Três pontos sobre…
… Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958
(Imagem: Baú do Futebol)
● As cinco primeiras Copas do Mundo ofereceram uma experiência extraordinária para a Seleção Brasileira. Assim, para a Copa de 1958, na Suécia, a CBD organizou melhor a seleção dentro e fora de campo. Pela primeira vez, a delegação contava com supervisor (Carlos Nascimento, do Bangu), preparador físico (Paulo Amaral, do Botafogo), médico (Hilton Gosling, do Bangu), dentista (Mário Trigo de Loureiro, fundamental também por descontrair qualquer ambiente com suas piadas), massagista (Mário Américo) e até um psicólogo (João Carvalhaes).
O processo de escolha do técnico foi o resultado de um consenso entre João Havelange, presidente da CBD desde o início do ano, e Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação brasileira na Copa (e fundador da Rede Record). Vários nomes foram cogitados, como o paraguaio Fleitas Solich (técnico do Flamengo), Flávio Costa (técnico da Copa de 1950) e Zezé Moreira (técnico da Copa de 1954). Mas escolheram Vicente Feola, que era auxiliar técnico de Béla Guttmann no São Paulo, quando o húngaro implementou um inédito esquema tático com quatro zagueiros no clube paulista, semelhante à grande seleção da Hungria de 1954. Feola utilizaria também este sistema na Seleção.
Dr. Paulo encomendou um plano de preparação bem detalhado para a Copa, elaborado por três jornalistas da TV Record: Paulo Planet Buarque, Flávio Iazzetti e Ary Silva. Nele, foi traçado todo o roteiro de treinamento, dia a dia, desde a manhã da apresentação, no dia 07/04, o embarque para a Europa, no dia 24/05 e até a realização dos jogos amistosos.
A preparação toda foi cercada de muitos cuidados. A delegação levou carne e um cozinheiro para a concentração no Turist Hotel, na pacata cidade de Hindås, à beira de um belo lago. Para não correr nenhum risco, a comissão técnica escolheu o local um ano antes e conseguiu convencer a direção do hotel a substituir, naquele mês, 28 funcionárias mulheres (cozinheiras, garçonetes e arrumadeiras) por homens.
Para se ter uma noção da dificuldade de comunicação entre Brasil e Suécia na época (e também do rigor da concentração da Seleção), havia um dia específico marcado para cada um telefonar ao Brasil. Essa ligação poderia ocorrer só uma vez por semana e não deveria ultrapassar três minutos.
Os brasileiros introduziram uma novidade nos modelos esportivos usados na época: os calções curtos e camisas com modelos mais adequados para a prática do futebol. Em seu estágio primitivo, os calções chegavam aos joelhos e as camisas tinham até bolso.
Tudo foi planejado de forma inédita, da melhor maneira possível. Uma preparação de campeão. Essa enorme equipe técnica só falhou em um pequeno detalhe: esqueceu de informar à FIFA os números das camisas dos jogadores. Reza a lenda que, assim, coube ao uruguaio Lorenzo Villizio, integrante do comitê organizador da Copa, definir os números com base no que conhecia dos jogadores. E ele cometeu erros grosseiros, como dar a camisa 3 para o goleiro Gylmar e a 9 ao zagueiro reserva Zózimo. Por uma grande e feliz coincidência, a camisa 10 ficou com Pelé.
Pelé chora de emoção, amparado pelo grande goleiro Gylmar (Imagem: O Globo)
● O brasileiro sofria de “complexo de vira-lata”. Essa expressão foi criada pelo jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues (irmão de Mário Filho, também jornalista, que dá nome ao estádio Maracanã). Ela refletia o sentimento que tomou conta do país depois da derrota na Copa de 1950. Mesmo quando a Seleção demonstrava um bom futebol, esse complexo fazia a torcida duvidar. Sempre tinha um “pé atrás”. Didi era um craque de reconhecido nível mundial, mas no Brasil era criticado por ser preguiçoso nos treinamentos. Essa “síndrome” só terminaria quando viesse uma grande conquista.
Desde a Copa de 1938, o jogador brasileiro sempre chamou a atenção por sua habilidade e irreverência. Mas a falta de um título mundial colocava nosso futebol em xeque. Para a maioria, faltava seriedade aos craques e técnica aos mais sérios. Sempre enxergamos isso mais como um problema do que como uma solução. Mas a Seleção de 1958 veio para mudar esse estigma, com o irreverente Garrincha e o carrancudo Didi.
O Brasil chegou à Suécia sem despertar maiores interesses da imprensa e do público de modo geral. Embora tivesse vários jogadores de qualidade reconhecida, era apenas mais uma boa equipe dentre tantas outras. A equipe passou pelas eliminatórias empatando com o Peru, em Lima (1 x 1) e vencendo o jogo de volta por 1 a 0, no Maracanã, com um gol de Didi cobrando falta, com sua famosa “folha-seca”. Mesmo com dificuldades, o Brasil estava pronto para disputar de verdade o título mundial.
De todos os 33 convocados da lista inicial, a ausência mais sentida foi do craque veterano Zizinho, que ainda jogava em altíssimo nível, mesmo aos 37 anos. Mas havia uma geração de craques a serviço do escrete canarinho. Formado por 12 atletas do Rio de Janeiro e 10 de São Paulo, era uma equipe equilibrada, que podia apostar também no vigor físico de seus atletas. Dos jogadores que entraram em campo, apenas Nílton Santos tinha mais que 30 anos. Os caçulas eram Pelé, com 17, e Mazzola, com 19. A média de idade era de 25 anos.
O elenco se apresentou no dia 07/04 e iniciou os treinamentos nas cidades mineiras de Poços de Caldas e Araxá. Para fazer os cortes necessários e fechar a lista nos 22 atletas, a Seleção fez alguns jogos preparatórios. Pelo torneio amistoso “Taça Oswaldo Cruz”, foram duas partidas contra o Paraguai: goleada por 5 x 1 e empate por 0 x 0. Depois, em dois amistosos contra a Bulgária, foram duas vitórias: 4 x 0 e 3 x 1.
Tiveram ainda dois jogos treino, com derrota por 1 x 0 para o Flamengo e vitória por 5 x 0 contra o Corinthians, a três dias da viagem para a Europa. Nessa última partida, veio o drama: Pelé sofreu uma entrada violenta do lateral corintiano Ari Clemente e teve torção de tornozelo. Se ele fosse cortado, Almir Pernambuquinho entraria em seu lugar. Mas a comissão técnica resolveu levar Pelé mesmo assim, pois acreditavam que ele estaria apto a entrar na terceira partida do Mundial. Pelé era o caçula da equipe. Por causa das dores no joelho que surgiram durante a preparação, ele pediu diversas vezes para ser mandado de volta para o Brasil. Mas Dr. Paulo se recusava: “Calma, garoto, você vai jogar nessa Copa e vai fazer muitos gols”. Um dia Pelé não aguentou a carga de exercícios e pediu novamente para ser desligado. Foi aí que o massagista Mário Américo provocou o moleque: “Você só não joga essa Copa se não for homem. Você é homem?” Pelé gritou que era muito macho e todos riram. E nesse momento, quando viu mexerem com seus “brios”, o menino começou a ganhar confiança.
(Imagem: Pinterest)
● A Seleção fez ainda mais dois amistosos em solo europeu: uma foi em 29/05, na partida de despedida de Julinho da Fiorentina, e outra contra a Internazionale de Milão, no dia 01/06. Em ambas, o Brasil goleou por 4 a 0.
Julinho é um caso a parte nessa história. Ele havia se firmado como titular indiscutível da ponta direita da Seleção, após as excelentes partidas na Copa de 1954. No ano seguinte, ele foi jogar na Fiorentina, da Itália. Mas na época, não era comum a convocação de jogadores que atuavam no exterior. Devido ao grande moral que tinha e sua enorme qualidade, uma exceção seria aberta para ele. Então, no início de 1958, João Havelange escreveu uma carta a Julinho perguntando quando terminaria seu contrato e se ele estaria disposto a defender o Brasil na Copa. Ele respondeu que seu contrato terminaria dia 30/05, às vésperas do Mundial, e que gostaria muito de representar a Seleção, pois estava em plena condição física. No entanto, com muito pesar, ele disse que recusaria a convocação em consideração aos colegas que haviam atuado na posição com a camisa da Seleção nos últimos anos. Um gesto de hombridade de um jogador deste tamanho. Possivelmente, Joel seria o reserva, caso Julinho tivesse ido para a Copa. Dessa forma, Garrincha ficaria de fora.
Garrincha também merece um parágrafo só para ele neste texto. Feola tinha uma dúvida na posição: Joel ou Garrincha. O Mané tinha desagradado à comissão técnica por uma molecagem no amistoso contra a Fiorentina. No lance do quarto gol brasileiro, ele driblou o goleiro e ficou esperando, pouco antes da risca; quando o zagueiro veio em sua direção, Garrincha o driblou e tocou de calcanhar para o gol. Agradou à torcida, mas não ao supervisor Carlos Nascimento e ao psicólogo João Carvalhaes. Eles disseram que o ponta tinha mentalidade de criança e poderia comprometer a Seleção. Uma grande irresponsabilidade, que poderia por tudo a perder em uma partida oficial. Feola teria escalado Garrincha mesmo assim, mas, segundo Ruy Castro, essa difícil decisão contou com a participação do observador Ernesto Santos.
Ernesto expôs à comissão técnica sobre a qualidade dos quatro meio campistas do WM austríaco e sugeriu que o Brasil reforçasse o setor para equilibrar as ações. Portanto, seria necessário que o ponta direita auxiliasse na recomposição, como Zagallo fazia com maestria pelo lado esquerdo. Feola argumentou que eles poderiam pedir a Garrincha para executar esse papel. Mas o preparador físico Paulo Amaral, que conhecia bem o ponta do Botafogo, foi taxativo ao afirmar que ele não conseguiria cumprir função tática nenhuma e que não seguiria o pedido de marcar pelo meio. Assim, Joel, ótimo ponta direita e mais disciplinado, foi o escolhido para a primeira partida do Mundial.
Nílton Santos era o jogador mais experiente do grupo, com 33 anos e iria para seu terceiro Mundial. Ele era o titular da lateral esquerda nos anos anteriores, mas havia uma pressão da imprensa paulista a favor de Oreco, que atuava no Corinthians. De acordo com Ruy Castro, Nílton estava definido como titular desde os amistosos na Itália, mas Péris Ribeiro (autor do livro “Didi – o gênio da folha-seca”) garante que Oreco é quem começaria o primeiro jogo de estreia. Mas, na véspera, o lateral do time paulista sofreu um afundamento de malar.
Na preparação para a Copa, notícias diziam que Moacir, do Flamengo, estava treinando melhor que Didi, que não se esforçava nos treinos. A imprensa logo pediu a troca no time titular. A responsa de Didi ficou na história: “Treino é treino, jogo é jogo”.
Garrincha passa por marcador soviético (Imagem: R7)
● Na primeira partida do Grupo 4, o Brasil bateu a forte Áustria por 3 a 0. Essa vitória contundente deixou a torcida brasileira esperançosa. Mas no jogo seguinte, o bom futebol não se repetiu e o Brasil empatou em 0 a 0 com a Inglaterra, com uma grande atuação do goleiro inglês Colin McDonald. Essa foi a primeira partida sem gols da história das Copas, depois de 116 jogos.
O resultado e o nível apresentado desagradaram Feola, que promoveu três alterações para a partida seguinte: saíram da equipe Dino Sani, Joel e Mazzola, e entraram Zito, Garrincha e Pelé. Zito entrou no time porque Dino Sani sentia dores. O menino Pelé se recuperou da contusão, como esperado, e tinha seu lugar no time titular. Joel sentiu dores e Garrincha foi escalado. Há também a lenda que diz sobre uma reunião sobre a escalação entre Feola, Nilton Santos e dois jornalistas, mas de qualquer forma Garrincha entraria.
Assim, com essas mudanças, o Brasil começou o jogo com tudo contra a União Soviética. O jornalista francês Gabriel Hanot (criador da UEFA Champions League) afirmou que aqueles foram os “três minutos mais incríveis da história do futebol”. Garrincha mostrou a que veio e o Brasil venceu por 2 a 0, com dois gols de Vavá.
Nas quartas de final, a Seleção Brasileira passou por País de Gales, que tinha uma equipe modesta, mas muito bem armada. A vitória foi por 1 a 0, com um gol espetacular de Pelé, seu primeiro em Copas do Mundo. Ele iniciava ali o seu longo reinado.
O adversário na semifinal foi a fortíssima seleção francesa, que vinha de resultados expressivos e tinha ótimos jogadores, como Robert Jonquet, Roger Piantoni, Raymond Kopa e Just Fontaine (o artilheiro do Mundial, com incríveis 13 gols em seis jogos). Mas a Seleção venceu por 5 a 2, com um gol de Vavá, um de Didi e três de Pelé (“hat trick”).
Na decisão, o Brasil bateu os donos da casa, de virada, por 5 a 2, com dois gols de Vavá, dois de Pelé e um de Zagallo. Vitória maiúscula na final! Brasil campeão do mundo!
Pela primeira vez a taça não ficou no continente que a promoveu. O Brasil foi o primeiro país a vencer uma Copa do Mundo fora de seu continente, e repetiu a façanha em 2002, ao ganhar a Copa da Coreia do Sul e do Japão. Esse feito foi repetido pela Espanha em 2010, com o título na África do Sul, e pela Alemanha, vencendo no Brasil em 2014.
Bellini foi escolhido pelo técnico Feola depois da recusa de Didi e Nilton Santos. Mal sabiam que o zagueiro ficaria eternizado na história do futebol por isso… (Imagem: Baú do Futebol)
Todos os gols da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958:
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Atencao; Camisa de número 10 em 1958 pertencia tanto. ao Pele quanto ao Dida.
Olá Nilson!
Ambos jogavam na mesma posição.
Mas, em 1958, Pelé era o camisa 10.
Dida era o camisa 21.
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