Três pontos sobre…
… 10/07/1994 – Bulgária 2 x 1 Alemanha
(Imagem: Getty Images)
● Recém unificada, a Alemanha vinha de três finais de Copa do Mundo consecutivas (1982, 1986 e 1990) e chegou ao Mundial de 1994 com um time ainda melhor do que o campeão quatro anos antes. O técnico era Berti Vogts, que havia sido auxiliar de Franz Beckenbauer entre 1986 e 1990. O time base era praticamente o mesmo, reforçado com atletas que vinham da antiga Alemanha Oriental, como o meio campo Matthias Sammer e o centroavante Ulf Kirsten. Com isso, os alemães eram os maiores favoritos à conquista da Copa, ao lado de Brasil e Argentina.
O bom goleiro Bodo Illgner era garantia de segurança na meta. A defesa tinha Jürgen Kohler, com o craque Lothar Matthäus jogando como líbero. Thomas Helmer e Guido Buchwald se revezavam nas posições de zagueiro e volante. O interminável Thomas Berthold jogava pela direita e Martin Wagner era o ala pela esquerda. O rápido e criativo Thomas Häßler era o armador pela direita e o habilidoso Andreas Möller era o meia pela esquerda – diante dos búlgaros, eles inverteram a posição. O ataque era o mesmo de 1990: o oportunista Jürgen Klinsmann e o matador Rudi Völler. No banco, destaques para o jovem goleiro Oliver Kahn, veterano Andreas Brehme e o artilheiro Karl-Heinz Riedle.
Na estreia, uma frustrante vitória por um magro 1 x 0 sobre a frágil Bolívia começou a levantar suspeitas sobre a capacidade dos alemães. E tudo ficou ainda pior depois do empate em 1 x 1 com a mediana seleção da Espanha. Na terceira partida, a Mannschaft estava vencendo a Coreia do Sul por 3 x 0 e deixou os asiáticos diminuírem para 3 x 2. Nesse jogo, os germânicos suaram frio para manter a vitória, apesar dos 46º C – a maior temperatura já registrada em um jogo de Copa. Aos 30′ do segundo tempo dessa partida, o meia Stefan Effenberg foi substituído e mostrou o “dedo médio” para os torcedores que o cobriam de vaias. No dia seguinte, Vogts expulsou o meia da delegação. Nas oitavas de final, venceu a Bélgica por 3 x 2, com a dupla de ataque sendo decisiva, com dois gols de Völler e um de Klinsmann. O favoritismo era enorme diante dos búlgaros.
(Imagem: Getty Images)
● Na época, a Bulgária ocupava a obscura 31º colocação no ranking da FIFA. Se qualificou em segundo lugar no grupo 6 das eliminatórias europeias, um ponto atrás da Suécia. A classificação veio em uma vitória de virada sobre a França em pleno estádio Parc des Princes. Eric Cantona abriu o placar, mas Emil Kostadinov marcou dois gols, sendo o segundo no último lance da partida. O milagre búlgaro começava em Paris.
Os Demônios da Europa (apelido da seleção búlgara) viajaram aos Estados Unidos com o melhor elenco de sua história. O goleiro era o experiente capitão Borislav Mikhailov. No miolo de zaga, Petar Hubchev era o escudeiro do lendário Trifon Ivanov, o “Lobo Búlgaro”. Na lateral direita, Iliyan Kiryakov ganhou a vaga do ex-titular Emil Kremenliev. Tsanko Tsvetanov era o lateral esquerdo. Zlatko Yankov era o único volante do time. A criatividade ficava por conta dos meias Yordan Letchkov e Krasimir Balakov. O ataque tinha Nasko Sirakov pelo centro, sempre se movimentando para abrir espaços para Emil Kostadinov pela direita e para o genial Hristo Stoichkov pela esquerda. No banco, destaque para os meias Daniel Borimirov e Ivaylo Yordanov. A ausência sentida era do atacante Lyuboslav Penev, que havia marcado três gols nas eliminatórias, mas precisou se afastar do futebol no início de 1994 após descobrir um câncer no testículo (ele retomaria a carreira com sucesso meses depois).
Mesmo com uma boa equipe, os búlgaros chegavam ao Mundial com um retrospecto desolador. Em cinco participações anteriores e 16 partidas disputadas, a Bulgária nunca tinha vencido um único jogo em Copas do Mundo (10 derrotas e 6 empates). Nada dizia que seria diferente em 1994, ao ser goleada logo na estreia pela Nigéria por 3 a 0. Mas a partir do segundo jogo, tudo mudou. Vitórias sobre a Grécia por 4 x 0 e Argentina (já sem Maradona) por 2 x 0 garantiram os balcânicos na segunda colocação do Grupo D. Nas oitavas de final, empatou com o México no tempo normal por 1 x 1 e venceu por 3 x 1 na decisão por pênaltis, quando o goleiro Mikhailov defendeu duas cobranças para dar a vaga nas quartas de final ao seu país, onde enfrentaria a favoritíssima Alemanha.
(Imagem: Twitter @FIFAWorldCup)
● Mas, pelo que ambos vinham jogando, uma vitória búlgara não seria a maior zebra do mundo. A seleção treinada pelo ex-zagueiro Dimitar Penev estava em evolução. E o favoritismo dos alemães era apenas pelo histórico, pelos jogadores mais renomados e pela “Mentalität” – a mentalidade vencedora natural e própria dos alemães, um conceito da pseudociência protonazista da superioridade do estado mental alemão, que foi amplamente utilizado pelos técnicos do futebol do país para conseguirem fazer seu time se sobressair nas maiores vitórias de sua história, especialmente por Sepp Herberger diante da Hungria em 1954 e por Helmut Schön diante da Holanda em 1974.
Mas a Alemanha chegava cheia de problemas para a partida, principalmente no meio de campo. Effenberg já não estava mais no elenco. Mário Basler havia pedido dispensa para cuidar da esposa que vivia complicações na gravidez. Matthias Sammer estava sofrendo com lesões (como quase sempre). Assim, Berti Vogts precisou apostar na recuperação física de Lothar Matthäus e pelo fim do imbróglio contratual de Thomas Häßler com a Roma.
Pelo lado búlgaro, o elenco comemorava uma vitória fora do campo. Depois de uma longa queda de braço, os dirigentes da federação do país aceitaram pagar um prêmio de US$ 15 mil a cada jogador em caso de vitória sobre a Alemanha. “O assunto está resolvido. Domingo, vamos vencer”, assegurava o otimista Hristo Stoichkov.
A Bulgária jogava em um misto de 4-4-2 (quando se defendia) e 4-3-3 (quando atacava).
A Alemanha jogava em seu tradicional 3-5-2, com Matthäus como líbero.
● A partida ocorreu no Giants Stadium, em East Rutherford, mesmo palco em que a Bulgária havia eliminado o México cinco dias antes.
A Bulgária começou a partida de forma mais cautelosa, na defesa. E a Alemanha não conseguiu criar nenhuma chance clara nos primeiros minutos. Era um duelo equilibrado. Mas aos poucos os dois times foram se soltando.
O primeiro lance de perigo foi quando Stoichkov invadiu a área pela direita e rolou para trás, mas Balakov acertou o pé da trave.
Mas os alemães responderam à altura com ataques verticais. Häßler bateu de longe e Mikhailov segurou com tranquilidade.
Häßler jogou muita bola naquele dia. Ele cruzou da direita e Klinsmann finalizou com um peixinho à queima-roupa que Mikhailov defendeu em cima da linha.
Klinsmann ganhou uma dividida e tocou para Völler, que deixou Ivanov sentado após um drible e chutou fraco para fora.
Illgner saiu jogando com Möller, que tocou para Buchwald, que deixou com Matthäus. Da linha central, o camisa 10 fez um lançamento preciso para a grande área. Klinsmann virou batendo bonito, mas a bola foi por cima do gol.
Nos primeiros 45 minutos, os alemães tiveram uma ligeira superioridade, mas o placar se mantinha zerado. Mas tudo mudou na volta do intervalo.
Logo no primeiro lance do segundo tempo, Wagner fez o lançamento de sua intermediária, Buchwald ganhou de cabeça de Ivanov e Klinsmann dominou dentro da área. Esperto, ele esperou o contato de Letchkov e se jogou. O árbitro colombiano José Torres Cadena marcou a penalidade. Lothar Matthäus bateu com categoria. Ele esperou Mikhailov pular para o lado direito e bateu firme à meia altura no canto esquerdo. Alemanha, 1 a 0.
Mas, apenas seis minutos depois, o ala esquerdo Martin Wagner sofreu um choque de cabeça, ficou desacordado e teve que sair para a entrada de Thomas Strunz. Wagner estava muito bem na partida e sua saída desestruturou a defesa alemã e deixou o meio campo mais lento.
Com isso, liderada por Balakov, a Bulgária passou a coordenar as ações no meio e a jogar no campo de ataque.
Mesmo com a pressão búlgara, a Alemanha teve chances de matar a partida antes da metade do segundo tempo.
Häßler deu um belo chute de fora da área e Mikhailov salvou com a ponta dos dedos.
Aos 28′, Thomas Häßler – sempre ele – dominou pela ponta esquerda, cortou para o meio e tocou para Möller. Da entrada da área, o camisa 7 chutou na trave. Na sobra, Völler dominou e bateu para o gol vazio, mas a arbitragem já havia sinalizado o impedimento do centroavante alemão.
(Imagem: Rick Stewart / All Sport)
Assim como nas partidas anteriores, os alemães sofreram muito com o calor do meio-dia e pregaram no segundo tempo. E, como diz aquele velho ditado: “Quem não faz…”
Yankov abriu na direita com Kiryakov, que cruzou. A bola desviou em Thomas Strunz e foi pela linha de fundo. Balakov bateu o córner e Buchwald escorou de cabeça para fora da área. Stoichkov dominou de costas e cavou a falta, após receber o contato de Möller. A bola estava posicionada um pouco à direita da meia lua, em lugar perfeito para a canhota calibrada do camisa 8. Hristo Stoichkov bateu com perfeição e a bola encobriu a barreira. Bodo Illgner nem se mexeu. Era o merecido empate, a quinze minutos do fim.
“Na hora em que ajeitei a bola para bater a falta, me lembrei que era o dia do aniversário da minha filha, Michaela. Ela está fazendo seis anos e, em questão de segundos, pensei que um gol seria uma grande lembrança para ela ter em sua vida. Aí me concentrei e chutei. Não houve nada de especial. A bola simplesmente foi direto para o gol.” ― Hristo Stoichkov
A mãe do astro do Barcelona teve um princípio de infarto ao assistir pela TV o golaço do filho.
A Bulgária se empolgou com o empate e continuou no ataque. E a virada veio três minutos depois.
Möller errou o passe no campo de ataque. Sirakov interceptou e abriu na ponta direita para Kostadinov, mas Matthäus estava na marcação e mandou pela linha de fundo. Balakov novamente bateu o escanteio e Matthäus escorou para a linha lateral. Kiryakov cobrou rápido para Kostadinov, que devolveu. Kiryakov viu a aproximação de Yankov e deixou com o volante, que cortou a marcação de Berthold e cruzou para a área. Yordan Letchkov apareceu como um raio, ganhou no alto do baixinho Häßler e meteu a careca na bola, que encobriu o goleiro Illgner. Lechkov jogava no Hamburgo, da Alemanha, e recebeu ameaças de morte após voltar ao país.
Berti Vogts ainda tentou apelar para a estrela do veterano Andreas Brehme, mas não teve sucesso.
Dimitar Penev foi suicida e tirou seus dois atacantes Stoichkov e Kostadinov para a entrada de Yordanov (meia) e Boncho Genchev (zagueiro). O treinador búlgaro apostou em fechar os espaços, mas estaria sem poder de fogo em uma eventual prorrogação – que não ocorreu.
A Alemanha ainda pressionou, mas a Bulgária resistiu firme e garantiu a inédita classificação para as semifinais.
Nos últimos instantes do jogo, Brehme cruzou da esquerda e Rudi Völler tentou imitar Maradona fazendo um gol de mão, mas não foi tão discreto e acabou recebendo um cartão amarelo muito bem aplicado.
(Imagem: Pinterest)
● A Alemanha estava fora da Copa. O futebol búlgaro já não era mais zebra e tinha que ser respeitado.
A festa na capital Sófia foi enorme, com milhares de pessoas nas ruas para comemorar a maior vitória da história do país no futebol.
“Há um Cristo no céu e um Hristo na terra.” ― Hristo Stoichkov
“É justo a equipe jogar em torno de mim. Sou o melhor do time.” ― Hristo Stoichkov
“No início do jogo contra a Alemanha, o time estava psicologicamente bem, muito calmo e com a mente aberta, porque não tínhamos nada a perder, só a ganhar. E, no final, ganhamos.” ― Krasimir Balakov
Nessa partida, Lothar Matthäus completou 21 partidas em Copas do Mundo, se igualando ao polonês Władysław Żmuda e ao argentino Diego Armando Maradona. Na Copa de 1998, Matthäus chegaria a 25 jogos e é o recordista até hoje. O alemão Miroslav Klose tem 24 partidas e o italiano Paolo Maldini tem 23, logo na sequência.
O goleiro e capitão búlgaro Borislav Mikhailov era conhecido por utilizar uma peruca durante os jogos. Ele havia prometido que se a Bulgária passasse pela Itália na semifinal, jogaria sua peruca para a torcida na comemoração. Mas o sonho búlgaro ruiu diante de um iluminado Roberto Baggio e a Itália venceu por 2 x 1. Na decisão do 3º lugar, a desmotivada Bulgária perdeu para a Suécia por 4 x 0. Mas já tinha superado as expectativas até dos mais otimistas e entrado para a história como uma das seleções mais adoradas dos últimos tempos pelos amantes do futebol.
(Imagem: Bundesliga Classic)
● FICHA TÉCNICA: |
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BULGÁRIA 2 x 1 ALEMANHA |
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Data: 10/07/1994 Horário: 12h00 locais Estádio: Giants Stadium Público: 72.000 Cidade: East Rutherford (Estados Unidos) Árbitro: José Torres Cadena (Colômbia) |
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BULGÁRIA (4-3-3): |
ALEMANHA (3-5-2): |
1 Borislav Mikhailov (G)(C) |
1 Bodo Illgner (G) |
16 Iliyan Kiryakov |
4 Jürgen Kohler |
3 Trifon Ivanov |
10 Lothar Matthäus (C) |
5 Petar Hubchev |
5 Thomas Helmer |
4 Tsanko Tsvetanov |
14 Thomas Berthold |
6 Zlatko Yankov |
6 Guido Buchwald |
9 Yordan Letchkov |
8 Thomas Häßler |
20 Krasimir Balakov |
7 Andreas Möller |
10 Nasko Sirakov |
17 Martin Wagner |
8 Hristo Stoichkov |
18 Jürgen Klinsmann |
7 Emil Kostadinov |
13 Rudi Völler |
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Técnico: Dimitar Penev |
Técnico: Berti Vogts |
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SUPLENTES: |
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12 Plamen Nikolov (G) |
12 Andreas Köpke (G) |
2 Emil Kremenliev |
22 Oliver Kahn (G) |
15 Nikolay Iliev |
16 Matthias Sammer |
11 Daniel Borimirov |
3 Andreas Brehme |
14 Boncho Genchev |
2 Thomas Strunz |
19 Georgi Georgiev |
20 Stefan Effenberg |
13 Ivaylo Yordanov |
15 Maurizio Gaudino |
17 Petar Mihtarski |
21 Mario Basler |
18 Petar Aleksandrov |
11 Stefan Kuntz |
21 Velko Yotov |
9 Karl-Heinz Riedle |
22 Ivaylo Andonov |
19 Ulf Kirsten |
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GOLS: |
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47′ Lothar Matthäus (ALE) (pen) |
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75′ Hristo Stoichkov (BUL) |
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78′ Yordan Letchkov (BUL) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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14′ Thomas Helmer (ALE) |
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15′ Martin Wagner (ALE) |
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22′ Trifon Ivanov (BUL) |
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49′ Thomas Häßler (ALE) |
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50′ Jürgen Klinsmann (ALE) |
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82′ Hristo Stoichkov (BUL) |
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85′ Borislav Mikhailov (BUL) |
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89′ Rudi Völler (ALE) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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59′ Martin Wagner (ALE) ↓ |
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Thomas Strunz (ALE) ↑ |
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83′ Thomas Häßler (ALE) ↓ |
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Andreas Brehme (ALE) ↑ |
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85′ Hristo Stoichkov (BUL) ↓ |
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Ivaylo Yordanov (BUL) ↑ |
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90′ Emil Kostadinov (BUL) ↓ |
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Boncho Genchev (BUL) ↑ |
Melhores momentos da partida (Rede Globo):
Segundo tempo completo:
Veja a festa na Bulgária com a chegada da delegação ao país após a Copa do Mundo de 1994:
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