… 21/06/1986 – Brasil 1 x 1 França

Três pontos sobre…
… 21/06/1986 – Brasil 1 x 1 França


(Imagem: Trivela)

● Das quatro partidas das quartas de final, essa era a mais aguardada. Havia Argentina vs. Inglaterra, envolvidas recentemente em uma guerra. Mas, em âmbito esportivo, Brasil e França tinham uma qualidade técnica conjunta muito maior. Para muitos, era o encontro entre os dois melhores times da Copa de 1982. Mas agora, estavam envelhecidos quatro anos e com os elencos parcialmente renovados.

O futebol francês vivia o melhor momento até então, causando uma euforia sem precedentes. Tinha um estilo de jogo moderno para a época e havia amadurecido com as derrotas de 1978 e 1982. Michel Platini, Dominique Rocheteau e Maxime Bossis eram os remanescentes das duas Copas anteriores.

O técnico era Henri Michel, titular do meio campo francês em 1978. Ele foi o comandante do time que conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1984 – curiosamente, sobre o Brasil na final. Fiel seguidor de seu antecessor Michel Hidalgo, ele pouco modificou o sistema tático usado nas Copas anteriores.

Tinha um time muito forte, semifinalista da Copa de 1982 e campeã da Eurocopa de 1984. O maestro Michel Platini vivia o auge da forma. Craque de bola, ele era ao mesmo tempo um armador e um finalizador. Era o arco e a flecha. Foi eleito o Bola de Ouro nos três anos anteriores (1983, 1984 e 1985) pela revista France Football, como melhor jogador da Europa.

Na estreia, a França venceu o Canadá por 1 x 0. Depois, empatou com a União Soviética por 1 x 1 e bateu a Hungria por 3 x 0. Se classificou em 2º lugar no Grupo C, atrás da URSS no saldo de gols (+4, contra +8 dos soviéticos). Nas oitavas de final, venceu a Itália, então campeã do mundo, derrubando uma invencibilidade de sessenta anos dos italianos diante dos franceses.

O Brasil tinha um bom time. Mas o futebol que encantou o mundo em 1982, apareceu apenas em lampejos quatro anos depois. Era o fim de uma geração talentosa, mas já próxima de seu fim. Sócrates começava seu declínio, enquanto Zico estava há um ano sem jogar e Falcão era reserva e já estava nos últimos dias de sua carreira. Na primeira fase, venceu Espanha e Argélia no sufoco, ambas por 1 x 0. Depois, houve uma ingênua impressão de evolução quando venceu a Irlanda do Norte por 3 a 0. Mas mesmo terminando na liderança de seu grupo, com 100% de aproveitamento e sem sofrer gols, a Seleção não empolgou em momento algum. Nas oitavas de final, um alento: goleada sobre a boa seleção polonesa por 4 a 0.


O Brasil atuou no 4-4-2. Júnior e Sócrates eram dois dínamos no meio campo. Os volantes e os laterais também apoiavam com frequência.


A França também jogava no 4-4-2. O destaque era seu quarteto de meio campo, com muita qualidade técnica: Fernández, Tigana, Giresse e Platini.

● O Brasil já começou perdendo no sorteio para escolher campo ou bola e começou atacando para a esquerda das cabines de televisão – ao contrário das quatro partidas anteriores no estádio Jalisco, em Guadalajara, quando começava atacando para a direita. Mas a superstição não entrava em campo.

O primeiro tempo foi de altíssimo nível. A França atacou primeiro. Luis Fernández cruzou e a zaga brasileira rebateu. Platini recolheu, tabelou com Alain Giresse e chutou. A bola foi desviada e sobrou para Manuel Amoros encher o pé de esquerda. Passou bem perto da meta de Carlos.

O Brasil logo reagiu. Müller tocou para Careca no meio e ele deixou Sócrates em condição de finalizar. Cara a cara com o goleiro Bats, o Doutor chutou forte de esquerda, mas o arqueiro francês fechou bem o ângulo. Sócrates apanhou o rebote e lançou Branco na área, mas Jöel Bats dividiu e segurou firme.

Aos 17′, o goleiro Bats chutou a bola para a frente, Josimar recuperou a bola e deixou com Sócrates, que tocou para Elzo. O volante abriu na direita com Josimar. Vários jogadores participam da jogada, com dez trocas de passes precisas, abrindo espaço na defesa francesa, até culminar em uma envolvente tabela entre Müller e Júnior, que passou na medida para Careca sozinho na meia-lua. Ele bateu de primeira e colocou a bola no ângulo esquerdo de Bats.

Era o quinto gol de Careca no Mundial. Ele chegava com tudo para brigar pela artilharia com o inglês Gary Lineker.


(Imagem: Hipólito Pereira / O Globo)

O placar fazia justiça ao futebol apresentado pelo Brasil, que continuou no ataque. Houve um certo domínio e a impressão que venceria com facilidade. Aos 32 minutos, Sócrates lançou para Careca na ponta esquerda. Ele passou por Bossis e, da linha de fundo, cruzou para Müller. O chute do atacante sãopaulino explodiu na trave de Bats. Müller tinha vinte anos e havia sido a revelação do Campeonato Paulista de 1985. Tomou a vaga de Casagrande no time titular a partir da terceira partida, a vitória sobre a Irlanda do Norte por 3 x 0.

A França escapou do nocaute e acabou levando o Brasil para as cordas. Aos poucos, Les Bleus começaram a se arriscar mais no ataque. Não era uma equipe de intensidade física, mas trocava passes com muita inteligência.

Aos 40′, Manuel Amoros avançou e tocou para o meio. Alain Giresse abriu na ponta direita com Dominique Rocheteau, que cruzou rasteiro para a área. A bola desviou em Edinho e passou entre Carlos e Yannick Stopyra, sobrando mansinha para Platini, que só teve o trabalho de completar para o gol vazio, antes da chegada de Josimar. Platini completava 31 anos naquele dia. Foi o primeiro e seria o único gol sofrido por Carlos na Copa.

O equilíbrio e o nível técnico do jogo aumentaram ainda mais no segundo tempo, quando as duas equipes tiveram boas oportunidades para desempatar.

Aos 19′, Tigana tabelou com Rocheteau, invadiu a área e tentou encobrir Carlos, mas o goleiro brasileiro impediu o gol.

Na sequência desse lance houve o contragolpe brasileiro. E Sócrates avançou e entregou para Júnior, que encheu o pé da entrada da área, mas Bats fez a defesa espalmando para frente do jeito que deu.

O calor e a agilidade do jogo começam a cansar os franceses.

Aos 25′, Josimar fez um cruzamento perfeito e Careca cabeceou forte no travessão. Pela segunda fez, a França era salva pela trave.

Com o jogo cada vez mais acelerado, Telê Santana decide usar a carta que tinha na manga e coloca Zico em campo aos 26′. Depois de um ano se recuperando de uma lesão no joelho, o craque do Flamengo voltou a vestir a camisa da Seleção Brasileira. Dois minutos depois de entrar, ele fez um lançamento preciso e precioso para Branco invadir a grande área e ser derrubado por Bats.

Pênalti para o Brasil. Zico não esperava bater. O cobrador oficial era Sócrates, que, na euforia, deixou a incumbência para o Galinho, que ainda estava frio e totalmente sem ritmo de jogo. Aos 33 anos, Zico sabia que aquela seria a sua última chance de conquistar uma Copa e ele não queria desperdiçá-la. E pegou a bola sem tanta confiança. Mas, ao contrário de dezenas de pênaltis que converteu em sua bela carreira, dessa vez ele bateu mal, à meia altura e entre o meio do gol e a trave esquerda: o local mais propício para defesa do goleiro e foi o que aconteceu. Bats saltou e defendeu. Um erro incomum na carreira do Galinho. Certamente foi o pênalti mais dolorido que Zico perdeu na vida. Platini consolou o colega da camisa 10 brasileira.


(Imagem: Sérgio Sade / Veja)

Mas Zico ainda teve outra oportunidade de ouro para matar o jogo aos 43′. Josimar fez mais um cruzamento perfeito da direita e Zico, livre, cabeceou nas mãos de Bats.

O goleiro Bats vivia seu dia de glória. Quatro anos antes, ele lutou e venceu um câncer nos testículos. A poesia foi o refúgio no qual ele encontrou forças para suportar e tratar a doença.

No último minuto, mais uma chance para o Brasil, mas o chute de Josimar passou por cima.

A decisão foi mesmo para a prorrogação. Seriam necessários mais trinta minutos debaixo de um sol escaldante.


(Imagem: Sérgio Sade / Veja)

● E o jogo recomeçou com a França no ataque. Aos 7, Rocheteau arrancou em disparada desde o círculo central, passou por três brasileiros e foi travado por Júlio César. Stopyra pegou a sobra, mas também chutou em cima da defesa. Uma bela jogada de Rocheteau, em sua terceira Copa do Mundo.

O ritmo foi ficando mais lento, favorecendo a troca de passes dos Bleus. Platini passou a aparecer mais no jogo e de seus pés saíam as melhores jogadas francesas.

Aos 11′ do segundo tempo da prorrogação, ele fez um lançamento genial para Bruno Bellone arrancar sozinho e em posição legal. Mas, no desespero, Carlos saiu da área e segurou o atacante francês, que ainda tentou seguir na bola, mas se desequilibrou. Júlio César apareceu e afastou o perigo. O juiz deveria ter expulsado Carlos, mas sequer marcou a falta (que ocorreu fora da área), indicando que havia concedido uma duvidosa lei da vantagem – que acabou não ocorrendo, claro.

Um minuto depois, Careca cruzou rasteiro da ponta direita e a bola passou por Sócrates, dentro da pequena área e com o gol vazio à sua frente. O Doutor perdeu um gol feito. Foi a última oportunidade de um jogo repleto delas.

Mas o destino de Brasil e França seria decido nos tiros livres da marca do pênalti.


(Image: Hipólito Pereira / O Globo)

● O Brasil ganhou o sorteio e começou batendo. Completamente esgotado, Sócrates bateu de forma quase displicente, tomando pouca distância e ensaiando uma paradinha. Mas Bats não se moveu e Sócrates cobrou mal, à meia altura no canto direito, facilitando o trabalho do goleiro francês.

Os cobradores seguintes foram impecáveis. Stopyra bateu alto, no meio do gol e converteu para a França. Alemão bateu no canto esquerdo e fez para o Brasil. Amoros também chutou no canto esquerdo e anotou para a França. Zico se redimiu e marcou o seu: contrariando seu estilo clássico, chutou com raiva, forte, quase no meio do gol – 2 a 2 no placar.

Bruno Bellone contou com a sorte. Sua cobrança bateu no pé da trave esquerda, voltou nas costas do goleiro Carlos foi para o gol. Se Carlos tivesse ficado parado, a França teria desperdiçado a cobrança. Mas o goleiro brasileiro acertou o canto. E a bola, ao voltar da trave, bateu em seu ombro e tomou o rumo do gol.

Os brasileiros discutiram a validade do gol, achando que não valia. Mas foi válido. A FIFA explicaria depois: o cobrador tem direito a um único toque na bola e a cobrança termina quando a bola entra ou não no gol, sendo ou não tocada pelo goleiro – a trave era neutra.

Branco encheu o pé esquerdo e estufou as redes, batendo do meio para direita de Bats.

Platini beijou a bola. Em sua carreira, ele já havia convertido muitos penais em situações decisivas. Mas dessa vez ele errou, mandando a bola por cima. Tudo igual de novo.

O ótimo zagueiro Júlio César (eleito para a Seleção do Mundial, junto com o lateral Josimar) tinha a chance de colocar o Brasil à frente. Ele disparou um canhão, com toda força contida em seu pé direito, mas a bola explodiu na trave.

Luis Fernandéz teve a maior responsabilidade de sua carreira. E ele converteu com enorme categoria, no cantinho direito de Carlos, decretando a eliminação brasileira.

O Brasil, que sofreu apenas um gol em cinco partidas, terminava a Copa invicto e eliminado. Pela segunda vez consecutiva, a França estava nas semifinais.


(Imagem: Trivela)

● Certamente essa foi a melhor partida da Copa de 1986, cumprindo as expectativas. As duas equipes mostraram um futebol refinado, técnico e leal – tanto, que o árbitro não precisou apresentar nenhum cartão nos 120 minutos de bola rolando. “Os dois mereciam ganhar”, afirmou o jornal ABC de Madri.

Assim como em 1978, a Seleção foi eliminada mesmo terminando a competição invicta. No cômputo geral, ficou na 5ª posição.

Carlos ficou com fama de azarado pelo pênalti, mas foi o goleiro menos vazado da competição.

Essa foi a única partida que a Seleção não venceu em Copas disputadas no México. Somando 1970 e 1986, foram 11 jogos, com 10 vitórias e um empate com sabor de derrota.

“Escolhi o Júlio César porque era o melhor nos treinos. E Careca bate mal.” ― Telê Santana, explicando a opção pelo zagueiro nas cobranças de pênaltis.

“Em 1982, eu acertei, mas a França perdeu. Hoje, eu errei, mas nos classificamos. Prefiro assim.” ― Michel Platini.

“Se a Copa do Mundo tivesse sido disputada anualmente entre 1982 e 1986, a França ganharia duas ou três vezes.” ― Michel Platini

Após passar pelo Brasil nas quartas de final, a França perdeu para a Alemanha Ocidental por 2 x 0 nas semifinais. Na decisão do 3º lugar, venceu a Bélgica por 4 x 2.


(Imagem: Pedro Martinelli / Veja)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 1 x 1 FRANÇA

 

Data: 21/06/1986

Horário: 12h00 locais

Estádio: Jalisco

Público: 65.000

Cidade: Guadalajara (México)

Árbitro: Ioan Igna (Romênia)

 

BRASIL (4-4-2):

FRANÇA (4-4-2):

1  Carlos (G)

1  Joël Bats (G)

13 Josimar

2  Manuel Amoros

14 Júlio César

4  Patrick Battiston

4  Edinho (C)

6  Maxime Bossis

17 Branco

8  Thierry Tusseau

19 Elzo

9  Luis Fernández

15 Alemão

14 Jean Tigana

6  Júnior

12 Alain Giresse

18  Sócrates

10 Michel Platini (C)

7  Müller

18 Dominique Rocheteau

9  Careca

19 Yannick Stopyra

 

Técnico: Telê Santana

Técnico: Henri Michel

 

SUPLENTES:

 

 

12 Paulo Vítor (G)

22 Albert Rust (G)

22 Leão (G)

21 Philippe Bergeroo (G)

2  Édson Boaro

5  Michel Bibard

3  Oscar

7  Yvon Le Roux

16 Mauro Galvão

3  William Ayache

5  Falcão

15 Philippe Vercruysse

20 Silas

13 Bernard Genghini

21 Valdo

11 Jean-Marc Ferreri

10 Zico

16 Bruno Bellone

11 Edivaldo

20 Daniel Xuereb

8  Casagrande

17 Jean-Pierre Papin

 

GOLS:

17′ Careca (BRA)

40′ Michel Platini (FRA)

 

SUBSTITUIÇÕES:

71′ Müller (BRA) ↓

Zico (BRA) ↑

 

84′ Alain Giresse (FRA) ↓

Jean-Marc Ferreri (FRA) ↑

 

INÍCIO DA PRORROGAÇÃO Júnior (BRA) ↓

Silas (BRA) ↑

 

99′ Dominique Rocheteau (FRA) ↓

Bruno Bellone (FRA) ↑

 

DECISÃO POR PÊNALTIS:

BRASIL 3

FRANÇA 4

Sócrates (perdeu, à direita, defendido por Joël Bats)

Yannick Stopyra (gol, no alto, no meio do gol)

Alemão (gol, no canto esquerdo)

Manuel Amoros (gol, no canto esquerdo)

Zico (gol, forte, no meio do gol)

Bruno Bellone (gol, na trave esquerda, voltou nas costas do goleiro Carlos e foi para o gol)

Branco (gol, forte, no meio do gol, um pouco à direita de Bats)

Michel Platini (perdeu, por cima do ângulo esquerdo)

Júlio César (perdeu, na trave direita)

Luis Fernández (gol, no canto direito)


(Imagem: Sérgio Sade / Veja)

Melhores momentos da partida:

Jogo completo:

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