Três pontos sobre…
… 24/06/1990 – Argentina 1 x 0 Brasil
(Imagem: Pinterest)
● No início de 1989, Ricardo Teixeira, ex-genro de João Havelange, assumiu como presidente da CBF – mesmo sem experiência alguma no futebol. Seu técnico preferido para a Seleção Brasileira era Carlos Alberto Parreira, que estava impedido de assumir devido a um contrato vigente no mundo árabe. E o escolhido da vez então foi Sebastião Lazaroni, tricampeão carioca: 1986 (pelo Flamengo), 1987 e 1988 (pelo Vasco).
E Lazaroni apostou no sistema tático 3-5-2, com um estilo “europeizado”, com foco na velocidade e aplicação tática – ao contrário da escola do futebol brasileiro vistoso e ofensivo de outrora. E por um tempo, o treinador brasileiro calou os muitos críticos ao conquistar a Copa América de 1989.
No papel, o time não era ruim, com o goleiro Taffarel, os zagueiros Mauro Galvão e Ricardo Gomes, os laterais Jorginho e Branco, os volantes Dunga e Alemão e os atacantes Bebeto, Romário, Renato Gaúcho, Müller e Careca.
Mas, no Mundial de 1990, o ambiente interno estava conturbado e não havia acordo quanto à divisão da premiação prometida em caso de título. A concentração brasileira em Asti era rodeada por familiares e empresários, com acesso livre aos atletas. Especulou-se que muitos não se esforçaram por estarem negociando uma possível transferência para o futebol europeu. O próprio Lazaroni foi para a Fiorentina logo depois do Mundial.
O técnico e o médico Lídio Toledo tinham opiniões divergentes quando ao aproveitamento de Romário, que se recuperava de uma fratura no pé e ficou no banco. E Lazaroni não dava chances a Bebeto que, segundo o treinador, fazia melhor dupla com Romário, enquanto Müller era parceiro de Careca. Sem Romário 100%, Bebeto acabou prejudicado, mesmo estando em ótima fase.
A Argentina queria conquistar seu terceiro título em quatro edições disputadas desde 1978, mas também não era a mesma de quatro anos antes. Fracassou na Copa América que sediou, em 1987, mesmo ainda tendo o time base de um ano antes. Seis campeões mundiais ainda eram titulares. O novo fracasso na Copa América de 1989 levou os argentinos a chegarem com menos cartaz na Itália. A bem da verdade, cada vez mais eles dependiam de Maradona. Entre o fim da Copa de 1986 e o início do Mundial de 1990, os portenhos jogaram 31 vezes e conseguiram apenas seis vitórias. Mas Diego motivou o time, dizendo: “vão ter que arrancar a Copa de nossas mãos”. Ao final das contas, aos trancos e barrancos, ainda era a Argentina.
(Imagem: Agência AP / Globo Esporte)
● Discreta e sem brilho, a Seleção Brasileira teve 100% de aproveitamento (algo que só a anfitriã Itália também conseguiu) com três vitórias em três jogos contra adversários apenas medianos: Suécia (2 x 1), Costa Rica (1 x 0) e Escócia (1 x 0). Mas o fato é que o nível apresentado pelo escrete canarinho não era nada convincente.
A Argentina estava ainda pior. Se classificou apenas como terceiro colocado de sua chave. Estreou passando vergonha ao perder para Camarões (1 x 0) na partida de abertura do Mundial. Depois, venceu sem brilho a União Soviética (2 x 0) e empatou com a Romênia (1 x 1).
Mas em um clássico “Brasil x Argentina” tudo pode acontecer. Afinal, se trata de uma das maiores rivalidades do mundo do futebol.
Carlos Bilardo mandou sua equipe ao campo no 3-5-2, com forte proteção ao sistema defensivo e liberdade para Burruchaga e Maradona criarem.
Sebastião Lazaroni armou a Seleção no sistema 3-5-2, com Mauro Galvão como líbero e os laterais atuando mais à frente, como alas. Por falta de costume com o esquema, os laterais voltavam à linha de defesa e o miolo de zaga se embolava. O time ficou muito defensivo e faltava criatividade no meio campo.
● A rivalidade e o momento ruim do rival fizeram o Brasil começar com tudo. Logo no primeiro minuto, Careca forçou Sergio Goycochea – o Tapa-Penales – a fazer uma boa defesa. Careca estava no auge da forma técnica, campeão italiano pelo Napoli ao lado de Alemão e Maradona.
Aos 18′, Branco cruzou da esquerda e Dunga cabeceou com força, mas a bola foi na trave.
Oito minutos depois, Troglio obrigou Taffarel a fazer a sua única defesa no primeiro tempo.
O volume de jogo do Brasil era muito superior. Goycochea fez cera desde o começo, confiando em seu excepcional retrospecto em cobranças de pênaltis – que se provaria nas quartas de final e na semifinal.
Na reta final do primeiro tempo, em uma rápida parada durante atendimento médico a Pedro Troglio, Branco tomou uma água oferecida pelo massagista argentino Miguel di Lorenzo. Descobriu-se depois que essa água estava “batizada” com tranquilizantes (veja mais abaixo). E o lateral brasileiro, sempre intenso, passou a se arrastar em campo, ficando com os reflexos mais lentos e chutando a bola sem sua potência costumeira.
A Argentina equilibrou mais o jogo na etapa complementar.
Aos 7′, Careca cruzou da esquerda e a a bola foi na trave. Na sobra, Alemão deu um belo chute e a bola foi de novo no poste. Era a terceira bola na trave na partida, a segunda no mesmo lance.
A Seleção Brasileira bombardeava de todos os jeitos e a vitória parecia ser uma questão de tempo.
Aos 17′ do segundo tempo, Burruchaga chutou com perigo, rente à trave direita, mas Taffarel impediu o gol.
“Ali pelos 20 minutos nosso meio-campo começou a ganhar”, analisaria Bilardo depois do jogo.
Depois, Müller furou uma finalização após um passe de Careca.
O Brasil foi amplamente superior durante os noventa minutos, demonstrando um futebol que não havia apresentado até então. Os hermanos não tinham pudor em se defender com todos seus jogadores. E os albicelestes, tão presos ao seu campo de defesa, tiveram um contra-ataque ao seu favor que seria definitivo.
(Imagem: Futebol Portenho)
Aos 35 minutos do segundo tempo, a bola caiu justamente nos pés de Maradona, que fez sua primeira jogada genial na Copa. Ele fez fila, passando Alemão, Dunga e Ricardo Rocha, além de fazer Ricardo Gomes e Mauro Galvão baterem cabeça e deixar Claudio Caniggia livre, em condições para driblar Taffarel e mandar para as redes.
“Alemão saiu atrasado e não fez a falta como devia”, lastimou Lazaroni. Com certeza Alemão deveria ter feito a chamada “falta tática”, em que se mata a jogada em seu nascedouro, antes que ela se torne perigosa.
“Estou jogando com meio Maradona. Mas, mesmo com uma perna só, ele é a diferença.” ― Carlos Bilardo
O esquema de Lazaroni, que privilegiava a disciplina tática, não resistiu à genialidade de Maradona.
Dois minutos depois do gol, José Basualdo fez boa jogada e escapava livre em direção ao gol. Como último recurso, Ricardo Gomes lhe deu um carrinho por trás e foi expulso.
Na cobrança dessa mesma falta, Maradona obrigou Taffarel a uma ótima defesa.
Com um homem a menos, o escrete canarinho ainda pressionou e ainda teve uma chance de ouro para empatar a dois minutos do fim. Uma bola mal rebatida pela defesa portenha caiu nos pés de Müller na linha da pequena área. Mesmo livre, o atacante mandou a bola para fora. Faltou concentração ao atacante brasileiro.
Foi a última chance e o Brasil estava eliminado por seu maior rival.
Certamente não existe justiça no futebol. E não houve, ao menos nesse jogo. A defensiva Seleção de Lazaroni caiu justo no jogo em que foi mais ofensiva e acabou jogando muito bem. “Só” faltaram os gols.
(Imagem: Bol)
● Após a partida, Maradona resumiu tudo: “O Brasil merecia ganhar, mas o futebol é assim mesmo”. E foi consolar seu amigo Careca: “Eu queria festejar, mas não se pode mostrar alegria na frente de um amigo que está muito triste”.
Careca foi o mais sacrificado pelo sistema de jogo, mas defendeu Lazaroni: “Se tivéssemos ganhado, ninguém nem se lembraria do esquema”.
“Fomos muito mal no primeiro tempo. Mas o grupo é forte e mostrou que tem brio depois de tanta gozação, tanta gente prevendo que não iríamos adiante.” “Ganhar do Brasil é, sem dúvida, uma grande alegria. Eu não estava com o palpite de que marcaria, mas sabia que Maradona poderia resolver. Quando a bola chegou, eu só tinha de matar Taffarel.” ― Claudio Caniggia
O Brasil fez 61 desarmes e bateu seu recorde, mas, em compensação, foi desarmado 60 vezes (outro recorde). Errou apenas 24 passes.
Após a derrota, muitos reservas questionaram publicamente o técnico Sebastião Lazaroni por uma vaga no time titular. Alguns atacaram os próprios colegas. “Vim disputar a Copa e o máximo que consegui foram promessas”, reclamou o zagueiro Aldair. “Lazaroni foi desonesto comigo”, afirmou o atacante Bebeto. “O Brasil não perdeu a Copa de 90 fora do campo. Perdeu dentro, por incompetência de alguns jogadores”, criticou o atacante Romário. Renato Gaúcho disse ainda mais: “Fui sacaneado e perseguido por reclamar que o esquema era defensivo demais. A derrota foi um belo castigo para um técnico retranqueiro. Iríamos mais longe com onze Renatos. Falta tesão para muito jogador. Eu não sou um acomodado. O dia em que eu encostar o corpo, eu me aposento”.
“Nós tentamos, fizemos o possível, tudo o que sabíamos. Infelizmente não o bastante para fazer a bola entrar no gol argentino”, dizia Lazaroni desconsolado. “O problema é que a Copa do Mundo é uma guilhotina. E a cabeça que rolou hoje foi a nossa.”
Quando a delegação brasileira chegou ao Rio de Janeiro, uma faixa os recepcionava: “Quem tem merda na cabeça? Camarões ou Lazaroni?” O técnico brasileiro foi muito criticado, taxado como defensivista e acusado de ser conivente com os problemas internos entre os atletas. Antes da Copa, ele era considerado um técnico ultramoderno para a época, antenado às novas tendências táticas e sistemas de treinamento. Após o torneio, Lazaroni se tornou sinônimo de “defensivismo”, “cabeça dura” e “burrice”.
Bebeto e Romário haviam sido titulares na conquista da Copa América de 1989, mas foram relegados ao banco de reservas durante o Mundial. “Pode anotar: foi a minha primeira e última Copa”, disse um negativo Romário. “Estaremos juntos na Copa do Mundo de 1994”, afirmou um positivo Bebeto.
O 9º lugar foi a terceira pior participação brasileira em Copas do Mundo, atrás apenas do 11º na Inglaterra em 1966 e o 14º também na Itália, em 1934.
O título da matéria da revista Placar que foi às bancas dois dias depois do jogo era bem icônico: “Era Maradona”. Uma crítica à tão mencionada “Era Dunga”, tratada pela imprensa de forma pejorativa, devido a importância exagerada que Lazaroni dava ao bom, mas esforçado e limitado volante gaúcho. Mas Dunga foi eleito injustamente como o símbolo do fracasso brasileiro na Copa de 1990 e daria a volta por cima ao ser o capitão da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1994.
E a Argentina seguiu capengando em sua sequência na Copa. Nas quartas, contou com a estrela do goleiro Goycochea, que pegou duas cobranças na vitória por pênaltis por 3 a 2 sobre a Iugosláviam após um empate sem gols. Nas semifinais, após 1 x 1 com a anfitriã Itália, Goycochea pegou outras duas cobranças e a Argentina venceu nos pênaltis por 4 a 3. Na decisão, já no fim da partida, um pênalti polêmico resultou na derrota para a Alemanha Ocidental por 1 a 0 e no vice-campeonato.
(Imagem: O Curioso do Futebol)
● Durante a partida, Branco se queixou que ficou que estava sonolento, zonzo e com náuseas após beber a água suspeita, mas não foi levado a sério por ninguém. “Notei um gosto estranho e senti tontura. Avisei o bandeirinha porque achei que fosse algo dopante.”
O episódio ficou esquecido por quase quinze anos, mas voltou à tona quando Maradona comentou sobre o assunto ao ficar bêbado em um jantar. Durante o programa de TV Mar de Fondo, ele disse que o conteúdo da garrafa era Rohypnol (Rufilin), nome comercial do composto Flunitrazepam, popularmente conhecido como “Boa Noite Cinderela” ou “Droga do Estupro”, que se tornou mais conhecido após o filme “The Hangover” (“Se Beber Não Case”).
Diego confessou que a água realmente tinha sonífero. Quando um Ricardo Giusti foi beber da mesma garrafa, alguém gritou: “dessa aí, não! Da outra”. Em seu antigo programa de televisão La Noche del Diez, Maradona confessou, mas negou a autoria: “Cito o pecado, mas não o pecador”.
O técnico Carlos Bilardo foi evasivo. A revista Veintitrés publicou uma entrevista com El Narigón e o título “(Quase) Confesso que fiz trapaça”. Ele não respondeu diretamente sobre o caso e disse que não sabia de nada, mas acabou afirmando: “Não disse que isso não aconteceu, hein?”. Diversas versões afirmam que o treinador tenha autorizado ou até mesmo ordenado que a tal água fosse entregue a Branco durante a partida.
O assunto se tornou folclore, especialmente no futebol argentino, considerado como parte de uma lista de espertezas, ao lado da icônica “Mão de Deus” de Maradona contra a Inglaterra em 1986.
(Imagem: Getty Images / Globo Esporte)
● FICHA TÉCNICA: |
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ARGENTINA 1 x 0 BRASIL |
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Data: 24/06/1990 Horário: 17h00 locais Estádio: Delle Alpi Público: 61.381 Cidade: Turim (Itália) Árbitro: Joël Quiniou (França) |
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ARGENTINA (3-5-2): |
BRASIL (3-5-2): |
12 Sergio Goycochea (G) |
1 Taffarel (G) |
15 Pedro Monzón |
19 Ricardo Rocha |
20 Juan Simón |
21 Mauro Galvão |
19 Oscar Ruggeri |
3 Ricardo Gomes (C) |
4 José Basualdo |
2 Jorginho |
7 Jorge Burruchaga |
4 Dunga |
14 Ricardo Giusti |
5 Alemão |
21 Pedro Troglio |
8 Valdo |
16 Julio Olarticoechea |
6 Branco |
10 Diego Armando Maradona (C) |
15 Müller |
8 Claudio Caniggia |
9 Careca |
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Técnico: Carlos Bilardo |
Técnico: Sebastião Lazaroni |
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SUPLENTES: |
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22 Fabián Cancelarich (G) |
12 Acácio (G) |
1 Ángel Comizzo (G) [1 Nery Pumpido (G)] |
22 Zé Carlos (G) |
5 Edgardo Bauza |
13 Mozer |
11 Néstor Fabbri |
14 Aldair |
18 José Serrizuela |
18 Mazinho |
2 Sergio Batista |
10 Silas |
17 Roberto Sensini |
7 Bismarck |
13 Néstor Lorenzo |
20 Tita |
6 Gabriel Calderón |
17 Renato Gaúcho |
3 Abel Balbo |
16 Bebeto |
9 Gustavo Dezotti |
11 Romário |
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GOL: 81′ Claudio Caniggia (ARG) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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27′ Pedro Monzón (ARG) |
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28′ Ricardo Giusti (ARG) |
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40′ Ricardo Rocha (BRA) |
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50′ Mauro Galvão (BRA) |
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87′ Sergio Goycochea (ARG) |
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CARTÃO VERMELHO: 85′ Ricardo Gomes (BRA) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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61′ Pedro Troglio (ARG) ↓ |
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Gabriel Calderón (ARG) ↑ |
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84′ Alemão (BRA) ↓ |
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Silas (BRA) ↑ |
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84′ Mauro Galvão (BRA) ↓ |
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Renato Gaúcho (BRA) ↑ |
Gol da partida:
Melhores momentos:
Jogo completo:
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