Três pontos sobre…
… 14/07/1930 – Iugoslávia 2 x 1 Brasil
Seleção Brasileira na estreia da Copa do Mundo de 1930 (Imagem: Bob Thomas / Popperfoto / Getty Images / FIFA)
Em pé: Píndaro (técnico), Brilhante, Fausto, Hermógenes, Itália, Joel e Fernando;
Agachados: Poly, Nilo, Araken, Preguinho e Teóphilo.
● O Brasil não viajou para disputar a primeira Copa do Mundo com o que tinha de melhor. Foi apenas com um “amontoado” de jogadores cariocas. Um pouco por falhas na comunicação entre a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e a APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos, órgão máximo dos esportes no estado de São Paulo). Outra parte por intransigência da própria CBD por não aceitar nenhum paulista entre os membros da comissão técnica da Seleção Brasileira.
Ainda assim, foram feitas várias tentativas de acordo, mas sem sucesso. Ninguém queria ceder e a APEA não liberou nenhum de seus jogadores filiados. Na primeira lista oficial, dos 23 atletas, 15 eram de São Paulo e apenas oito do Rio. Mas apenas um paulista viajou com a delegação: o centroavante Araken Patusca, que estava em litígio com seu clube, o Santos, e assinou um “contrato fantasma” com o Flamengo para ser convocado (mesmo sem nunca ter jogado no rubro-negro).
Assim, o escrete nacional partiu enfraquecido, sem contar com craques como Arthur Friedenreich, Feitiço, Filó (que seria campeão mundial pela Itália em 1934 após se naturalizar), Del Debbio e outros. Com isso, o Brasil se apresentou com jogadores de nível mais baixo, para suprir a ausência dos paulistas.
Nem os jornalistas de São Paulo viajaram. Na verdade, pareciam até dois países em guerra: enquanto a imprensa do Rio exaltava o patriotismo brasileiro, os jornais de SP antecipavam o iminente desastre que aguardava a Seleção.
Com um time montado às pressas, a delegação brasileira pegou carona no navio Conte Verde, o mesmo que trazia os europeus para o Uruguai. Como homenagem, o chefe da delegação brasileira foi Afrânio da Costa, o primeiro medalhista olímpico do país. Ele conquistou a medalha de prata no tiro, categoria de pistola livre, nos Jogos Olímpicos de 1920, em Antuérpia, na Bélgica.
Nos anos 1930, todas as equipes atuavam no ofensivo sistema “clássico” ou “pirâmide”, o 2-3-5.
O Brasil também jogou no 2-3-5, mas com um trio de ataque “torto” pelo lado esquerdo: tanto Nilo, quanto Araken, jogavam na meia esquerda, mesma posição de Preguinho. Por isso, eles foram improvisados como meia direita e centroavante, respectivamente.
● Para cativar a torcida, a Seleção Brasileira entrou em campo carregando flores e uma bandeira do Uruguai. Jogando de branco (como foi até 1953), a estreia do Brasil na primeira Copa do Mundo foi em uma segunda-feira, dia 14 de julho de 1930, no estádio Parque Central, em Montevidéu. Mesmo com um frio “atroz e ininterrupto” de 02º C, estavam presentes 24.059 expectadores, a maioria uruguaios, curiosos para ver como se portariam os rivais sul-americanos e os europeus. A alta arrecadação de 5.900 dólares, era uma amostra de que o futebol brasileiro estava sendo encarado com respeito.
No sorteio inicial, o capitão Preguinho ganhou o cara ou coroa e escolheu jogar contra o vento forte no primeiro tempo. O Brasil pressionou muito nos primeiros dez minutos, exigindo duas boas defesas do goleiro Milovan Jakšić. Mas logo a Iugoslávia equilibrou a partida e abriu o placar em um lance de sorte.
Aos 21 minutos de jogo, Đorđe Vujadinović chutou fraco. O goleiro Joel pulou, mas a bola desviou no zagueiro Itália, sobrando limpa para o ponta direita Aleksandar Tirnanić concluir para o gol vazio.
Nove minutos depois, a bola foi lançada para a área do Brasil. Era um lance aparentemente tranquilo, mas o zagueiro Brilhante rebateu mal e a bola sobrou para o centroavante Ivan Bek, sem marcação, que ampliou o marcador chutando no canto.
Ainda no fim do primeiro tempo, o árbitro uruguaio Aníbal Tejada anulou um gol de Vujadinović por impedimento. Em várias falhas defensivas clamorosas da defesa brasileira, a Iugoslávia marcou duas vezes e perdeu chances de fazer mais.
Já na etapa final, dessa vez com o vento a favor, o Brasil pressionou e chegou várias vezes na área adversária.
O gol de honra veio aos 17 minutos.
Hermógenes avançou e chutou, mas Arsenijević desviou para escanteio. Hermógenes cobrou o tiro de canto e Stefanović tirou de cabeça. Os iugoslavos tentaram puxar o contragolpe, mas Fausto recuperou a bola, passou por Vujadinović e cruzou alto para a área. Preguinho dividiu com o capitão Ivković e marcou o primeiro gol brasileiro em Copas do Mundo.
Depois, a Seleção dominou amplamente a partida, mas não conseguiu o empate.
No Rio, várias pessoas se juntaram em frente ao jornal “A Noite“. O andamento do jogo era informado por cartazes, mas o telégrafo demorava cerca de duas horas para chegar de Montevidéu. Assim, quando os cariocas receberam a notícia de que o jogo acabara de começar, na verdade ele já tinha sido encerrado. E aos 40 minutos do segundo tempo, a torcida vibrou com o que seria o gol de empate. Estava escrito no cartaz: “Preguinho, 2 x 2”. Mas alguns minutos depois, veio a correção: houve apenas um gol do Prego e a Iugoslávia venceu por 2 a 1.
Teóphilo disputa bola com o zagueiro Ivković e o goleiro Jakšić (Imagem: RedStarBelgrade.info)
● Depois da partida, uma pequena multidão de paulistas se aglomerou em frente aos jornais da cidade para comemorar a derrota “dos cariocas” para a Iugoslávia.
Apesar da derrota, a imprensa uruguaia ficou impressionada com elegância em campo do centromédio brasileiro Fausto dos Santos, que lembrava, que alguns momentos, a elegância de Leandro Andrade (o que acabou lhe rendendo o mesmo apelido: “Maravilha Negra“). Fausto acabou eleito para a seleção do Mundial.
Fausto sempre foi polêmico e nunca teve “papas na língua”. O estilo “trombador” dos iugoslavos era uma novidade, o que levou Fausto a criticar publicamente a linha de ataque brasileira, dizendo: “A maioria tremeu de medo, não de frio. Preguinho foi o único que enfrentou corajosamente a defesa iugoslava. Jogaram como senhoritas”.
Mas a maior falha talvez tenha sido um erro cometido pela comissão técnica. O trio atacante escalado foi Nilo, Araken e Preguinho, mas todos atuavam pela meia esquerda. Assim, com dois jogadores improvisados, o Brasil criava, mas não concluía. Os dois centroavantes (Russinho e Carvalho Leite) ficaram de fora.
Preguinho, apelido de João Coelho Netto, foi o autor do primeiro gol brasileiro em Copas do Mundo. Ele era filho do escritor Coelho Netto. Falaremos mais sobre esse multi-atleta no próximo dia 20/07.
Cumprimentos iniciais entre o trio de arbitragem e os capitães Preguinho e Milutin Ivković (Imagem: Bob Thomas / Popperfoto / Getty Images / FIFA)
● FICHA TÉCNICA: |
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IUGOSLÁVIA 2 x 1 BRASIL |
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Data: 14/07/1930 Horário: 12h45 locais Estádio: Parque Central Público: 24.059 Cidade: Montevidéu (Uruguai) Árbitro: Aníbal Tejada (Uruguai) |
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IUGOSLÁVIA (2-3-5): |
BRASIL (2-3-5): |
Milovan Jakšić (G) |
Joel (G) |
Milutin Ivković (C) |
Brilhante |
Dragan Mihajlović |
Itália |
Milorad Arsenijević |
Hermógenes |
Ljubiša Stefanović |
Fausto dos Santos |
Momčilo Đokić |
Fernando Giudicelli |
Aleksandar Tirnanić |
Poly |
Blagoje Marjanović |
Nilo |
Ivan Bek |
Araken Patusca |
Đorđe Vujadinović |
Preguinho (C) |
Branislav Sekulić |
Teóphilo |
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Técnico: Boško Simonović |
Técnico: Píndaro de Carvalho Rodrigues |
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SUPLENTES: |
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Milan Stojanović (G) |
Velloso (G) |
Dušan Marković |
Zé Luiz |
Dragomir Tošić |
Oscarino |
Teofilo Spasojević |
Ivan Mariz |
Branislav Hrnjiček |
Fortes |
Dragutin Najdanović |
Pamplona |
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Benevenuto |
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Manoelzinho |
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Doca |
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Benedicto |
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Russinho |
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Carvalho Leite |
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Moderato Wisintainer |
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GOLS: |
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21′ Aleksandar Tirnanić (IUG) |
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30′ Ivan Bek (IUG) |
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62′ Preguinho (BRA) |
Parte da reportagem do Esporte Espetacular sobre o gol de Preguinho:
Imagens diversas sobre a partida: