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… 22/06/1994 – Estados Unidos 2 x 1 Colômbia

Três pontos sobre…
… 22/06/1994 – Estados Unidos 2 x 1 Colômbia


(Imagem: Action Images)

● Os Estados Unidos não eram muito chegados ao futebol. O desdém é tamanho que eles o chamam de “soccer”, enquanto o “football” deles é outro esporte jogado predominantemente com as mãos e uma bola oval. E lá o “soccer” é historicamente um esporte de minorias, especialmente latino-americanos, negros ou mulheres. Relegado a segundo plano, o “soccer” é o quinto esporte mais popular no país, atrás do futebol americano, beisebol, basquete e hóquei no gelo.

Em pesquisas nas ruas antes do Mundial, o povo americano em geral não fazia ideia que o país sediaria a Copa do Mundo. Especialistas dizem que o futebol não é popular no país porque os norte-americanos detestam jogos em que os pontos demoram a acontecer e costumam ser poucos ao fim de cada partida (quando eles acontecem). Além disso, eles não entendem o conceito de empate. Para eles, alguém sempre tem que vencer.

Mas se tem uma coisa que os ianques são bons é em sediar e organizar grandes eventos. Além de possuir uma fantástica infraestrutura hoteleira, turística e de transportes, haviam muitos estádios de grande porte que poderiam ser facilmente adaptados para receberem o torneio.

Na época, os ianques não possuíam um campeonato organizado ou uma liga de futebol em seu país. Os jogadores eram praticamente amadores em times mais amadores ainda. A Major League Soccer só começou a ser disputada em 1996.

O Mundial de 1994 era a quarta edição disputada pelos EUA. Eles haviam participado em 1930, 1950 e 1990.

O técnico era o experiente sérvio Bora Milutinović, que havia treinado o México em 1986 e a Costa Rica em 1990. Posteriormente, ele completaria cinco Copas, treinando a Nigéria em 1998 e a China em 2002.

O time estadunidense tinha jogadores folclóricos como o goleiro Tony Meola, os zagueiros Alexi Lalas e Marcelo Balboa e o meia Cobi Jones (que depois jogaria no Vasco).


(Imagem: Getty Images / Globo Esporte)

● A Colômbia também tinha pouca tradição em Mundiais. Era apenas a terceira vez que La Tri disputava o torneio (após 1962 e 1990). Apesar disso, os colombianos eram cotados como um dos candidatos ao título – inclusive pelo Rei Pelé.

A seleção era formada pela mais talentosa geração de jogadores já surgida no país e estava mais madura depois da Copa de 1990. Os destaque eram o goleiro Óscar Córdoba, os zagueiros Luis Carlos “Coroncoro” Perea e Andrés “El Caballero” Escobar, os meias Carlos “El Pibe” Valderrama e Freddy Rincón, além dos atacantes Faustino Asprilla (do Parma) e Adolfo “El Tren” Valencia (do Bayern de Munique).

O principal desfalque foi René Higuita, o goleiro espetáculo. Ele ficou preso por sete meses em 1993 acusado de participar de um sequestro. Ele acabaria inocentado, mas acabou ficando fora da Copa de 1994.

O técnico Francisco Maturana era um treinador à frente do seu tempo e trouxe uma disciplina tática que os colombianos não estavam acostumados. Ele havia levado o Atlético Nacional a conquistar a Copa Libertadores da América em 1989 – título inédito para o futebol colombiano. Quatro jogadores daquela equipe eram titulares na Copa de 1994: a dupla de zaga Perea e Escobar, o lateral esquerdo Luis Fernando “Chonta” Herrera e o meia Leonel Álvarez.

Nas eliminatórias, a Colômbia foi líder do Grupo A e terminou invicta, com quatro vitórias e dois empates (os dois contra o Paraguai, 0 x 0 em casa e 1 x 1 fora). Bateu o Peru por 1 x 0 em Lima e por 4 x 0 em Barranquilla. Na mesma cidade, venceu a Argentina por 2 x 1.

Mas a cereja do bolo foi mesmo o confronto direto contra a Argentina. Em pleno Monumental de Núñez, a Colômbia pôs os hermanos na roda e goleou por 5 x 0, fora o baile. Foram dois gols de Rincón, dois de Asprilla e um de Valencia. Esse resultado classificou a Colômbia para a Copa e empurrou os argentinos para a repescagem diante da Austrália.

Ao todo, foram 19 jogos de invencibilidade ao longo do ano de 1993.

Mas com certa soberba e muito salto alto, a realidade foi cruel aos cafeteros. Na primeira partida, a Colômbia não conseguiu suportar a dinâmica da Romênia, regida pelo maestro Gheorghe Hagi, e perdeu por 3 a 1.

E a situação ficou extremamente tensa nos dias que antecederam ao duelo com os Estados Unidos.


(Imagem: Getty Images / Globo Esporte)

● O irmão do defensor “Chonta” Herrera havia sido assassinado num acidente de carro suspeito. O time recebeu ameaças de morte na TV do hotel. Havia pressão externa para a escalação de certos jogadores e também ordens para outros não serem escalados.

O volante Gabriel “Barrabás” Gómez era um dos homens de confiança do técnico Francisco Maturana e titular absoluto do time. Ele era irmão do auxiliar técnico Hernán Darío Gómez. Muitos acreditavam que esse parentesco era a razão para a titularidade de “Barrabás” – até o narcotráfico colombiano. Foi por isso que antes da partida o aparelho de faz do hotel Marriott de Fullerton revelou uma ameaça de morte para o volante caso ele entrasse em campo diante dos Estados Unidos. Inicialmente, “Barrabás” pensou em ignorar o aviso, mas desistiu ao refletir que a ameaça também se estendia à sua família.

“Eu não podia colocar outra vida em perigo. Barrabás era um jogador chave, mas eles me venceram. Nós ligamos para casa, havia tiroteios, um caos completo e foi assim que entramos em campo naquele dia.” ― Francisco Maturana em entrevista ao jornal inglês Telegraph

“Ligaram para o hotel onde estávamos e nos fizeram ameaças de morte! Disseram que se Gabriel Gómez não fosse barrado, tanto ele quanto o ‘Profe’ (Francisco Maturana) seriam mortos. Sendo que Gómez era um dos jogadores fundamentais para nossa seleção. Nunca soubemos de onde vieram estas ameaças, quem fez, mas chegamos sob muita tensão na partida contra os Estados Unidos.” ― Luis Carlos Perea

Logicamente, Maturana preferiu não arriscar e escalou Hernán Gaviria no lugar de “Barrabás” Gómez.

Mas os colombianos entraram abalados em campo.


As duas equipes jogavam no sistema tático 4-4-2.

● Assim, às 16h30 daquele dia 22 de junho, 94 mil pessoas lotaram o estádio Rose Bowl, em Pasadena, Califórnia. Os donos da casa enfrentariam uma das seleções favoritas ao título.

Depois de um empate por 1 x 1 com a Suíça na primeira rodada, os Estados Unidos precisavam vencer para ficar mais próximo da classificação. Nunca um anfitrião havia caído na primeira fase e os ianques não queriam ser os primeiros. Eles corriam esse risco em um grupo muito equilibrado.

Empurrados pela empolgada torcida, os norte-americanos jogaram como nunca e partiram para o ataque dispostos a resolver logo o jogo.

Os colombianos estavam nervosos. Sentiam a pressão de terem que vencer de qualquer maneira.

No começo do jogo, Rincón cruzou da direita, Herrera tocou para o meio da área e Mike Sorber se atrapalha e mandou na própria trave. No rebote, o baixinho Antony de Ávila chutou, mas Marcelo Balboa tirou em cima da linha e Fernando Clavijo tirou de lá.

Os americanos começaram a encaixar contragolpes perigoso e criar mais chances claras de gol. Em uma delas, Balboa cabeceou para fora. Em outra, Eric Wynalda acertou a trave.

Aos 35′, Freddy Rincón perdeu uma bola que chegou até Thomas Dooley. Ele cruzou rasteiro da esquerda, Andrés Escobar tentou cortar de carrinho, mas acabou mandando contra as próprias redes, no contrapé do goleiro Óscar Córdoba, que nada pôde fazer. 1 a 0.

Escobar nunca assistiu a um replay sequer do lance.

“Depois da partida, lembro de ele estar muito triste por este gol contra. Lembro de ele me falar que nunca tinha marcado contra na sua vida, e foi acontecer justo em um Mundial.” ― Santiago Escobar, irmão de Andrés

Sem conseguir reagir, a Colômbia viu os EUA ampliar o marcador aos sete minutos do segundo tempo. Tab Ramos deu um passe por elevação e Earnie Stewart tocou na saída do goleiro. 2 a 0.

O placar poderia ser maior. O zagueiro roqueiro Alexi Lalas teve um gol mal anulado por impedimento e quase fez outro de cabeça, que Córdoba salvou.

No lance mais lindo da tarde, Tab Ramos cobrou escanteio da direita e o zagueiro Marcelo Balboa emendou uma bicicleta perfeita. A bola passou a poucos centímetros da trave direita do goleiro. Seria um golaço histórico.

Os cafeteros pareciam sentir o golpe. O time estava muito lento e oferecia pouco perigo. Só conseguiu marcar seu gol no minuto final, mas já era tarde demais. Rincón fez a jogada na área e chutou forte. Meola defendeu no susto, mas deu rebote. Valencia pegou a sobra e finalizou para o gol. 2 a 1.


(Imagem: Romeo Gacad / AFP / Getty Images)

● Pela primeira vez essa geração viu uma vitória dos norte-americanos em um jogo de Copa do Mundo. A última havia sido a “zebra” diante da Inglaterra em 1950.

Com a vitória por 2 x 1, os Estados Unidos festejaram a classificação para a segunda fase pela segunda vez em sua história – a primeira desde 1930.

Na última rodada, os colombianos mantinham uma remota chance de classificação. Para isso, precisaria vencer a Suíça e torcer para que os EUA vencessem a Romênia. Além disso, ainda dependiam dos resultados de outros grupos, na tentativa de ficar entre os quatro melhores terceiros colocados da fase de grupos. Apesar da ínfima possibilidade, Maturana chegou a pedir demissão, mas foi convencido a permanecer no cargo para a última rodada. Sem tanta pressão, a Colômbia venceu por 2 x 0, com gols de Hernán Gaviria (aos 44′) e John Harold Lozano (aos 90′). Mas a vitória foi insuficiente, já que a Romênia acabou vencendo os EUA por 1 x 0. Contrariando todas as previsões otimistas, a Colômbia foi eliminada na primeira fase.

Um dos maiores nomes daquela seleção era Freddy Rincón, que na época jogava no Palmeiras. Na volta a seu país, ele foi questionado pela sua esposa, Adriana, sobre o mau futebol da seleção na Copa. Freddy a agrediu com um chute na perna, o que ocasionou uma fratura na tíbia. Mas, para evitar escândalos, a mulher não levou o caso adiante e perdoou o jogador.

Nas oitavas de final, os EUA enfrentaram de igual para igual a Seleção Brasileira, mas Bebeto aproveitou ótima jogada de Romário e fez o único gol do jogo, eliminando os donos da casa.

Em 2013 foi ao ar na emissora colombiana TV Caracol uma novela sobre a geração da seleção da Colômbia na década de 1990, se tornando campeã de audiência no país. Com sessenta capítulos, os principais personagens eram os nomes mais conhecidos da seleção cafetera: Carlos Valderrama, Freddy Rincón, René Higuita e Faustino Asprilla.

Antes disso, em 2010, foi lançado o longa-metragem “The Two Escobars”, um documentário que mostra a relação estreita do narcotráfico (comandado pelo traficante Pablo Escobar) e o futebol (representado pelo jogador Andrés Escobar). Sem nenhum parentesco, apesar de terem o mesmo sobrenome, os dois foram assassinados com sete meses de diferença – Pablo no dia 02/12/1993 e Andrés em 02/07/1994.


(Imagem: AFP)

A morte de Andrés Escobar, “El Caballero”

O narcotráfico sempre manteve forte relação com o futebol, principalmente nas cidades de Medellín e Cali. O traficante Pablo Escobar era o principal responsável direto pelos bons resultados do esporte no país entre o meio dos anos 1980 e início dos anos 1990, ao financiar a contratação de estrelas com o dinheiro do crime. Andrés Escobar jogava em um dos clubes beneficiados pelo cartel, o Atlético Nacional.

O zagueiro Andrés Escobar vivia o auge de sua carreira. Havia conquistado a Copa Libertadores da América em 1989 e disputava sua segunda Copa do Mundo como titular, aos 27 anos. Segundo algumas fontes, ele estava negociando sua transferência com o Milan para depois do Mundial. Ele seria uma opção a Franco Baresi, que não demoraria a se aposentar.

Pelo seu estilo de jogo, era chamado de “El Caballero”.

“Era um extraordinário defensor que atuava pela esquerda. Muito técnico, tinha bom controle, passes curtos, sabendo jogar para seus laterais com tranquilidade. Sempre foi muito elegante para jogar. Quando davam liberdade, inclusive, ia para a área rival. Marcou 21 gols em sua carreira.” ― Santiago Escobar, irmão de Andrés

Mas o zagueiro foi apontado como um dos principais culpados pela queda prematura da seleção colombiana, principalmente por causa do gol contra diante dos EUA.

Depois da Copa, Andrés Escobar tinha planos de tirar umas férias com sua família na costa dos Estados Unidos. Mas ele preferiu voltar ao seu país, sair de casa e “mostrar a cara para o seu povo”, como ele disse a Maturana.

Na madrugada do dia 02 de julho, o zagueiro estava na saída do estacionamento da discoteca El Indio Bar, em Medellín, quando foi agredido verbalmente por três homens e uma mulher que protestavam por seu gol contra.

Escobar reagiu com um pedido de respeito, mas foi brutalmente assassinado com doze tiros à queima-roupa. O zagueiro morreu 45 minutos depois.

Humberto Muñoz Castro, que assumiu a autoria do crime, era guarda-costas e motorista dos irmãos Pedro e Juan Santiago Gallón Henao. Os dois, que eram traficantes de drogas, também foram suspeitos de estar no local da morte de Andrés Escobar.

Uma das versões da acusação aponta que os Gallón Henao teriam encomendado a morte de Escobar por terem perdido muito dinheiro em apostas no título da Colômbia. Já outra versão, menos romântica, diz que foi apenas uma discussão ocorrida na discoteca.

Muñoz Castro foi condenado a 43 anos de prisão, mas ganhou sua liberdade depois de 11 anos por bom comportamento.

Mas a impunidade dos irmãos Gallón Henao causou mais indignação. Os dois foram condenados inicialmente a 15 anos de prisão por acobertarem o crime, mas foram soltos de imediato mediante pagamento de fiança.

Depois da morte de Escobar, seus companheiros de seleção passaram a andar escoltados por segurança.

“Andrés estava em um lugar errado e na hora errada. Além disto, era um momento perigoso para qualquer jogador da Colômbia naquele momento estar na rua.” ― Luis Carlos Perea

“Tenho as melhores lembranças possíveis dele. Andrés foi um grande jogador e uma excelente pessoa. Nos mantínhamos na concentração, jogando cartas, e era muito divertido. Sempre gostava muito de conversar. Além disto, foi o melhor zagueiro com quem joguei. Para mim foi muito dura a morte dele. Cheguei a pensar até em me aposentar na época. Até hoje, sinto muito a falta dele.” ― Luis Fernando Herrera

“Um momento muito duro. Além da eliminação no Mundial, veio este marco, e justo com um bom amigo como o Escobar.” ― Faustino Asprilla

“Era um companheiro no qual tínhamos muita confiança. Era um cara muito legal, bastante divertido, sem contar tudo o que representava para nós na Colômbia, o “senhor” jogador que era. Um tipo de pessoa que está em extinção.” ― Freddy Rincón

“Se soubéssemos que o gol contra provocaria isso, preferiríamos ter perdido aquele jogo.” ― Thomas Dooley, volante norte-americano

Certamente essa foi uma das mais dolorosas páginas da história das Copas.


(Imagem: UOL)

FICHA TÉCNICA:

 

ESTADOS UNIDOS 2 x 1 COLÔMBIA

 

Data: 22/06/1994

Horário: 16h30 locais

Estádio: Rose Bowl

Público: 93.869

Cidade: Pasadena (Estados Unidos)

Árbitro: Fabio Baldas (Itália)

 

ESTADOS UNIDOS (4-4-2):

COLÔMBIA (4-4-2):

1  Tony Meola (G)(C)

1  Óscar Córdoba (G)

21 Fernando Clavijo

20 Wilson Pérez

17 Marcelo Balboa

15 Luis Carlos Perea

22 Alexi Lalas

2  Andrés Escobar

20 Paul Caligiuri

4  Luis Fernando Herrera

5  Thomas Dooley

14 Leonel Álvarez

6  John Harkes

5  Hernán Gaviria

9  Tab Ramos

10 Carlos Valderrama (C)

16 Mike Sorber

19 Freddy Rincón

11 Eric Wynalda

21 Faustino Asprilla

8  Earnie Stewart

7  Antony de Ávila

 

Técnico: Bora Milutinović

Técnico: Francisco Maturana

 

SUPLENTES:

 

 

18 Brad Friedel (G)

12 Faryd Mondragón (G)

12 Juergen Sommer (G)

22 José María Pazo (G)

2  Mike Lapper

3  Alexis Mendoza

3  Mike Burns

13 Néstor Ortiz

4  Cle Kooiman

18 Óscar Cortés

7  Hugo Pérez

17 Mauricio Serna

13 Cobi Jones

6  Gabriel “Barrabás” Gómez

19 Claudio Reyna

8  John Harold Lozano

10 Roy Wegerle

9  Iván Valenciano

14 Frank Klopas

11 Adolfo Valencia

15 Joe-Max Moore

16 Víctor Aristizábal

 

GOLS:

35′ Andrés Escobar (EUA) (gol contra)

52′ Earnie Stewart (EUA)

90′ Adolfo Valencia (COL)

 

CARTÕES AMARELOS:

24′ Antony de Ávila (COL)

48′ Alexi Lalas (EUA)

 

SUBSTITUIÇÕES:

INTERVALO Antony de Ávila (COL) ↓

Adolfo Valencia (COL) ↑

 

INTERVALO Faustino Asprilla (COL) ↓

Iván Valenciano (COL) ↑

 

61′ Eric Wynalda (EUA) ↓

Roy Wegerle (EUA) ↑

 

66′ Earnie Stewart (EUA) ↓

Cobi Jones (EUA) ↑

● Melhores momentos da partida:

… 09/06/1990 – Colômbia 2 x 0 Emirados Árabes Unidos

Três pontos sobre…
… 09/06/1990 – Colômbia 2 x 0 Emirados Árabes Unidos


(Imagem: AFP Photo / Thenational.ae)

● A Colômbia voltava a participar de uma Copa do Mundo 28 anos depois. Foi a campeã do Grupo 2 das eliminatórias da Conmebol, deixando para trás o Paraguai e o Equador. E por ter sido o líder que somou menos pontos dentre os sul-americanos, teve que disputar a repescagem intercontinental contra Israel, que havia sido o vencedor na Oceania. Com uma vitória em casa e o empate sem gols fora, enfim, Los Cafeteros se garantiram no Mundial.

O sorteio dos grupos não foi muito favorável. Embora o Grupo D contasse com o “sparring” Emirados Árabes Unidos, tinha também as fortíssimas seleções de Alemanha Ocidental e Iugoslávia. Mas os colombianos viajaram à Itália prontos para roubarem a cena.

Todos os olhares buscavam a cabeleira acaju e despenteada de Carlos “El Pibe” Valderama. Era um “falso lento”, mas rápido com a bola nos pés e inteligente na armação. Era o capitão e cérebro do time.

O título maior de astro do país era dividido com René “El Loco” Higuita. O “goleiro-líbero” sempre roubava os olhares a cada saída espalhafatosa do gol. Pouco importava se fosse bem ou mal sucedido. Seu estilo não era nada ortodoxo e uma novidade para os europeus. Por vezes assumia o papel de zagueiro e até iniciava a armação de seu time, gerando bons contra-ataques. Se especializou também em cobranças de pênalti (cobrando e defendendo), além de ser bom batedor de falta. Terminaria a carreira com 41 gols marcados (37 em cobranças de pênalti e 4 de falta) e até hoje é o 3º maior goleiro artilheiro da história. Se não bastasse tudo isso, era ainda muito bom em sua principal função: como goleiro mesmo. Era um astro em campo, que deixava a torcida de pé.

Não eram apenas as cabeleiras exóticas que atraíam os olhares. Pela primeira vez em sua história, a Colômbia possui mais do que jogadores esforçados. Os sul-americanos praticavam um futebol moderno.

A eficiente equipe foi montada por Francisco Maturana, que começou uma revolução no futebol do país desde 1987, ao trabalhar a marcação sob pressão. Ex-jogador do Atlético Nacional, ele levou o time ao histórico título da Copa Libertadores da América de 1989, ao mesmo tempo em que treinava a seleção de seu país. Focou na renovação do plantel nacional, dando chance a novos talentos como os meias Bernardo Redín e Freddy Rincón, além do zagueiro Andrés Escobar.

Com isso, a Colômbia era a seleção que gerava mais curiosidade antes do início do Mundial. Era uma incógnita. Ninguém sabia o que realmente esperar.

Na única Copa que havia disputado, em 1962, perdeu para o Uruguai (2 x 1) e para a Iugoslávia (5 x 0), além de ter conseguido um heroico empate por 4 x 4 com a União Soviética – com direito ao único gol olímpico da história dos Mundiais – após estar perdendo por 4 x 1.


Valderrama tabela com Gildardo Gómez (Imagem: Bob Thomas / Getty Images)

● Situado no Golfo Pérsico, os Emirados Árabes Unidos existem como nação desde 1971. Menos de duas décadas se passaram e a seleção desse país de apenas 83.600 km² (menor que o estado de Pernambuco) foi fazer a sua estreia em Copas do Mundo.

Os árabes ficaram em segundo lugar no hexagonal final das eliminatórias asiáticas. Com uma vitória e quatro empates, ficou com uma das duas vagas do continente – juntamente com a líder Coreia do Sul, que somou dois pontos a mais. Zagallo era o treinador do time. Ele soube reconhecer as deficiências de seu elenco e armou um time bastante defensivo. O “Velho Lobo” foi demitido pelo então príncipe Khalifa bin Zayed al Nahyan (atual emir – líder político do país) após discutir a premiação pela qualificação para o Mundial. O principal problema do futebol do país sempre foi a interferência das autoridades.

O técnico polonês Bernard Blaut durou um mês no emprego. Desesperados, os sheiks foram atrás de Carlos Alberto Parreira, aprendiz de Zagallo. Ele já havia treinado os emiratenses entre 1984 e 1988, formando jogadores que seriam a base desse time. Ele conhecia o potencial de cada jogador e sabia que o time era fraco. Os próprios árabes reconheciam as suas limitações e viajaram para a Itália com um objetivo em mente: não serem humilhados.

A Revista Placar da época dizia que era um “elenco repleto de homônimos barbudos que dificultam a identificação para o torcedor estrangeiro”.


A Colômbia jogava no 4-4-2 com um meio campo muito técnico. Valderrama era livre para criar. Rincón era atacante nessa época; só alguns anos depois ele se tornaria o grande volante que foi.


Parreira escalou os EAU com três zagueiros. Como o time pouco avançava, era um 5-3-2, na prática.

● Diante de quase 31 mil presentes no Stadio Renato Dall’Ara, em Bologna, a Colômbia demorou muito a fazer valer seu claro favoritismo diante da frágil seleção dos Emirados Árabes Unidos.

Durante 50 minutos, só Higuita chamou a atenção ao sair da área para tirar uma bola de cabeça e para driblar um atacante rival.

Os cafeteros só acordaram aos cinco minutos do segundo tempo.

A defesa emiratense errou a linha de impedimento e Álvarez cruzou para Rodín cabecear no contrapé do goleiro.

O placar foi fechado a cinco minutos do fim.

Aos 41′, Estrada fez um lançamento de seu campo. Valderrama dominou pela esquerda, cortou para o meio de chutou de fora da área, no canto esquerdo do goleiro.


Gildardo Gómez disputa a bola com Adnan Al Talyani (Imagem: Bob Thomas / Getty Images)

● Como esperado, a seleção dos Emirados Árabes Unidos foi a última colocada da Copa do Mundo de 1990. A menor das derrotas foi para os colombianos (2 x 0). As goleadas vieram para Alemanha Ocidental (5 x 1) e para a Iugoslávia (4 x 1).

A Colômbia, após vencer os árabes, perdeu para a Iugoslávia por 1 x 0 e empatou com a Alemanha Ocidental nos minutos finais, com gol de Freddy Rincón. Se classificou para a próxima fase como um dos melhores terceiros colocados. Enfrentou a também surpreendente seleção de Camarões e perdeu na prorrogação por 2 x 1, com dois gols do velhinho Roger Milla – o segundo em uma falha gritante de René Higuita, que tentou driblar quase no meio campo e perdeu a bola.


Andrés Escobar disputa no alto com o goleiro Muhsin Musabah (Imagem: Michel Lipchetz / AP / SFFS / sfgate.com)

FICHA TÉCNICA:

 

COLÔMBIA 2 x 0 EMIRADOS ÁRABES UNIDOS

 

Data: 09/06/1990

Horário: 17h00 locais

Estádio: Stadio Renato Dall’Ara

Público: 30.791

Cidade: Bologna (Itália)

Árbitro: George Courtney (Inglaterra)

 

COLÔMBIA (4-4-2):

EMIRADOS ÁRABES UNIDOS (5-3-2):

1  René Higuita (G)

17 Muhsin Musabah (G)

4  Luis Fernando Herrera

19 Eissa Meer

15 Luis Carlos Perea

6  Abdulrahman Mohamed

2  Andrés Escobar

20 Yousuf Hussain

3  Gildardo Gómez

2  Khalil Ghanim

14 Leonel Álvarez

15 Ibrahim Meer

8  Gabriel “Barrabás” Gómez

3  Ali Thani Jumaa

11 Bernardo Redín

14 Nasir Khamees

10 Carlos Valderrama (C)

12 Hussain Ghuloum

19 Freddy Rincón

7  Fahad Khamees (C)

16 Arnoldo Iguarán

10 Adnan Al Talyani

 

Técnico: Francisco Maturana

Técnico: Carlos Alberto Parreira

 

SUPLENTES:

 

 

12 Eduardo Niño (G)

1  Abdullah Musa (G)

21 Alexis Mendoza

22 Abdulqadir Hassan (G)

5  León Villa

21 Abdulrahman Al-Haddad

6  José Ricardo Pérez

4  Mubarak Ghanim

13 Carlos Hoyos

16 Mohamed Salim

17 Geovanis Cassiani

5  Abdullah Ali Sultan

18 Wilmer Cabrera

13 Hassan Mohamed

22 Rubén Darío Hernández

8  Khalid Ismaïl

20 Luis Fajardo

18 Fahad Abdulrahman

9  Miguel Guerrero

9  Abdulaziz Mohamed

7  Carlos Estrada

11 Zuhair Bakheet

 

GOLS:

50′ Bernardo Redín (COL)

85′ Carlos Valderrama (COL)

 

CARTÕES AMARELOS:

5′ Eissa Meer (EAU)

55′ Yousuf Hussain (EAU)

70′ Ibrahim Meer (EAU)

 

SUBSTITUIÇÕES:

57′ Fahad Khamees (EAU) ↓

Zuhair Bakheet (EAU) ↑

 

74′ Eissa Meer (EAU) ↓

Abdullah Ali Sultan (EAU) ↑

 

75′ Arnoldo Iguarán (COL) ↓

Carlos Estrada (COL) ↑

Veja os gols da partida – em imagens bastante prejudicadas pelo reflexo do sol, mas que são as únicas disponíveis:

Vídeo com a escalação das duas seleções:

… Carlos “El Pibe” Valderrama

Três pontos sobre…
… Carlos “El Pibe” Valderrama


(Imagem localizada no Google)

Já se passaram mais de vinte anos de seu auge, mas Carlos Valderrama é reconhecido mundialmente.

Ele é muito mais que apenas uma vasta cabeleira loira.

Ostentando a camisa 10 e a faixa de capitão, “El Pibe” desfilava em campo. Afinal, quem precisa correr é a bola.

E isso ele fazia com precisão, com a melhor escolha nas jogadas e, invariavelmente, deixando seus companheiros na cara do gol.

Era capaz de desmontar todo um sistema defensivo adversário apenas com sua técnica e seus passes precisos e decisivos.

Uma bela amostra de suas qualidades é show que a Colômbia deu ao golear a Argentina por 5 x 0, em pleno Monumental de Núñez.


(Imagem localizada no Google)

Pela seleção colombiana foram 111 partidas disputadas e 11 gols marcados. Ainda hoje é quem mais vezes vestiu a camisa dos Cafeteros.

Valderrama foi capitão de sua seleção em três Copas do Mundo (1990, 1994 e 1998). Liderou os colombianos na primeira vez em que passaram para a segunda fase de um Mundial, em 1990, ao criar a jogada para que Freddy Rincón marcasse o gol de empate contra a Alemanha no último minuto de jogo.

Vários clubes puderam desfrutar de seu talento: Unión Magdalena-COL (1981-1983); Millonarios-COL (1984); Deportivo Cali-COL (1985-1987); Montpellier-FRA (1988-1990); Real Valladolid-ESP (1990-1991); Independiente Medellín-COL (1992); Atlético Junior de Barranquilla-COL, seu clube de coração (1993-1995). Foi um dos pioneiros no futebol da MLS (Major League Soccer, principal campeonato norte-americano de futebol). Nas terras ianques, jogou por Tampa Bay Mutiny (1996-1997 e 1999-2001); Miami Fusion (1998); Colorado Rapids (2002-2004), onde encerrou a extensa carreira, aos 42 anos.

Grandes momentos de genialidade de “El Pibe” Valderrama:

Entrevista descontraída de Valderrama ao canal Desimpedidos:

Reverência de David Beckham ao ídolo Carlos Valderrama: