Três pontos sobre…
… 27/06/2006 – França 3 x 1 Espanha
(Imagem: SoccerMuseum)
● A Espanha não chegou à Alemanha com a mesma confiança de outros Mundiais. Não tinha mais a experiência e liderança de Fernando Hierro. Raúl já estava em declínio técnico e não era mais o jogador extraclasse que havia sido. A esperança de gols era Fernando “El Niño” Torres. Treinada por Luis Aragonés desde o fim da Eurocopa de 2004, foi deixando aos poucos de ser “La Fúria” e se tornando “La Roja”. O que isso significava? Que não bastava tentar vencer na base da imposição, a todo custo (como em seu histórico), mas isso era feito com inteligência e muita posse de bola.
Muitos afirmam que foi Pep Guardiola quem implantou no Barcelona o estilo “tiki-taka” que teria sido copiado por Vicente Del Bosque para a seleção que venceu as Eurocopas de 2008 e 2012 e a Copa do Mundo de 2010. Porém, Guardiola chegou ao Barça na temporada 2008/09, logo na sequência do título espanhol na Euro. La Roja ainda era treinada por Aragonés, que usava Xavi e Iniesta como peças principais de uma troca de passes incessante.
Para 2006, era um time muito renovado em comparação com quatro anos antes, com destaques para Cesc Fàbregas (19 anos), Sergio Ramos (20), Fernando Torres (22), Andréa Iniesta (22), José Antonio Reyes (23) e David Villa (25) – que superaria Raúl como o maior goleador da história da seleção espanhola. Desde que Aragonés assumiu o comando, a Espanha não havia perdido nenhum dos últimos 25 jogos.
(Imagem: IFDB)
● Como já contamos, a França chegou cheia de expectativas e passou vergonha na Copa do Mundo de 2002. O técnico Raymond Domenech havia treinado a seleção sub-21 da França por onze anos e conhecia bem o potencial daquela geração. Desde 2004 na seleção principal, ele tinha a responsabilidade de recuperar a autoestima do povo em relação à equipe nacional.
A França estava passando apuros para se qualificar para o Mundial. Mas, a quatro partidas do fim, teve a volta de três expoentes. Zinedine Zidane, Lilian Thuram e Claude Makélélé haviam se aposentado da seleção após a Euro 2004, mas voltaram na reta final das eliminatórias europeias para garantir a classificação dos Bleus. O grupo foi tão equilibrado em um festival de empates, que a França ficou apenas três pontos a frente da Irlanda, quarta colocada (França, Suíça e Israel terminaram invictos).
Zidane chegou na Copa aposentado. Ele tinha mais um ano de contrato com o Real Madrid, mas anunciou que penduraria as chuteiras após a Copa. Então, cada jogo na competição poderia ser o último da carreira de Zidane. E isso inflamou os franceses a se doarem mais em campo em prol de seu capitão. E causou uma enorme expectativa nos telespectadores e no público em geral.
A seleção francesa contava com seis veteranos campeões do mundo em 1998: o goleiro Fabien Barthez, o defensor Lilian Thuram, os meio-campistas Patrick Vieira e Zinedine Zidane, além dos atacantes David Trezeguet e Thierry Henry. Já no fim de sua gloriosa passagem pelo Arsenal, o meia Robert Pirès foi preterido pelo técnico Domenech; segundo o jogador, ele teria ficado de fora das convocações por ser do signo de escorpião, incomodando o místico treinador. Djibril Cissé era dado como certo até como titular, mas fraturou a perna uma semana antes do Mundial, em um amistoso contra a China; para seu lugar foi convocado o experiente Trezeguet.
(Imagem: BBC)
● A Espanha foi a líder do Grupo H, com 100% de aproveitamento. Na estreia, goleou a debutante Ucrânia, de Andriy Shevchenko, por 4 x 0. Na sequência, bateu a Tunísia por 3 X 1. Já classificada, jogou com um time reserva e venceu a Arábia Saudita com um magro 1 X 0.
Mas magra mesmo foi a campanha da França no Grupo G. Na primeira partida, empate sem gols com a Suíça. Na segunda, outro empate com a Coreia do Sul, dessa vez por 1 X 1. E o sinal de alerta foi ligado, porque no terceiro jogo, a França precisaria vencer a seleção de Togo, de Emmanuel Adebayor, por dois gols de diferença para depender apenas de si – e sem contar com Zinedine Zidane e Éric Abidal, ambos suspensos com o segundo cartão amarelo. Mas Les Bleus venceram sua ex-colônia africana pelo placar necessário de 2 x 0.
Nas oitavas de final, a França tinha que melhorar muito para desbancar a favorita Espanha. A Espanha era freguesa da França em jogos oficiais (quatro derrotas e um empate em cinco jogos até então). Essa foi a única partida em Copas do Mundo mas o duelo havia se repetido três vezes na Eurocopa. Na decisão de 1984, Michel Platini comandou Les Bleus ao título com vitória sobre a Fúria por 2 x 0. Em 1996, empate por 1 x 1 na fase de grupos. Em 2000, nova vitória francesa nas quartas de final por 2 x 1.
A França atuava no esquema 4-2-3-1.
A Espanha jogou no sistema 4-3-3.
● Na AWD Arena, em Hanover, a partida foi um jogo de xadrez, entre os estrategistas Raymond Domenech e Luis Aragonés. O jogo começou cadenciado, com as duas equipes se arriscando pouco no ataque. A Espanha mantinha a posse de bola e a França buscava roubar e sair em rápidos contragolpes.
Com os sistemas defensivos bem postados, a primeira chance do jogo só ocorreu na metade do primeiro tempo. Zidane lançou Henry na ponta direita e ele chegou cruzando para a pequena área. A bola passou por Franck Ribéry e Patrick Vieira, que não conseguiram alcançá-la e desperdiçaram a chance.
Thierry Henry era o único homem de frente dos Bleus (que jogaram de branco) e invariavelmente era pego em impedimento, pois a defesa espanhola atuava em linha. Os franceses também não davam espaço ao trio de ataque espanhol. Com isso, os gols só podiam sair de erros cometidos pelas defesas.
Aos 28′, Mariano Pernía (lateral esquerdo argentino naturalizado espanhol) bateu escanteio e a defesa francesa cortou mal. Xabi Alonso pegou o rebote e tocou para o meio. Se aventurando no ataque, o zagueiro Pablo Ibáñez tentou dominar dentro da área e Thuram pisou em seu tornozelo. Pênalti para a Espanha. Raúl estava completando 29 anos exatamente naquele dia. O craque merengue tinha desperdiçado uma penalidade no fim do jogo contra a França na Euro 2000 e não foi para a cobrança. David Villa se encarregou e bateu com perfeição, quase no pé da trave direita de Barthez, que até acertou o canto, mas não conseguiu pegar. A Espanha abriu o placar.
A França teve que tomar mais a iniciativa, passou a dominar o jogo e a merecer o empate. E ele veio aos 41′. Franck Ribéry deixou com Vieira, que devolveu com perfeição para o Scarface escapar sem marcação nas costas da defesa ibérica, driblar Iker Casillas e completar para o gol.
(Imagem: BBC)
Tudo igual no intervalo. O jogo estava aberto e as expectativas para a etapa final eram as melhores possíveis.
O jogo voltou a ficar equilibrado, mas em ritmo mais lento. Nenhum dos dois times conseguiam criar chances claras de gol. O ataque espanhol era inócuo e o técnico fez duas mudanças no time aos oito minutos: saíram os atacantes Raúl e David Villa e entraram os pontas Luis García e Joaquín. Os jogadores que entraram auxiliavam mais na recomposição defensiva.
A Espanha tinha mais posse de bola (61%). Mas a França tinha Zinedine Zidane. E ele começou a jogar. Não queria se despedir do futebol dessa maneira e estava determinado a mudar a sorte de sua equipe. E estava no auge da sua magia. Com seu maestro orquestrando as jogadas, a França passou a merecer a virada. E ela veio quando faltavam apenas sete minutos para o fim do jogo.
Aos 38′ da etapa final, Zidane cobrou falta da intermediária direita para a área espanhola. Xabi Alonso cortou mal e Patrick Vieira cabeceou quase da linha de fundo. A bola bateu em Sergio Ramos e tirou Casillas da jogada. Era a virada francesa.
A Fúria não tinha alternativas e tentou partir com tudo para cima nos minutos finais, dando contra-ataques para os franceses e acabou por sofrer o golpe fatal. Já nos acréscimos, Cesc Fàbregas foi cercado por três franceses em seu campo de defesa e perdeu a bola. Sylvain Wiltord lançou Zidane na esquerda. O gênio invadiu a área, cortou Puyol e chutou no contrapé de Casillas. Um golaço que colocou ponto final no duelo.
(Imagem: BBC)
● Placar final: 3 x 1 e classificação francesa garantida. Um placar sem sombra de dúvidas sobre quem era melhor.
Melhor ainda: Zidane estendia a carreira ao menos por mais noventa minutos.
Patrick Vieira era até então o mais importante jogador francês no Mundial, com dois gols e duas assistências.
A Espanha continuava sua sina de amarelar em jogos decisivos.
Nas quartas de final, a França enfrentaria a Seleção Brasileira, do temível “Quadrado Mágico”: Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Adriano e Ronaldo. Mas sobre essa partida vamos falar no dia 01/07.
(Imagem: BBC)
● FICHA TÉCNICA: |
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FRANÇA 3 x 1 ESPANHA |
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Data: 27/06/2006 Horário: 21h00 locais Estádio: AWD Arena (atual HDI Arena) Público: 43.000 Cidade: Hanover (Alemanha) Árbitro: Roberto Rosetti (Itália) |
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FRANÇA (4-2-3-1): |
ESPANHA (4-3-3): |
16 Fabien Barthez (G) |
1 Iker Casillas (G) |
19 Willy Sagnol |
15 Sergio Ramos |
15 Lilian Thuram |
5 Carles Puyol |
5 William Gallas |
22 Pablo Ibáñez |
3 Éric Abidal |
3 Mariano Pernía |
6 Claude Makélélé |
14 Xabi Alonso |
4 Patrick Vieira |
8 Xavi |
22 Franck Ribéry |
18 Cesc Fàbregas |
10 Zinedine Zidane (C) |
21 David Villa |
7 Florent Malouda |
9 Fernando Torres |
12 Thierry Henry |
7 Raúl (C) |
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Técnico: Raymond Domenech |
Técnico: Luis Aragonés |
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SUPLENTES: |
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23 Grégory Coupet (G) |
19 Santiago Cañizares (G) |
1 Mickaël Landreau (G) |
23 Pepe Reina (G) |
2 Jean-Alain Boumsong |
2 Míchel Salgado |
17 Gaël Givet |
4 Carlos Marchena |
13 Mikaël Silvestre |
20 Juanito |
21 Pascal Chimbonda |
12 Antonio López |
18 Alou Diarra |
6 David Albelda |
8 Vikash Dhorasoo |
16 Marcos Senna |
9 Sidney Govou |
13 Andrés Iniesta |
11 Sylvain Wiltord |
17 Joaquín |
14 Louis Saha |
10 José Antonio Reyes |
20 David Trezeguet |
11 Luis García |
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GOLS: |
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28′ David Villa (ESP) (pen) |
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41′ Franck Ribéry (FRA) |
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83′ Patrick Vieira (FRA) |
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90+2′ Zinedine Zidane (FRA) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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68′ Patrick Vieira (FRA) |
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82′ Carles Puyol (ESP) |
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87′ Franck Ribéry (FRA) |
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90+1′ Zinedine Zidane (FRA) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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54′ David Villa (ESP) ↓ |
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Joaquín (ESP) ↑ |
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54′ Raúl (ESP) ↓ |
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Luis García (ESP) ↑ |
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72′ Xavi (ESP) ↓ |
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Marcos Senna (ESP) ↑ |
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74′ Florent Malouda (FRA) ↓ |
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Sidney Govou (FRA) ↑ |
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88′ Thierry Henry (FRA) ↓ |
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Sylvain Wiltord (FRA) ↑ |
Gols da partida:
Senti um pouco de crueldade nessa partida, o tiki taka dinda era embrionário nesse ano, os lances geralmente eram decididos pelas capacidades físicas dos jogares e os franceses pareciam gigantes quando comparados ao espanhóis. Dois anos depois, Aragonês aperfeiçoou o método de jogo e a Espanha viveu seu melhor momento no futebol, de 2008 até 2012.
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