Três pontos sobre…
… 20/06/1954 – Hungria 8 x 3 Alemanha Ocidental
(Imagem: Sport Illustrated)
● É impossível falar na evolução tática do futebol sem falar na seleção da Hungria da década de 1950.
Com o completo estabelecimento do WM em praticamente todas as equipes do mundo, o centroavante ficava muito sobrecarregado, sendo o principal responsável pelo embate físico com o zagueiro central (o antigo centromédio). Mas o estilo de jogo dos países da Europa Central (como Hungria, Áustria e Tchecoslováquia) era de centroavantes rápidos e dribladores. Estes agora não tinham mais chances contra os fortes zagueiros centrais.
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Assim, a primeira coisa a fazer era moldar novos “camisas 9” mais pesados e fortes. Mas em 1948, Márton Bukovi, técnico do MTK (ou Vörös Lobogó, nome adotado após a nacionalização do time em 1949), não aceitou essa hipótese. Se ele não tinha um jogador com o perfil da posição, em vez de insistir em atletas inadequados, preferiu acabar com a função do centroavante em seu time. Inverteu o “W” do WM, desenvolvendo uma espécie de “MM“.
Gradualmente, à medida que o centroavante recuava mais e mais para se tornar um meio campista armador, os dois pontas foram avançando, de modo a criar uma linha de quatro atacantes. Com esse novo jogador no meio, sua posição acabava chocando com os outros dois meias. Assim, um deles inevitavelmente acabava recuando, passando a jogar praticamente na linha de defesa, enquanto o outro continuava posicionado no meio.
O primeiro jogador da “nova posição” foi Péter Palotás, um jogador muito inteligente. Mas logo essa função passou a ser ocupada por Nándor Hidegkuti, um jogador completo, verdadeiro craque, que se adaptou à posição apesar de seus mais de 30 anos de idade.
Dessa forma, os adversários da Hungria não sabiam como agir. Se o zagueiro central seguisse o centroavante recuado, ele deixaria um buraco no meio de sua defesa. Se não o seguisse, ele jogaria livre, leve e solto, conduzindo o jogo como quisesse.
A Hungria jogou em seu incipiente 4-2-4, com o recuo do centroavante Hidegkuti para armar o jogo e o consequente recuo de Zakariás para a linha defensiva.
A Alemanha Ocidental atuava no sistema WM. Nesta partida, com time misto e mais recuado, Eckel (que era meia defensivo) jogou como meia ofensivo. Posipal (que era zagueiro) jogou na primeira linha de meio.
● Foi dessa forma que a Hungria encantou o mundo, ficando invicta entre 1950 e 1954, com 31 partidas (27 vitórias e 4 empates, além de conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952. Mas outros dois jogos se destacaram. O primeiro foi em 25/11/1953, quando venceu a prepotente Inglaterra por 6 a 3 em pleno estádio Wembley. Foi a primeira derrota inglesa em casa para seleções não-britânicas em toda a história. Na revanche, em Budapeste, já em preparação para a Copa de 1954, os magiares aplicaram nova goleada nos “inventores do futebol”, com inapeláveis 7 a 1.
E foi com essa aura de imbatível que a Hungria foi a primeira seleção a desembarcar na Suíça, para se acostumar com o clima. Estreou na Copa do Mundo enfiando 9 a 0 na ingênua Coreia do Sul. Durante essa partida, a Hungria não fez nenhuma falta e a Coreia apenas cinco. Fato único, o de haver menos faltas do que gols. Três dias depois, enfrentaria a Alemanha Ocidental, que tinha batido a Turquia por 4 a 1.
Do lado alemão, mesmo com a vitória na estreia, o técnico Sepp Herberger continuava criticado pela imprensa alemã. E a reprovação foi ainda maior ao ver a escalação de sua equipe para enfrentar a poderosa Hungria. Seu time estava sem seis titulares: o goleiro Turek, o meia Mai e os atacantes Klodt, Morlock, Ottmar Walter e Schäfer. Além disso, Posipal e Eckel atuaram fora de suas posições. O que ninguém sabia é que essa escalação era parte dos planos de Herberger. Ele havia entendido muito bem o regulamento. Prevendo uma derrota para os magiares [na verdade, todos previam], ele poupou vários titulares para o jogo desempate, novamente contra a Turquia.
(Imagem: Pinterest)
● Contra o time misto da Alemanha, a Hungria fez o de sempre: abriu dois gols de diferença em menos de 20 minutos e foi empilhando gols com o passar do tempo. Parecia mais um amistoso ou um jogo treino. Os alemães demonstraram pouca resistência.
Logo aos três minutos, escanteio cobrado para a pequena área alemã. O goleiro Kwiatkowski cortou mal pelo alto e Kocsis pegou de primeira, acertando o ângulo direito.
Aos 17, Puskás avança, entrou na área pelo lado direito do ataque e tocou por baixo de Kwiatkowski.
Ainda aos 21, Puskás driblou um adversário e serviu Kocsis. Da marca do pênalti, o artilheiro finaliza de primeira, no contrapé do goleiro.
A Alemanha diminuiu aos 25 minutos do primeiro tempo. Pfaff recebeu dentro da área e tocou à esquerda de Grosics.
A Hungria voltou com tudo no segundo tempo. Aos cinco minutos, Puskás chutou, a bola rebateu na defesa alemã e sobrou para Hidegkuti, que chutou por baixo do goleiro.
Quatro minutos depois, de novo Hidegkuti. Ele recebeu na área, driblou Kohlmeyer e tocou no canto esquerdo de Kwiatkowski.
Aos 15 do segundo tempo, aconteceu um lance que mudaria a história da Copa. O zagueiro Werner Liebrich acertou Ferenc Puskás por trás e lesionou seriamente seu tornozelo esquerdo. O craque teve que ser retirado de campo e a Hungria ficou com dez homens em campo. Era a terceira tentativa de agressão sem bola de Liebrich em Puskás. A conivente arbitragem do inglês William Ling permitiu a “caçada” a Puskás.
Mas a Hungria não parava. Aos 22, Kocsis avançou absolutamente livre, entrou na área e tocou no canto direito. 6 a 1.
Aos 28 minutos, József Tóth arrancou pela direita e, mesmo marcado por Liebrich, chutou no ângulo esquerdo.
O segundo gol alemão veio aos 32, quando Helmut Rahn recebeu pela ponta direita. Grosics saiu como um louco e foi driblado por Rahn, perto da linha de fundo. Rahn ainda passou por Lantos e bateu por cobertura, fazendo um lindo gol e demonstrando toda sua qualidade.
No minuto seguinte, Kocsis desviou um cruzamento e a bola passou por baixo do goleiro.
O placar foi alterado pela última vez aos 36 minutos da segunda etapa. Lançamento para a área da Hungria. A bola passa por Grosics e Herrmann só complemente para o gol vazio.
(Imagem: Pinterest)
● Resultado final: o massacre de 8 a 3 da Hungria sobre a Alemanha só não foi maior do que a ausência do contundido capitão magiar Ferenc Puskás nas partidas seguintes. Muito provavelmente, ele estaria fora do restante da Copa.
No fim, a estratégia de Sepp Herberger deu certo. No jogo desempate, a Alemanha Ocidental goleou a Turquia por 7 a 2 e se classificou para as quartas de final, seguindo firme na disputa da Copa do Mundo.
Além da variação no sistema tático, outro fator de grande destaque na equipe húngara era a preparação física. Pouco antes das partidas, os jogadores faziam aquecimento, o que era inédito na época. Enquanto o oponente ainda estava frio, a Hungria começava seus jogos de forma arrasadora. Dos cinco jogos que disputou na Copa, em quatro os magiares abriram dois gols de vantagem nos primeiros vinte minutos (a exceção foi a semifinal contra o Uruguai, na qual marcou apenas um gol no início).
● FICHA TÉCNICA: |
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HUNGRIA 8 x 3 ALEMANHA OCIDENTAL |
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Data: 20/06/1954 Horário: 16h50 locais Estádio: St. Jakob Público: 56.000 Cidade: Basileia (Suíça) Árbitro: William Ling (Inglaterra) |
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HUNGRIA (4-2-4): |
ALEMANHA (WM): |
1 Gyula Grosics (G) |
22 Heinz Kwiatkowski (G) |
2 Jenő Buzánszky |
4 Hans Bauer |
3 Gyula Lóránt |
10 Werner Liebrich |
4 Mihály Lantos |
3 Werner Kohlmeyer |
7 Josef Posipal |
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6 József Zakariás |
9 Paul Mebus |
7 József Tóth |
12 Helmut Rahn |
8 Sándor Kocsis |
6 Horst Eckel |
9 Nándor Hidegkuti |
19 Alfred Pfaff |
10 Ferenc Puskás (C) |
16 Fritz Walter (C) |
11 Zoltán Czibor |
17 Richard Herrmann |
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Técnico: Gusztáv Sebes |
Técnico: Sepp Herberger |
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SUPLENTES: |
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21 Sándor Gellér (G) |
1 Toni Turek (G) |
22 Géza Gulyás (G) |
21 Heinz Kubsch (G) |
12 Béla Kárpáti |
5 Herbert Erhardt |
13 Pál Várhidi |
2 Fritz Laband |
14 Imre Kovács |
11 Karl-Heinz Metzner |
15 Ferenc Szojka |
8 Karl Mai |
16 László Budai |
14 Bernhard Klodt |
17 Ferenc Machos |
18 Ulrich Biesinger |
18 Lajos Csordás |
13 Max Morlock |
19 Péter Palotás |
15 Ottmar Walter |
20 Mihály Tóth |
20 Hans Schäfer |
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GOLS: |
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3′ Sándor Kocsis (HUN) |
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17′ Ferenc Puskás (HUN) |
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21′ Sándor Kocsis (HUN) |
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25′ Alfred Pfaff (ALE) |
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50′ Nándor Hidegkuti (HUN) |
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54′ Nándor Hidegkuti (HUN) |
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67′ Sándor Kocsis (HUN) |
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73′ József Tóth (HUN) |
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77′ Helmut Rahn (ALE) |
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78′ Sándor Kocsis (HUN) |
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81′ Richard Herrmann (ALE) |
Lances da partida:
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