico arrancou pela ponta esquerda e cruzou pelo alto. Maneca, mesmo sentindo a séria contusão, conseguiu acertar um chute rasteiro de primeira, no canto esquerdo do goleiro. Brasil 6 a 1.

O placar foi mexido pela última vez a dois minutos do fim. Jair fez o lançamento para Chico, que conseguiu escapar da marcação de Samuelsson, avançou livre pela esquerda e tocou no canto esquerdo na saída do goleiro Svensson.

No fim da partida, aplausos para a atuação da Seleção Brasileira e para o cavalheirismo dos suecos, que, mesmo sendo goleados, não desistiram de jogar e não apelaram para a violência.

Ao todo, o Brasil teve 31 finalizações, contra 13 da Suécia.


(Imagem: Pinterest)

● Essa é até hoje a maior goleada aplicada pelo Brasil em uma Copa do Mundo.

Naquele momento, a Seleção Brasileira parecia ser imbatível. E essa sensação tomou conta da torcida do país inteiro, até mesmo dos que não ouviram a partida pelo rádio e só souberam o placar dias depois do jogo. A imprensa em geral, especialmente a brasileira, já apontava o Brasil como campeão antecipado.

O jornalista inglês Brian Glanville definiu o estilo brasileiro como “o futebol do futuro, quase surrealista”. Willy Meisl (irmão do mítico técnico austríaco Hugo Meisl), colunista do World Sport, classificou Zizinho como “um gênio próximo da perfeição”. Giordano Frattori, do italiano Gazzetta Dello Sport, também elogiou o brasileiro, o comparando a Leonardo da Vinci: “Zizinho cria obras-primas com os pés na imensa tela do gramado do Maracanã”. A imprensa brasileira também destacou a atuação de Bauer, o comparando com Domingos da Guia.

Essa partida causou um êxtase tão grande que ninguém se deu conta que a defesa brasileira era vulnerável, especialmente a atacantes velozes que avançavam pelo lado esquerdo do Brasil.

Nessa partida, Ademir de Menezes se tornou o primeiro e até hoje o único jogador brasileiro a marcar quatro vezes em uma partida de Copa e se tornaria o maior artilheiro brasileiro em uma única edição do Mundial, com nove gols.

Antes de Ademir, apenas o polonês Ernest Wilimowski havia marcado quatro vezes em um só jogo de Mundial, contra o Brasil em 1938. Depois deles, alcançaram a marca: o húngaro Sándor Kocsis (contra a Alemanha Ocidental em 1954), o francês Just Fontaine (contra a Alemanha Ocidental em 1958), o português Eusébio (contra a Coreia do Norte em 1966) e o espanhol Emilio Butragueño (contra a Dinamarca em 1986). Eles são superados apenas pelo russo Oleg Salenko, que marcou cinco gols sobre Camarões em 1994.

O Vasco era o clube mais forte do país, tanto que cedeu oito jogadores e até o técnico Flávio Costa para a Seleção. E nessa partida, todos os gols foram anotados por jogadores vascaínos: Ademir (4), Chico (2) e Maneca. Outros representantes cruz-maltinos foram o goleiro Barbosa, o zagueiro Augusto e o meio campo Danilo Alvim. No banco de reservas, Ely e Alfredo II também eram atletas do Gigante da Colina.

Curiosamente, o Brasil completava 12 jogos nas quatro Copas disputadas, ultrapassando a Itália (11 partidas em três Mundiais), como sendo a seleção com maior número de jogos. A primeira posição nesse ranking seria mantida durante quarenta anos, até 1990, quando o Brasil foi eliminado de forma prematura e foi ultrapassado pela Alemanha.

Cada jogador brasileiro recebeu 5 mil cruzeiros (equivalente a US$ 270,00 no câmbio da época) como prêmio por essa vitória, como havia sido determinado antes da Copa pela CBD. A premiação pela eventual conquista do título ainda não havia sido definida.

No dia seguinte, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) do Rio de Janeiro anunciou oficialmente a candidatura do técnico Flávio Costa a vereador para as eleições marcadas para outubro. Mas, com uma inexpressiva votação (menos de dois mil votos), ele não seria eleito.

Curiosamente, os hinos nacionais dos países começaram a ser executados antes das partidas apenas no quadrangular final. A exceção havia sido o hino brasileiro na partida de abertura do Mundial. Em abril, a FIFA aceitou uma recomendação da CBD para que os hinos fossem suprimidos, para evitar que os apaixonados e extremos torcedores brasileiros vaiassem os hinos rivais. Contra os suecos, a maioria dos torcedores e todos os jogadores brasileiros ouviram o hino em silêncio, levando o Senado Federal a propor que os jornais iniciassem uma imediata campanha de incentivo ao canto e à divulgação da letra. Como o Hino Nacional só era apresentado em ocasiões solenes, era pouco conhecido pela grande maioria do povo.

Com o empate entre Uruguai e Espanha por 2 a 2, a Seleção já largava na liderança. Não havia nenhuma dúvida: o Brasil caminhava a passos largos rum ao tão sonhado título mundial. Na sequência, o escrete nacional massacrou a Espanha por 6 x 1, enquanto o Uruguai sofreu para vencer a Suécia por 3 x 2, com um gol nos minutos finais do capitão Obdulio Varela. Na rodada final, a Suécia garantiu o 3º lugar ao vencer a Espanha por 3 x 1. Na partida decisiva, o Brasil começou ganhando do Uruguai, mas sofreu a virada por 2 x 1, na partida que ficou para a história como Maracanazzo. O título mundial seria adiado por mais oito anos e seria conquistado na Suécia, diante dos donos da casa.


(Imagem: UOL)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 7 x 1 SUÉCIA

 

Data: 09/07/1950

Horário: 15h00 locais

Estádio: Maracanã

Público: 138.886

Cidade: Rio de Janeiro (Brasil)

Árbitro: Arthur Ellis (Inglaterra)

 

BRASIL (WM):

SUÉCIA (WM):

1  Barbosa (G)

1  Kalle Svensson (G)

2  Augusto (C)

2  Lennart Samuelsson

3  Juvenal

3  Erik Nilsson (C)

4  Bauer

4  Sune Andersson

5  Danilo Alvim

5  Knut Nordahl

6  Bigode

6  Ingvar Gärd

7  Maneca

7  Stig Sundqvist

8  Zizinho

8  Karl-Erik Palmér

9  Ademir de Menezes

9  Hasse Jeppson

10 Jair Rosa Pinto

10 Lennart Skoglund

11 Chico

11 Stellan Nilsson

 

Técnico: Flávio Costa

Técnico: George Raynor

 

SUPLENTES:

 

 

Castilho (G)

Torsten Lindberg (G)

Nena

Tore Svensson (G)

Nilton Santos

Ivan Bodin

Ely

Gunnar Johansson

Rui

Arne Månsson

Noronha

Olle Åhlund

Alfredo II

Egon Jönsson

Friaça

Börje Tapper

Baltazar

Bror Mellberg

Adãozinho

Ingvar Rydell

Rodrigues Tatu

Kurt Svensson

 

GOLS:

17′ Ademir de Menezes (BRA)

36′ Ademir de Menezes (BRA)

39′ Chico (BRA)

52′ Ademir de Menezes (BRA)

58′ Ademir de Menezes (BRA)

67′ Sune Andersson (SUE) (pen)

85′ Maneca (BRA)

88′ Chico (BRA)

Gols da partida:

● Ary Barroso já era consagrado como compositor de “Aquarela do Brasil” (1939) e transmitiu a Copa como locutor da Rádio Tupi do Rio. Sua mais nova música “O Brasil há de ganhar” foi gravada pela cantora Linda Batista em uma sexta-feira, dia 21 de abril do mesmo ano e lançada pela RCA Victor logo após o jogo contra os suecos, sob número de disco 80-0662-B, matriz S-092660. O disco chegaria às lojas no momento perfeito, logo após a nova goleada sobre a Espanha.

O Brasil há de ganhar (1950)

O Brasil há de ganhar, eh eh
Para se glorificar, eh eh
Bota a pelota no gramado
Palmas pro Selecionado
Deixa a moçada se espalhar, eh eh eh eh

É a raça brasileira
Numa festa altaneira
Mostrando que é boa e varonil
Quando o time aparecer
Gritaremos até morrer
Brasil! Brasil!”

… 29/06/1950 – Estados Unidos 1 x 0 Inglaterra

Três pontos sobre…
… 29/06/1950 – Estados Unidos 1 x 0 Inglaterra


(Imagem: Imortais do Futebol)

● Inventores do futebol moderno, a Inglaterra protagonizou a primeira partida entre duas nações em 30/11/1872, ao empatar sem gols com a vizinha Escócia. Com tanta referência e tradição, os ingleses se negavam a disputar as Copas do Mundo, já que mantinha relações rompidas com a FIFA entre 1928 e 1946. E os ingleses se sentiam tão superiores, que não viam a necessidade de colocar a sua superioridade em questão e em disputa.

Ao se reconciliar com a entidade máxima do futebol, a federação inglesa aceitou disputar o Mundial de 1950. E viajaram para o Brasil com total convicção de que levantariam a taça. Na primeira partida, vitória sobre o Chile por 2 x 0, gols de Stan Mortensen e Wilf Mannion. Apesar do placar magro, a vitória tranquila apenas ressaltou o favoritismo inglês para as partidas seguintes.

A curiosidade sobre os ingleses era tão grande, que a delegação brasileira foi assistir à partida. Esse foi o único jogo que os donos da casa foram acompanhar in loco. Foi a primeira vez que o English Team jogou no continente americano.

Então, na segunda partida, contra os ingênuos ianques – semiamadores –, seria moleza.


(Imagem: Getty Images / Globo)

● Sério candidato a saco de pancadas, os Estados Unidos possuíam um time montado às pressas por atletas semi-amadores e recheado de imigrantes. Por exemplo, Frank Borghi foi médico na Segunda Guerra Mundial e trabalhava como motorista da funerária de seu tio na época da Copa. Walter Bahr era professor. Outros eram carteiros ou lavadores de prato. O atacante Ben McLaughlin não conseguiu a liberação do emprego e não viajou ao Brasil.

Cinco jogadores eram nascidos em em outro país: Joe Maca na Bélgica, Gino Gardassanich na região onde atualmente é a Croácia, Ed McIlvenny na Escócia, Adam Wolanin na Polônia e Joe Gaetjens no Haiti. Eles foram inscritos pouco antes da viagem da delegação. Outros sete eram de ascendência europeia: Frank Borghi, Charlie Colombo, Nicholas DiOrio e Gino Pariani eram de origem italiana; Walter Bahr era descendente de alemães; e John Souza e Ed Souza (que não tinham parentesco) eram de família portuguesa.

Curiosamente, o centromédio Charlie Colombo tinha o apelido de “Gloves” (“luvas”, em inglês) porque usava luvas para se lembrar de não colocar as mãos na bola. Depois da Copa, ele receberia o convite para jogar no futebol brasileiro, mas preferiu voltar aos EUA.


(Imagem: Getty Images / Globo)

● A Inglaterra chegou ao Brasil com um retrospecto de 23 vitórias, três empates e quatro derrotas no pós-guerra. Venceu o Campeonato Britânico de Seleções, que valia como eliminatórias e garantia uma vaga ao campeão.

Os Estados Unidos sofreram no grupo qualificatório das Américas do Norte e Central. Foram goleados duas vezes pelo México e só garantiu a vaga ao superar Cuba na última partida, após empatar a primeira. Nos sete últimos jogos desde o Mundial de 1934, haviam levado 45 gols (média de 6,5 gols sofridos por partida) e marcado apenas três. Com esse histórico, era de se esperar que passasse a maior das vergonhas, em um grupo com Inglaterra, Espanha e Chile. Apenas o vencedor de cada grupo se qualificava para o quadrangular final. Como esperado, Estados Unidos perderam para a Espanha por 3 x 1 na primeira partida.

Uma casa de apostas londrina estava pagando 500 para 1 em caso de aposta em vitória dos norte-americanos. O técnico Bill Jeffrey foi honesto à imprensa: “Não temos chance”. Ele também disse que seus jogadores eram “ovelhas prontas para serem abatidas”. O jornal inglês Daily Express esculachou: “Seria justo começar dando aos EUA três gols de vantagem”.

A Inglaterra tinha a expectativa da estreia do ponta direita Stanley Matthews, craque do time e chamado de “Feiticeiro do Drible”. Mas o presidente da federação inglesa, Arthur Drewry, pediu que o técnico Walter Winterbottom escalasse o mesmo time que havia vencido o Chile e, consequentemente, sem Matthews, poupado para o duelo diante da Espanha.


Os EUA atuavam no ofensivo sistema “clássico” ou “pirâmide”, o 2-3-5.


A Inglaterra jogava no sistema WM.

● Na tarde de 29 de junho de 1950, 10.151 expectadores compareceram ao estádio Independência, em Belo Horizonte, Minas Gerais. A expectativa era ver uma surra homérica da Inglaterra no time semiamador dos Estados Unidos.

Normalmente Walter Bahr era o capitão da seleção dos Estados Unidos, mas Ed McIlvenny foi escolhido para essa partida somente por ser britânico. A Inglaterra ganhou no cara ou coroa e optou por começar com a bola.

Em um minuto e meio, Stan Mortensen cruzou da esquerda, Roy Bentley chutou e o goleiro Frank Borghi espalmou.

Aos 12′, a Inglaterra já tinha finalizado seis vezes, com duas bolas na trave, uma por cima e uma defendida milagrosamente por Borghi.

Os EUA só conseguiram chegar ao ataque aos 25′, com um chute defendido pelo goleiro inglês Bert Williams.

Na sequência, o English Team respondeu com três chutes a gol em três minutos. Mortensen chutou duas vezes por cima e o chute de Tom Finney tinha o caminho do ângulo, mas foi desviado por Borghi.

Aos 38 minutos, McIlvenny bateu um lateral para Walter Bahr, que chutou de forma despretensiosa, de longe, a 23 metros do gol. Quando o Williams deu um passo para a direita para segurar, Joe Gaetjens se antecipou e mergulhou de cabeça da marca do pênalti, tocando na bola apenas o suficiente para tirá-la das mãos do goleiro inglês e mandar para o fundo da rede. A multidão explodiu de alegria.

No último lance antes do intervalo, Finney teve a chance de empatar, mas o árbitro italiano Generoso Dattilo apitou antes que ele pudesse chutar.

Ao fim do primeiro tempo, o saldo era de 30 finalizações dos ingleses e apenas duas dos norte-americanos.


(Imagem: Superesportes)

A multidão em volta do estádio aumentou quando os belo-horizontinos ouviram o gol no rádio. Alguns até pularam o muto para entrar no estádio. Em sua grande maioria, os brasileiros estavam torcendo para os americanos, aplaudindo as defesas de Borghi e os falhos ataques ingleses.

“A maioria esmagadora era de brasileiros, mas eles torceram por nós o tempo todo. Não sabíamos o motivo até depois. Eles esperavam que vencêssemos a Inglaterra para que a tirasse do caminho do Brasil nas finais.” ― Walter Bahr

Com a vantagem no placar, o técnico Bill Jeffrey ordenou que seu time se fechasse todo atrás do meio de campo. E os estadunidenses começaram o segundo tempo jogando com confiança e quase ampliaram o marcados aos 54′.

Cinco minutos depois, Mortensen cobrou falta, mas Borghi defendeu bem.

A Inglaterra começou a atacar novamente e pressionava os americanos em seu campo de defesa.

A oito minutos do fim, Charlie Colombo derrubou Mortensen na entrada da área. Os atletas do English Team queriam pênalti, mas o juiz marcou falta fora da área. Na cobrança, Alf Ramsey cruzou e Jimmy Mullen cabeceou firme. A bola ia tomando o rumo do gol, mas Frank Borghi – o melhor jogador em campo – salvou em cima da linha. Os ingleses protestaram, alegando que a bola havia cruzado a linha, mas o árbitro não os atendeu e mandou o jogo seguir.

E o ímpeto britânico se perdeu. Aos 40′, Frank Wallace driblou o goleiro Williams e chutou, mas Alf Ramsey salvou em cima da linha.

Não havia mais tempo para nada. Estava decretada a maior zebra da história das Copas do Mundo.

No fim da partida, a eufórica torcida brasileira invadiu o gramado para erguer os jogadores americanos, especialmente Joe Gaetjens, o autor do milagre.

“O jogo perfeito é vencer e jogar bem. Ganhamos, mas com certeza não fomos melhores do que a Inglaterra. Foi um daqueles jogos onde a melhor equipe não ganha. Eu estou orgulhoso disso. Tínhamos uma boa equipe. Mas, se jogássemos contra a Inglaterra dez vezes, eles teriam ganhado nove.” ― Walter Bahr


(Imagem: Sport 360)

● Reza a lenda que, ao receber o teletipo com a informação do placar “EnglandOX1USA”, um jornal de Londres publicou o resultado da partida sem medo de errar: “England 10 x 1 USA”. Seria impossível para os ingleses acreditarem que não estivesse faltando nenhum caracter ao lado do “0 x 1”. Tinha que ser um erro. Outro jornal britânico foi irônico: “A Inglaterra foi batida pelo time do Mickey Mouse e do Pato Donald”.

A imprensa internacional foi unânime: se tratava do resultado mais inesperado da história das Copas. A zebra repercutiu no mundo todo, menos nos Estados Unidos. Os ianques praticamente ignoravam o futebol e não se ligaram no feito até a década de 1970.

A partida ficou conhecida como o “Milagre de Belo Horizonte”.

Na rodada final, os Estados Unidos perderam para o Chile por 5 x 2 e a Inglaterra foi batida pela Espanha por 1 x 0. Os espanhóis foram líderes do grupo e se classificaram para a fase final.

Por causa da decepcionante queda na primeira fase e o oitavo lugar na classificação geral, a seleção inglesa nunca mais voltou a vestir as camisas e meias azuis escuras que usou nessa partida.

Como zagueiro pela direita, esteve em campo Alf Ramsey, que seria o técnico campeão do mundo com a seleção inglesa em 1966.

Em 2005 foi lançado o filme “The game of their lives” (“Duelo de campeões”), produzido pelos ianques para retratar a histórica zebra. A película mostra como foi feita a montagem do time, as relações entre o elenco e uma partida em que os jogadores teriam enfrentado uma espécie de time B inglês e aprendido com os erros desse jogo para irem à Copa do Mundo (o que, de fato, ocorreu). É lógico que tem muito do tom nacionalista que os ianques adoram, tratando os jogadores como super-heróis. Mas a única falha histórica grotesca foi ignorar completamente o primeiro jogo dos EUA na Copa (derrota para a Espanha por 3 x 1). No fim do filme, aparecem cindo jogadores do time original que ainda estavam vivos mais de meio século depois: o goleiro Frank Borghi, o médio Walter Bahr e os atacantes Frank Wallace, Gino Pariani e John Souza.

O autor do gol da partida foi o haitiano Joe Gaetjens. Ele vivia nos Estados Unidos graças a um visto de estudante para cursar contabilidade na Universidade de Columbia e trabalhava como lavador de pratos eum um restaurante no Brooklin, além de jogar futebol pelo time Brookhattan. Ele obteve um passaporte provisório para poder disputar a Copa do Mundo pelos EUA. Ele já havia representado a seleção do Haiti em 1944 e voltou a jogar em 1953, em uma partida das eliminatórias para a Copa de 1954, contra o México.

No ano seguinte, Joe Gaetjens foi jogar no Racing Club de Paris e retornou ao Haiti posteriormente. Depois, passou a trabalhar para um rival político de François “Papa Doc” Duvalier e foi preso em 1954. Passou a militar politicamente contra a ditadura de “Papa Doc” até que foi visto pela última vez em 08 de julho de 1964, sendo colocado à força em um carro da polícia secreta do ditador e levado à prisão de Fort Dimanche, conhecido como um lugar de tortura e crueldade. Gaetjens nunca mais foi visto.


(Imagem: Pinterest)

FICHA TÉCNICA:

 

ESTADOS UNIDOS 1 x 0 INGLATERRA

 

Data: 29/06/1950

Horário: 15h00 locais

Estádio: Independência

Público: 10.151

Cidade: Belo Horizonte (Brasil)

Árbitro: Generoso Dattilo (Itália)

 

ESTADOS UNIDOS (2-3-5):

INGLATERRA (W-M):

1  Frank Borghi (G)

1  Bert Williams (G)

2  Harry Keough

2  Alf Ramsey

3  Joe Maca

3  John Aston

4  Ed McIlvenny (C)

4  Billy Wright

5  Charlie Colombo

5  Laurie Hughes

6  Walter Bahr

6  Jimmy Dickinson

7  Ed Souza

7  Tom Finney

8  John Souza

8  Stan Mortensen

9  Joe Gaetjens

9  Roy Bentley

10 Gino Pariani

10 Wilf Mannion

11 Frank Wallace

11 Jimmy Mullen

 

Técnico: William Jeffrey

Técnico: Walter Winterbottom

 

SUPLENTES:

 

 

Gino Gardassanich (G)

Ted Ditchburn (G)

Robert Annis

Laurie Scott

Geoff Coombes

Jim Taylor

Robert Craddock

Bill Eckersley

Nicholas DiOrio

Willie Watson

Adam Wolanin

Bill Nicholson

 

Eddie Baily

 

Henry Cockburn

 

Stanley Matthews

 

Jackie Milburn

 

GOL: 38′ Joe Gaetjens (EUA)

Algumas imagens da partida:

Reportagem sobre o jogo e entrevista com o zagueiro norte-americano Harry Keough:

… 13/07/1950 – Brasil 6 x 1 Espanha

Três pontos sobre…
… 13/07/1950 – Brasil 6 x 1 Espanha


(Imagem: FIFA.com)

● Nas Copas do Mundo de 1934 e 1938, todas as partidas eram eliminatórias, ou seja, se uma seleção perdesse uma vez, já seria eliminada. Esse formato cometia aberrações, como fazer a delegação de um país atravessar o mundo para jogar um mísera partida.

Mas se nas edições anteriores todos os jogos eram finais, o Mundial de 1950 quebrou completamente essa escrita. Não haviam finais em seu regulamento. O primeiro colocado de cada um dos quatro grupos de quatro se classificaria para um quadrangular final, onde todos jogariam contra todos e quem somasse mais pontos seria o campeão do mundo.

O Brasil foi líder do Grupo 1. Goleou o México por 4 a 0, empatou com a Suíça por 2 a 2 e venceu a Iugoslávia por 2 a 0.

O apelido de Fúria atribuído aos espanhóis surgiu nessa Copa, quando a Espanha fez a melhor campanha da primeira fase. No Grupo 2, foram vitórias sobre Estados Unidos (3 x 1), Chile (2 x 0) e Inglaterra (1 x 0).

No Grupo 3, a liderança ficou com a Suécia, que bateu a Itália (3 x 2) e empatou com o Paraguai (2 x 2). A Índia seria o quarto time, mas desistiu da competição em protesto contra uma decisão da FIFA que proibia jogar descalço, o que era costume no país.

O Grupo 4, devido à desistências de Escócia e Turquia, tinha apenas Uruguai e Bolívia. A Celeste Olímpica se classificou com uma vitória, ao golear La Verde com impiedosos 8 a 0.

Assim, estavam classificados para o quadrangular final: Brasil, Espanha, Suécia e Uruguai. A ordem dos confrontos foi decidida e não sorteada. Os jogos seriam disputados no Pacaembu e no Maracanã. A CBD solicitou que o Brasil jogasse as três partidas no Maracanã, que tinha maior capacidade oficial (150 mil, contra 60 mil do estádio paulista) e, consequentemente, gerava maior renda. Isso desagradou muito aos espanhóis, porque o Brasil seria o único país que não precisaria se deslocar entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Na primeira partida da fase decisiva, Espanha e Uruguai empataram por 2 a 2, enquanto o Brasil aumentava seu favoritismo massacrando a Suécia com 7 a 1. [Alguém aí lembrou de algum outro “7 a 1” em Copa do Mundo disputada no Brasil, com a Seleção em campo? Então, por favor, esqueça.]

Na segunda rodada, o Uruguai venceu a Suécia por 3 a 2 e o Brasil enfrentaria a Espanha. Se a Seleção vencesse, jogaria por um empate na última partida frente ao rival Uruguai.


O Brasil atuava no sistema “Diagonal”, criado pelo técnico Flávio Costa. Partindo do WM, Flávio teve a ideia de criar um losango no meio de campo, com um vértice mais avançado e outro mais recuado. Os vértices laterais eram os armadores. Na imagem, ficam claros o losango no meio campo e a faixa diagonal que deu nome ao sistema.


A Espanha jogava no WM. O sistema defensivo com três zagueiros e dois meio campistas recuados, formam um “W”. Os dois meias avançados, os dois pontas e o centroavante, formam um “M”. Por isso o sistema 3-2-2-3 da época era chamado de WM. Conforme a imagem, o meio campo formava um retângulo.

● O Brasil vinha embalado pelo resultado contra os suecos. Todos esperavam um grande jogo, não apenas os 150 mil presentes no estádio Maracanã, mas todos os 52 milhões de brasileiros que se aglomeravam juntos aos rádios para escutar as narrações de Pedro Luiz (Rádio Panamericana de São Paulo, atual Jovem Pan) e da dupla Jorge Curi e Antônio Cordeiro (Rádio Nacional — veja mais abaixo).

A Espanha estava invicta há mais de um ano e tinha grandes jogadores, como o zagueiro José Parra (eleito para a seleção da Copa), o ponta direita Estanislau Basora e o centroavante Telmo Zarra (recordista de gols em um só campeonato espanhol até aparecerem os “extra-terrestres” Messi e Cristiano Ronaldo).

No escrete nacional, Friaça continuava na ponta direita, no lugar de Maneca, que sentia uma lesão na coxa.

Logo de cara o Brasil já começou a encantar os expectadores, mostrando um futebol bonito e envolvente.

Todavia, foi a Fúria quem teve a primeira oportunidade de tirar o zero do placar, mas Telmo Zarra desperdiça ao dominar a bola com a mão.

As duas equipes se alternavam no ataque até que, aos 15 minutos, Ademir de Menezes domina a bola fora da área e chuta no canto esquerdo. A bola desvia no espanhol Parra e tira qualquer chance de defesa para o goleiro. A FIFA só creditou o gol para o centroavante brasileiro mais de cinquenta anos depois. Para os padrões da época, foi considerado gol contra.

Depois, o capitão Augusto tirou em cima da linha o que seria o empate da Fúria. Na sequência, no minuto 22, o Brasil amplia o resultado. Jair Rosa Pinto chuta de canhota da entrada da área. Ramallets ainda alcança a bola, mas a deixa escapar. Ela toca a rede pelo alto e cai dentro do gol.

Com dois tentos de vantagem, o Brasil toma conta do jogo e marca mais um. Aos 31′, Chico recebe de Bigode, entra na área pelo lado esquerdo e chuta. Ramallets espalma e Ademir pega a sobra e chuta, para nova rebatida do goleiro espanhol. Chico pega a sobra e emenda de primeira para o gol.

Com a goleada já bem encaminhada, o Brasil passa a administrar a vantagem.

No segundo tempo, o domínio foi ampliado. O time forçou duas grandes defesas de Ramallets, em chutes de Friaça e Ademir. Mas ele seria vazado outra vez aos 10′. Após lançamento longo, Ademir avança pela ponta direita e cruza. A bola passa por vários jogadores e cai nos pés de Chico, que chuta no ângulo direito. Esse foi o gol de número 300 na história das Copas do Mundo.

Mal se deu a saída de bola, quando Zizinho cruza da direita e Ademir fuzila, de dentro da área. Era o quinto do Brasil.

Dez minutos depois, Ademir, o melhor em campo, dá um belo passe para Zizinho. O craque domina a bola dentro da área, tira o marcador espanhol e chuta forte, balançando as redes da Espanha, fazendo o sexto e mais bonito dos gols.

Com o resultado garantido, o Brasil parou de atacar e a torcida começou a cantar “Touradas em Madri” nas arquibancadas (veja mais abaixo).

Não parou nem com o gol de honra da Espanha. Aos 26′, Basora corre pela ponta direita e cruza para a pequena área. Perto da trave direita (e em posição de impedimento não marcada pela arbitragem), Silvestre Igoa acerta um lindo voleio e diminui a goleada.

Depois, Zarra ainda acertaria a trave.

No fim, os espanhois passaram a assistir o toque de bola brasileiro. Nada mais importava. Estava muito próximo o sonhado título mundial do Brasil em pleno Maracanã.


(Imagem: FIFA.com)

● Vencer a Espanha de forma tão avassaladora era a prova de que o Brasil estava preparado para ser campeão do mundo. Muitos consideram que essa partida foi a maior exibição da história da Seleção. O jornalista inglês Brian Glanville escreveu que o Brasil “jogava o futebol do futuro, quase surrealista, que taticamente não apresenta nada demais, mas tecnicamente é soberbo”.

Provavelmente nunca mais tenha se visto uma festa coletiva que unisse o país inteiro, como foi naquele 13 de julho de 1950.

É até hoje a terceira maior goleada sofrida pela seleção espanhola em toda sua história.

Na última rodada, a Espanha perdeu para a Suécia por 3 a 1, terminando com o 4º lugar geral.

O Brasil enfrentou o arquirrival Uruguai, precisando apenas de um empate para se sagrar campeão, mas todos sabemos como termina essa história.

● Após o quarto gol brasileiro, a torcida estava enlouquecida e começou a cantar em coro “Touradas em Madri”. Essa que é uma das marchinhas de Carnaval mais populares da história, foi composta por João de Barro (o Braguinha) e Alberto Ribeiro.

A música já era muito conhecida, mas curiosamente tinha sido desclassificada do Carnaval de 1938, quando a comissão do júri alegou que se tratava de um “pasodoble” (estilo espanhol) e não de uma marchinha.

Mas doze anos depois, cantada em uníssono por um público oficial de 152.772 pessoas, “Touradas em Madri” foi consagrada em pleno Maracanã.

Em uma entrevista à ESPN, o jornalista João Máximo, que estava presente no estádio naquele dia, relatou como tudo começou: “Quando fui ao jogo, havia pequenos grupos de torcedores que distribuíam uma paródia para ser cantada com o ‘Touradas em Madri’. Essa paródia mexia com Basora, Parra, Gaínza, Puchades, Panizo, jogadores espanhóis. O que eu acho é que esse papel se espalhou por vários grupos da arquibancada, as pessoas tentaram cantar a paródia. Mas claro que não pegou. O estádio de repente começou a cantar a mesma letra original que todo mundo conhecia.”

Braguinha também estava presente no Maracanã e chorou tanto de emoção, que nem conseguia falar. Muitos torcedores brasileiros não o reconheceram e pensaram se tratar de um torcedor espanhol que chorava de tristeza. Alguns queriam até agredi-lo. Mas era apenas Braguinha, chorando de felicidade ao ver seu trabalho ser eternizado eu um dos momentos mais felizes da história do país.

Touradas em Madri (1938)

Eu fui às touradas em Madri
E quase não volto mais aqui
Pra ver Peri beijar Ceci
Eu conheci uma espanhola
Natural da Catalunha
Queria que eu tocasse castanhola
E pegasse touro à unha
Caramba! Caracoles! Sou do samba
Não me amoles
Pro Brasil eu vou fugir!
Isto é conversa mole para boi dormir!”

● Assim como todos os jogos da Copa de 1950, esse é uma partida da qual se tem poucos registros. Uma verdadeira relíquia (descoberta por Thiago Uberreich, da Jovem Pan) é a a transmissão da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Infelizmente alguns trechos do áudio foram perdidos, mas a maior parte está disponível. Na narração, fica evidente a o envolvimento e a euforia da torcida.

 

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 6 x 1 ESPANHA

 

Data: 13/07/1974

Horário: 15h00 locais

Estádio: Maracanã

Público: 152.772

Cidade: Rio de Janeiro (Brasil)

Árbitro: Reginald Leafe (Inglaterra)

 

BRASIL (Diagonal):

ESPANHA (WM):

1  Barbosa (G)

1  Antoni Ramallets (G)

2  Augusto (C)

2  Gabriel Alonso

3  Juvenal 

3  José Gonzalvo II

4  Bauer

4  Mariano Gonzalvo III

5  Danilo Alvim

5  José Parra

6  Bigode

6  Antonio Puchades

7  Friaça

7  Estanislau Basora

8  Zizinho

8  Silvestre Igoa

9  Ademir de Menezes

9  Telmo Zarra

10 Jair Rosa Pinto

10 José Luis Panizo

11 Chico

11 Agustín Gaínza (C)

 

Técnico: Flávio Costa

Técnico: Guillermo Eizaguirre

 

SUPLENTES:

 

 

Castilho (G)

Ignacio Eizaguirre (G)

Nena

Juan Acuña (G)

Nilton Santos

Francisco Antúnez

Ely

Vicente Asensi

Rui

Rafael Lesmes II

Noronha

Alfonso Silva

Alfredo II

Nando

Maneca

Luis Molowny

Baltazar

Rosendo Hernández

Adãozinho

José Juncosa

Rodrigues

César

 

GOLS:

15′ Ademir de Menezes (BRA)

21′ Jair Rosa Pinto (BRA)

31′ Chico (BRA)

55′ Chico (BRA)

57′ Ademir de Menezes (BRA)

67′ Zizinho (BRA)

71′ Silvestre Igoa (ESP)

Lances da partida:

Diversas imagens desse jogo:

… Castilho: sua sorte não foi o suficiente

Três pontos sobre…
… Castilho: sua sorte não foi o suficiente


(Imagens localizadas no Google)

● Carlos José Castilho nasceu em 27/11/1927, no Rio de Janeiro, então capital federal. Iniciou a carreira como atacante no Tupã Futebol Clube, de Brás de Pina, subúrbio do Rio. Certa vez, o goleiro titular não apareceu para uma partida e Castilho atuou em seu lugar, mas sem se fixar na posição. Com 17 anos, em 1944, foi levado aos juvenis do Olaria por Menezes, pai de Ademir de Menezes, craque do Vasco na época. Fez seus primeiros treinos como ponta esquerda, mas pediu ao treinador para ser testado no gol. Assim ficou por dois anos, sem nunca atuar em nenhuma partida, nem entre os aspirantes.

Em 1946, quando o técnico Gentil Cardoso pediu Ademir para o Flu, seu pai, que o representava, mais uma vez levou Castilho e o apresentou a Gentil. O goleiro fez testes no tricolor carioca e foi aprovado pelo ranzinza Gentil. Com apenas 19 anos, Castilho assinou com os aspirantes do Flu, recebendo três mil cruzeiros de luvas e um salário mensal de 800 cruzeiros. Estreou em 06/10/1946, em um amistoso na cidade mineira de Pouso Alegre, contra o Fluminense local. o time carioca venceu por 4 a 0, com Castilho defendendo seu primeiro pênalti na carreira. A partir de 1947 se tornou titular da equipe principal.

Entrou para a história como um goleiro “milagreiro”, com defesas consideradas quase impossíveis. Além de bom posicionamento e reflexo, se tornou mais lendário por sua inesgotável sorte. Em um Fla x Flu que seu time venceu por 1 a 0, chegou a levar cinco bolas na trave, além de defender um pênalti. Passou a ser chamado pela imprensa carioca de “Leiteria”, que significava “homem de sorte”, na época. O apelido tinha relação não só com a infância de Castilho, quando ele foi entregador de leite, mas também à fama alcançada por um leiteiro do bairro das Laranjeiras, que por duas vezes teve seu bilhete premiado pela Loteria Federal. Então, no Rio dos anos 1950, “leiteiro” se tornou sinônimo de “sujeito de sorte”. Os torcedores do Flu o chamavam de “São Castilho”. Foi o primeiro goleiro “canonizado” pelos torcedores, devido aos milgres debaixo das traves.

Vestiu o manto tricolor de 1946 a 1965. É o recordista de atuações pelo Fluminense, com 698 partidas. Sofreu 764 gols (incrível média de 1,09) e saiu invicto em 255 partidas. Estreou contra o Fluminense de Pouso Alegre (MG) pelo time de aspirantes. Se firmou como titular em 1948. É considerado o melhor goleiro do clube em todos os tempos. Tinha 1,81 m e 75 kg, padrão baixo atualmente, mas bom para a época. Se destacava também em defesas de pênaltis (só em 1952 defendeu 6). Foi o pioneiro em se posicionar com os braços abertos no momento em que o adversário se prepara para a cobrança; ele percebeu que esse ato aumentava seu tamanho diante do cobrador.

Castilho observou também que as cores das camisas dos goleiros da época facilitavam a vida dos artilheiros, pois as cores escuras que vestiam servia de ponto de referência para os adversários: eles podiam entrar na área com a bola dominada, que com o canto do olho já sabiam onde estava o goleiro. Assim, ele passou a vestir uniformes de cores mais neutras, como cinza claro, para que se camuflasse com as cores das arquibancadas ou com as redes dos gols. Era daltônico e enxergava as cores trocadas. Da mesma forma que acreditava que era favorecido por ver como vermelhas as bolas amarelas, era prejudicado pelas bolas brancas a noite.

Na época, os goleiros jogavam sem luvas. Era comum eles quebrarem dedos após defesas, tendo que até mesmo encerrar suas carreiras devido a essas contusões. No Torneio Rio-São Paulo de 1953, fraturou o dedo mínimo da mão esquerda pela primeira vez, ficando fora do gol tricolor em várias oportunidades. Em 1955, teve que extrair os meniscos e passou a se revezar no gol com o parceiro Veludo; assim, nesse ano jogou apenas 19 vezes, sua pior marca, já que ficou mais de um ano sem jogar, voltando apenas em abril do ano seguinte. Em 1957, ficou novamente fora dos gramados por 45 dias após fraturar o mindinho esquerdo pela quinta vez. Avaliado pelo Dr. Newton Paes Barreto, descobriu que a lesão era proveniente de uma destruição óssea e que ele deveria passar por outros três meses de tratamento ou até mesmo parar de jogar. Como profissional, Castilho era um obcecado. Foi ao mesmo tempo um exemplo de estoicismo e uma mostra de sua loucura quando ele resolveu amputar a metade do dedo para retornar mais rápido aos jogos decisivos da temporada. Duas semanas depois da amputação, ele já havia voltado a jogar pelo Fluminense contra o Flamengo. Um gesto extremo de amor ao seu ofício.

“O fato concreto é que, no meu entendimento, meu dedo continuaria imóvel, e isso me roubava a autoconfiança. Foi quando pensei na amputação parcial. Só com ela eu me sentiria novamente confiante. Dr. Paes Barreto foi contrário à operação. Ficou então determinado que, para que houvesse a operação eu teria de assinar um termo de responsabilidade. Vivi um drama durante 48 horas. De um lado a minha convicção de que só a amputação resolveria o meu problema. No outro lado minha senhora e os médicos não concordavam. Telefonei para o Dr. Paes Barreto e fui franco. Se não houver operação não poderei mais continuar jogando, assim não confio mais em mim. No dia seguinte dei entrada na Casa de Saúde. Eram oito horas. Paes Barreto já me esperava. Antes da anestesia, ainda ouvi sua última frase: ‘Castilho, você é louco!’.” ¹*

Pelo Fluminense, ainda em 1952, venceu a Taça Rio, uma espécie de Campeonato Mundial Interclubes, que reunia os principais campeões do mundo. O Flu venceu grandes times, entre eles o Peñarol, que tinha a base da fortíssima seleção uruguaia.

Em 1965 ele já estava desgastado no clube e queria mudar de ares. A diretoria “pó-de-arroz” não permitiu que ele fosse para o Vasco, mas o liberou por empréstimo para o Paysandu. No clube paraense, foi campeão estadual e encerrou a carreira. Na comemoração dos 98 anos do Paysandu, Castilho foi eleito o melhor goleiro da história do clube, em eleição organizada por cem eleitores ilustres e coordenada pelo jornalista e historiador Ferreira da Costa.

“Não se deve parar de olhar a bola nem quando ela está nas mãos do gandula. Ela é nossa maior inimiga, e só vigiando-a o tempo todo que nós deixaremos de tomar o ‘frango do fotógrafo’, aquele que levamos por uma distração, por estarmos conversando.” – Castilho.

● Pela Seleção Brasileira, conquistou o primeiro título relevante fora do Brasil: o Campeonato Pan-Americano de 1952, em Santiago. A final contra o Uruguai foi conturbada, terminando com uma série de agressões e confusões. O Brasil minimizou a dor da derrota na final da Copa de 1950, já que boa parte do elenco uruguaio ainda era o mesmo. Disputou quatro Copas do Mundo: 1950 (reserva de Barbosa, foi vice-campeão em casa), 1954 (única como titular), 1958 e 1962 (bicampeão, na reserva de Gylmar). Esteve na Copa América em 1953 e 1959, além de vários torneios e partidas amistosas. Disputou 29 jogos e sofreu 30 gols.

Após parar, Castilho adiou o sonho de ser treinador após o nascimento de seu primeiro filho homem. Em 1967, começou a nova carreira no mesmo Paysandu, sendo campeão paraense em 1967 e 1969. Esteve no Vitória entre 1973 e 1974 e até setembro de 2009 era o técnico que mais tinha dirigido e vencido pelo clube na Série A do Campeonato Brasileiro (foi ultrapassado por Vágner Mancini). Passou pelo Sport Recife e foi para o Operário, do Mato Grosso, onde conquistou o tricampeonato estadual em 1976/77/78 e levou a equipe ao terceiro lugar da série A do Campeonato Brasileiro em 1977. Passou pelos rivais gaúchos Grêmio e Inter, até chegar ao Santos, onde conquistou o Campeonato Paulista de 1984. Em 1986, foi treinar a seleção da Arábia Saudita e participou da Copa Asiática de Seleções. Voltaria ao Brasil no ano de 1987 com o sonho de ser técnico do seu Fluminense.

Castilho cometeu suicídio em 02/02/1987, aos 59 anos, no bairro de Bonsucesso, na zona norte do Rio de Janeiro. Ele foi visitar sua ex-esposa e, inesperadamente, saiu correndo pela sala e se atirou pela janela do apartamento, que ficava no sétimo andar do prédio. Ele não deixou explicações e nem carta de despedida, mas passava por problemas particulares. Pessoas próximas a ele indicam que ele sofria de depressão pelo esquecimento do público, mas o motivo exato é desconhecido por todos, até por sua família. Uma versão é que o ex-goleiro sofria de transtorno bipolar. Outra possibilidade é alguma enfermidade incurável que pudesse ter, pois sentiu fortes dores no mês de janeiro, na Arábia Saudita, e ele não revelou o conteúdo de seu exame a ninguém. Muitos falam em crise amorosa, já que ele vivia com a segunda mulher, Evelyna, que se recusou a viajar com ele para os Emirados Árabes Unidos dias antes. Essa separação brusca pode ter ocasionado seus distúrbios emocionais.

Castilho deixou cinco netos e dois filhos, um homem (Carlos) e uma mulher (Shirley), ambos de seu primeiro casamento. Sua primeira esposa (Vilma Lopes de Castilho) está viva e reside no Rio de Janeiro. O filho de Castilho, Carlos Roberto Lopes de Castilho, é executivo da Diretoria de Empresas da Cielo, líder do setor de pagamentos eletrônicos com máquinas de cartões de crédito e débito.

Sua história foi destacada em vários livros: “Castilho – Bicampeão Mundial de Futebol”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2003); “Os goleiros do Fluminense – De Marcos de Mendonça a Fernando Henrique”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2003); “Fluminense Football Club, história, conquistas e glórias no futebol” de Antônio Carlos Napoleão (2003); “O último homem da defesa”, de Antônio Carlos Teixeira Rocha (2005); “Goleiros: Heróis e anti-heróis da camisa 1”, de Paulo Guilherme (2006); “Os 11 maiores goleiros do futebol brasileiro”, de Luís Augusto Simon (2010). O vestiário do departamento de futebol profissional do Fluminense tem o seu nome. Em 2007, o Tricolor das Laranjeiras inaugurou um busto de Castilho na entrada da sede social do clube, como agradecimento pelos serviços prestados, muito acima do que se pode esperar de um jogador profissional, pelas enormes e cegas demonstrações de amor pelo clube. Será sempre o maior ídolo dos tricolores em todos os tempos. Um dos grandes goleiros brasileiros na história.

Feitos e premiações de Castilho:

Como jogador, pela Seleção Brasileira:
– Campeão da Copa do Mundo em 1958 e 1962.
– Vice-campeão da Copa do Mundo em 1950.
– Campeão do Campeonato Pan-Americano em 1952.
– Campeão da Copa Roca em 1957.
– Campeão da Taça Bernardo O’Higgins em 1955.
– Campeão da Taça Oswaldo Cruz em 1950 e 1962.

Como jogador, pelo Fluminense:
– Campeão da Copa Rio em 1952 (equivalente a um Campeonato Mundial de Clubes, na época).
– Campeão do Campeonato Carioca em 1951, 1959 e 1964.
– Campeão do Torneio Rio-São Paulo em 1957 e 1960.
– Campeão do Torneio Municipal do Rio de Janeiro em 1948.
– Campeão do Torneio Início do Campeonato Carioca em 1954 e 1956.
– Campeão Regional Taça Brasil – Zona Sul em 1960.
– Campeão do Torneio José de Paula Júnior em 1952, em Minas Gerais.
– Campeão da Copa das Municipalidades do Paraná em 1953.
– Campeão da Taça Casa Nemo em 1949.
– Campeão da Taça Embajada de Brasil em 1950, no Peru (Sucre x Fluminense).
– Campeão da Taça Comite Nacional de Deportes em 1950, no Peru (Alianza Lima x Fluminense).
– Campeão da Taça General Manuel A. Odria em 1950, no Peru (Seleção de Arequipa x Fluminense).
– Campeão da Taça Adriano Ramos Pinto em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Cinquentenário do Fluminense em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Milone em 1952 (mesma partida da final da Copa Rio, entre Fluminense x Corinthians).
– Campeão da Taça Ramon Cool J em 1960, na Costa Rica (Deportivo Saprissa x Fluminense).
– Campeão da Taça Canal Collor em 1960, no México (San Lorenzo-ARG x Fluminense).
– Campeão da Taça Embotelladora de Tampico SA em 1960, no México (Deportivo Tampico x Fluminense).
– Campeão da Taça Dínamo Moscou x Fluminense em 1963.
– Campeão da Taça Benemérito João Lira Filho em 1947 (inauguração do estádio do Olaria, entre Fluminense x Vasco).
– Campeão da Taça V.C Borba em 1947 (Atlético-PR x Fluminense).
– Campeão da Taça Folha da Tarde em 1949 (Internacional x Fluminense).
– Campeão do Troféu Prefeito Acrisio Moreira da Rocha em 1949 (Flamengo x Fluminense).
– Campeão da Taça Secretário da Viação de Obras Públicas da Bahia em 1951 (Bahia x Fluminense).
– Campeão da Taça Madalena Copello em 1951 (Flamengo x Fluminense).
– Campeão da Taça Desafio em 1954 (Fluminense x Uberaba Sport Club).
– Campeão da Taça Presidente Afonsio Dorázio em 1956 (Seleção de Araguari-MG x Fluminense).
– Campeão da Taça Vice-Presidente Adolfo Ribeiro Marques em 1957 (Combinado de Barra Mansa x Fluminense).
– Campeão da Taça Cidade do Rio de Janeiro em 1957 (Fluminense x Vasco).
– Campeão da Taça Movelaria Avenida em 1959 (Ceará x Fluminense).
– Campeão da Taça CSA x Fluminense em 1959.

Como jogador, pelo Paysandu:
– Campeão do Campeonato Paraense em 1965.

Como técnico, pelo Santos:
– Campeão do Campeonato Paulista de 1984.

Como técnico, pelo Paysandu:
– Campeão do Campeonato Paraense em 1967 e 1969.

Como técnico, pelo Operário:
– Tricampeão do Campeonato Mato-Grossense em 1976, 1977 e 1978.
– 3º lugar na Série A do Campeonato Brasileiro de 1977.

Distinções e premiações individuais:
– Prêmio Belfort Duarte em 1955 (premiação individual que homenageava o jogador de futebol profissional que passasse dez anos sem ser expulso de campo, tendo jogado pelo menos 200 partidas).

¹* Trecho extraído da obra:
GUILHERME, Paulo. Goleiros: Heróis e anti-heróis da camisa 1. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2006.