Três pontos sobre…
… 19/06/1938 – Brasil 4 x 2 Suécia
(Imagem: CBF / Correio da Manhã)
● A bem da verdade, a Suécia chegou tão longe por causa dos “atalhos”. Foi sorteada na chave da Áustria, em jogo que não ocorreu (como contamos detalhadamente aqui). Nas quartas de final, enfrentou a inexpressiva seleção de Cuba e goleou por 8 a 0. E foi reprovada logo em seu primeiro teste, ao perder para a Hungria nas semifinais por 5 a 1. Assim, sem fazer força alguma, a Suécia estava entre os quatro melhores da Copa.
Por sua vez, a Seleção Brasileira só enfrentou adversários com alto grau de dificuldade. Nas oitavas, precisou da prorrogação para bater a Polônia por 6 a 5. Nas quartas, foram necessárias duas partidas para passar pela Tchecoslováquia (1 x 1 no primeiro duelo e 2 x 1 no jogo desempate). Na semi, não contou com Leônidas, mas mesmo assim vendeu caro a derrota por 2 a 1 para a então campeã Itália.
Confiante na vitória sobre a Itália, os dirigentes brasileiros já haviam comprado as passagens aéreas de Marselha a Paris, onde seria a final da Copa. Depois da derrota, tomados pela raiva, os brasileiros se recusaram a ceder as passagens aos italianos – que tiveram de fazer a viagem de trem. Também foi de trem a volta do Brasil para Bordeaux.
Aliás, certamente o Brasil foi a seleção mais prejudicada pelas viagens em toda a história das Copas. Jogou contra a Polônia em Estrasburgo. De lá, viajou 758 quilômetros até Bordeaux para enfrentar a Tchecoslováquia. Depois, andou mais 503 km até Marselha, onde enfrentou a Itália. E, pra encerrar, voltou até Bordeaux (mais 503 km). Ao todo foram 1.764 km, ou seja, quase dois dias em viagem de trem.
Assim, Brasil e Suécia se encontraram na partida que decidiu o 3º lugar da Copa de 1938. Curiosamente, esse jogo ocorreu simultaneamente à final, que foi disputada entre Itália e Hungria.
Leônidas não pôde jogar contra a Itália, mas se recuperou a tempo de atuar contra os suecos.
O Brasil atuava no sistema clássico, o 2-3-5, com muita fragilidade no sistema defensivo.
A Suécia também atuava no 2-3-5, como era comum na época, mas mais obediente taticamente do que o Brasil.
● O que mais chamava a atenção da imprensa estrangeira em relação à Seleção Brasileira na Copa de 1938 foi o abismo entre o alto nível técnico dos jogadores e a disposição tática rudimentar. As duas equipes eram escaladas no sistema clássico, mas a linha de meio-campo brasileira era mais estática, ao invés de ser mais combativa e focar na marcação. Afinal, no esquema 2-3-5, a defesa e o meio campo deveriam ser os responsáveis pela marcação da linha de frente adversária. Mas os médios brasileiros costumavam deixar os zagueiros muito expostos. Um pouco devido às características dos jogadores tupiniquins, mas também por causa da falta de entrosamento e da bagunça feita pelo técnico Ademar Pimenta.
A Suécia era uma equipe que passava muito longe de ter o talento brasileiro, mas era melhor distribuída em campo.
O confronto começou com certo equilíbrio, mas logo o Brasil começou a tomar conta do jogo. E desperdiçou várias oportunidades com Leônidas, Patesko e Roberto.
Aos 28′, Brandão errou o passe, Harry Andersson interceptou e lançou Sven Jonasson, que chutou forte para abrir o placar.
O escrete brasileiro tentou reagir, mas continuou errando muitos gols.
Os nórdicos aproveitaram para marcar o segundo, aos 38′. O perigoso Jonasson avançou pelo lado esquerdo e cruzou para Arne Nyberg, que driblou Machado e finalizou para notar o segundo tento de sua equipe.
No último minuto da etapa inicial, Zezé Procópio lançou Romeu, que driblou dois adversários e chutou para marcar. Esse gol aliviou um pouco a situação e permitiu que o Brasil fosse para o vestiário com menos peso sobre os ombros.
A Seleção voltou para o segundo tempo pressionando em busca do empate e teve a chance logo aos dois minutos. Domingos lançou para Romeu, que passou para Roberto. Ele invadiu a área e foi derrubado por Erik Almgren. O árbitro belga John Langenus assinalou o pênalti. Patesko foi o encarregado da cobrança, mas bateu por cima do gol.
O empate veio aos 18′. Zezé tocou para Romeu (o artífice da criação do ataque brasileiro), que cruzou para a área. Leônidas se antecipou e deu um toquinho para encobrir o goleiro Henock Abrahamsson.
A partir dali, o Brasil passou a ter o controle da partida e os brasileiros, enfim, conseguiram transformar a superioridade técnica em gols.
O terceiro saiu aos 29′. Leônidas fez uma triangulação com Roberto e Romeu pelo lado direito e, contrariando as suas características, chutou de longe para virar o jogo.
A dez minutos do fim, Romeu (sempre ele) trocou passes com Leônidas, que lançou Perácio. O atacante do Botafogo mandou uma bomba de fora da área, sem chances para o goleiro sueco.
Cabe ressaltar que esse foi o único jogo em que Domingos da Guia passou sem cometer algum pênalti. Ele havia cometido três nos três jogos anteriores – justamente pela falta de proteção à defesa.
(Imagem: Pinterest)
● Essa até hoje é a maior virada brasileira na história das Copas.
No fim, ambos os países estavam orgulhosos por terem emplacado suas melhores campanhas em Copas até então.
A classificação final fez nascer no Brasil inteiro um sentimento de orgulho pelo bom desempenho da Seleção.
A delegação chegou de volta ao Rio de Janeiro 15 dias depois e teve uma recepção “apoteótica”, segundo o cronista Thomas Mazzoni, de A Gazeta Esportiva. Antes, o navio Almanzora teve que fazer escalas em Recife e Salvador e a recepção foi igualmente frenética. Na Bahia, um torcedor chegou a roubar o sapato de Leônidas. No Rio, às 15h30 de 02 de julho, o navio iniciou as manobras para atracar no porto e a polícia teve dificuldades para manter o cordão de isolamento que impedia o público de se aproximar do cais.
Em seguida, os jogadores desfilaram em carros abertos pela Avenida Rio Branco. Leônidas era o mais assediado e precisou ser conduzido em um veículo de transportes de soldados do Corpo de Fuzileiros Navais, protegido por uma brigada inteira de militares. Ainda assim, o cortejo não se movia e a polícia teve que fazer uso de força para que o público deixasse o desfile acontecer. A alegria era tamanha que os torcedores esqueceram todas as críticas anteriores. Até o técnico foi aplaudido e carregado pela multidão.
Como sempre, as autoridades políticas fizeram questão de posar para fotos com os jogadores, especialmente os mais populares segundo um concurso feito na época pelo Cigarro Magnólia: Leônidas, Domingos da Guia e Romeu.
Leônidas da Silva foi o artilheiro do certame com sete gols, sendo o único brasileiro a marcar gols em todas as partidas que disputou em Copas (fez um gol também em 1934). Aproveitando-se da popularidade de Leônidas, a Lacta lançou a barra de chocolate “Diamante Negro”, em referência ao apelido que o craque tinha recebido dos uruguaios em 1932.
A multidão se aglomera para receber a delegação brasileira (Imagem: CBF / Correio da Manhã)
● FICHA TÉCNICA: |
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BRASIL 4 x 2 SUÉCIA |
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Data: 19/06/1938 Horário: 17h00 locais Estádio: Parc Lescure Público: 12.000 Cidade: Bordeaux (França) Árbitro: John Langenus (Bélgica) |
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BRASIL (2-3-5): |
SUÉCIA (2-3-5): |
Walter (G) |
Henock Abrahamsson (G) |
Ivar Eriksson |
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Machado |
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Zezé Procópio |
Erik Almgren |
Brandão |
Arne Linderholm |
Afonsinho |
Kurt Svanström (C) |
Roberto |
Åke Andersson |
Romeu Pellicciari |
Sven Jonasson |
Leônidas da Silva (C) |
Arne Nyberg |
Perácio |
Harry Andersson |
Erik Persson |
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Técnico: Ademar Pimenta |
Técnico: József Nagy |
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SUPLENTES: |
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Batatais (G) |
Gustav Sjöberg (G) |
Jaú |
Olle Källgren |
Nariz |
Harry Nilsson |
Britto |
Sven Jacobsson |
Martim Silveira |
Karl-Erik Grahn |
Argemiro |
Curt Bergsten |
Lopes |
Lennart Bunke |
Knut Hansson |
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Niginho |
Tore Keller |
Tim |
Sven Unger |
Hércules |
Gustav Wetterström |
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GOLS: |
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28′ Sven Jonasson (SUE) |
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38′ Arne Nyberg (SUE) |
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44′ Romeu Pellicciari (BRA) |
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63′ Leônidas da Silva (BRA) |
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74′ Leônidas da Silva (BRA) |
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80′ Perácio (BRA) |
Imagens da partida: