Três pontos sobre…
… 18/06/1978 – Argentina 0 x 0 Brasil
“A Batalha de Rosario”
Oscar encara Luque (Imagem localizada no Google)
● Em 1978 a Argentina vivia sob uma ditadura militar, comandada pelo general Jorge Rafael Videla. Assim como em outros países sul-americanos, o futebol era tido como um eficiente meio de propaganda do país ao mundo e uma forma de distração para o povo.
Na segunda partida da segunda fase, Brasil e Argentina se enfrentaram no acanhado estádio Gigante de Arroyito, em busca de uma única vaga na final. A Argentina foi beneficiada pela logística e o Brasil foi prejudicado, pois para disputar as suas sete partidas, o Brasil percorreu 4.659 quilômetros, enquanto a Argentina deslocou-se por apenas 618 quilômetros, entre Buenos Aires e Rosario.
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Desde que a delegação brasileira viajou de Mendoza para Rosario, o clima não foi fácil. Na madrugada do jogo, a polícia permitiu que os torcedores locais buzinassem à vontade em frente ao Hotel Libertador, onde os brasileiros estavam hospedados. Ao chegar ao estádio, novo momento de pressão: a torcida argentina formou uma espécie de “corredor polonês” para receber os adversários com pedradas.
O Brasil estava invicto há oito anos contra a Argentina. Rivellino, remanescente da equipe campeã em 1970, continuava machucado. O técnico brasileiro era Cláudio Coutinho, preparador físico em 1970 e supervisor da comissão técnica em 1974. Ele não convocou o meia Falcão, eleito o melhor jogador do Brasileirão de 1978, que teria criticado certas atitudes suas.
A seleção da Argentina festejava o retorno do centroavante Leopoldo Luque, que ficou fora de dois jogos – um deles por causa de uma contusão no braço e outro devido à morte de um irmão em um acidente, no qual seu caminhão bateu e pegou fogo. Com a volta de Luque, Kempes jogou mais recuado.
Curiosamente, a numeração dos jogadores da Argentina foi feita pela ordem alfabética dos sobrenomes, independentemente da posição. Assim, o volante Alonso ficou com a camisa 1, enquanto o goleiro titular Fillol ficou com a de número 5.
A Argentina atuava no 4-3-3, com Kempes chegando sempre ao ataque.
O Brasil foi escalado em um 4-3-3 defensivo, que se tornava um 4-4-2 com a boa recomposição de Dirceu.
● Na partida que terminou em 0 a 0, a violência ganhou de goleada. Foi um festival sem fim de pontapés, cotoveladas e até cusparadas.
O técnico Coutinho estava ciente da pressão que sua equipe enfrentaria e escalou um time mais forte fisicamente. Chicão e Batista lutavam por todas as bolas. Chicão colou em Kempes e Batista marcou Ardiles, mais rápido. Jorge Mendonça recuava para marcar, mas também dava tranquilidade na armação das jogadas. Dirceu, com um físico privilegiado, fechava pelo meio e avançava pela ponta. Na frente, Gil e Roberto Dinamite ficaram isolados.
Com Toninho Cerezo sentindo dores, o técnico Cláudio Coutinho optou pela valentia e disciplina tática de Chicão, volante do São Paulo. Ele foi escolhido justamente por seu estilo vigoroso de disputar cada lance. Ele foi encarregado de marcar o craque portenho, Mario Kempes. Cumpriu sua função e eclipsou Kempes da partida, mesmo sendo provocado o tempo todo. Provavelmente foi a melhor partida de Chicão em toda sua carreira.
Com dez segundos, Luque acertou um chute sem bola em Batista, já demonstrando o tom bélico que seriam os 90 minutos. Foram seis faltas nos três minutos iniciais. Nos primeiros 12 minutos, 14 faltas. No total, foram 51 infrações, o recorde em uma partida desse Mundial. Intimidado, o árbitro húngaro Károly Palotai fazia vista grossa para as agressões dos argentinos. Assim, nada restava aos brasileiros, a não ser pagar com a mesma moeda.
Por diversas vezes o time argentino certou o árbitro. E tudo foi aceito com naturalidade, exceto pelo capitão Leão, que foi contido por seus colegas ao entrar em atrito com Luque. Leão ficava instigando sua defesa para que acertasse Luque no braço machucado.
Ainda no primeiro tempo, o grandalhão Luque tirou Oscar da jogada com uma cotovelada e cruzou para Galván errar a conclusão. Apesar das entradas duras de Oscar e de Chicão, Luque continuava batendo sem bola e a cada falta que recebia, ele simulava ter sido agredido.
Aos 16 minutos, Gil ganhou na corrida de dois defensores e chutou cruzado, mas Fillol defendeu. Mas a chance mais clara de gol foi desperdiçada. Roberto Dinamite recebeu lançamento, entrou na área e finalizou, mas Fillol defendeu com as pernas. A Argentina teve uma única chance, perdida por Ortiz após cruzamento de Bertoni.
Ainda no primeiro tempo, o técnico Cláudio Coutinho trocou o lesionado Rodrigues Neto por Edinho, na tentativa de fechar melhor os espaços do ponta direita Bertoni. Mas ocorreu o contrário. O zagueiro improvisado na lateral perdeu todos os lances, o que exigia a sempre excelente cobertura de Amaral. Bertoni cuspia tanto que parecia um chafariz.
No fim da primeira etapa, Ardiles torceu o tornozelo e saiu carregado com a ajuda de Toninho, em um raro momento de fair play. No intervalo, foi substituído por Ricardo Villa, que entrou só para bater (e bateu muito).
A partida era tensa, com a marcação prevalecendo. Poucas chances foram criadas. Oscar foi impecável no jogo aéreo, o forte da Argentina (além de valente em todas as disputas). Na direita, Toninho conseguiu conter as firulas de Ortiz e até conseguiu avançar com frequência.
A medida que o jogo foi se aproximando do fim, as pancadas foram diminuindo e o Brasil pôde mostrar seu melhor futebol. Os argentinos estiveram nervosos o tempo todo. Os minutos se passaram sem que a Argentina conseguisse impor seu ritmo. A barulhenta torcida por vezes se calava, vendo a dificuldade de seu time em sair da própria defesa.
Apesar da batalha, no fim, surpreendentemente, os jogadores adversários trocaram camisas e se abraçaram.
Chicão domina a bola no meio de campo, em cena comum na partida (Imagem localizada no Google)
● O resultado de 0 a 0 foi bom para a Argentina, pois o Brasil jogou melhor. Com a igualdade no placar, as duas seleções tinham chances na última rodada, disputada três dias depois.
Na primeira fase, a Seleção Brasileira empatou com a Suécia por 1 a 1 e com a Espanha por 0 a 0; venceu a Áustria por mísero 1 a 0. Já na segunda fase (também disputada em grupos com quatro equipes), venceu o Peru por 3 a 0, empatou sem gols com os anfitriões argentinos e venceu a Polônia por 3 a 1. Na decisão do 3º lugar, o Brasil venceu a Itália por 2 a 1 e foi a única equipe que terminou a Copa invicta. Segundo o técnico Cláudio Coutinho, o Brasil foi o verdadeiro “campeão moral” da Copa.
Por sua vez, a Argentina estreou batendo a Hungria (2 a 1) e a França (2 a 1), além de perder para a Itália por 1 a 0. Na fase seguinte, venceu a Polônia (2 a 0) e empatou com o Brasil (0 a 0). Na última rodada, enquanto os brasileiros venceram os poloneses jogando às 16h45, o jogo dos argentinos contra o Peru começou apenas 17h15. Ou seja, a Argentina sabia que necessitava vencer o adversário por quatro ou mais gols de diferença para chegar à final. Antes da partida, o general Videla e o diplomata dos EUA Henry Kissinger foram ao vestiário peruano ter uma conversa “misteriosa” com os jogadores. Há várias “teorias da conspiração, envolvendo inclusive o Cartel de Cali. Com uma complacência nunca antes vista por parte dos peruanos (inclusive do goleiro Ramón Quiroga, argentino naturalizado), a Argentina goleou por 6 a 0, chegando à final contra a Holanda (que veremos no próximo dia 25/06).
Chicão estapeia Kempes. O craque argentino foi anulado pelo volante brasileiro (Imagem localizada no Google)
● FICHA TÉCNICA: |
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ARGENTINA 0 x 0 BRASIL |
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Data: 18/06/1978 Horário: 19h15 locais Estádio: Gigante de Arroyito Público: 37.326 Cidade: Rosario (Argentina) Árbitro: Károly Palotai (Hungria) |
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ARGENTINA (4-3-3): |
BRASIL (4-3-3): |
5 Ubaldo Fillol (G) |
1 Leão (G)(C) |
15 Jorge Olguín |
2 Toninho Baiano |
7 Luis Galván |
3 Oscar |
19 Daniel Passarella (C) |
4 Amaral |
20 Alberto Tarantini |
16 Rodrigues Neto |
2 Osvaldo Ardiles |
21 Chicão |
6 Américo Gallego |
17 Batista |
10 Mario Kempes |
19 Jorge Mendonça |
4 Daniel Bertoni |
18 Gil |
14 Leopoldo Luque |
20 Roberto Dinamite |
16 Oscar Alberto Ortiz |
11 Dirceu |
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Técnico: César Luis Menotti |
Técnico: Cláudio Coutinho |
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SUPLENTES: |
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3 Héctor Baley (G) |
12 Carlos (G) |
13 Ricardo La Volpe (G) |
22 Waldir Peres (G) |
18 Rubén Pagnanini |
13 Nelinho |
11 Daniel Killer |
14 Abel Braga |
8 Rubén Galván |
15 Polozzi |
12 Omar Larrosa |
6 Edinho |
17 Miguel Oviedo |
5 Toninho Cerezo |
21 José Daniel Valencia |
10 Rivellino |
1 Norberto Alonso |
8 Zico |
22 Ricardo Villa |
7 Zé Sérgio |
9 René Houseman |
9 Reinaldo |
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CARTÕES AMARELOS: |
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Ricardo Villa (ARG) |
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Chicão (BRA) |
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Edinho (BRA) |
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Zico (BRA) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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34′ Rodrigues Neto (BRA) ↓ |
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Edinho (BRA) ↑ |
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INTERVALO Osvaldo Ardiles (ARG) ↓ |
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Ricardo Villa (ARG) ↑ |
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60′ Oscar Alberto Ortiz (ARG) ↓ |
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Norberto Alonso (ARG) ↓ |
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67′ Jorge Mendonça (BRA) ↓ |
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Zico (BRA) ↑ |
Melhores (e piores) momentos da partida:
Jogo completo: