Três pontos sobre…
… 01/07/1990 – Inglaterra 3 x 2 Camarões
● A seleção de Camarões havia sido uma grande surpresa em 1982, quando debutou na Copa do Mundo e terminou invicta. Oito anos depois, voltava a disputar um Mundial. Quatro eram os atletas remanescentes: os goleiros Thomas N’Kono e Joseph-Antoine Bell, o zagueiro Emmanuel Kundé e o atacante Roger Milla.
Com 38 anos, o “velhinho” Milla havia se retirado da seleção em 1988 e estava à beira da aposentadoria. Mas recebeu um convite do presidente de Camarões, Paul Biya (seu amigo pessoal) e retornou à convocatória dos Leões Indomáveis para disputar o Mundial de 1990. Sem o mesmo fôlego dos garotos, Milla normalmente entrava nas partidas no início do segundo tempo. Ainda sim, anotou quatro gols durante a competição e se tornou um dos destaques da Copa.
Com o objetivo de profissionalizar a seleção, a federação camaronesa montou uma eficiente estrutura, além de trazer o técnico soviético Valery Nepomnyashchy, ex-auxiliar do treinador da URSS Valeriy Lobanovskyi. Apreciador dos métodos de seu mestre, Nepomnyashchy tratou de misturar o talento natural dos africanos a um sistema tático mais rigoroso, mas sem deixar de potencializar a técnica.
Camarões foi líder do difícil e equilibrado Grupo B. Estreou vencendo por 1 x 0 a campeã mundial Argentina, de Diego Maradona. Depois, bateu a Romênia, do maestro Gheorghe Hagi, por 2 x 1. Já classificado, foi goleado por 4 x 0 pela União Soviética, campeã olímpica dois anos antes. A Colômbia foi a adversária nas oitavas de final, em uma partida histórica. Roger Milla fez dois gols na prorrogação, um deles ao roubar a bola do goleiro René Higuita, que tentou sair driblando. O placar de 2 x 1 sobre os cafeteros garantiu Camarões como a primeira seleção africana da história a chegar às quartas de final da Copa do Mundo.
A seleção de Camarões era considerada o “segundo time” de todos os torcedores que assistiram à Copa do Mundo de 1990. Muito por ser novidade, mas mais ainda pelo futebol bonito que havia sido apresentado até então. Os otimistas acreditavam que os africanos pudessem surpreender o bom time da Inglaterra.
Embora jogasse bonito, os africanos também eram muito duros na marcação. Comumente, até apelavam para a violência. Por isso o time tinha quatro importantes desfalques para o duelo diante dos ingleses, todos por terem recebido o segundo cartão amarelo no Mundial: os zagueiros Victor N’Dip e Jules Onana, o volante André Kana-Biyik e o meia Émile Mbouh.
● A seleção inglesa chegava com uma grande invencibilidade pré-Copa – inclusive com uma vitória sobre o Brasil por 1 x 0. O experiente técnico Bobby Robson soube montar um time que acabou com a histórica desconfiança dos torcedores e era considerado um dos favoritos ao título.
Gary Lineker continuava sendo o responsável pelos gols, mas o grande queridinho da torcida era o meia Paul Gascoigne. Com tamanha elegância em campo, ele nem parecia um inglês. Mas Gazza não agradava totalmente ao técnico por usa indisciplina tática, embora compensasse com o seu talento. Ambos demonstravam na seleção o entrosamento que adquiriram jogando juntos no Tottenham.
Outro destaque era o meia driblador Chris Waddle, que atravessava excelente fase no Olympique de Marselha. A experiência em campo vinha do ótimo goleiro Peter Shilton e seus 40 anos. A surpresa na convocação foi o explosivo atacante Steve Bull, artilheiro do Wolverhampton, que estava na terceira divisão inglesa na época. A grande ausência era o capitão Bryan Robson, que ainda não havia se recuperado totalmente de uma cirurgia de hérnia.
Pelo Grupo F, a Inglaterra estreou empatando com a Irlanda (1 x 1) e a Holanda (0 x 0). Uma vitória simples (1 x 0) sobre o Egito garantiu o English Team no primeiro lugar da chave. Nas oitavas de final, um gol de David Platt no último minuto da prorrogação valeu a vitória sobre a Bélgica (1 x 0).
O English Team se preparou para as oitavas de final sabendo o perigo que corria ao enfrentar os fortes e arrojados camaroneses.
Na teoria, o time escalado por Bobby Robson era um 3-5-2. Mas, na prática, se defendia no 5-4-1, deixando apenas Lineker na frente. Quando atacava, os alas se apresentavam bem, os meias apareciam no ataque e Barnes e Waddle avançavam como pontas, formando um 3-4-3.
No papel, o técnico soviético Valery Nepomnyashchy escalou seu time em uma espécie de 4-4-2. Sem a bola, Emmanuel Kundé se transformava em líbero e o time se defendia no 4-5-1. Com a bola, os meias avançavam em velocidade e o time se formava no 4-3-3. No ataque, Omam-Biyik recebia a companhia de Roger Milla no segundo tempo de todas as partidas.
● Inglaterra e Camarões fizeram o melhor jogo da etapa das quartas de final da Copa do Mundo de 1990, na Itália.
Mais de 55 mil expectadores se fizeram presentes no estádio San Paolo, em Nápoles.
Camarões teve a chance de abrir o placar e só não o fez porque Shilton salvou um chute cara a cara com François Omam-Biyik.
Aos 25 minutos de jogo, David Platt abriu o placar. Stuart Pearce avançou pela esquerda e cruzou pelo alto. Platt apareceu sozinho na pequena área e cabeceou firme para baixo. A bola passou entre as pernas do goleiro Thomas N’Kono, que havia saltado para fechar o ângulo. Foi o segundo gol do camisa 17 na Copa de 1990.
Mas, como era de praxe, Roger Milla entrou no intervalo para mudar o rumo da partida. O “vovô” camaronês era a arma secreta – nem tão secreta assim.
Aos 16′ da etapa final, ele recebeu passe dentro da área, protegeu com o corpo e foi derrubado por Gascoigne. O líbero Emmanuel Kundé bateu com precisão e a bola foi no ângulo esquerdo de Peter Shilton – que até acertou o canto, mas não conseguiu pegar.
Quatro minutos depois, Milla viu a infiltração de Eugène Ekéké e fez o passe com precisão para o meio da área. Ekéké só deu um toque por cima para tirar o goleiro da jogada. Era a virada camaronesa.
Em sua ampla maioria, a torcida napolitana era para os azarões africanos.
Depois, os camaroneses passaram a abusar das firulas e jogadas de efeito, mas sem efetividade. “A bola pune”, como diria Muricy Ramalho.
A sete minutos do fim, Paul Parker interceptou um lançamento já na intermediária ofensiva e Mark Wright ajeitou para Gary Lineker. Dentro da área, o atacante inglês deu um corte em Benjamin Massing e foi derrubado. O próprio Lineker bateu o pênalti à meia altura no canto esquerdo, deslocando o goleiro Thomas N’Kono, que pulou para a direita.
Camarões ainda teve uma última chance. Ekéké tocou para Cyrille Makanaky. Ele invadiu a área, deixou Pearce no chão, mas foi travado em cima da hora por Trevor Steven.
Com o placar igual no tempo normal, o jogo foi definido na prorrogação.
O líbero Mark Wright se machucou em um choque de cabeça acidental com Roger Milla e voltou ao jogo com uma caixa amarrada na cabeça. Ele cortou o supercílio esquerdo.
Os Leões Indomáveis farejam sangue e foram para cima dos Three Lions. Makanaky fez boa jogada pelo lado direito, passou por Pearce e cruzou. Wright tirou a bola da cabeça de Ekéké. Ela subiu, François Omam-Biyik ganhou no alto de Des Walker e cabeceou, mas Shilton segurou firme.
No fim do primeiro tempo extra, Gascoigne fez um passe magistral. Lineker arrancou sozinho e foi derrubado dentro da área em dividida com Massing e N’Kono. Outra penalidade. Dessa vez, Lineker encheu o pé no meio do gol e N’Kono caiu para o lado esquerdo. Nova virada no marcador, dessa vez em definitivo, a favor dos ingleses.
De forma dramática, a Inglaterra segurou o 3 x 2 e se classificou.
O técnico Bobby Robson, que sempre tratou Paul Gascoigne como uma bomba relógio prestes a explodir – o que de fato era – se abraçou forte com o jogador após o apito final.
Com exceção dos ingleses, todos lamentavam a queda do time que ousou enfrentar seus adversários com criatividade e alegria – e uma pitada de irresponsabilidade, que acabou lhe custando a vaga nas semifinais.
Mas os camaroneses não se sentiram derrotados. Foram aplaudidos de pé e deram a volta olímpica no estádio San Paolo.
Roger Milla e seus companheiros já tinham entrado para a história das Copas.
● A arbitragem do mexicano Edgardo Codesal foi bastante elogiada pela imprensa internacional, principalmente pela coragem em marcar três pênaltis em um mesmo jogo (todos existentes), algo difícil de acontecer. Por causa dessa atuação, ele acabaria sendo indicado para apitar a final da Copa – quando não foi muito bem e apitou um pênalti bastante polêmico.
Na semifinal, a Inglaterra encontrou seus dois algozes que se tornariam históricos dali adiante: as decisões por pênaltis e a Alemanha Ocidental. O empate por 1 x 1 no tempo normal se manteve na prorrogação. Na decisão por penalidades, os erros de Stuart Pearce e Chris Waddle impediram que os britânicos voltassem a disputar uma final, com a derrota por 4 x 3. Na decisão do 3º lugar, a Inglaterra perdeu por 2 x 1 para a anfitriã Itália.
Curiosamente, o filho mais velho do goleiro italiano Gianluigi Buffon se chama Thomas, em homenagem ao goleiro camaronês Thomas N’Kono.
O antigo estádio San Paolo foi renomeado no fim de 2020 para estádio Diego Armando Maradona, maior ídolo da história do Napoli – clube que manda seus jogos no estádio.
(Imagens desse texto: Imortais do Futebol)
● FICHA TÉCNICA: |
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INGLATERRA 3 x 2 CAMARÕES |
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Data: 01/07/1990 Horário: 21h00 locais Estádio: San Paolo Público: 55.205 Cidade: Nápoles (Itália) Árbitro: Edgardo Codesal (México) |
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INGLATERRA (3-6-1): |
CAMARÕES (4-2-3-1): |
1 Peter Shilton (G) |
16 Thomas N’Kono (G) |
12 Paul Parker |
14 Stephen Tataw (C) |
5 Des Walker |
6 Emmanuel Kundé |
14 Mark Wright |
4 Benjamin Massing |
6 Terry Butcher (C) |
5 Bertin Ebwellé |
3 Stuart Pearce |
15 Thomas Libiih |
8 Chris Waddle |
21 Emmanuel Maboang |
17 David Platt |
13 Jean-Claude Pagal |
19 Paul Gascoigne |
10 Louis-Paul M’Fédé |
11 John Barnes |
20 Cyrille Makanaky |
10 Gary Lineker |
7 François Omam-Biyik |
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Técnico: Bobby Robson |
Técnico: Valery Nepomnyashchy |
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SUPLENTES: |
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13 Chris Woods (G) |
22 Jacques Songo’o (G) |
22 Dave Beasant (G) [22 David Seaman (G)] |
1 Joseph-Antoine Bell (G) |
2 Gary Stevens |
17 Victor N’Dip |
15 Tony Dorigo |
3 Jules Onana |
4 Neil Webb |
12 Alphonse Yombi |
16 Steve McMahon |
2 André Kana-Biyik |
18 Steve Hodge |
8 Émile Mbouh |
7 Bryan Robson |
19 Roger Feutmba |
20 Trevor Steven |
11 Eugène Ekéké |
9 Peter Beardsley |
18 Bonaventure Djonkep |
21 Steve Bull |
9 Roger Milla |
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GOLS: |
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25′ David Platt (ING) |
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61′ Emmanuel Kundé (CAM) (pen) |
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65′ Eugène Ekéké (CAM) |
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83′ Gary Lineker (ING) (pen) |
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105′ Gary Lineker (ING) (pen) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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28′ Benjamin Massing (CAM) |
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70′ Stuart Pearce (ING) |
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104′ Thomas N’Kono (CAM) |
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120′ Roger Milla (CAM) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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INTERVALO John Barnes (ING) ↓ |
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Peter Beardsley (ING) ↑ |
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INTERVALO Emmanuel Maboang (CAM) ↓ |
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Roger Milla (CAM) ↑ |
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62′ Louis-Paul M’Fédé (CAM) ↓ |
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Eugène Ekéké (CAM) ↑ |
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73′ Terry Butcher (ING) ↓ |
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Trevor Steven (ING) ↑ |
Melhores momentos da partida (Band):