Três pontos sobre…
… 04/06/1986 – Dinamarca 1 x 0 Escócia
(Imagem: David Cannon / All Sport / Getty Images)
● A Dinamarca foi uma das pioneiras na prática do futebol. Conquistou as medalhas de prata nos Jogos Olímpicos de 1908 e 1912, o bronze em 1948 e novamente a prata em 1960. Em uma fase eliminatória altamente favorável (Malta, Albânia e Luxemburgo), alcançou a semifinal da Eurocopa de 1964. Mas o futebol local só começou a crescer de fato após a regulamentação do profissionalismo no país, a partir de 1978. O patrocínio da cervejaria Calsberg possibilitou a contratação do alemão Sepp Piontek como técnico da seleção nacional a partir de 1979.
A cultura do amadorismo levavam os atletas a serem naturalmente indisciplinados. Eram jogadores que gostavam e estar juntos e se divertirem. Era um conjunto de mulherengos, bêbados e fumantes inveterados. Destaque do time, Preben Elkjær Larsen chegava a consumir de 20 a 30 cigarros por dia, muitas vezes escondido do treinador no vestiário.
A primeira medida adotada pelo técnico foi o afastamento do goleiro titular, Birger Jensen. Foi quase um sacrifício simbólico, de forma a deixar claro que a partir de então, os atletas deveriam respeitar regras – e os dinamarqueses não costumavam respeitar nenhuma, por mais que elas nem fossem tão rígidas.
(Imagem: FourFourTwo)
● O principal motivo de sucesso dos dinamarqueses naquela década foi justamente a falta de expectativas. Como era a primeira boa seleção formada no país, não haviam críticos resmungando sobre as “glórias do passado”. Não existia pressão alguma. Havia mais uma certa incredulidade sobre até onde poderiam chegar. E é aí que começa a semelhança com a seleção holandesa da década de 1970.
De certa forma, foi a Dinamarca de 1986 quem chegou mais perto de emular o futebol total da Laranja Mecânica de 1974: linha de impedimento alta, marcação pressão, ocupação de espaço, movimentação constante, criatividade no passe e velocidade com a bola. E a Holanda tinha que ser mesmo a inspiração para o estilo de jogo dinamarquês: Frank Arnesen, Søren Lerby, Jesper Olsen e Jan Mølby jogaram no Ajax entre 1975 e 1982 e, consequentemente, sofreram a influência do “Carrossel” de Johan Cruijff e companhia (i)limitada.
Mas, à medida que amadurecia, a Dinamarca foi assumindo um caráter próprio. E a principal diferença entre os modelos de jogo estava no estilo. Enquanto a Holanda tinha o enfoque na trocação, com passes rápidos e constantes, a Dinamarca era um time que carregava muito bem a bola em velocidade, especialmente com Arnesen, Michael Laudrup, Elkjær e os dois Olsens (Jesper e Morten).
O 3-5-2 da “Dinamáquina” é derivado do “1-3-3-3” do “Futebol Total”. Mas foi a excepcional noção de posicionamento do experiente líbero e capitão Morten Olsen que permitiu o radicalismo tático. Para Piontek, seu time foi o primeiro na Europa a adotar o sistema 3-5-2. “O motivo foi que eu tinha ótimos jogadores de meio de campo. Eram sete ou oito. Mas eu não tinha muitos defensores bons. Naquela época, os adversários jogavam com dois ou apenas um homem no ataque, então por que eu deveria manter quatro atletas na defesa? E, se eles fossem ofensivos, acabariam tendo de correr oitenta metros para a frente e oitenta metros para trás, o que é bem cansativo. Onde se trabalha mais em uma partida de futebol? No meio de campo, que está envolvido no ataque e na defesa. Eu jogava com dois marcadores [Nielsen e Busk] muito fortes, bons pelo ar, e Morten [Olsen] era o terceiro, atrás. Às vezes, ele saía com a bola e, se fosse necessário, alguém do meio de campo recuava. Era um sistema muito bom, e a Alemanha foi campeã mundial usando esse sistema em 1990. Era econômico também. Sempre era possível mudar quem ia para o ataque. Um descansava enquanto o outro descia.”
(Imagem: FourFourTwo)
● Na Eurocopa de 1984, a Dinamarca estreou perdendo para os franceses, donos da casa, por 1 a 0. Em seguida, goleou de forma empolgante a Iugoslávia por 5 a 0 e venceu a Bélgica de virada por 3 a 2. Na semifinal, empatou com a Espanha por 1 a 1 e só perdeu nos pênaltis por 5 a 4.
Poucos acreditavam que o sucesso seria sustentável, especialmente sem Allan Simonsen. Mesmo em seu ocaso, ele era o nome mais famoso, eleito melhor jogador da Europa em 1977 e vencedor de duas Copas da UEFA pelo Borussia Mönchengladbach e de uma Recopa Europeia pelo Barcelona. Simonsen praticamente deixou de jogar em alto nível quando quebrou a perna na primeira partida da Euro 1984.
Mas o time conseguiu ficar ainda melhor. Com apenas 22 anos, o jovem Michael Laudrup já vestia a camisa da Juventus. Mas o principal destaque era Preben Elkjær Larsen, que havia liderado o surpreendente Verona campeão italiano da temporada 1984/85.
Tecnicamente brilhante, a consistência nunca foi o forte da Dinamarca, principalmente pela vulnerabilidade de sua maneira de jogar. Era um risco assumido. Era um time capaz de impor goleadas (5 a 1 na Noruega e 4 a 1 na Irlanda, pelas rodadas finais das eliminatórias para a Copa de 1986) e sofrer outras (6 a 0 para a Holanda e 4 a 0 para a Alemanha Oriental, ambas em amistosos). Na Copa, Piontek não estava disposto a mudar. “No México, devemos atacar, como sempre fizemos”, prometeu e cumpriu.
Sir Alex Ferguson, ao lado do seu auxiliar técnico Walter Smith)
● A Escócia ainda estava de luto pela perda do maior treinador da história do país até então. Jock Stein liderou o Celtic no mítico título da Taça dos Campeões Europeus (atual UEFA Champions League) de 1966/67 e ao vice-campeonato de 1969/70. Foi o primeiro time britânico a conquistar o torneio (antes de qualquer clube inglês). Já havia dirigido a seleção escocesa no Mundial de 1982, quando foi eliminado na primeira fase no critério de saldo de gols após perder para o Brasil (4 x 1), empatar com a União Soviética (2 x 2) e vencer a Nova Zelândia (5 x 2). Foi o mais próximo que a “Tartan Army” chegou de passar de fase em uma Copa do Mundo.
Em 10/09/1985, a seleção escocesa jogou contra o País de Gales na casa do adversário, valendo uma vaga na repescagem para a Copa do ano seguinte. Essa partida foi um verdadeiro “teste para cardíacos”. E o coração de Jock Stein foi reprovado nesse teste. Ele teve um infarto fulminante ainda dentro de campo e caiu morto após a partida, aos 62 anos de idade. Com melhor saldo de gols, o empate em 1 a 1 foi suficiente para a Escócia seguir à repescagem – onde eliminou a Austrália.
Depois da morte de Stein, a Escócia passou a ser treinada pelo então auxiliar técnico Alex Ferguson (que se tornaria um dos maiores gênios do banco que o futebol conheceu). Cinco meses e dois dias depois, Ferguson assumiria o comando do Manchester United, onde reinaria por 26 anos ininterruptos.
Mas aquele elenco escocês carecia de talento. Os principais destaques era o experiente trio de meio-campistas: Graeme Souness (líder e capitão), Gordon Strachan e Steve Nicol, além do atacante Steve Archibald (que atuava no Barcelona). O time sentiu muita falta de sua estrela e maior ídolo, Kenny Dalglish, que havia lesionado o joelho antes do torneio.
Sepp Piontek escalou a Dinamarca no futurista sistema 3-5-2. Søren Busk e Ivan Nielsen eram os dois defensores centrais e Morten Olsen era o líbero. Jens Jørn Bertelsen fazia o balanço defensivo, voltando para jogar entre os zagueiros se necessário. Søren Lerby e Klaus Berggreen eram meias que marcavam e criavam. Os alas Frank Arnesen e Jesper Olsen eram meias de origem e tinham como maior característica a velocidade com a bola. Michael Laudrup e Elkjær era uma dupla de ataque de muita movimentação.
A Escócia atuava no esquema tático 4-4-2 britânico clássico. Na ausência de Kenny Dalglish, Graeme Souness liderava o time.
● O sorteio foi cruel e colocou os vikings realmente à prova. O Grupo C era o “da morte”, com Alemanha Ocidental, Uruguai e Escócia. Os holofotes estavam na força dos alemães e na tradição dos uruguaios. Mas ninguém ousava duvidar do potencial dos vikings.
Sepp Piontek exigia seriedade e concentração dos seus atletas, com preleções táticas de três horas. Já no México, a preparação incluía treinos na altitude com o uso se máscaras de oxigênio, em sessões que chegavam a durar das oito horas da manhã às onze e meia da noite.
Na estreia, frente aos escoceses, a Dinamarca mostrou amplo domínio territorial durante todos os noventa minutos. Porém, faltou tranquilidade e sobrou preciosismo no momento de definir a maioria dos lances.
Michael Laudrup carregou pelo meio, passou por dois marcadores e chutou por cima.
A Escócia respondeu. Após cobrança de escanteio, Richard Gough cabeceou por cima.
Gordon Strachan percebeu a penetração de Gough pelo meio e deixou o lateral na cara do gol. Ele dribla o goleiro Troels Rasmussen, finaliza de esquerda por cima. A Dinamarca deixava brechas defensivas.
Laudrup lançou para Eljkjær na área. O camisa 10 tirou de Leighton, mas perdeu o ângulo na hora do chute, mandando a bola na rede pelo lado de fora.
Charlie Nicholas fez ótima jogada pela esquerda e rolou na meia-lua para Graeme Souness, que chutou rasteiro para fora.
Elkjær recebeu, dominou e finalizou por cima.
Laudrup deixou com Elkjær, que chutou de primeira, à esquerda de Leighton.
E uma partida fácil se tornou tensa.
O solitário gol da vitória dos nórdicos saiu apenas aos doze minutos do segundo tempo. Após uma bela troca de passes simples pelo meio do campo, Frank Arnesen deixou com Elkjær perto da área. Ele driblou um marcador, invadiu a área e finalizou antes da chegada do goleiro Jim Leighton, que saía para fechar o ângulo. A bola tocou na trave antes de tomar o caminho do gol.
(Imagem: Lance!)
● Na sequência, os escoceses perderam para a Alemanha Ocidental (2 a 1) e empataram sem gols com o Uruguai. Foram os últimos colocados do Grupo E, com apenas um ponto. Curiosamente, em oito Copas do Mundo disputadas, a Escócia nunca passou da primeira fase.
Com um jeito ofensivo e alegre de jogar, a Dinamarca se tornou o segundo time favorito de todo o mundo. Era admirada por sua coragem e seu estilo como nenhuma outra seleção desde então. E os nórdicos terminaram a primeira fase como líderes do “grupo da morte”, com 100% de aproveitamento, três vitórias em três jogos. Venceram ainda Uruguai (6 x 1) e Alemanha Ocidental (2 x 0). Anotaram nove gols e sofreram apenas um, de pênalti. Enfrentaria a Espanha nas oitavas de final no dia 18 de junho.
(Imagem: Seen Sport Images)
● FICHA TÉCNICA: |
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DINAMARCA 1 x 0 ESCÓCIA |
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Data: 04/06/1986 Horário: 16h00 locais Estádio: Neza 86 Público: 18.000 Cidade: Nezahualcóyotl (México) Árbitro: Lajos Németh (Hungria) |
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DINAMARCA (3-5-2): |
ESCÓCIA (4-4-2): |
1 Troels Rasmussen (G) |
1 Jim Leighton (G) |
3 Søren Busk |
2 Richard Gough |
4 Morten Olsen (C) |
5 Alex McLeish |
5 Ivan Nielsen |
6 Willie Miller |
15 Frank Arnesen |
3 Maurice Malpas |
9 Klaus Berggreen |
7 Gordon Strachan |
12 Jens Jørn Bertelsen |
8 Roy Aitken |
6 Søren Lerby |
4 Graeme Souness (C) |
8 Jesper Olsen |
13 Steve Nicol |
11 Michael Laudrup |
19 Charlie Nicholas |
10 Preben Elkjær Larsen |
20 Paul Sturrock |
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Técnico: Sepp Piontek |
Técnico: “Sir” Alex Ferguson |
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SUPLENTES: |
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16 Ole Qvist (G) |
12 Andy Goram (G) |
22 Lars Høgh (G) |
22 Alan Rough (G) |
2 John Sivebæk |
14 David Narey |
17 Kent Nielsen |
15 Arthur Albiston |
7 Jan Mølby |
10 Jim Bett |
13 Per Frimann |
11 Paul McStay |
20 Jan Bartram |
16 Frank McAvennie |
21 Henrik Andersen |
21 Davie Cooper |
9 Eamonn Bannon |
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18 Flemming Christensen |
18 Graeme Sharp |
19 John Eriksen |
17 Steve Archibald |
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GOL: 57′ Preben Elkjær Larsen (DIN) |
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CARTÃO AMARELO: 84′ Klaus Berggreen (DIN) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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61′ Paul Sturrock (ESC) ↓ |
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Frank McAvennie (ESC) ↑ |
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74′ Gordon Strachan (ESC) ↓ |
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Eamonn Bannon (ESC) ↑ |
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74′ Frank Arnesen (DIN) ↓ |
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John Sivebæk (DIN) ↑ |
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80′ Jesper Olsen (DIN) ↓ |
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Jan Mølby (DIN) ↑ |
(Imagem: FourFourTwo)
Melhores momentos da partida (Rede Globo):
Veja o gol da partida desde o início da jogada:
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