… 10/06/1998 – Brasil 2 x 1 Escócia

Três pontos sobre…
… 10/06/1998 – Brasil 2 x 1 Escócia


(Imagem: BBC)

● A Seleção Brasileira vinha de uma sequência inédita de títulos: Copa do Mundo de 1994, Copa América de 1997 (primeira conquista do torneio fora do território nacional) e Copa das Confederações de 1997. Qualquer pessoa que acompanhasse o futebol se encantava com os torpedos de Roberto Carlos, o fôlego interminável de Cafu, a liderança de Dunga, os dribles de Denílson, o poder decisivo de Rivaldo e o encanto da dupla de ataque: Romário e Ronaldo.

Com apenas 21 anos, Ronaldo jogava na Internazionale de Milão e vivia seu auge físico e técnico. Tinha sido eleito o melhor jogador do mundo nos dois anos anteriores. Era chamado na Itália de “Il Fenomeno”.

Por tudo isso, havia uma certeza inquebrantável: era só esperar o dia 12 de julho e ouvir Galvão Bueno gritar pelo penta.

Mas, como sabemos, não seria bem assim.


(Imagem: BBC)

● O maior adversário da Seleção Brasileira no jogo de abertura da Copa do Mundo de 1998 não foi a Escócia: foram os problemas internos. O Château de Grande Romaine, nos arredores de Paris, onde a delegação ficou concentrada, era uma bomba atômica pronta para explodir.

Como na maioria das vezes, a Seleção Brasileira viajou para a Copa do Mundo de 1998 com diversas questões a serem resolvidas. Nos quinze dias que antecederam a partida, treinou pouco e mal. A discórdia foi semeada no plantel e teve problemas médicos com diagnósticos tardios e equivocados. O técnico Zagallo insistiu em variações táticas que não aproveitaram o melhor de seus craques.

Zagallo queria o time com um meio campo em losango, com Dunga mais recuado, César Sampaio ajudando e fechar os espaços e avançando pela direita, e Rivaldo fazendo esse espelho pela esquerda. Sampaio sofria para atacar e Rivaldo para defender. O time até voltou ao 4-4-2 em quadrado, com dois volantes e dos meias armadores. Mas o técnico ainda insistia com o seu famoso “número 1” (veja mais abaixo).


(Imagem: AP)

● Na tentativa de minimizar esses problemas internos, Zico foi contratado para ser o coordenador técnico, uma espécie de elo entre a CBF, a comissão técnica e os jogadores. O Galinho de Quintino usou toda sua experiência e coerência para impor suas ideias e tentar dar o sentido de união necessário para a disputa de um Mundial.

O pior dos obstáculos foi o corte de Romário. A oito dias antes da estreia na Copa, Zico foi o responsável por informar a Romário que ele estava sendo cortado da Seleção. Zico era favorável a manter uma seleção sem jogadores lesionados, com todos inteiros e à disposição. Ele teve o apoio de Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, e ganhou a queda de braço com Zagallo e o Dr. Lídio Toledo. O treinador e o médico queriam manter o Baixinho no grupo. Clinicamente, o craque estaria apto para jogar as fases de mata-mata. Ele garantia que conseguiria suportar as dores na panturrilha e culpou Zico pela sua dispensa. O atacante Romário foi substituído pelo meio campista Emerson.


(Imagem: BBC)

E sem Romário, o caminho da titularidade estava aberto para Edmundo. O Animal estava na grande fase de sua carreira e foi discutivelmente um dos melhores jogadores do mundo no ano anterior, quando “comeu a bola” e levou o Vasco da Gama ao título do Campeonato Brasileiro. Mas Zagallo preferia apostar na experiência de Bebeto, mesmo em uma fase não tão prolífica. Edmundo não suportou a ideia de treinar com o colete dos reservas e, no primeiro coletivo, quase rachou a perna de Júnior Baiano. Após o amistoso com o Athletic Bilbao, bateu boca no vestiário com Ronaldo e com Leonardo. A turma do “deixa-disso” entrou em ação, mas um zagueiro resumiu o pensamento da maioria do elenco: “Não deviam ter trazido esse cara”. A discussão ganhou as páginas dos jornais. Cinco dias antes do jogo, Edmundo deu uma entrevista por telefone na qual afirmou que estava melhor fisicamente e tecnicamente do que Bebeto. Zico entrou na questão e fez o atacante se retratar com todo o grupo.

Além da ausência de Romário, as lesões obrigaram a outras modificações no elenco original. Juninho Paulista nem chegou a estar na lista final por não estar em plena forma física após se recuperar de contusão. André Cruz foi convocado para a vaga de Márcio Santos. O lateral direito Zé Carlos substituiu Flávio Conceição, que seria um coringa como volante e lateral.


O Brasil apostava no talento dos jogadores de frente e nos apoios dos laterais. Jogava no 4-3-1-2. Giovanni era o “número 1”, fazendo a ligação entre meio e ataque, no sistema de Zagallo.


A Escócia jogou no 3-4-3. Sem a bola, Dailly fechava como lateral esquerdo e Jackson fazia o quarto homem de meio campo, em um falso 4-4-2.

● Foi no meio desse turbilhão que o Brasil estreou na Copa. Oitenta mil pessoas lotaram o novíssimo Stade de France, em Saint-Denis, e viram os jogadores brasileiros entrarem em campo de mãos dadas, tentando emular 1994. O time de 1998 tinha mais talento que o do tetra, mas não tinha conjunto. O espírito era outro.

A Escócia não tinha nenhum jogador fora de série, como chegou a ter antigamente, com Denis Law e Kenny Dalglish. Mas possuía muita força física e um meio campo até criativo para os padrões do país.

O jogo mal tinha começado e, logo aos cinco minutos, Bebeto cobrou escanteio na primeira trave. César Sampaio se antecipou à marcação do desdentado Craig Burley e cabeceou meio de têmpora, meio de pescoço, meio de ombro… mas mandou a bola para o gol.

As estreias são naturalmente tensas e difíceis, mas o gol deixou o time brasileiro relaxado. Durante a partida, por varias vezes Ronaldo chamou o capitão escocês Colin Hendry para dançar. Mas Hendry era duro demais e ruim de dança.

Mas a técnica refinada dos brasileiros não conseguia disfarçar os problemas táticos. Giovanni era um grande jogador, mas não se adaptou à função do “número 1” de Zagallo. Os laterais Cafu e Roberto Carlos avançavam muito e os volantes Dunga e César Sampaio, já trintões, não tinham o fôlego o suficiente e demoravam na cobertura.

E em uma dessas falhas na cobertura, Sampaio derrubou Kevin Gallacher na área. Aos 38′, John Collins cobrou pênalti de pé esquerdo e mandou no cantinho direito, sem chance alguma de defesa para Taffarel – que até acertou o canto.

O empate não estava nos planos de Zagallo. Vendo a ineficácia de Giovanni, o técnico aceitou rever seus conceitos e fez o que não tinha costume, mudando tudo no intervalo.


(Imagem: Pinterest)

Aqui cabe um parêntese. Quando Zagallo reassumiu a Seleção Brasileira, após a conquista do tetra, anunciou uma “grande revolução tática de sua autoria” (sic), o sistema 4-3-1-2. Esse jogador chamado por ele de “número 1” não era um meia comum, nem um volante ou atacante, nem o ponta de lança das antigas e muito menos o ponta tradicional. Ele seria um “elo de ligação entre meio campo e ataque”, capaz de ajudar na marcação, na transição ofensiva, aparecer em todos os lugares do campo para trocar passes, servir o ataque e atacar. Nas palavras do técnico, esse jogador seria o “elo de ligação entre o meio campo e o ataque”. Foram testados na “posição”: Djalminha, Leonardo, Amoroso, Denílson, Zinho e Rivaldo. Por motivos diferentes, nenhum passou no teste. O que chegou mais próximo foi Juninho Paulista, que não se recuperou de lesão. Giovanni foi o dono da posição nos primeiros 45 minutos do Mundial. Mas o “número 1” era pura teoria e não sobreviveu à prancheta de Zagallo. No segundo tempo, o treinador trocou Giovanni por Leonardo e o sistema 4-3-1-2 pelo tradicional 4-4-2. Nessa formação, o Brasil atacava menos. Mas o “Velho Lobo” tinha certo apreço por Leonardo, que possuía a mesma disciplina tática de Zagallo quando jogador.

Mas não houve chances para a zebra e o gol da vitória veio aos 28 minutos da etapa complementar. Dunga lançou Cafu nas costas da defesa. Ele entrou na pequena área e tentou encobrir Leighton, mas a bola explodiu no peito do goleiro, que fechou bem o ângulo. O zagueiro Tom Boyd vinha na corrida, a bola bateu em seu peito e tomou o caminho do gol. Um gol contra claro. Mas que teve comemoração efusiva de Cafu, com direito a cambalhota.

As estatísticas históricas contam um início de Copa com o pé direito. Mas o que não está escrito um lugar algum é o quanto os fatores externos afetaram o rendimento do time em campo. Um gol contra da Escócia salvou os três pontos.


(Imagem: The Scottish Sun)

● Essa partida marcou a vitória de número 50 da Seleção Brasileira na história das Copas do Mundo.

O Brasil se tornou a primeira seleção a marcar mais de um gol na primeira partida da Copa desde 1966, quando o “jogo de abertura” foi instituído oficialmente.

Na segunda rodada, a Escócia empatou com a Noruega por 1 x 1. Na última rodada, os escoceses se classificariam se vencesse o Marrocos e a Noruega não vencesse o Brasil. Aconteceu tudo ao contrário. Os nórdicos venceram. E os escoceses foram goleados pelos marroquinos por 3 x 0. Com oito participações no currículo (1954, 1958, 1974, 1978, 1982, 1986, 1990 e 1998), a Escócia nunca passou de fase em uma Copa do Mundo.

Na sequência, o Brasil venceu o Marrocos por 3 x 0. Já classificado em primeiro lugar na chave, perdeu para a Noruega – sua asa negra – por 2 x 1, levando dois gols nos últimos sete minutos. Nas oitavas de final, venceu o Chile de Zamorano e Salas por 4 x 1. Nas quartas, suou para passar pela Dinamarca (3 x 2), que tinha goleado a ardilosa Nigéria. Nas semifinais, um jogo histórico contra a Holanda (1 x 1), com vitória nos pênaltis (4 x 3) graças a Taffarel. Na final, perdeu para a França por 3 x 0, com dois gols de Zidane e um de Petit.


(Imagem: By Jeff J. Mitchell / Reuters / IFDB)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 2 X 1 ESCÓCIA

 

Data: 10/06/1998

Horário: 17h30 locais

Estádio: Stade de France

Público: 80.000

Cidade: Saint-Denis (França)

Árbitro: José María García-Aranda (Espanha)

 

BRASIL (4-3-1-2):

ESCÓCIA (3-4-3):

1  Taffarel (G)

1  Jim Leighton (G)

2  Cafu

4  Colin Calderwood

4  Júnior Baiano

5  Colin Hendry (C)

3  Aldair

3  Tom Boyd

6 Roberto Carlos

14 Paul Lambert

5  César Sampaio

8  Craig Burley

8  Dunga (C)

22 Christian Dailly

7  Giovanni

11 John Collins

10 Rivaldo

10 Darren Jackson

20 Bebeto

7  Kevin Gallacher

9  Ronaldo

9  Gordon Durie

 

Técnico: Zagallo

Técnico: Craig Brown

 

SUPLENTES:

 

 

12 Carlos Germano (G)

12 Neil Sullivan (G)

22 Dida (G)

21 Jonathan Gould (G)

13 Zé Carlos

2  Jackie McNamara

14 Gonçalves

6  Tosh McKinlay

15 André Cruz

16 David Weir

16 Zé Roberto

18 Matt Elliott

17 Doriva

19 Derek Whyte

11 Emerson

15 Scot Gemmill

18 Leonardo

17 Billy McKinlay

19 Denílson

13 Simon Donnelly

21 Edmundo

20 Scott Booth

 

GOLS:

5′ César Sampaio (BRA)

38′ John Collins (ESC) (pen)

74′ Tom Boyd (BRA) (gol contra)

 

CARTÕES AMARELOS:

25′ Darren Jackson (ESC)

37′ César Sampaio (BRA)

45+2′ Aldair (BRA)

 

SUBSTITUIÇÕES:

INTERVALO Giovanni (BRA) ↓

Leonardo (BRA) ↑

 

72′ Bebeto (BRA) ↓

Denílson (BRA) ↑

 

78′ Darren Jackson (ESC) ↓

Billy McKinlay (ESC) ↑

 

84′ Christian Dailly (ESC) ↓

Tosh McKinlay (ESC) ↑

(Imagem: EPA – Daily Mail)

Melhores momentos da partida:

Veja o primeiro tempo e o segundo tempo completos, com transmissão da Rede Globo, nos respectivos links:
1º tempo: https://www.dailymotion.com/video/x5viwgf
2º tempo: https://www.dailymotion.com/video/x5w1jqh


(Imagem: Pinterest)

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