… 03/07/1974 – Holanda 2 x 0 Brasil

Três pontos sobre…
… 03/07/1974 – Holanda 2 x 0 Brasil


(Imagem: World Football Index)

● Depois de 36 anos ausentes dos grandes palcos, a Holanda voltou como protagonista. Com a melhor geração de sua história, os times do país conquistaram a Copa dos Campeões da Europa por quatro anos consecutivos – o Feyenoord em 1970 e o Ajax tricampeão entre 1971 e 1973.

Com uma equipe de grande qualidade técnica e uma revolução tática, o “Carrossel Holandês” massacrou o Uruguai na estreia. O placar baixo (2 x 0) não representou em nada o que foi a partida. No segundo jogo veio o empate sem gols diante da Suécia, em uma tarde sem inspiração. No jogo seguinte, goleada sobre a Bulgária por 4 x 1.

A segunda fase da Copa de 1974 não era composta por oitavas ou quartas de final em partidas eliminatórias (o famoso mata-mata), mas sim uma nova fase de grupos, que classificaria o vencedor para a final. Nessa fase, pelo Grupo A, a Holanda estraçalhou a Argentina em uma goleada por 4 x 0 (que ficou até barata). Depois, venceu a Alemanha Oriental por 2 x 0.

Na última rodada, os holandeses jogavam por um empate contra o Brasil para chegar à sua primeira final de Copa.


(Imagem: Pinterest)

● O Brasil era o atual campeão e queria manter o título. Na caminhada rumo à Copa de 1974, a Seleção Brasileira foi perdendo boa parte dos craques do tricampeonato, como Pelé, Tostão, Gérson, Carlos Alberto e Clodoaldo.

O Brasil começou mal na Copa, com dois empates sem gols, com Iugoslávia e Escócia, respectivamente. A vitória por 3 x 0 sobre o Zaire foi minimamente suficiente para que a Seleção superasse a fraca Escócia apenas no saldo de gols. Na segunda fase, venceu a Alemanha Oriental por 1 x 0 e a Argentina por 2 x 1, na primeira vez que os dois rivais se enfrentaram em Copas do Mundo.

Brasil e Holanda chegaram à última rodada do grupo com duas vitórias, mas de forma bem diferente. Enquanto o escrete canarinho vencia jogando aquém de suas possibilidades, a “Laranja Mecânica” brilhava e encantava o mundo.

Os jogadores brasileiros não tinham nenhum conhecimento sobre a seleção holandesa. Não sabiam que o revolucionário time de Rinus Michels atacava e marcava em bloco. “Nós fomos jogar contra a Holanda sem ter visto nenhum jogo”, disse Marinho Peres em 2011, em entrevista ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas. “Não é como hoje, que você fala: ‘Olha, eles apoiam mais pela direita, pela esquerda, fazem linha de impedimento’. Quer dizer, não se sabia nada.”

O preparador físico Paulo Amaral foi olheiro de Zagallo em 1974 e tinha como missão identificar como jogavam os adversários brasileiros. Ao assistir o jogo entre holandeses e argentinos, ele identificou dois fatores preponderantes: 1. a marcação argentina foi feita de forma individual e a movimentação dos holandeses deixou a defesa albiceleste desguarnecida; 2. os deslocamentos do holandeses foram tantos que era impossível identificar as variações.

Zagallo optou por manter Paulo Cézar Caju como titular, mesmo escalando Dirceu. Ambos jogavam na mesma posição – um ponta esquerda que recua ou um meia esquerda que avança. O treinador brasileiro descartou Edu, ponta veloz e bastante agudo que poderia aproveitar os espaços deixados pelo lateral direito holandês Wim Suurbier.


Devido à alta rotação de posições, é quase impossível definir o “Futebol Total” do “Carrossel Holandês”, mas teoricamente era um 4-3-3.


O Brasil de Zagallo jogou no 4-3-3.

● O Brasil sempre se destacou pelo futebol técnico, habilidoso e leal. A Holanda de 1974 brilhava pelo futebol ofensivo, com muita movimentação. Assim, o encontro entre essas duas equipes tinha tudo para ser um espetáculo dos dois times. Mas aconteceu justamente o contrário.

Aos 4′, Zé Maria deu uma solada violenta em Cruijff. A Holanda respondeu com Johnny Rep revidando no mesmo Zé Maria.

No minuto seguinte, em menos de 20 segundos, três entradas horríveis: uma sola com os dois pés de Zé Maria, uma pegada e Carpegiani no tornozelo de Johnny Rep e duas entradas feias por trás de Luís Pereira em Willem van Hanegem.

Johnny Rep cruzou da ponta direita. Luís Pereira subiu, mas não afastou. A bola bateu em Zé Maria e sobrou para Johan Cruijff. Ele emendou de esquerda e Leão defendeu à queima roupa. Segundo Cruijff, essa foi a maior defesa que ele já viu. Uma das maiores defesas de todas as Copas.

Valdomiro deu um chapéu longo em Arie Haan e se desequilibrou ao entrar na área. O goleiro Jan Jongbloed já saía para abafar o lance. Na sobra, Ruud Krol dominou a bola e saiu com tranquilidade.

Aos 16′, Marinho Peres salvou o Brasil de sofrer o primeiro gol, quando sete holandeses estavam dentro da área brasileira.

O Brasil equilibrou um pouco as ações a partir dos 20 minutos. Rivellino recuou para armar e lançar. Paulo Cézar se mexeu mais, buscando o lado esquerdo – sempre com Van Hanegem na cola dele.

Foi Caju quem perdeu a melhor oportunidade do escrete canarinho, ao chutar em cima de Jongbloed quando estava cara a cara com o goleiro.

Aos 28′, Jairzinho prendeu demais a bola e perdeu. Wim Jansen tocou na esquerda para Rob Rensenbrink. Ele deixou mais atrás novamente para Jansen, que viu a infiltração de Wim Suurbier na ponta esquerda, nas costas da zaga. Ele chegou chutando, mas Leão espalmou. Luís Pereira dominou o rebote, mas Suurbier chegou de carrinho e o atingiu no tornozelo. Luís Pereira, Rivelino, Marinho Peres e Valdomiro foram para cima do holandês.

Wim Jansen avançou em velocidade e o capitão Marinho Peres colocou o corpo na frente para impedir a progressão do holandês.

O jogo estava pegado. Os brasileiros pareciam nervosos e os holandeses respondiam na mesma moeda.

O primeiro tempo terminou sem gols. O jogo estava igual, tanto na bola quanto na pancadaria.

Mas a Holanda tratou de mudar isso logo aos cinco minutos do segundo tempo.


(Imagem: Jornalheiros)

Próximo ao círculo central, Willem van Hanegem bateu falta rápida para Johan Neeskens já na intermediária ofensiva e ele abriu para Johan Cruijff na direita. O camisa 14 apareceu nas costas de Marinho Chagas (a “Avenida Marinho Chagas”), dominou e cruzou rasteiro na marca do pênalti, onde o camisa 13 se infiltrava. Neeskens se antecipou à zaga brasileira e acertou um voleio que encobriu Leão.

O empate classificava a Holanda para a decisão. O Brasil precisava atacar em busca da virada.

Claramente, a Holanda tinha o ataque como seu ponto mais forte. Mas, defensivamente, o time também era muito seguro. Havia sofrido apenas um gol em toda a Copa até então.

Dirceu recuava demais. Rivellino estava muito atrás, sem poder explorar seus chutes de longe.

Aos 14′, Zagallo tirou Paulo Cézar e escalou Mirandinha no comando de ataque, com Jairzinho jogando mais recuado.

Aos 17′, Luís Pereira teve sua segunda investida no ataque e tinha chance de fazer o gol, mas o árbitro se antecipou e marcou impedimento inexistente, em lance que seria do bandeirinha.

Aos 20′, Wim Jansen abriu para Ruud Krol na esquerda. Ele tabelou com Rob Rensenbrink, recebeu na frente e cruzou para o centro da área. Johan Cruijff apareceu na primeira trave e desviou a bola para o canto direito de Emerson Leão. Foi o terceiro gol de Cruijff na Copa. De forma desplicente, os brasileiros pararam no início da jogada pedindo impedimento de Rensenbrink.

A Holanda estava muito perto de quebrar uma invencibilidade de 19 jogos da Seleção Brasileira.

A partir daí o Brasil virou uma bagunça. Luís Pereira se mandou de vez, Marinho Chagas nem voltava mais, Carpegiani estava sobrecarregado pela marcação no meio…

Aos 22′, Michels teve que tirar Rob Rensenbrink, que sentiu a coxa direita.

Marinho Chagas avançou pela esquerda e foi derrubado por Wim Suurbier. Ao cair, o brasileiro deixou a sola da chuteira no rosto do holandês. A sorte foi que o árbitro alemão Kurt Tschenscher não viu o lance. E enquanto o juiz falava com Marinho Chagas, Valdomiro deu um chute por trás em Ruud Krol. O escrete canarinho estava tenso e começava a perder a mão.


(Imagem: Twitter @OldFootball11)

Jairzinho deu um “chega pra lá” sem bola em Wim Jansen. Na sequência do lance, Johan Neeskens devolveu na mesma moeda em Rivellino. O camisa 10 do Brasil seguiu com a bola, mas foi derrubado por Arie Haan. Uma sequência de lances muito violentos. Se tirassem a bola, os jogadores nem perceberiam. Só estavam preocupados em se atacarem mutuamente.

Sem bola, Johnny Rep deu uma cotovelada feia em Rivellino, que estava na marcação do holandês.

Rep cruzou da esquerda. Luís Pereira se antecipou a Cruijff e tentou fazer o que fazia bem com a camisa do Palmeiras. O Luís Chevrolet arrancou, deixou Neeskens no chão depois de um carrinho malsucedido, passou pela linha do meio de campo, deixou com Rivellino e se mandou para a área. Riva abriu com Valdomiro na direita, que cruzou. A bola passou por Jairzinho, bateu em Haan e sobrou na entrada da área. Marinho Chagas dominou de chaleira já tocando para a frente, mas adiantou demais. Jongbloed saiu e se atrapalhou, quase perdendo a bola, mas caiu no chão e ficou com ela.

Lamentavelmente, os brasileiros perderam a cabeça. A seis minutos do apito final, Neeskens carregou a bola pelo lado esquerdo e Luís Pereira deu uma voadora no holandês. Foi expulso diretamente.

Se o árbitro não fosse um “bananão” e fosse mais rigoroso, o cartão vermelho teria sido mostrado mais vezes. Muita gente fez por merecê-lo: Willem van Hanegem, Rivellino, Suurbier, Cruijff, Rep, Valdomiro, Zé Maria e Marinho Chagas.

Luís Pereira saiu de campo apoiado por Jairzinho, Rivellino e Marinho Peres. Vaiado pela torcida alemã, o zagueiro fez o sinal de “3” com os dedos, fazendo todos lembrarem dos três títulos de Copa do Mundo da Seleção Brasileira. Uma cena melancólica que marcou a eliminação brasileira.

Com a vitória, a Holanda se classificou pela primeira vez para uma final de Copa do Mundo.


(Imagem: Alamy)

● A Holanda se tornou a única seleção a vencer os três gigantes sul-americanos em uma mesma edição de Copa: Uruguai, Argentina e Brasil.

“Foi nosso jogo mais difícil. Estávamos com medo dos brasileiros nos primeiros 15 minutos. Depois fizemos nossa partida.” ― Johan Cruijff

“Eles aqueceram do nosso lado. Víamos a preocupação com nosso time antes do jogo. Estavam com medo e demoraram quase um tempo para se assentar no jogo.” ― Émerson Leão

“Até esta partida, o símbolo do jogo bonito era o Brasil. Tudo mudou depois: os brasileiros bateram mais que os argentinos. Aliás, eles foram piores que os uruguaios.” ― Johan Neeskens

“O Zagallo foi vê-los jogar e voltou preocupado demais. Não deixou transparecer, mas nós ficamos sabendo.” ― Paulo César Carpegiani

“A Holanda era um puta time. Eu não conhecia e ninguém conhecia. Se a gente tivesse enfrentado a Holanda no primeiro jogo, estaríamos ferrados, como aconteceu com o Uruguai. Era um futebol totalmente diferente. Só fomos ver na Copa. Eu não sabia como eles jogavam, não conhecia o Cruyff, fui conhecer na Copa. Eu me perguntava: ‘Quem é esse cara? Como joga!’. O time girava em torno dele. Pegaram o Ajax e adaptaram à seleção. Merecia ser campeã, apesar do grande time da Alemanha. Diziam que a Alemanha perdeu da Alemanha Oriental para não pegar o Brasil. Mesmo assim, fizemos um bom jogo. Colocaram a partida num campo pequeno, apertado, em Hannover [Nota჻ O jogo foi em Dortmund, não em Hannover, como afirmou Rivellino.] Jogamos de igual para igual no primeiro tempo, perdemos duas grandes chances e, depois que a Holanda fez 1 a 0, nosso time se perdeu. Quarto lugar foi bom pra gente. Alemanha, Holanda e Polônia tinham belos times. Não adiantava apenas ter grandes jogadores. Em 1970, treinamos dois meses com o time que jogou a Copa, em Guanajuato. Em 1974, houve uma mudança, uma aposta em jogadores que não estavam bem.”Roberto Rivellino, em sua biografia contada pelo jornalista Maurício Noriega.

Anteriormente, Zagallo já havia qualificado a seleção de Rinus Michels de forma depreciativa, como dona de um “futebol alegrinho”. Antes da partida, Zagalo provocou: “A Holanda é muito tico-tico-no-fubá, que nem o América dos anos 50”. Às vésperas da partida, o técnico brasileiro continuou alfinetando, dizendo que os holandeses não tinham tradição em Copas e isso pesava contra eles. “Nós somos tricampeões, eles é que têm que ter medo da gente. A Holanda não me preocupa. Estou pensando na final com a Alemanha.” Após o jogo, Zagallo reconheceu a força dos holandeses: “Perdemos para uma grande equipe”.

O bandeirinha escocês Bob Davidson viu uma agressão de Marinho Peres em Johan Neeskens e não comunicou ao árbitro alemão Kurt Tschenscher. Alguns dias depois, Marinho foi contratado pelo Barcelona e foi recebido no aeroporto por Neeskens, que já atuava pelo clube catalão. O holandês ainda estava com a marca da agressão sofrida. Jogando juntos, os dois logo se tornariam amigos.

Na decisão do 3º lugar, o Brasil perdeu para a Polônia por 1 x 0, terminando em uma decepcionante 4ª colocação geral.

Na final da Copa, a Holanda começou com tudo e abriu o placar logo no primeiro lance. Mas sucumbiu à força da Alemanha Ocidental e levou a virada, perdendo por 2 x 1. Um vice-campeão do mundo tão lembrado quanto (ou até mais que) o próprio campeão, por ousar criar uma nova e encantadora forma de praticar futebol.


(Imagem: Twitter @OldFootball11)

FICHA TÉCNICA:

 

HOLANDA 2 x 0 BRASIL

 

Data: 03/07/1974

Horário: 19h30 locais

Estádio: Westfalenstadion (atual Signal Iduna Park)

Público: 53.700

Cidade: Dortmund (Alemanha Ocidental)

Árbitro: Kurt Tschenscher (Alemanha Ocidental)

 

HOLANDA (4-3-3?):

BRASIL (4-3-3):

8  Jan Jongbloed (G)

1  Leão (G)

20 Wim Suurbier

4  Maria

17 Wim Rijsbergen

2  Luís Pereira

2  Arie Haan

3  Marinho Peres (C)

12 Ruud Krol

6  Marinho Chagas

6  Wim Jansen

17 Paulo César Carpegiani

13 Johan Neeskens

10 Rivellino

3  Willem van Hanegem

11 Paulo Cézar Caju

16 Johnny Rep

13 Valdomiro

14 Johan Cruijff (C)

7  Jairzinho

15 Rob Rensenbrink

21 Dirceu

 

Técnico: Rinus Michels

Técnico: Zagallo

 

SUPLENTES:

 

 

18 Piet Schrijvers (G)

12 Renato (G)

21 Eddy Treijtel (G)

22 Waldir Peres (G)

4  Kees van Ierssel

14 Nelinho

5  Rinus Israël

15 Alfredo Mostarda

19 Pleun Strik

16 Marco Antônio

22 Harry Vos

5  Wilson Piazza

7  Theo de Jong

18 Ademir da Guia

1  Ruud Geels

8  Leivinha

11 Willy van de Kerkhof

20 Edu

10 René van de Kerkhof

19 Mirandinha

9  Piet Keizer

9  César Maluco

 

GOLS:

50′ Johan Neeskens (HOL)

65′ Johan Cruijff (HOL)

 

CARTÕES AMARELOS:

29′ Wim Suurbier (HOL)

29′ Luís Pereira (BRA)

37′ Maria (BRA)

44′ Marinho Peres (BRA)

69′ Johnny Rep (HOL)

 

CARTÃO VERMELHO: 84′ Luís Pereira (BRA)

 

SUBSTITUIÇÕES:

61′ Paulo Cézar Caju (BRA) ↓

Mirandinha (BRA) ↑

 

67′ Rob Rensenbrink (HOL) ↓

Theo de Jong (HOL) ↑

 

85′ Johan Neeskens (HOL) ↓

Rinus Israël (HOL) ↑

Melhores momentos da partida (Canal 100):

Jogo completo:

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  2. FLAVIO JOSE VIEIRA

    o jogo foi em Dortmund. não em Hannover como está creditado na fala de Rivelino.

  3. neuberbs

    Justamente. O jogo foi em Dortmund. Mas preferi reproduzir a fala inteira de Rivellino na biografia dele. E ele errou.
    Obrigado por nos acompanhar.
    Continue conosco.

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