… 29/06/1950 – Estados Unidos 1 x 0 Inglaterra

Três pontos sobre…
… 29/06/1950 – Estados Unidos 1 x 0 Inglaterra


(Imagem: Imortais do Futebol)

● Inventores do futebol moderno, a Inglaterra protagonizou a primeira partida entre duas nações em 30/11/1872, ao empatar sem gols com a vizinha Escócia. Com tanta referência e tradição, os ingleses se negavam a disputar as Copas do Mundo, já que mantinha relações rompidas com a FIFA entre 1928 e 1946. E os ingleses se sentiam tão superiores, que não viam a necessidade de colocar a sua superioridade em questão e em disputa.

Ao se reconciliar com a entidade máxima do futebol, a federação inglesa aceitou disputar o Mundial de 1950. E viajaram para o Brasil com total convicção de que levantariam a taça. Na primeira partida, vitória sobre o Chile por 2 x 0, gols de Stan Mortensen e Wilf Mannion. Apesar do placar magro, a vitória tranquila apenas ressaltou o favoritismo inglês para as partidas seguintes.

A curiosidade sobre os ingleses era tão grande, que a delegação brasileira foi assistir à partida. Esse foi o único jogo que os donos da casa foram acompanhar in loco. Foi a primeira vez que o English Team jogou no continente americano.

Então, na segunda partida, contra os ingênuos ianques – semiamadores –, seria moleza.


(Imagem: Getty Images / Globo)

● Sério candidato a saco de pancadas, os Estados Unidos possuíam um time montado às pressas por atletas semi-amadores e recheado de imigrantes. Por exemplo, Frank Borghi foi médico na Segunda Guerra Mundial e trabalhava como motorista da funerária de seu tio na época da Copa. Walter Bahr era professor. Outros eram carteiros ou lavadores de prato. O atacante Ben McLaughlin não conseguiu a liberação do emprego e não viajou ao Brasil.

Cinco jogadores eram nascidos em em outro país: Joe Maca na Bélgica, Gino Gardassanich na região onde atualmente é a Croácia, Ed McIlvenny na Escócia, Adam Wolanin na Polônia e Joe Gaetjens no Haiti. Eles foram inscritos pouco antes da viagem da delegação. Outros sete eram de ascendência europeia: Frank Borghi, Charlie Colombo, Nicholas DiOrio e Gino Pariani eram de origem italiana; Walter Bahr era descendente de alemães; e John Souza e Ed Souza (que não tinham parentesco) eram de família portuguesa.

Curiosamente, o centromédio Charlie Colombo tinha o apelido de “Gloves” (“luvas”, em inglês) porque usava luvas para se lembrar de não colocar as mãos na bola. Depois da Copa, ele receberia o convite para jogar no futebol brasileiro, mas preferiu voltar aos EUA.


(Imagem: Getty Images / Globo)

● A Inglaterra chegou ao Brasil com um retrospecto de 23 vitórias, três empates e quatro derrotas no pós-guerra. Venceu o Campeonato Britânico de Seleções, que valia como eliminatórias e garantia uma vaga ao campeão.

Os Estados Unidos sofreram no grupo qualificatório das Américas do Norte e Central. Foram goleados duas vezes pelo México e só garantiu a vaga ao superar Cuba na última partida, após empatar a primeira. Nos sete últimos jogos desde o Mundial de 1934, haviam levado 45 gols (média de 6,5 gols sofridos por partida) e marcado apenas três. Com esse histórico, era de se esperar que passasse a maior das vergonhas, em um grupo com Inglaterra, Espanha e Chile. Apenas o vencedor de cada grupo se qualificava para o quadrangular final. Como esperado, Estados Unidos perderam para a Espanha por 3 x 1 na primeira partida.

Uma casa de apostas londrina estava pagando 500 para 1 em caso de aposta em vitória dos norte-americanos. O técnico Bill Jeffrey foi honesto à imprensa: “Não temos chance”. Ele também disse que seus jogadores eram “ovelhas prontas para serem abatidas”. O jornal inglês Daily Express esculachou: “Seria justo começar dando aos EUA três gols de vantagem”.

A Inglaterra tinha a expectativa da estreia do ponta direita Stanley Matthews, craque do time e chamado de “Feiticeiro do Drible”. Mas o presidente da federação inglesa, Arthur Drewry, pediu que o técnico Walter Winterbottom escalasse o mesmo time que havia vencido o Chile e, consequentemente, sem Matthews, poupado para o duelo diante da Espanha.


Os EUA atuavam no ofensivo sistema “clássico” ou “pirâmide”, o 2-3-5.


A Inglaterra jogava no sistema WM.

● Na tarde de 29 de junho de 1950, 10.151 expectadores compareceram ao estádio Independência, em Belo Horizonte, Minas Gerais. A expectativa era ver uma surra homérica da Inglaterra no time semiamador dos Estados Unidos.

Normalmente Walter Bahr era o capitão da seleção dos Estados Unidos, mas Ed McIlvenny foi escolhido para essa partida somente por ser britânico. A Inglaterra ganhou no cara ou coroa e optou por começar com a bola.

Em um minuto e meio, Stan Mortensen cruzou da esquerda, Roy Bentley chutou e o goleiro Frank Borghi espalmou.

Aos 12′, a Inglaterra já tinha finalizado seis vezes, com duas bolas na trave, uma por cima e uma defendida milagrosamente por Borghi.

Os EUA só conseguiram chegar ao ataque aos 25′, com um chute defendido pelo goleiro inglês Bert Williams.

Na sequência, o English Team respondeu com três chutes a gol em três minutos. Mortensen chutou duas vezes por cima e o chute de Tom Finney tinha o caminho do ângulo, mas foi desviado por Borghi.

Aos 38 minutos, McIlvenny bateu um lateral para Walter Bahr, que chutou de forma despretensiosa, de longe, a 23 metros do gol. Quando o Williams deu um passo para a direita para segurar, Joe Gaetjens se antecipou e mergulhou de cabeça da marca do pênalti, tocando na bola apenas o suficiente para tirá-la das mãos do goleiro inglês e mandar para o fundo da rede. A multidão explodiu de alegria.

No último lance antes do intervalo, Finney teve a chance de empatar, mas o árbitro italiano Generoso Dattilo apitou antes que ele pudesse chutar.

Ao fim do primeiro tempo, o saldo era de 30 finalizações dos ingleses e apenas duas dos norte-americanos.


(Imagem: Superesportes)

A multidão em volta do estádio aumentou quando os belo-horizontinos ouviram o gol no rádio. Alguns até pularam o muto para entrar no estádio. Em sua grande maioria, os brasileiros estavam torcendo para os americanos, aplaudindo as defesas de Borghi e os falhos ataques ingleses.

“A maioria esmagadora era de brasileiros, mas eles torceram por nós o tempo todo. Não sabíamos o motivo até depois. Eles esperavam que vencêssemos a Inglaterra para que a tirasse do caminho do Brasil nas finais.” ― Walter Bahr

Com a vantagem no placar, o técnico Bill Jeffrey ordenou que seu time se fechasse todo atrás do meio de campo. E os estadunidenses começaram o segundo tempo jogando com confiança e quase ampliaram o marcados aos 54′.

Cinco minutos depois, Mortensen cobrou falta, mas Borghi defendeu bem.

A Inglaterra começou a atacar novamente e pressionava os americanos em seu campo de defesa.

A oito minutos do fim, Charlie Colombo derrubou Mortensen na entrada da área. Os atletas do English Team queriam pênalti, mas o juiz marcou falta fora da área. Na cobrança, Alf Ramsey cruzou e Jimmy Mullen cabeceou firme. A bola ia tomando o rumo do gol, mas Frank Borghi – o melhor jogador em campo – salvou em cima da linha. Os ingleses protestaram, alegando que a bola havia cruzado a linha, mas o árbitro não os atendeu e mandou o jogo seguir.

E o ímpeto britânico se perdeu. Aos 40′, Frank Wallace driblou o goleiro Williams e chutou, mas Alf Ramsey salvou em cima da linha.

Não havia mais tempo para nada. Estava decretada a maior zebra da história das Copas do Mundo.

No fim da partida, a eufórica torcida brasileira invadiu o gramado para erguer os jogadores americanos, especialmente Joe Gaetjens, o autor do milagre.

“O jogo perfeito é vencer e jogar bem. Ganhamos, mas com certeza não fomos melhores do que a Inglaterra. Foi um daqueles jogos onde a melhor equipe não ganha. Eu estou orgulhoso disso. Tínhamos uma boa equipe. Mas, se jogássemos contra a Inglaterra dez vezes, eles teriam ganhado nove.” ― Walter Bahr


(Imagem: Sport 360)

● Reza a lenda que, ao receber o teletipo com a informação do placar “EnglandOX1USA”, um jornal de Londres publicou o resultado da partida sem medo de errar: “England 10 x 1 USA”. Seria impossível para os ingleses acreditarem que não estivesse faltando nenhum caracter ao lado do “0 x 1”. Tinha que ser um erro. Outro jornal britânico foi irônico: “A Inglaterra foi batida pelo time do Mickey Mouse e do Pato Donald”.

A imprensa internacional foi unânime: se tratava do resultado mais inesperado da história das Copas. A zebra repercutiu no mundo todo, menos nos Estados Unidos. Os ianques praticamente ignoravam o futebol e não se ligaram no feito até a década de 1970.

A partida ficou conhecida como o “Milagre de Belo Horizonte”.

Na rodada final, os Estados Unidos perderam para o Chile por 5 x 2 e a Inglaterra foi batida pela Espanha por 1 x 0. Os espanhóis foram líderes do grupo e se classificaram para a fase final.

Por causa da decepcionante queda na primeira fase e o oitavo lugar na classificação geral, a seleção inglesa nunca mais voltou a vestir as camisas e meias azuis escuras que usou nessa partida.

Como zagueiro pela direita, esteve em campo Alf Ramsey, que seria o técnico campeão do mundo com a seleção inglesa em 1966.

Em 2005 foi lançado o filme “The game of their lives” (“Duelo de campeões”), produzido pelos ianques para retratar a histórica zebra. A película mostra como foi feita a montagem do time, as relações entre o elenco e uma partida em que os jogadores teriam enfrentado uma espécie de time B inglês e aprendido com os erros desse jogo para irem à Copa do Mundo (o que, de fato, ocorreu). É lógico que tem muito do tom nacionalista que os ianques adoram, tratando os jogadores como super-heróis. Mas a única falha histórica grotesca foi ignorar completamente o primeiro jogo dos EUA na Copa (derrota para a Espanha por 3 x 1). No fim do filme, aparecem cindo jogadores do time original que ainda estavam vivos mais de meio século depois: o goleiro Frank Borghi, o médio Walter Bahr e os atacantes Frank Wallace, Gino Pariani e John Souza.

O autor do gol da partida foi o haitiano Joe Gaetjens. Ele vivia nos Estados Unidos graças a um visto de estudante para cursar contabilidade na Universidade de Columbia e trabalhava como lavador de pratos eum um restaurante no Brooklin, além de jogar futebol pelo time Brookhattan. Ele obteve um passaporte provisório para poder disputar a Copa do Mundo pelos EUA. Ele já havia representado a seleção do Haiti em 1944 e voltou a jogar em 1953, em uma partida das eliminatórias para a Copa de 1954, contra o México.

No ano seguinte, Joe Gaetjens foi jogar no Racing Club de Paris e retornou ao Haiti posteriormente. Depois, passou a trabalhar para um rival político de François “Papa Doc” Duvalier e foi preso em 1954. Passou a militar politicamente contra a ditadura de “Papa Doc” até que foi visto pela última vez em 08 de julho de 1964, sendo colocado à força em um carro da polícia secreta do ditador e levado à prisão de Fort Dimanche, conhecido como um lugar de tortura e crueldade. Gaetjens nunca mais foi visto.


(Imagem: Pinterest)

FICHA TÉCNICA:

 

ESTADOS UNIDOS 1 x 0 INGLATERRA

 

Data: 29/06/1950

Horário: 15h00 locais

Estádio: Independência

Público: 10.151

Cidade: Belo Horizonte (Brasil)

Árbitro: Generoso Dattilo (Itália)

 

ESTADOS UNIDOS (2-3-5):

INGLATERRA (W-M):

1  Frank Borghi (G)

1  Bert Williams (G)

2  Harry Keough

2  Alf Ramsey

3  Joe Maca

3  John Aston

4  Ed McIlvenny (C)

4  Billy Wright

5  Charlie Colombo

5  Laurie Hughes

6  Walter Bahr

6  Jimmy Dickinson

7  Ed Souza

7  Tom Finney

8  John Souza

8  Stan Mortensen

9  Joe Gaetjens

9  Roy Bentley

10 Gino Pariani

10 Wilf Mannion

11 Frank Wallace

11 Jimmy Mullen

 

Técnico: William Jeffrey

Técnico: Walter Winterbottom

 

SUPLENTES:

 

 

Gino Gardassanich (G)

Ted Ditchburn (G)

Robert Annis

Laurie Scott

Geoff Coombes

Jim Taylor

Robert Craddock

Bill Eckersley

Nicholas DiOrio

Willie Watson

Adam Wolanin

Bill Nicholson

 

Eddie Baily

 

Henry Cockburn

 

Stanley Matthews

 

Jackie Milburn

 

GOL: 38′ Joe Gaetjens (EUA)

Algumas imagens da partida:

Reportagem sobre o jogo e entrevista com o zagueiro norte-americano Harry Keough:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *