Três pontos sobre…
… 08/06/1990 – Camarões 1 x 0 Argentina
Omam-Biyik deu um salto acrobático para marcar o gol camaronês (Imagem: UOL)
● A seleção argentina tinha vencido duas das três últimas Copas do Mundo, mas claramente não era a mesma de quatro anos antes. Fracassou na Copa América que sediou, em 1987, mesmo ainda tendo o time base de um ano antes. O novo fracasso na Copa América de 1989, organizada e vencida pelo Brasil, levou os argentinos a chegarem com menos cartaz na Itália, no Mundial de 1990. A bem da verdade, cada vez mais eles dependiam de Diego Armando Maradona. Entre o fim da Copa de 1986 e o início do Mundial de 1990, os portenhos jogaram 31 vezes e conseguiram apenas seis vitórias. Mas Diego motivou o time, dizendo: “vão ter que arrancar a Copa de nossas mãos”. Ao final das contas, aos trancos e barrancos, ainda era a Argentina.
No Mundial de 1990, dos 22 selecionados pelo técnico Carlos Bilardo, apenas sete eram remanescentes do título de 1986 e cinco deles entrariam em campo na estreia, contra Camarões: o goleiro Nery Pumpido, o zagueiro Oscar Ruggeri, o volante Sergio Batista, o meia Jorge Burruchaga e o gênio Maradona. Os dois reservas campeões eram os alas Ricardo Giusti e Julio Olarticoechea.
A única esperança argentina era em Maradona. Apenas 15 dias antes, ele havia deixado o sul da Itália em festa ao liderar o Napoli à conquista de seu segundo scudetto em quatro anos (os únicos na história dos partenopei). Sempre protagonista, a simples presença do camisa 10 poderia fazer a diferença para os hermanos. Mas ele não estava fisicamente bem e jogou a Copa toda com fortes dores nos tornozelos.
No mesmo dia 08 de junho, poucas horas antes da partida, o presidente argentino Carlos Menem se reuniu com os jogadores e o técnico Bilardo. Nesse encontro, Menem outorgou a Maradona um passaporte oficial e o nomeou assessor do governo para “assuntos desportivos e difusão da imagem argentina no exterior”. Diego aceitou e ficou emocionado com a nomeação. Mas, em março de 1991, ele foi pego no exame antidoping com cocaína em uma partida com o Napoli e foi suspenso do futebol até 30 de junho de 1992, em caso que gerou enorme repercussão mundial. Em 25/04/1991, Menem assinou um novo decreto que revogava o anterior e retirada a designação diplomática de Maradona.
Maradona não estava bem fisicamente e apanhou o jogo todo (Imagem: ESPN)
● O Grupo B era realmente o mais difícil a Copa. Era formado pela campeã mundial Argentina, a campeã olímpica União Soviética, a Romênia do craque Gheorghe Hagi e Camarões, vencedor da Copa Africana de Nações dois anos antes.
A campanha invicta de Camarões em 1982 ainda estava viva na memória dos amantes do futebol alternativo. Alguns veteranos permaneceram, como o goleiro Thomas N’Kono e o atacante Roger Milla.
Com 38 anos, o “velhinho” Milla havia se retirado da seleção em 1988 e estava à beira da aposentadoria. Mas recebeu um convite do presidente de Camarões, Paul Biya (seu amigo pessoal) e retornou à convocatória dos “Leões Indomáveis” para disputar o Mundial de 1990. Sem o mesmo fôlego dos garotos, Milla normalmente entrava nas partidas no início do segundo tempo. Ainda sim, anotou quatro gols durante a competição e se tornou um dos destaques da Copa.
O técnico soviético Valery Nepomnyashchy escalou seu time em uma espécie de 4-2-3-1. Sem a bola, Victor N’Dip (o mais fraco do grupo) se transformava em líbero. Com a bola, os meias avançavam em velocidade. No ataque, Omam-Biyik recebia a companhia de Roger Milla no segundo tempo de todas as partidas.
Carlos Bilardo mandou sua equipe ao campo no 3-5-2, com forte proteção ao sistema defensivo e liberdade para Burruchaga e Maradona criarem.
● Um desfile de modas abriu a competição antes da partida inaugural, no estádio San Siro, em Milão – capital da moda. No jogo de abertura, a expectativa era de um duelo entre um dos favoritos ao Mundial contra um mero coadjuvante. Assim como na abertura da Copa de 1982, quando também defendia o título, a Argentina foi a campo como favorita. E, assim como em 1982 (1 a 0 para a Bélgica), também perderia a partida.
Em poucos minutos de bola rolando, os camaroneses mostraram que seriam adversários duros de serem batidos. Sua defesa era um misto de um pouco de ingenuidade e muito de violência. Com apenas nove minutos de jogo, o beque Benjamin Massing recebeu o primeiro cartão da Copa por dar um bico por trás no tornozelo já baleado de Maradona. Os “Leões Indomáveis” não eram nada dóceis.
Em compensação, o ataque dos africanos era ágil e liso e a defesa argentina também apelava para as faltas. Assim, enquanto as bordoadas se seguiam de lado a lado, os primeiros 45 minutos de passaram e nenhuma das equipes conseguiu criar chances reais de gol.
No intervalo, o técnico Carlos Bilardo desfez o sistema 3-5-2 argentino, colocando o rápido atacante Claudio Caniggia no lugar do veterano zagueiro Oscar Ruggeri.
E na etapa final, a situação ficou mais favorável aos sul-americanos quando o volante André Kana-Biyik foi expulso aos 16′ por derrubar Caniggia por trás e matar um contra-ataque argentino. Mas, mesmo com dez atletas, Camarões continuou correndo e batendo. E o jogo começava a ganhar cara de 0 x 0.
(Imagem: Globo)
Mas o gol saiu aos 22 minutos do segundo tempo. Após cobrança de falta da esquerda para a área albiceleste, Makanaky disputou com Lorenzo e jogou a bola para cima. Sensini ficou só olhando e não viu a aproximação de Omam-Biyik. O camisa 7 se deslocou do meio para a esquerda e deu um salto acrobático, entortando o corpo no ar e conseguindo cabecear na direção do gol. A bola foi em cima de Pumpido e parecia fácil de ser defendida, mas o goleiro vacilou. A bola passou entre suas mãos e tocou seu joelho antes de entrar lentamente no canto direito.
Um gol estranhíssimo. Um verdadeiro frango. Mas a falha de Pumpido não tira o mérito do salto impressionante de Omam-Biyik. Com 1,84 m de altura, ele alcançou a bola a 2,60 do chão. Curiosamente, o autor do gol jogava no modestíssimo Stade Lavallois, 4º colocado da 2ª Divisão da França na temporada 1989/90. François Omam-Biyik é irmão de André Kana-Biyik, o volante expulso seis minutos antes do gol.
Nos 20 minutos restantes, a Argentina se lançou de vez ao ataque. O atacante Gabriel Calderón entrou no lugar do ala Roberto Sensini. Mas os hermanos não conseguiram acertar um mísero chute na direção do gol do lendário Thomas N’Kono.
Aos 42′, Massing também foi expulso por derrubar Caniggia. O argentino recebeu uma bola ainda em seu campo de defesa e disparou para o ataque. Camarões se postava de forma compacta, com o time quase todo no meio campo. Em uma corrida impressionante, “El Pájaro” Caniggia deixou dois marcadores para trás e já estava na intermediária ofensiva, quando Massing lhe acertou em cheio. A truculência foi tamanha que a chuteira do camaronês voou longe. O árbitro Michel Vautrot expulsou corretamente o infrator, pois – além da violência – Massing era o último defensor. Trocou uma chance de gol pela falta. De forma até engraçada, o atabalhoado juiz francês mostrou o cartão vermelho a Massing antes de mostrar o segundo amarelo.
Com nove jogadores, Camarões precisou resistir por mais três minutos para provocar a primeira grande “zebra” da Copa. A comemoração dos africanos é o reflexo da surpresa e alegria do time. Foi um resultado realmente inesperado.
(Imagem: Globo)
● No fim da partida, Maradona percebeu ter perdido no gramado um anel que havia ganhado de sua esposa Cláudia em seu último aniversário, e que valia cerca de US$ 5 mil. O anel foi encontrado pouco depois.
Após aprontar contra a Argentina, Camarões venceu também a Romênia por 2 a 1 com dois gols de Roger Milla. Já classificado, foi goleado pela já eliminada União Soviética por 4 a 0. Terminou como líder do grupo B com quatro pontos. Em um jogo empolgante e só decidido na prorrogação, venceu a forte Colômbia por 2 a 1 (com uma falha do goleiro colombiano René Higuita e dois gols de Milla). Nas quartas de final, deu muito trabalho para a Inglaterra, vendendo caro a derrota. Só perdeu na prorrogação, com um gol de pênalti de Gary Lineker (o placar foi 3 a 2). Mas ficou na história como (até então) a melhor campanha de uma seleção africana na história dos Mundiais. Foi a primeira equipe de seu continente a chegar às quartas de final. Seria igualada por Senegal em 2002 e por Gana em 2010.
A Argentina somente passou de fase por ter sido uma das melhores terceiras colocadas, com três pontos. No Grupo B, após perder para Camarões, venceu a União Soviética por 2 a 0 e empatou com a Romênia por 1 a 1. Nas oitavas de final, jogou pior, mas venceu o clássico com o Brasil graças a uma jogada mágica de Maradona e uma linda conclusão de Caniggia. Nas quartas, contou com a estrela do goleiro Goycochea, que pegou duas cobranças na vitória por pênaltis por 3 a 2 sobre a Iugoslávia. Nas semifinais, após um empate por 1 x 1 com a anfitriã Itália, Goycochea pegou outras duas cobranças e a Argentina venceu nos pênaltis por 4 a 3. Na decisão, já no fim da partida, um pênalti polêmico resultou na derrota para a Alemanha Ocidental por 1 a 0 e no vice-campeonato.
Caniggia entrou bem e deu outra cara à Argentina. Se tornou titular nas partidas seguintes (Imagem: OCacifoDoRaúl)
● FICHA TÉCNICA: |
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CAMARÕES 1 x 0 ARGENTINA |
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Data: 08/06/1990 Horário: 18h00 locais Estádio: San Siro (Giuseppe Meazza) Público: 73.780 Cidade: Milão (Itália) Árbitro: Michel Vautrot (França) |
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CAMARÕES (4-2-3-1): |
ARGENTINA (3-5-2): |
16 Thomas N’Kono (G) |
1 Nery Pumpido (G) |
17 Victor N’Dip |
19 Oscar Ruggeri |
14 Stephen Tataw (C) |
20 Juan Simón |
6 Emmanuel Kundé |
11 Néstor Fabbri |
4 Benjamin Massing |
4 José Basualdo |
5 Bertin Ebwellé |
13 Néstor Lorenzo |
2 André Kana-Biyik |
2 Sergio Batista |
8 Émile Mbouh |
17 Roberto Sensini |
10 Louis-Paul M’Fédé |
7 Jorge Burruchaga |
20 Cyrille Makanaky |
10 Diego Armando Maradona (C) |
7 François Omam-Biyik |
3 Abel Balbo |
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Técnico: Valery Nepomnyashchy |
Técnico: Carlos Bilardo |
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SUPLENTES: |
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22 Jacques Songo’o (G) |
12 Sergio Goycochea (G) |
1 Joseph-Antoine Bell (G) |
22 Fabián Cancelarich (G) |
3 Jules Onana |
5 Edgardo Bauza |
12 Alphonse Yombi |
15 Pedro Monzón |
13 Jean-Claude Pagal |
18 José Serrizuela |
15 Thomas Libiih |
21 Pedro Troglio |
21 Emmanuel Maboang |
16 Julio Olarticoechea |
19 Roger Feutmba |
14 Ricardo Giusti |
11 Eugène Ekéké |
6 Gabriel Calderón |
18 Bonaventure Djonkep |
9 Gustavo Dezotti |
9 Roger Milla |
8 Claudio Caniggia |
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GOL: 67′ François Omam-Biyik (CAM) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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9′ Benjamin Massing (CAM) |
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23′ Victor N’Dip (CAM) |
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27′ Roberto Sensini (ARG) |
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54′ Émile Mbouh (CAM) |
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CARTÕES VERMELHOS: |
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61′ André Kana-Biyik (CAM) |
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88′ Benjamin Massing (CAM) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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INTERVALO Oscar Ruggeri (ARG) ↓ |
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Claudio Caniggia (ARG) ↑ |
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66′ Louis-Paul M’Fédé (CAM) ↓ |
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Thomas Libiih (CAM) ↑ |
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69′ Roberto Sensini (ARG) ↓ |
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Gabriel Calderón (ARG) ↑ |
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81′ Cyrille Makanaky (CAM) ↓ |
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Roger Milla (CAM) ↑ |
Gol da partida:
Partida completa:
Expulsão de Massing por falta violenta em Caniggia:
Abertura da Copa de 1990 na Rede Globo:
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A formação de Camarões está errada! M’Fede (10), canhoto, pela esquerda sempre. M’Bouh (8) pelo centro e Makanaky, como ponta ou segundo atacante, pela direita. 4-5-1 só vai ser usado amplamente em 1998.
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