… Fernando Giudicelli: primeiro brasileiro a jogar pelo Real Madrid

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… Fernando Giudicelli: primeiro brasileiro a jogar pelo Real Madrid


Seleção Brasileira que entrou em campo para sua primeira partida em Copas do Mundo, na derrota para a Iugoslávia por 2 x 1. Em pé: Píndaro de Carvalho (técnico), Brilhante, Fausto, Hermógenes, Itália, Joel e Fernando (em destaque). Agachados: Poly, Nilo, Araken, Preguinho e Teóphilo. (Imagem: Terceiro Tempo)

● Filho de pais italianos, Fernando Rubens Pasi Giudicelli nasceu no Rio de Janeiro em 01/03/1906 e faleceu na mesma cidade em 28/12/1968. Assim como várias personalidades do início do século XX, há controvérsias sobre sua data de nascimento. Luis Miguel González (jornalista especializado na história do Real Madrid) afirma que Giudicelli nasceu em 01/01/1906.

Mais conhecido simplesmente como Fernando, o talentoso meio-campista de origem italiana começou sua carreira no tradicional América Futebol Clube, do Rio de Janeiro, onde jogou de 1924 a 1926. Era conhecido por jogar usando um boné de marinheiro.

Segundo nosso leitor Fabiano Gouvêa, em 1927 Fernando defendeu o Jequiá, da Ilha do Governador, na Liga Graphica.

Em 1927, Fernando se transferiu para o Fluminense, ficando até junho de 1931. Pelo Tricolor Carioca, ele jogou 94 vezes, vencendo 51, empatando 16 e perdendo 27, com 5 gols marcados.

Estreou pela Seleção Brasileira em plena Copa do Mundo de 1930, sendo um dos poucos atletas a participarem dos dois jogos do Brasil no Mundial: derrota para a Iugoslávia por 2 x 1 e vitória sobre a Bolívia por 4 x 0.

Ainda em agosto de 1930, jogou um amistoso pela Seleção contra a Iugoslávia, vencido por 4 x 1 no Estádio São Januário (então melhor estádio da América do Sul, até a construção do Estádio Centenário), no Rio de Janeiro (essa partida não foi considerada oficial pela Federação Iugoslava de Futebol). Foram essas três as suas únicas partidas com a então camisa branca da Seleção Brasileira.

Entre junho e agosto de 1931, Fernando e vários jogadores do Botafogo, como Nilo e Carvalho Leite, reforçaram o Vasco da Gama em uma excursão para a Europa (apenas a segunda viagem feita por um clube brasileiro para a Europa desde o Clube Atlético Paulistano, em 1925). Em amistosos disputados em Portugal e na Espanha (contra fortes adversários, como Barcelona, Benfica, Sporting e Porto), o combinado que representava o Vasco venceu oito dos doze jogos.

Por ter se destacado, Fernando Giudicelli permaneceu na Europa para se tornar profissional (o esporte no Brasil ainda era amador na época) e atuar no Torino. Ele poderia fazer isso, pois era considerado “oriundo”, ou seja, um emigrante italiano que estava retornando para casa, aproveitando a abertura dada pelo “Duce” Benito Mussolini.

Fernando foi um dos primeiros a se transferir para o futebol europeu em busca de enriquecimento. Já sabendo que não voltaria ao Brasil, em sua última partida pelo Fluminense ele surpreendeu a todos e espancou dentro de campo o juiz, chamado Leandro Carnaval, se vingando da arbitragem carioca.


                                                  (Imagem: pesmitidelcalcio.com)

● Seu início no Torino foi bom, a ponto de ser elogiado pelo técnico da Azzurra, Vittorio Pozzo, que o queria como substituto de Luisito Monti na seleção italiana.

Mas ao mesmo tempo em que sua qualidade técnica era reconhecida, sua falta de espírito competitivo era extremamente criticada e ele não conseguiu ter vida longa no Calcio italiano da época, que tinha um estilo muito mais aguerrido (como quase sempre).

Mesmo assim, ficou em Turim de setembro de 1931 a abril de 1933. Na primeira temporada, o Toro terminou em 8º na Série A e Fernando disputou 28 partidas, anotando um gol. Já em 1932/33, o Torino ficou em 7º e Fernando jogou apenas 12 vezes. Sem o desempenho esperado, Fernando foi dispensado pelo clube italiano.

Entre as temporadas de 1931/32 e 1932/33, passou um tempo no Rio e acabou por se tornar um dos primeiros agentes de jogadores. Convenceu Demósthenes Magalhães (seu sucessor no meio campo do Fluminense) a se juntar a ele no Torino. Demósthenes mudou seu nome para Demostene Bertini e, assim, obteve a cidadania italiana, mesmo de forma muito controversa.

Também no intervalo entre as temporadas seguintes, Fernando recrutava jogadores sul-americanos para clubes europeus. O centroavante Attilio Bernasconi, do time argentino All Boys, se transferiu também para o Torino em 1933 por iniciativa de Giudicelli.

Fontes afirmam que, após ser dispensado do Torino, em 1933, Fernando recebeu proposta do River Plate. Mas, querendo ficar na Europa, ele assinou com o Young Fellows Zürich (clube onde também jogava Fausto dos Santos, seu parceiro de Seleção na Copa de 1930).

No inverno, Fernando retornou ao Rio tentando recrutar jogadores para o futebol suíço. Mas o próprio Fernando não voltou para Zurique e voltou a jogar rapidamente no América-RJ, ao lado de Heitor Canalli (que começou a temporada 1933/34 no Torino, mas ficou apenas nove jogos e voltou ao Rio, reclamando que o clima do norte italiano era uma “tortura”).

Passou a temporada 1934/35 no Bordeaux, da França. Ao fim da temporada, voltou novamente ao Brasil e convenceu o goleiro Jaguaré (então no Corinthians) e o zagueiro Vianinha (do Paulista) a irem jogar na Itália. Mas ao fazer escala em Lisboa, os jogadores brasileiros ficaram sabendo do início da Segunda Guerra Ítalo-Abissínia. Assim, preferiram ficar em Portugal e jogar no Sporting, onde foram os primeiros brasileiros na história do clube.

Mas Fernando jogou apenas duas partidas pelo clube sportinguista: uma amistosa e uma pelo Campeonato de Lisboa, onde foi expulso após discussão com o árbitro. Posteriormente ele afirmou que não ficou no Sporting porque o futebol português ainda era amador.


                                                                        (Imagem: As)

● Então Fernando se transferiu para o Real Madrid, se tornando o primeiro brasileiro da história do clube. A bem da verdade, na época o time era “apenas” Madrid C.F., pois havia perdido o título de Real na época da Segunda República Espanhola (1931-1939).

Ainda que fosse um jogador muito bom tecnicamente e com um ótimo passe, Fernando era considerado frio e lento, que não combinava bem com o estilo de velocidade que se jogava no futebol espanhol.

As dúvidas sobre o futebol do craque, juntamente com sua vontade de assinar por apenas uma temporada, fizeram com que os merengues desistissem dele.

Sabendo que o Madrid não aceitaria suas condições contratuais, Giudicelli pediu à diretoria do clube para atuar em, pelo menos, uma partida, para provar suas qualidades e mostrar que suas exigências valiam a pena.

Assim, aceitaram lhe dar uma chance de jogar. E então Fernando vestiu o manto branco naquela mesma noite. Ficou combinado que se a diretoria o considerasse útil para o time, deveriam aceitar suas condições. Caso contrário, ele sairia da Espanha no mesmo dia.

E então, no dia 15/12/1935, Fernando vestiu pela única vez a camisa do Real Madrid em confronto com o Racing Santander, em partida válida pela Liga Espanhola, no Estádio Chamartín.

Teve a sua chance. Mesmo sem condições físicas, discutivelmente substituiu Antonio Bonet na escalação.

O técnico Francisco “Paco” Bru escalou a equipe com: Gyula Alberty; Ciriaco e Jacinto Quincoces; Pedro Regueiro, Fernando Giudicelli e Leoncito; Fernando Sañudo, Méndez Vigo, Simón Lecue, Luis Regueiro e Emilín.

Pelo Racing, jogaram: Pedrosa; Ceballos e Illardía; Rioja, Farcía e Germán; Chas, Cuca, Larrinaga, Milucho e Pombo. O árbitro foi Armengol.

A equipe do Racing venceu por 4 a 2. O Real sempre esteve atrás no placar, chegando a empatar a partida por duas vezes. Milucho abriu o placar aos 12′ e Emilín empatou aos 35′. Pombo fez o segundo do Santander aos 43′, mas Luis Regueiro empatou para o Madrid aos 70′. Chas fez o terceiro e Milucho, de novo, fez o quarto gol do Racing, fechando o placar.

A partida foi vibrante, rápida, “lá e cá”. Um jornal local escreveu que foi um jogo próprio de uma “final de campeonato”. Fernando deu mostras de sua qualidade técnica, mas não demonstrou ter “sangue” quente o suficiente para um confronto com as características dessa partida e foi criticado pelo técnico Paco Bru. O Madrid não perdia em Chamartín havia um ano, quando tinha perdido para o Sevilla por 1 x 0. E essa invencibilidade perdida caiu em cima de Fernando, que não conseguiu dar o ritmo necessário em um duelo tão intenso. Para piorar, a derrota fez o time madridista perder a liderança da liga para o Athletic.

Depois da partida, o meio-campista carioca se declarou “incapaz” de jogar no Madrid, já que todas as partidas eram jogadas como se fossem uma final de Copa. Em janeiro de 1936, Giudicelli viajou para França e muito se especulou sobre reuniões com o time do Lille, mas acabou acertando com o FC Antibes, onde jogou até o fim da temporada 1936/37, quando encerrou a carreira.

Mas não saiu do meio do futebol. Continuou trabalhando como agente de jogadores e instigou uma série de transferências desses atletas da América do Sul para a Europa.

Fernando, que tinha talento para se tornar uma lenda do futebol, acabou não conseguindo desfilar todo seu talento nos gramados mundo afora. De qualquer forma, entrou para a história por ser o primeiro brasileiro a vestir a gloriosa camisa do Real Madrid.


Parte do elenco da Seleção Brasileira em 1930. Em pé: Brilhante, Fernando, Hermógenes, Nilo, Carvalho Leite, Itália, Fausto dos Santos e Santana. Agachados: Teóphilo, Benevenuto, Benedito, Velloso, Doca, Russinho e Preguinho. (Imagem: Terceiro Tempo)

● Clubes que Fernando defendeu durante sua carreira:

– 1924-1927 América Football Club (RJ)
– 1927-1931 Fluminense Football Club (RJ)
– 1931-1933 Torino Football Club (Itália)
– 1933 FC Young Fellows Zürich (Suíça)
– 1934 América Football Club (RJ)
– 1934-1935 FC Girondins de Bordeaux (França)
– 1935 Sporting Clube de Portugal (Portugal)
– 1935 Real Madrid Club de Fútbol (Espanha)
– 1936-1937 Football Club Antibes (França)

2 pensou em “… Fernando Giudicelli: primeiro brasileiro a jogar pelo Real Madrid

  1. Fabiano Gouvêa

    Em 1927, Fernando defendeu o Jequiá, da Ilha do Governador, na Liga Graphica.

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