… 26/06/1974 – Holanda 4 x 0 Argentina

Três pontos sobre…
… 26/06/1974 – Holanda 4 x 0 Argentina


(Imagem: Sergio Sade / Veja)

● Não existia uma seleção holandesa até duas semanas antes da Copa do Mundo de 1974. No princípio de tudo, era um grupo rachado, formado pela base de dois times multicampeões: o Ajax, tricampeão europeu (1970/71, 1971/72 e 1972/73) e o Feyenoord, campeão europeu em 1969/70. Com a rivalidade à flor da pele, os jogadores desses dois times não se combinavam fora e nem dentro de campo. Coube ao grande técnico do século XX transformar esse amontoado de bons jogadores em um time inesquecível.

Rinus Michels era o arquiteto daquele Ajax encantador. Depois do primeiro título europeu, foi treinar o Barcelona, tirando o time de uma fila de 14 anos sem títulos nacionais. Ele ainda era treinador dos Culés quando foi treinar a seleção holandesa, a apenas três meses da Copa. E Michels contou com a liderança do capitão Johan Cruijff para implementar um novo estilo de jogo.

Resumindo rapidamente, o “Futebol Total” se trata de um sistema em que todos os jogadores são capazes de defender e atacar (às vezes até ao mesmo tempo), sempre avançando em “triângulos”. Ou seja, o jogador que está com a bola sempre tem (pelo menos) duas opções de passe progressivo, uma de cada lado.

A escalação titular que se tornou célebre só foi jogar junta, nas mesmas posições, apenas na Copa do Mundo, na estreia contra o Uruguai. Aliás, que estreia! O “Carrossel Holandês” surpreendeu a todos (e até a si mesmo) e venceu os experientes uruguaios, 4º colocados no Mundial anterior. O placar foi 2 a 0, mas poderia ter sido 7, se não fosse o ótimo goleiro Ladislao Mazurkiewicz.

Na segunda rodada, um empate em 0 x 0 com a Suécia provou que uma partida não precisa ter gols para ser excelente; zero no placar e nota dez para o futebol de ambos. O último jogo da primeira fase foi uma goleada por 4 x 1 sobre a Bulgária. Mas foi na segunda fase que começou o grande espetáculo da “Laranja Mecânica”.


(Imagem: Pinterest)

● O primeiro confronto pelo Grupo A da segunda fase foi entre Holanda e Argentina. Um mês antes, as duas seleções haviam disputado um amistoso em Amsterdã, com goleada dos laranjas por 4 x 1. Já era um aviso do que viria em Gelsenkirchen.

A Argentina tinha bons jogadores, como o zagueiro e capitão Roberto Perfumo (do Cruzeiro), e os atacantes René Houseman e Héctor Yazalde (Chuteira de Ouro da Europa na temporada 1973/74 com 46 gols, jogando pelo Sporting, de Portugal). Mas o técnico Vladislao Cap (ex-zagueiro da Copa de 1962) não conseguiu formar um bom conjunto.

Na primeira fase, a Argentina perdeu para a Polônia por 3 x 2. Depois, empatou com a Itália em 1 x 1. No terceiro jogo, venceu o Haiti por 4 x 1. A Polônia foi líder com 100% de aproveitamento. Argentina e Itália empataram na segunda colocação e os hermanos se classificaram por terem um gol a mais de saldo que os italianos, eliminando a Azzurra do Mundial.

Para o duelo diante dos holandeses, o treinador da albiceleste resolveu fortalecer seu meio de campo, trocando Carlos Babington (mais ofensivo e criativo) por Carlos Squeo (mais defensivo). Trocou também o jovem Mario Kempes pelo mais experiente Agustín Balbuena. Foi corajoso ao manter um trio de ataque não auxiliava na marcação: René Houseman, Rubén Ayala e Héctor Yazalde.


Devido à alta rotação de posições, é quase impossível definir o “Futebol Total” do “Carrossel Holandês”, mas teoricamente era um 4-3-3.


A Argentina atuava no 4-3-3.

● Os primeiros dez minutos tiveram algum equilíbrio, mesmo com a primeira chance sendo dos europeus. Aos três minutos, Johan Cruijff passou para Rob Rensenbrink chutar rente ao travessão.

Aos 11′, Wim Rijsbergen fez falta não marcada em Yazalde. Na sequência, Willem van Hanegem deu um passe em elevação para Cruijff dentro da área. A defesa argentina parou alegando um impedimento que não existiu. O genial camisa 14 dominou, driblou o goleiro Daniel Carnevali e tocou para as redes.

E com o placar a seu favor, começou a girar o “Carrossel Holandês”. Onde a bola estivesse, a Oranje sempre estaria com três ou quatro jogadores, em superioridade numérica.

Aos 17′, Van Hanegem teve a chance de ampliar, mas demorou a chutar. Na sequência do lance, Wim Jansen chutou e Quique Wolff evitou o gol com o peito.

Dois minutos depois aconteceu o lance que melhor representa o “Futebol Total”. Sete holandeses estavam na barreira em uma cobrança de falta de Wolff e a bola espirrou para a linha latera. Incrivelmente, cinco homens de camisa laranja saíram na pressão sobre Ramón Heredia e um sexto partiu sobre um argentino que escapava pela direita. É um lance do célebre arrastão laranja, que intimidava e desgastava qualquer adversário – mas também a própria equipe de Rinus Michels.

Pouco depois, Johan Neeskens driblou Carnevali e cruzou para a área. Jansen errou o carrinho e o capitão albiceleste Roberto Perfumo recuou para o goleiro.

Aos 25′, se repetiu um lance semelhante, com Carnevali saindo para impedir Neeskens e mandou pela linha de fundo. O próprio Neeskens bateu o escanteio e Carnevali tirou de soco para a entrada da área. Ruud Krol pegou a sobra e emendou de primeira uma bomba que estufou as redes, entrando bem próximo à trave direita. Já estava 2 a 0.

O jogo já estava definido, mas a Argentina foi valente e tentou reagir. E apareceu uma característica da defesa holandesa que seria mais vista ainda no duelo diante do Brasil: as entradas duras nos tornozelos dos rivais. Ayala foi vítima de uma delas e ficou mancando. Wolff não teve a mesma sorte e precisou sair no intervalo após um carrinho de Neeskens, sendo substituído por Rubén Glaria. Por decisão técnica, René Houseman deu lugar a Mario Kempes – que não entrou bem novamente.

Com um toque de bola impressionante, Cuijff e companhia nada limitada fez o seu melhor primeiro tempo da competição e arrasou os argentinos, que se limitavam a tentar afastar a bola de sua área de qualquer maneira.


(Imagem: Peter Robinson / Empics Sport)

Na volta para o segundo tempo, um temporal caiu sobre o Parkstadion.

Com o campo pesado, a “Laranja Mecânica” diminuiu o ritmo e controlou a partida, ao mesmo tempo que queria ampliar o saldo de gols – que poderia vir a ser critério de desempate por uma vaga na final. Aos oito minutos, mesmo perseguido por Roberto Telch, Cruijff arrancou e chutou para uma ótima defesa de Carnevali, esticando o pé esquerdo no reflexo.

O árbitro escocês Robert Davidson não marcou pênalti sobre Rensenbrink, aos 13 minutos.

Como sempre jogando sem luvas, o goleiro Jan Jongbloed não precisou fazer nenhuma defesa durante a partida. Curiosamente, o arqueiro holandês já era veterano, usava lentes de contato por ser míope e nunca jogou em um clube grande.

E a “Laranja Mecânica” fazia a pobre Argentina dançar no ritmo de “Singin’ in the Rain”, de Gene Kelly – eternizado pelo infame personagem Alex, do filme de Stanley Kubrick.

O terceiro gol veio aos 28 min. Cruijff fez um cruzamento longo da esquerda (e de canhota) e a bola foi perfeita na segunda trave para Johnny Rep invadir a pequena área e cabecear para o gol.

A dez minutos do fim, Telch teve que deixar o campo lesionado e os hermanos tiveram que jogar com um a menos, porque já haviam feito as duas alterações permitidas. Squeo sentiu a coxa e teve que terminar o jogo mancando.

O técnico Rinus Michels fez uma única substituição, trocando o amarelado Wim Suurbier por Rinus Israël ao 39′.

A chuva apertava cada vez mais e as duas equipes só queriam que o jogo acabasse. Mas no último minuto de jogo, Van Hanegem tabelou com Jansen, entrou na área sem marcação e chutou em cima do goleiro argentino. A bola espirrou para a ponta esquerda onde estava Cruijff. Genial, ele emendou de primeira, mesmo sem nenhum ângulo, e marcou o quarto gol da partida.


(Imagem: Twitter @Netherlands1974)

“Os holandeses não têm especialistas. Existe um goleiro e dez jogadores que sabem fazer tudo. Ao mesmo tempo, estão muito perto de todos e muito longe uns dos outros. É uma vertigem total esse borrão de camisas laranjas. Os mais perigosos são os que não têm a bola, todos coordenados pelo Cruyff.” ― Ángel Bargas, zagueiro reserva da Argentina

“Nunca vi nada parecido. Meus jogadores jamais viram um time assim. É uma nova maneira de conceber o jogo. Eles são um rolo compressor.” ― Vladislao Cap

“Parecia que jogavam com 18 jogadores.” “O futebol deveria ser dividido assim: antes da Holanda e depois da Holanda.” ― Roberto Perfumo

Na sequência, a Argentina perdeu para a Seleção Brasileira de Zagallo por 2 x 1, na primeira vez que os dois rivais se enfrentaram em Copas do Mundo. E os hermanos encerraram sua participação em último lugar do grupo ao empatar em 1 x 1 com a Alemanha Oriental.

A Holanda seguiu firme, vencendo Alemanha Oriental e Brasil, ambos por 2 x 0. Na decisão, começou com tudo e abriu o placar logo no primeiro lance. Mas sucumbiu à força da Alemanha Ocidental e levou a virada, perdendo por 2 x 1. Um vice-campeão do mundo tão lembrado quanto (ou até mais que) o próprio campeão.


(Imagem: UOL)

FICHA TÉCNICA:

 

HOLANDA 4 x 0 ARGENTINA

 

Data: 26/06/1974

Horário: 19h30 locais

Estádio: Parkstadion

Público: 56.548

Cidade: Gelsenkirchen (Alemanha Ocidental)

Árbitro: Robert Davidson (Escócia)

 

HOLANDA (4-3-3?):

ARGENTINA (4-3-3):

8  Jan Jongbloed (G)

1  Daniel Carnevali (G)

20 Wim Suurbier

10 Ramón Heredia

17 Wim Rijsbergen

14 Roberto Perfumo (C)

2  Arie Haan

16 Francisco Pedro Sá

12 Ruud Krol

20 Enrique Wolff

6  Wim Jansen

17 Carlos Squeo

13 Johan Neeskens

18 Roberto Telch

3  Willem van Hanegem

4  Agustín Balbuena

16 Johnny Rep

2  Rubén Ayala

14 Johan Cruijff (C)

22 Héctor Yazalde

15 Rob Rensenbrink

11 René Houseman

 

Técnico: Rinus Michels

Técnico: Vladislao Cap

 

SUPLENTES:

 

 

18 Piet Schrijvers (G)

12 Ubaldo Fillol (G)

21 Eddy Treijtel (G)

21 Miguel Ángel Santoro (G)

4  Kees van Ierssel

5  Ángel Bargas

5  Rinus Israël

7  Jorge Carrascosa

19 Pleun Strik

9  Rubén Glaria

22 Harry Vos

19 Néstor Togneri

7  Theo de Jong

3  Carlos Babington

1  Ruud Geels

8  Enrique Chazarreta

11 Willy van de Kerkhof

6  Miguel Ángel Brindisi

10 René van de Kerkhof

15 Aldo Poy

9  Piet Keizer

13 Mario Kempes

 

GOLS:

11′ Johan Cruijff (HOL)

25′ Ruud Krol (HOL)

73′ Johnny Rep (HOL)

90′ Johan Cruijff (HOL)

 

CARTÕES AMARELOS:

22′ Johan Neeskens (HOL)

35′ Roberto Perfumo (ARG)

58′ Wim Suurbier (HOL)

 

SUBSTITUIÇÕES:

INTERVALO Enrique Wolff (ARG)

Rubén Glaria (ARG)

 

INTERVALO René Houseman (ARG)

Mario Kempes (ARG)

 

84′ Wim Suurbier (HOL)

Rinus Israël (HOL)

Melhores momentos da partida:

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