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… 22/06/1974 – Alemanha Ocidental 0 x 1 Alemanha Oriental

Três pontos sobre…
… 22/06/1974 – Alemanha Ocidental 0 x 1 Alemanha Oriental

● Eles formaram o mesmo país desde o ano 800, quando foi fundado o primeiro Reich (“império”, no idioma alemão), até o fim da Segunda Guerra Mundial. E voltariam a ser a mesma nação a partir de 03/10/1990, com a reunificação da Alemanha.

Mas de 07/10/1949 até a reunificação, foram duas, separadas. Irmãs e rivais. O mesmo povo, sob símbolos e bandeiras diferentes. Uma capitalista, se reerguendo rumo à hegemonia de maior economia da Europa. A outra, mais pobre, socialista, do “lado de lá” da Cortina de Ferro e bastante influenciada pela União Soviética não apenas na política. Ambas foram separadas na antiga capital, através de uma divisão pelo Muro de Berlim (de 13/08/1961 a 09/11/1989).

A República Democrática Alemã – RDA, normalmente chamada de Alemanha Oriental, era uma potência nos esportes olímpicos, assim como todo o bloco socialista. No futebol, com um “amadorismo de fachada” (já que, na teoria, não haviam atletas profissionais no país) conquistou a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos de Montreal em 1976, além da prata em Moscou 1980 e o bronze em Munique 1972.

A República Federal da Alemanha – RFA, mais conhecida como Alemanha Ocidental ou até mesmo como apenas Alemanha, tinha conquistado o título da Copa do Mundo de 1954 sobre a badalada Hungria de Puskás, além de ter sido vice-campeã na Inglaterra em 1966 e o 3º lugar no México em 1970.


(Imagem: Pinterest)

● O Mundial de 1974 foi o único Copa com participação da Alemanha Oriental. Se qualificou ao terminar como líder do Grupo 4 das eliminatórias europeias, superando a Romênia por um ponto. Assim, foi só atravessar o muro para disputar a competição que aconteceu no país coirmão.

Eis que o sorteio para o chaveamento do Grupo 1 definiu que as duas “Alemanhas” se enfrentariam na terceira rodada. Era como se a própria Guerra Fria entrasse em campo: capitalistas versus socialistas.

Na primeira partida, a Alemanha Oriental venceu a Austrália por 2 x 0 em Hamburgo. Depois, empatou por 1 x 1 com o Chile de Don Elías Figueroa, em Berlim Ocidental. Agora, voltava a Hamburgo para o que seria a maior partida de sua história: contra a Alemanha Ocidental, valendo a classificação para a segunda fase e até a liderança do grupo, em caso de vitória.

A Alemanha Ocidental venceu o Chile por 1 x 0 na primeira rodada e a Austrália por 3 x 0 na segunda. Já estava classificada e podia até escolher sua posição no grupo, dependendo do que lhe beneficiasse. E, para muitos, foi o que aconteceu.


A Alemanha jogava no 4-3-3, tendo Franz Beckenbauer como líbero e os avanços constantes pelo meio do lateral esquerdo Paul Breitner.


A Alemanha Oriental foi escalada pelo técnico Georg Buschner no sistema 4-4-2, com um zagueiro na sobra.

● Mas quem assistiu a partida afirma que o time de Helmut Schön atacou muito e merecia vencer.

Não era um time reserva. Foram apenas duas alterações no time que seguiria jogando junto até a decisão. O meia esquerda Heinz Flohe entrou na ponta esquerda no lugar que era normalmente ocupado por Jupp Heynckes ou Jürgen Grabowski. O motorzinho Rainer Bonhof descansou e deu lugar a Bernhard Cullmann.

Logo no início do jogo, Flohe errou um gol feito de dentro da pequena área.

Aos cinco minutos, Franz Beckenbauer entrou tabelando com Gerd Müller e quase abriu o placar, em lance que foi facilitado pelo entrosamento dos dois, que jogavam juntos no Bayern de Munique.

Quatro minutos depois, Jürgen Grabowski perdeu um gol incrível, em uma boa defesa de Jürgen Croy.

O meio campo estava congestionado. Os orientais marcavam duro, mas não conseguiam atacar. Tentavam explorar as bolas longas para os atacantes Jürgen Sparwasser (marcado por Hans-Georg Schwarzenbeck) e Martin Hoffmann (cercado por Berti Vogts).

Paul Breitner estava guardando mais a posição do que o normal, mas ainda avançava sempre que podia. Aos 24′, ele foi derrubado por Harald Irmscher na área, mas o árbitro uruguaio Ramón Barreto Ruíz ignorou o pênalti.

Para uma equipe que entrou em campo destinada a entregar o jogo, os ocidentais estavam atacando demais. Em toda a partida, a RFA criou cinco chances claríssimas de gol, incluindo uma bola de Müller na trave.

No segundo tempo, a Alemanha Ocidental criou poucas chances de gol e só arriscava em chutes de longa distância.

A delegação ocidental tinha dois grupos: o de Beckenbauer e o de Netzer. O Kaiser queria a escalação de seu parceiro Wolfgang Overath e venceu a disputa.

A TV alemã estava sempre mostrando o ex-titular Günter Netzer sentado no banco de reservas com sua camisa 10. Genial, genioso e criativo, ele era preterido pelo técnico Helmut Schön depois de ter sido um dos destaques na conquista da Eurocopa em 1972.

Aos 19′, Netzer saiu para aquecer sob chuva forte e o estádio inteiro aplaudiu como se fosse um gol. Ele entrou cinco minutos depois no lugar de Overath, que estava sentindo uma pequena lesão. E Netzer entrou sem ritmo nenhum de jogo, mais lento do que já era e errando os passes que costumava acertar. E a torcida alemã passou a dar razão ao técnico por deixá-lo no banco. Foram seus únicos minutos em uma Copa do Mundo.

Apesar do esperado clima de guerra, foi uma partida bastante leal. Houve mais um pênalti não marcado a favor dos ocidentais. Flohe pedalou e foi derrubado por Gerd Kische, mas o juiz marcou falta fora da área.

A partida de arrastava para um zero a zero até os 32′ minutos. O goleiro Croy saiu a bola com Erich Hamann na direita. Ele avançou até pouco para frente do meio do campo e fez um lançamento para a área. Jürgen Sparwasser se antecipou à Horst-Dieter Höttges e dominou na marca do pênalti, avançando em diagonal e batendo no alto para estufar as redes, antes da chegada de Sepp Maier. Essa foi a única chance dos orientais no segundo tempo.

Favorita e já classificada, a RFA dominou o jogo e perdeu várias chances claras.


(Imagem: Pinterest)

“Se na minha lápide eles escreverem apenas ‘Hamburgo 74’, as pessoas saberão quem está lá embaixo.” ― Jürgen Sparwasser

Após o apito final, os atletas da RDA festejaram como se tivessem sido campeões. O zagueiro Siegmar Wätzlich deu cambalhotas em campo. Era uma enorme vitória particular dos azuis sobre os brancos. Para os orientais, era a vitória dos pobres sobre os ricos, dos subjugados contra os mais abastados, do bem contra o mal. Para os ocidentais, era apenas uma derrota para outro país qualquer e ponto.

Satisfeita pelo chaveamento da fase semifinal, a torcida dos donos da casa não vaiou o time pela derrota – ao contrário do que havia feito nos dois jogos anteriores, mesmo com vitórias.

Algumas teorias dizem que os ocidentais entregaram o resultado para se beneficiarem com um grupo mais acessível na segunda fase. Em 1954, já havia sido acusada de usar de artimanhas ao escalar um time misto na primeira fase para esconder o jogo e bater muito em Puskás ate tirá-lo da sequência da Copa. Em 1982, faria um jogo de compadres com a Áustria, com o único placar (1 x 0) que classificaria as duas seleções e eliminaria a Argélia.

Se não é possível afirmar que a derrota para a RDA foi armada, certamente o chaveamento para o quadrangular semifinal foi muito mais sossegado do que se tivesse sido líder do grupo. Um empate garantia a liderança e a derrota significava o segundo lugar. Ao invés de enfrentar Brasil, Argentina e Holanda, foi enfrentar Polônia, Suécia e Iugoslávia.

Mas, ainda permanece a pergunta: se queriam mesmo perder, por que teriam atacado tanto?

Paul Breitner deu sua opinião, colocando mais lenha nessa fogueira: “Quando um alemão pratica um esporte, a ideia é somente vencer. Você não fica exibindo suas habilidades técnicas como os sul-americanos. Você vence. E faz de tudo para isso. Usando tudo que o regulamento permite”.

O time da Alemanha Ocidental havia perdido a confiança da torcida por causa do jogo feio e nada convincente nas três partidas da primeira fase. Foi quando o capitão Franz Beckenbauer se reuniu com o técnico Helmut Schön e disse que, por causa do grande período de concentração, os jogadores estavam sentindo falta de liberdade e do contato com a família. O Kaiser argumentou que estavam em território alemão e propôs que os casados pudessem ver suas mulheres e filhos. Por sua vez, os solteiros teriam permissão para namorar um pouco. O técnico concordou e colocou fim ao enclausuramento.

Na sequência, a Alemanha Oriental ficou no Grupo A. Perdeu para o Brasil por 1 x 0 e para a Holanda por 2 x 0. Conseguiu um heroico empate por 1 x 1 com a bagunçada Argentina, terminado em 3º na chave e deixando os sul-americanos com o último lugar.

Pelo Grupo B, a Alemanha Ocidental venceu a Iugoslávia por 2 x 0, a Suécia por 4 x 2 e a Polônia por 1 x 0. Na decisão, venceu por 2 x 1 de virada a poderosa e temida Holanda, a Laranja Mecânica de Johan Cruijff, e conquistou seu segundo título da Copa do Mundo de futebol.


(Imagem: Revista Movimento)

FICHA TÉCNICA:

 

ALEMANHA OCIDENTAL 0 X 1 ALEMANHA ORIENTAL

 

Data: 22/06/1974

Horário: 19h30 locais

Estádio: Volksparkstadion

Público: 60.200

Cidade: Hamburgo (Alemanha Ocidental)

Árbitro: Ramón Barreto Ruíz (Uruguai)

 

ALEMANHA OCIDENTAL (4-3-3):

ALEMANHA ORIENTAL (4-4-2):

1  Sepp Maier (G)

1  Jürgen Croy (G)

2  Berti Vogts

18 Gerd Kische

4  Hans-Georg Schwarzenbeck

3  Bernd Bransch (C)

5  Franz Beckenbauer (C)

4  Konrad Weise

3  Paul Breitner

12 Siegmar Wätzlich

8  Bernhard Cullmann

16 Harald Irmscher

14 Uli Hoeneß

13 Reinhard Lauck

12 Wolfgang Overath

10 Hans-Jürgen Kreische

9  Jürgen Grabowski

2  Lothar Kurbjuweit

13 Gerd Müller

14 Jürgen Sparwasser

15 Heinz Flohe

20 Martin Hoffmann

 

Técnico: Helmut Schön

Técnico: Georg Buschner

 

SUPLENTES:

 

 

21 Norbert Nigbur (G)

21 Wolfgang Blochwitz (G)

22 Wolfgang Kleff (G)

22 Werner Friese (G)

6  HorstDieter Höttges

5  Joachim Fritsche

20 Helmut Kremers

6  Rüdiger Schnuphase

19 Jupp Kapellmann

7  Jürgen Pommerenke

7  Herbert Wimmer

19 Wolfgang Seguin

16 Rainer Bonhof

17 Erich Hamann

10 Günter Netzer

8  Wolfram Löwe

17 Bernd Hölzenbein

9  Peter Ducke

18 Dieter Herzog

11 Joachim Streich

11 Jupp Heynckes

15 Eberhard Vogel

 

GOL: 77′ Jürgen Sparwasser (RDA)

 

CARTÕES AMARELOS:

27′ Jürgen Sparwasser (RDA)

81′ Jürgen Croy (RDA)

84′ Hans-Jürgen Kreische (RDA)

 

SUBSTITUIÇÕES: 

65′ Harald Irmscher (RDA) ↓

Erich Hamann (RDA) ↑

 

68′ Hans-Georg Schwarzenbeck (ALE) ↓

Horst-Dieter Höttges (ALE) ↑

 

69′ Wolfgang Overath (ALE) ↓

Günter Netzer (ALE) ↑


(Imagem: Lance!)

Gol da partida:

Melhores momentos do jogo: