… 12/06/1938 – Brasil 1 x 1 Tchecoslováquia

Três pontos sobre…
… 12/06/1938 – Brasil 1 x 1 Tchecoslováquia

“A Batalha de Bordeaux”


(Imagem: UOL)

● A partida marcou a inauguração do novíssimo estádio Parc Lescure, em Bordeaux. Isso obrigou as duas delegações a fazerem longos percursos de trem. Os tchecos viajaram 521 quilômetros desde Le Havre e os brasileiros 758 quilômetros desde Estrasburgo (uma viagem de quase 12 horas).

Nas oitavas de final, as duas equipes precisaram da prorrogação para eliminar seus respectivos rivais. A Tchecoslováquia bateu a Holanda por 3 a 0 (gols de Košťálek aos 93′, Nejedlý aos 111′ e Zeman aos 118′). O Brasil teve mais dificuldades para passar pela Polônia. Foi uma chuva de gols na vitória por 6 a 5, como já contamos aqui. Agora, a Seleção teria ainda mais problemas. Se o embate contra os poloneses foi duro, o duelo contra os tchecos seria ainda mais. Para ver o nível, bastava ver o confronto direto entre Polônia e Tchecoslováquia: em nove partidas até então, haviam sido oito vitórias da seleção tcheca.

No Mundial anterior, em 1934, o Brasil tinha decepcionado, sendo eliminado logo na primeira partida, em derrota para a Espanha por 3 x 1. Por sua vez, a Tchecoslováquia tinha uma bela equipe, que chegou até a final, quando perdeu de forma controversa para a anfitriã Itália apenas na prorrogação por 2 x 1, de virada.


(Imagem: Arquivo CBF)

Enquanto o Brasil tinha como remanescentes quatro jogadores (o capitão Martim Silveira, Luisinho Mesquita de Oliveira, Patesko e Leônidas da Silva), a seleção eslava ainda permanecia com seu time base, mantendo todo o sistema defensivo (Plánička, Burgr e Daučík) e o meio de campo (Košťálek, Bouček e Kopecký), além de seus dois melhores atacantes (Puč e Nejedlý). Assim, embora os sul-americanos tivessem um talento inegável, os centro-europeus eram favoritos.

Era um confronto de extremos. Os tchecos tinham um futebol metódico e jogadores experientes. Os brasileiros jogavam de forma artística e quase amadora. Para o adversário e para a imprensa estrangeira, o Brasil tinha um ataque extraordinário, mas a defesa “algo fraca”. De fato, os cinco gols sofridos contra a Polônia ligaram o alerta do técnico Ademar Pimenta, mas ele só fez uma mudança: o goleiro Walter entrou no lugar de Batatais. Domingos da Guia, mesmo com febre, foi para o jogo.


O Brasil atuava no sistema clássico, o 2-3-5, com muita fragilidade no sistema defensivo.


A Tchecoslováquia jogava em uma adaptação do 2-3-5 chamada “Sistema Danubiano”, que consistia na maior aproximação dos homens do ataque, com muitas tabelas e toques rápidos.

● Mas ambos fugiram de suas características, esqueceram a bola e partiram para o jogo violento. Tanto que essa partida ficou eternizada como “A Batalha de Bordeaux”.

Foi uma verdadeira guerra campal. Três das quatro expulsões dessa edição da Copa aconteceram nessa partida (a outra foi do alemão Hans Pesser, aos 6′ da prorrogação do empate com a Suíça por 1 x 1). Zezé Procópio foi o primeiro, logo aos 14 minutos da etapa inicial, depois de dar um chute sem bola em Nejedlý. Aos 44′ do segundo tempo, Machado e Říha trocaram agressões e também foram convidados a sairem do campo pelo árbitro húngaro Pal von Hertzka. Mas a verdade é que se o juiz fosse mais rigoroso, pelo menos a metade dos atletas deveria ter ido para o chuveiro mais cedo. O número de três expulsões em uma única partida só foi superado 68 anos depois, no confronto das oitavas de final de 2006 entre Portugal e Holanda, que teve quatro jogadores recebendo o cartão vermelho (Costinha, Deco, Khalid Boulahrouz e Gio van Bronckhorst).

O clima tenso seguiu por todo o jogo. Leônidas era o principal alvo dos tchecos, levando pontapés constantes. Um deles, desferido por Košťálek no fim do jogo, fez com que o craque brasileiro saísse carregado de campo e ficasse quase cinco minutos sendo atendido.

Em um dos raros momentos que foi possível praticar o futebol, o próprio Leônidas abriu o placar quando o relógio apontava meia hora jogada.

Mas aos 20′ da etapa final, Nejedlý e Šimůnek fizeram uma tabela no meio da área e Domingos da Guia tentou cortar com o peito, mas conduziu a bola com o braço. Pênalti indiscutível. Oldřich Nejedlý cobrou e converteu.

No fim da prorrogação, o empate por 1 x 1 persistiu e o saldo da guerra era altamente preocupante para os dois lados. O grande goleiro eslavo František Plánička havia jogado mais de meia hora e fechado o gol mesmo com a clavícula deslocada após um choque com Perácio e o artilheiro Oldřich Nejedlý (goleador da Copa de 1934) tinha fraturado o pé direito. Ambos estavam fora da partida de desempate, marcada para apenas 48 horas depois. Do lado brasileiro, Perácio saiu arrebentado e Leônidas, que tanto apanhou, não tinha condições de jogo.


Gol de Leônidas (Imagem: Arquivo CBF)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 1 x 1 TCHECOSLOVÁQUIA

 

Data: 12/06/1938

Horário: 17h00 locais

Estádio: Parc Lescure

Público: 22.021

Cidade: Bordeaux (França)

Árbitro: Pal von Hertzka (Hungria)

 

BRASIL (2-3-5):

TCHECOSLOVÁQUIA (2-3-5):

Walter (G)

František Plánička (G)(C)

Domingos da Guia

Jaroslav Burgr

Machado 

Ferdinand Daučík

Zezé Procópio

Josef Košťálek

Martim Silveira (C)

Jaroslav Bouček

Afonsinho

Vlastimil Kopecký

Lopes

Jan Říha

Romeu Pellicciari

Ladislav Šimůnek

Leônidas da Silva

Josef Ludl

Perácio

Oldřich Nejedlý

Hércules

Antonín Puč

 

Técnico: Ademar Pimenta

Técnico: Josef Meissner

 

SUPLENTES:

 

 

Batatais (G)

Karel Burket (G)

Jaú

Karel Černý

Nariz

Josef Orth

Britto

Karel Kolský

Brandão

Otakar Nožíř

Argemiro

Vojtěch Bradáč

Roberto

Václav Horák

Luisinho Mesquita de Oliveira

Arnošt Kreuz

Niginho

Oldřich Rulc

Tim

Karel Senecký

Patesko

Josef Zeman

 

GOLS:

30′ Leônidas da Silva (BRA)

65′ Oldřich Nejedlý (TCH) (pen)

 

EXPULSÕES:

14′ Zezé Procópio (BRA)

89′ Machado (BRA)

89′ Jan Říha (TCH)

Algumas imagens da partida:


… 14/06/1938 – Brasil 2 x 1 Tchecoslováquia (Partida de Desempate)


(Imagem: Arquivo CBF)

● Dois dias depois do empate por 1 x 1, Brasil e Tchecoslováquia voltaram a campo, mas com times bastante diferentes, em grande parte devido às contusões da partida anterior.

Os tchecos não tinham o goleiro Plánička (clavícula deslocada) e os atacantes Puč (lesão na perna esquerda) e Nejedlý (fratura no pé direito), além de duas alterações feitas pelo técnico tcheco Josef Meissner. Ele imaginou que iria surpreender o seu colega brasileiro Ademar Pimenta ao fazer tantas alterações em sua equipe. Mas na hora que os dois times entraram em campo, Meissner só se convenceu que aquele era mesmo o Brasil quando viu Leônidas uniformizado. À exceção do centroavante e do goleiro Walter, todos os jogadores eram diferentes do que atuaram dois dias antes. O novo time era o “branco”, mais pesado, com a adição do combalido Leônidas.

Comparado à guerra que foi no primeiro jogo, o segundo foi bem mais tranquilo. Mas ainda assim o brasileiro Nariz quebrou o braço e o tcheco Kopecký teve que deixar o campo carregado aos 30 minutos do segundo tempo.

Mas o fato é que os 18 mil torcedores presentes no Parc Lescure apreciaram uma boa partida.


O Brasil mudou nove jogadores em relação ao jogo anterior. Agora, era um time mais pesado. Permanecia o sistema tático 2-3-5 e o craque Leônidas, o grande diferencial daquela seleção.


Os tchecos jogaram novamente no 2-3-5, mas mudaram meio time que atuou dois dias antes.

● A partida foi tensa. Os tchecos começaram controlando o ritmo da partida e abriram o placar aos 25 minutos com Vlastimil Kopecký.

O segundo tempo foi todo do Brasil, que voltou mais incisivo e empatou aos 12′, com o imparável Leônidas.

Três minutos depois, um susto. Senecký chutou rasteiro e Walter fez a defesa, mas a bola escapou de suas mãos e pareceu ter entrado cerca de um palmo no gol, antes que o goleiro pudesse puxá-la de volta. O árbitro francês Georges Capdeville não viu o segundo gol da Tchecoslováquia e mandou o jogo seguir.

Logo em seguida, aos 17′, Roberto vira o jogo com um gol de voleio.

Mas o grande jogador da partida foi o meia Tim, de 23 anos, que estreava na Copa. Encantado com sua visão de jogo, um jornal francês o chamou de “Criador”. Ele ainda ganharia o apelido de “El Péon”, dado pelos argentinos quatro anos depois, por “conduzir o time brasileiro como um peão (‘peón‘) conduz a sua manada”. Uma grande pena que esse foi seu único jogo em Copas do Mundo.


Gol de Leônidas (Imagem: Arquivo CBF)

● O entusiasmo pela vitória foi tão grande que o Ministro das Relações Exteriores, Gustavo Capanema, enviou um telegrama para a França, cumprimentando e exaltando os “invencíveis lutadores”. A CBD, também por telegrama, chamou os jogadores de “bravos legionários”. O interventor do Governo Federal no estado do Rio de Janeiro, o comandante Amaral Peixoto, divulgou uma nota promovendo o autor do segundo gol brasileiro, Roberto, a subchefe da Polícia Especial de Niterói, corporação a que o jogador pertencia.

No dia seguinte, enquanto esperavam para embarcar no trem que os levaria de Bordeaux para Marselha, alguns jogadores ficaram fazendo embaixadinhas (ou altinha, dependendo da região). Foi um verdadeiro show coletivo. Algo muito corriqueiro em todo território brasileiro desde sempre, mas que nunca tinha sido visto na Europa. Segundo os relatos, durante vários minutos uma bola foi sendo passada de pé em pé sem tocar o chão. Foi uma grande demonstração da habilidade brasileira no controle de bola, impressionando os jornalistas europeus.


Gol de Roberto (Imagem: Arquivo CBF)

Eliminada a Tchecoslováquia, vice em 1934, o Brasil agora iria encarar a campeã Itália. Mas nos dois dias que antecederam o jogo, duas perguntas estavam na boca de todos. Qual time seria escalado por Ademar Pimenta, o que enfrentou a Polônia (azul, mais leve) ou o do segundo jogo contra a Tchecoslováquia (branco, mais pesado)? E ainda a maior preocupação: Leônidas iria jogar? Ele era o único que havia participado dos três jogos e o que mais tinha sofrido com a violência adversária. Mas na véspera da semifinal, o centroavante já sabia que não tinha a mínima condição de jogo.

A participação de Leônidas na partida de desempate contra a Tchecoslováquia custou muito caro. Ele já não estava fisicamente bem e só entrou em campo porque seu reserva imediato, Niginho, então no Vasco, não tinha condições legais de jogo. Em 1935, quando atuava pela Lazio de Mussolini, Niginho abandonou a Itália devido à ameaça de ser convocado para defender o país na guerra com a Etiópia. Seu clube pagou sua viagem para o Brasil, mas não o autorizou a assinar com o Palestra Itália (atual Palmeiras). A Itália chegou a informar à FIFA sobre a irregularidade e os dirigentes brasileiros preferiram nem correr riscos e decidiram que o jogador não seria escalado. Por isso Leônidas foi para o sacrifício contra os tchecos. Depois, em uma carta de próprio punho à revista carioca Sport Ilustrado, Leônidas escreveu: “Joguei esta partida porque Niginho não está com a situação regularizada. Porém, fui infeliz, me machuquei e não posso jogar amanhã contra a Itália”.


(Imagem: Arquivo CBF)

FICHA TÉCNICA:

 

BRASIL 2 x 1 TCHECOSLOVÁQUIA

 

Data: 14/06/1938

Horário: 18h00 locais

Estádio: Parc Lescure

Público: 18.141

Cidade: Bordeaux (França)

Árbitro: Georges Capdeville (França)

 

BRASIL (2-3-5):

TCHECOSLOVÁQUIA (2-3-5):

Walter (G)

Karel Burket (G)

Jaú

Jaroslav Burgr (C)

Nariz

Ferdinand Daučík

Britto

Josef Košťálek

Brandão

Jaroslav Bouček

Argemiro

Vlastimil Kopecký

Roberto

Václav Horák

Luisinho Mesquita de Oliveira

Karel Senecký

Leônidas da Silva (C)

Josef Ludl

Tim

Arnošt Kreuz

Patesko

Oldřich Rulc

 

Técnico: Ademar Pimenta

Técnico: Josef Meissner

 

SUPLENTES:

 

 

Batatais (G)

František Plánička (G)

Domingos da Guia

Karel Černý

Machado

Josef Orth

Zezé Procópio

Karel Kolský

Martim Silveira

Otakar Nožíř

Afonsinho

Vojtěch Bradáč

Lopes

Jan Říha

Romeu Pellicciari

Oldřich Nejedlý

Niginho

Antonín Puč

Perácio

Ladislav Šimůnek

Hércules

Josef Zeman

 

GOLS:

25′ Vlastimil Kopecký (TCH)

57′ Leônidas da Silva (BRA)

62′ Roberto (BRA)

Algumas imagens da partida:

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