… 19/07/1966 – Portugal 3 x 1 Brasil

Três pontos sobre…
… 19/07/1966 – Portugal 3 x 1 Brasil


(Imagem: Fernando Amaral FC)

● Era o encontro mais aguardado da primeira fase. Na cidade de Liverpool, no estádio Goodison Park, do Everton, 58.479 pessoas iriam assistir ao encontro de duas das melhores equipes da década. O Brasil do Rei Pelé enfrentaria Portugal, do “príncipe” Eusébio, o “Pantera Negra”.

No Brasil, o otimismo era intenso e inveterado, contaminando torcida, imprensa e jogadores. Ninguém seguraria a Seleção, com Pelé e Garrincha ainda mais experientes que nas duas Copas anteriores. A revista Realidade chegou a publicar uma reportagem de capa prevendo como o Brasil conquistaria o tri.

A preparação brasileira foi uma enorme festa. O técnico Vicente Feola montou um grupo deveras inchado, com 47 jogadores, que se exibiu em cinco cidades brasileiras antes de embarcar para a Inglaterra. Além disso, a preparação física feita por Rudolf Hermanny, especialista em judô, se mostraria um enorme fiasco.

Dessa forma, o Brasil se tornou uma mescla mal feita entre alguns craques bicampeões nas duas Copas anteriores, com Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Zito, Garrincha e Pelé, além de jogadores que viriam a encantar o mundo em 1970, como Brito, Gérson, Tostão e Jairzinho. Várias unanimidades ficaram fora da lista final, como Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Roberto Dias, Servílio e outros.

Em compensação, Portugal chegou voando ao Mundial, tendo como base a equipe do Benfica, bicampeã da Copa dos Campeões da Europa (atual UEFA Champions League) no início da década. Treinada pelo brasileiro Otto Glória, Portugal tinha uma ótima equipe a partir do meio campo. Todos os jogadores da linha de frente vestiam a gloriosa camisa encarnada: José Augusto, Coluna, Eusébio, Torres e Simões. O “calcanhar de Aquiles” era o fraco sistema defensivo, que compensava com virilidade e violência.

Estreante em Copas do Mundo, “Os Magriços” começaram a competição com tudo, ao vencer a forte Hungria por 3 a 1. Na segunda rodada, inapelavelmente bateu a Bulgária por (baratos) 3 a 0. Assim, estava praticamente assegurado na fase seguinte, faltando apenas a confirmação matemática.

O Brasil começou bem, vencendo uma frágil Bulgária por 2 a 0, na última partida de Pelé e Garrincha juntos pela Seleção. Eles nunca perderam atuando juntos. Foram 40 partidas, com 36 vitórias e quatro empates. Curiosamente os dois gols contra os búlgaros foram em cobranças de falta diretas, um anotado pelo Rei e outro por Mané.

A Seleção estava invicta em Copas do Mundo havia 13 partidas, desde a derrota para a Hungria em 1954. Mas todas as fragilidades ficaram claras com a quebra de invencibilidade na segunda rodada, uma derrota por 3 a 1 para a mesma Hungria. (Curiosamente, Djalma Santos participou dessas duas partidas.) Com uma equipe lenta, especialmente no sistema defensivo, a Seleção foi presa fácil para a ótima geração húngara, que tinha Flórián Albert e Ferenc Bene como destaques. Pelé não jogou, lesionado. Essa foi a despedida de Garrincha com o escrete canarinho e sua única derrota em um total de 60 partidas.

Assim, para conseguir a vaga na próxima fase sem depender do resultado do jogo entre Hungria e Bulgária, o Brasil precisaria bater os portugueses por três gols de diferença, por causa do critério de desempate “goal average” (número de gols marcados divididos entre o número de gols sofridos).


Portugal atuava no 4-2-4. Liderado por Eusébio, o ataque tinha muita força e mobilidade. O capitão Coluna era mesmo a coluna vertebral do time, aparecendo em todos os espaços.


Vicente Feola escalou o Brasil no sistema 4-2-4.

● Pela necessidade de mudança de postura e de resultados, o técnico Vicente Feola simplesmente “surtou” e promoveu nada menos que nove mudanças em relação à partida anterior. Só Jairzinho e Lima foram mantidos como titulares. O capitão Bellini foi barrado, com a justificativa de que não tinha mais o mesmo vigor. Mas, como veremos, nem Brito e tampouco Orlando seriam capazes de parar Eusébio no auge da forma. Ele estava voando. Ele despontou para o futebol ainda garoto, jogando em Moçambique (seu país natal) e foi indicado ao Benfica pelo brasileiro Bauer, vice-campeão do mundo em 1950.

A reformulada e desentrosada defesa brasileira errou bastante, permitindo várias chances para o adversário. Rildo chegou a tocar a bola com o braço dentro da própria área, mas o árbitro inglês não marcou a penalidade máxima. O grande goleiro Manga falhou feio duas vezes, permitindo dois gols lusos.

A boa notícia era o retorno de Pelé, que não estava no melhor de sua forma física depois de ser alvo da violência dos búlgaros e ficar fora contra os húngaros. Desde o início, a defesa lusa fazia de tudo para pará-lo, de qualquer forma – especialmente com faltas repetidamente violentas, cometidas principalmente pelos zagueiros Morais e Vicente. O árbitro George McCabe ignorava as sucessivas agressões ao Rei.

Mas a Seleção não deixou por menos. Após uma cobrança de falta de Pelé, o goleiro José Pereira faz uma defesa segura e o atacante brasileiro Silva Batuta entrou feio, empurrando o goleiro português para dentro do gol. O tempo fechou e os patrícios reclamaram muito com a arbitragem.

Melhor em campo desde o início, Portugal inaugurou o marcador aos 15 minutos de partida. Eusébio escapou pela ponta esquerda e cruzou para a área. Manga, nervoso, espalmou feio para cima e o baixinho Simões cabeceou para o gol.

Aos 27, Coluna cobrou falta, o gigante Torres (1,91 m) ganha da zaga pelo alto e escora para Eusébio. Mesmo marcado por Orlando, o “Pantera” consegue cabecear para o gol. A bola vai em cima de Manga, que não consegue fazer a defesa. Era o segundo gol luso.

Dois minutos depois, Pelé recebeu duas entradas criminosas no mesmo lance. A segunda foi do zagueiro Morais, que tirou o Rei da partida. Ele voltou para o jogo no segundo tempo, mas apenas mancava em campo, fazendo número na ponta esquerda enquanto conseguiu, já que não eram permitidas substituições à época. Com um jogador a menos e Eusébio jogando o fino da bola, ninguém acreditava mais em um resultado diferente. Muito menos os brasileiros.

O Brasil só descontaria aos 25 minutos do segundo tempo, em um de seus raros ataques. Rildo invade a área e chuta cruzado e rasteiro, no canto esquerdo do goleiro José Pereira. Naquela altura, o Brasil precisaria de mais quatro gols, pois a Hungria estava vencendo a Bulgária por 3 a 1 (placar que se manteria até o fim).

No final da partida, Eusébio cobrou uma falta com um chute fortíssimo e Manga foi no ângulo desviar para escanteio. Depois, o mesmo Eusébio foi até a linha de fundo e chutou sem ângulo, para outra bela e difícil defesa de Manga.

No escanteio oriundo dessa jogada, a cinco minutos do fim, a esquadra lusa jogou a última pá de cal sobre o Brasil. Coluna cobrou escanteio, Torres ganhou de Brito pelo alto e escorou de cabeça para Eusébio chegar como uma flecha e emendar de primeira, do bico da pequena área. E o placar de 3 a 1 se manteve até o apito final.

Portugal venceu e convenceu contra o Brasil. A impressão que se tinha era da “troca de reis”: o fim de Pelé e o início do reinado de Eusébio.

Após a partida, todos os portugueses queriam cumprimentar e consolar Pelé. Mas não tiveram pena nenhuma do camisa 10 durante os 90 minutos.


(Imagem: PA Photos / Otherimages / Época / Globo)

● Com essa derrota, o super Brasil, bicampeão em 1958 e 1962, estava vergonhosamente eliminado ainda na fase de grupos. O que parecia um grupo fácil, se enfrentado com seriedade, se tornou um dos maiores vexames da Seleção em Copas do Mundo. Era a terceira (e, por enquanto, última) vez que o Brasil caía na primeira fase de um Mundial. Foi assim também em 1930 e 1934.

Assim, terminava de forma incontestável a esperança do tricampeonato, que seria adiado por mais quatro anos.

Foi o fim da carreira do treinador Vicente Feola. Ele não conseguiu montar um time-base nem mesmo durante a disputa da Copa. Dos 22 convocados, 20 foram utilizados nas três partidas, sendo que ainda não eram permitidas substituições na época.

Desgostoso com o excesso de violência e com o fiasco brasileiro no Mundial, Pelé disse que nunca mais disputaria uma Copa do Mundo. Por sorte do universo do futebol, ele mudou logo de ideia.

Portugal terminou o Grupo 3 com 100% de aproveitamento. Nas quartas de final, teria uma partida teoricamente fácil contra a surpreendente Coreia do Norte.


(Imagem: Footy Fair)

FICHA TÉCNICA:

 

PORTUGAL 3 x 1 BRASIL

 

Data: 19/07/1966

Horário: 19h30 locais

Estádio: Goodison Park

Público: 58.479

Cidade: Liverpool (Inglaterra)

Árbitro: George McCabe (Inglaterra)

 

PORTUGAL (4-2-4):

BRASIL (4-2-4):

3  José Pereira (G)

12 Manga (G)

17 João Morais

3  Fidélis

20 Alexandre Baptista

5  Brito

4  Vicente

7  Orlando (C)

9  Hilário

9  Rildo

16 Jaime Graça

13 Denílson

10 Mário Coluna (C)

14 Lima

12 José Augusto

17 Jairzinho

13 Eusébio

19 Silva Batuta

18 José Torres

10 Pelé

11 António Simões

21 Paraná

 

Técnico: Otto Glória

Técnico: Vicente Feola

 

SUPLENTES:

 

 

1  Américo (G)

1  Gylmar (G)

2  Joaquim Carvalho (G)

2  Djalma Santos

22 Alberto Festa

4  Bellini

21 José Carlos

6  Altair

5  Germano

8  Paulo Henrique

14 Fernando Cruz

15 Zito

19 Custódio Pinto

11 Gérson

6  Fernando Peres

16 Garrincha

7  Ernesto Figueiredo

18 Alcindo Bugre

8  João Lourenço

20 Tostão

15 Manuel Duarte

22 Edu

 

GOLS:

15′ António Simões (POR)

27′ Eusébio (POR)

70′ Rildo (BRA)

85′ Eusébio (POR)

 “Os Magriços”
Era o apelido da seleção de Portugal que terminou a Copa do Mundo de 1966 em 3º lugar.
O apelido é baseado em Álvaro Gonçalves Coutinho, que era apelidado de “O Magriço”.
Álvaro era um cavaleiro português do século XIV que, juntamente com outros onze colegas, viajou para a Inglaterra para participar de um torneio para defender a honra de doze damas inglesas ofendidas por doze nobres, também ingleses.
Como essas damas não conseguiam encontrar cavaleiros na Inglaterra dispostos a lutar por suas respectivas honras, doze cavaleiros lusitanos partiram para essa luta, já que o povo português era conhecido em toda a Europa por serem defensores a honra.
A história é famosa e contada por Luís de Camões no canto VI de seu livro “Os Lusíadas”, mas é de veracidade duvidosa.

Ótima reportagem do “Canal 100” sobre a partida:

Melhores momentos da partida:

4 pensou em “… 19/07/1966 – Portugal 3 x 1 Brasil

  1. Pingback: ... 24/06/1990 - Argentina 1 x 0 Brasil - Três Pontos

  2. Pingback: ... 16/07/1966 - Portugal 3 x 0 Bulgária - Três Pontos

  3. Plinio

    George McCabe foi o nome do criminoso inglês escalado pra apitar aquele jogo. A Inglaterra e a FIFA – presidida por um inglês mafioso, Stanley Rous – jamais admitiriam que o grande no futebol mas periférico país Brasil ganhasse novamente uma Copa e definitivamente a Taça Jules Rimet, ainda mais dentro da Inglaterra. E ainda roubaram descaradamente Portugal na semifinal e a Alemanha na final para darem a Copa aos ingleses. Bandidos.

  4. Pingback: ... 03/06/1970 - Brasil 4 x 1 Tchecoslováquia - Três Pontos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *