Três pontos sobre…
… 17/07/1994 – Brasil 0 x 0 Itália
(Imagem: IFDB)
● Não estava em jogo “apenas” o título de campeão mundial de 1994. O duelo entre Brasil e Itália definiria o primeiro tetracampeão e, de quebra, o título simbólico de “campeão do século”, já que ambos haviam conquistado a Copa três vezes cada. O Brasil, havia vencido em 1958, 1962 e 1970. A Itália ganhou o Mundial em 1934, 1938 e 1982.
Na primeira fase, o Brasil passou pela Rússia (2 x 0) e por Camarões (3 x 0). Já classificado para as oitavas de final, empatou em 1 x 1 com a Suécia. Nas oitavas de final, enfrentou o anfitrião Estados Unidos justamente no dia da independência americana. Com um homem a menos (Leonardo foi expulso), foi um jogo duríssimo, mas a Seleção venceu com um gol de Bebeto. Nas quartas de final, o melhor jogo da Copa: vitória sobre a Holanda por 3 a 2. Nas semifinais, novo encontro com os suecos, que agora foram batidos por 1 a 0, com um gol de Romário.
Na primeira fase, a Itália jogou mal e só se classificou por ter marcado um gol a mais que a Noruega. Em um grupo fraco, a “Squadra Azzurra” perdeu para a Irlanda (1 x 0), ganhou da Noruega (1 x 0) e empatou com o México (1 x 1). Depois, no mata-mata, foram três vitórias por 2 x 1: Nigéria (nas oitavas), Espanha (nas quartas) e Bulgária (nas semifinais). O genial Roberto Baggio havia despertado e feito cinco dos últimos seis gols de sua seleção, nos últimos três jogos.
O Brasil atuava no 4-4-2. O sistema do técnico Parreira consistia em manter a maior posse de bola possível e dar o bote no momento certo. A figura símbolo desse estilo de jogo era o meia Zinho, apelidado de “Enceradeira” por girar com a bola de um lado para outro, sem agressividade.
A Itália jogava no 4-4-2. Arrigo Sacchi era adepto da marcação por pressão e da redução do campo a três quartos. Fazia isso adiantando sua linha de zagueiros e recuando os dois atacantes, dando pouco espaço entre suas linhas para que o adversário trabalhasse a bola.
● Mais de 100 mil pessoas estavam presentes no estádio Rose Bowl, em Pasadena, próximo de Los Angeles. O Brasil entrou em campo de mãos dadas. O hábito surgiu por uma ideia do zagueiro Ricardo Rocha, para mostrar a união do grupo. Tudo começou ainda nas eliminatórias, no jogo contra a Bolívia, em Recife, e virou uma marca registrada da equipe em todos os jogos.
Ambas as seleções tinham jogadores importantes que jogariam no sacrifício. Pelo lado brasileiro, o lateral direito Jorginho (o melhor de sua posição no torneio) sentia uma lesão muscular. Pela “Squadra Azzurra“, Roberto Baggio (então o melhor jogador do mundo) sentia uma contratura na coxa direita desde a semifinal contra a Bulgária. E também Franco Baresi, capitão italiano e um dos melhores zagueiros da história do futebol, que se lesionou logo na segunda partida de sua equipe. Baresi passou por uma cirurgia e incrivelmente conseguiu voltar a tempo de disputar a final. Uma recuperação espantosa.
Enquanto os heróis italianos se aguentaram até o fim, Jorginho não suportou as dores e teve que sair aos 22 minutos de partida, dando lugar a Cafu. O plano de Parreira, confidenciado à revista Placar antes da final, era de eventualmente usar a velocidade de Cafu no meio, no lugar de Mazinho no segundo tempo, quando os italianos já tivessem cansados. Mas teve que “queimar o cartucho” antes.
Em um raro ataque brasileiro no primeiro tempo, Romário perdeu uma boa chance de gol. O lance fez o técnico Arrigo Sacchi remodelar a defesa. Ele tirou o lateral Mussi e colocou Apolloni para marcar Romário individualmente, passando Benarrivo para a lateral direita e Paolo Maldini para a lateral esquerda.
Na primeira etapa, Massaro quase marcou, mas Taffarel estava bem colocado e fez ótima defesa. Depois, Branco tentou uma de suas cobranças de falta. Ele encheu o pé, Pagliuca foi lento para a bola e deu rebote. Mas Mazinho furou o cruzamento.
O panorama do jogo continuou igual depois do intervalo, com poucas chances de gol e as defesas se sobressaindo aos ataques. Roberto Baggio voltou a sentir o músculo da coxa. Baresi, mesmo com dores no joelho, mostrava que sua escalação tinha valido a pena e foi o melhor em campo pelo lado italiano.
Todos esperavam um grande jogo, mas o que se viu foi um duelo tático, uma final fraca em emoções. As duas seleções se respeitaram tanto a ponto de se temerem. Fizeram uma partida truncada, defensiva, com poucas chances de gols. O calor do meio dia nos Estados Unidos prejudicava bastante os atletas, comprometendo o espetáculo.
Mas foi mesmo do Brasil a melhor chance do jogo. Aos 30 minutos do segundo tempo, Mauro Silva chutou, o ótimo goleiro Pagliuca não segurou e ela bateu caprichosamente na trave. Pagliuca agradeceu a ajuda, dando um beijo na luva e o passando à trave. Seria realmente uma grande surpresa se Mauro Silva fizesse o gol do título, pois em toda sua carreira, com mais de 600 jogos, ele marcou apenas duas vezes. Mas foi quase. “Até hoje, quando revejo aquele lance, fico torcendo para ela entrar”, lamenta o volante.
Baggio, que tinha feito cinco gols dos últimos seis italianos, também não conseguia aproveitar as poucas chances que teve. A Itália finalizou apenas quatro vezes nos 90 minutos, contra 18 do Brasil.
Com o empate sem gols, veio a prorrogação. Taffarel trabalhou em um chute de fora da área de Roberto Baggio e Pagliuca fechou o gol em um lance de Bebeto.
Nos 15 minutos finais, o técnico Parreira trocou o meia Zinho pelo elétrico atacante Viola. O camisa nº 21 incendiou o jogo em pouco tempo, mas não conseguiu marcar.
A maior chance do Brasil foi desperdiçada por Romário. Cafu foi até a linha de fundo e cruzou rasteiro para trás. A bola passou pela zaga e pelo goleiro Pagliuca, sobrando limpa para Romário. O “Baixinho” tentou finalizar de carrinho, mas apareceu a perna salvadora de Benarrivo, que conseguiu tocar na bola mesmo caído. Ela passou tocando na trave.
No último minuto, Baggio e Massaro tabelaram e o camisa 10 chutou fraco para defesa do goleiro brasileiro. No finzinho, Dunga deu uma entrada dura exatamente na coxa machucada de Roberto Baggio. Baresi e Baggio sofriam com cãibras, um péssimo sinal para quem iria enfrentar uma decisão por pênaltis.
Como o placar não se alterou, veio então a primeira decisão por pênaltis na história das Copas do Mundo.
Baresi cobrou por cima. Márcio Santos bateu no canto direito e Pagliuca pegou. Albertini, Romário, Evani e Branco converteram. Taffarel pegou a batida de Massaro. Dunga ampliou. Roberto Baggio tinha que marcar para manter as chances de sua equipe, mas o gênio italiano bateu por cima, colocando a bola em órbita. Alívio de Bebeto, que nem precisou bater.
Que injustiça Baggio ter perdido o pênalti dessa forma! Mas que injustiça maravilhosa!
A tristeza dos italianos contrastava com a alegria dos brasileiros. As ruas do país estavam em festa, com carreatas, bandeiras, gritos e abraços, de tanta alegria guardada há 24 anos. Enfim, o Brasil era tetracampeão do mundo!
Pênalti cobrado por Roberto Baggio. (Imagem: Chris Wilkins / AFP / Getty Images)
(Imagem: Getty Images)
(Imagem: Pinterest)
● Antes da entrega da taça, os campeões fizeram uma oração em campo. Depois, os jogadores estenderam uma faixa com os dizeres: “Senna, aceleramos juntos. O tetra é nosso”. Era uma das homenagens ao piloto Ayrton Senna da Silva, o maior ídolo da história do esporte brasileiro. Tricampeão de Fórmula 1, Senna morreu dois meses antes da Copa, no dia 1º de maio, durante o GP de Ímola (Itália) de Fórmula 1. Seu bateu violentamente contra o muro na curva Tamburello, o levando a óbito.
O capitão Dunga recebeu o troféu FIFA das mãos do vice-presidente americano Al Gore. Levantou a taça e esbravejou em direção à tribuna de imprensa: “Essa é para vocês, bando de traíras filhos da p…”. Dunga nunca perdoou a perseguição que sofreu desde a Copa de 1990. O fiasco do Brasil naquela competição, com um sistema tático todo retrancado, acabou ficando conhecido como “Era Dunga“. Mas agora Dunga estava eternizado, assim como Bellini (1958), Mauro (1962) e Carlos Alberto Torres (1970).
A final definiria também o melhor jogador da Copa e até o artilheiro. Romário e Roberto Baggio tinham marcado cinco gols cada, sendo fundamentais para suas respectivas equipes. Nenhum dos dois marcou gols e os artilheiros da competição, com seis gols, foram: Hristo Stoichkov, da Bulgária, e Oleg Salenko, da Rússia.
Romário havia prometido conduzir o Brasil ao título e cumpriu. Na Copa, fez cinco gols, deu passes diretos para dois gols de Bebeto (contra EUA e Holanda) e participou das jogadas de outros três (diante de Rússia, Camarões e no gol de Branco frente aos holandeses). “Essa foi a Copa do Romário. Eu disse que seria campeão e cumpri. Sou tetra e o melhor do mundo. Eu falo e faço. Disse isso para calar a boca de muitos críticos.”
Curiosamente, o avião que trouxe a delegação brasileira de volta dos Estados Unidos trazia 17 toneladas de bagagem, a maioria composta por compras que deveriam ser taxadas pela alfândega. Porém, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, ameaçou cancelar o desfile da seleção caso a carga fosse vistoriada pela Receita Federal, e tudo ficou por isso mesmo. O caso ficou conhecido como a “muamba do tetra“.
O brasileiro Mário Jorge Lobo Zagallo tornou-se o único a vencer a Copa quatro vezes: em 1958 e 1962, como jogador; em 1970, como técnico; e em 1994, como coordenador técnico.
Em pé: Taffarel, Jorginho, Aldair, Mauro Silva, Márcio Santos e Branco;
Sentados: Mazinho, Romário, Dunga, Bebeto e Zinho. (Imagem: FIFA)
● FICHA TÉCNICA: |
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BRASIL 0 x 0 ITÁLIA |
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Data: 17/07/1994 Horário: 12h30 locais Estádio: Rose Bowl Público: 94.194 Cidade: Pasadena (Estados Unidos) Árbitro: Sándor Puhl (Hungria) |
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BRASIL (4-4-2): |
ITÁLIA (4-4-2): |
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1 Taffarel (G) |
1 Gianluca Pagliuca (G) |
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2 Jorginho |
8 Roberto Mussi |
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13 Aldair |
6 Franco Baresi (C) |
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15 Márcio Santos |
5 Paolo Maldini |
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6 Branco |
3 Antonio Benarrivo |
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5 Mauro Silva |
14 Nicola Berti |
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8 Dunga (C) |
13 Dino Baggio |
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17 Mazinho |
11 Demetrio Albertini |
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9 Zinho |
16 Roberto Donadoni |
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7 Bebeto |
10 Roberto Baggio |
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11 Romário |
19 Daniele Massaro |
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Técnico: Carlos Alberto Parreira |
Técnico: Arrigo Sacchi |
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SUPLENTES: |
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12 Zetti (G) |
12 Luca Marchegiani (G) |
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22 Gilmar Rinaldi (G) |
22 Luca Bucci (G) |
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14 Cafu |
2 Luigi Apolloni |
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3 Ricardo Rocha |
4 Alessandro Costacurta |
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4 Ronaldão |
7 Lorenzo Minotti |
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16 Leonardo |
9 Mauro Tassotti |
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10 Raí |
15 Antonio Conte |
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18 Paulo Sérgio |
17 Alberigo Evani |
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19 Müller |
21 Gianfranco Zola |
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21 Viola |
20 Giuseppe Signori |
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20 Ronaldo |
18 Pierluigi Casiraghi |
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CARTÕES AMARELOS: |
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4′ Mazinho (BRA) |
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41′ Luigi Apolloni (ITA) |
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42′ Demetrio Albertini (ITA) |
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87′ Cafu (BRA) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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21′ Jorginho (BRA) ↓ |
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Cafu (BRA) ↑ |
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35′ Roberto Mussi (ITA) ↓ |
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Luigi Apolloni (ITA) ↑ |
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95′ Dino Baggio (ITA) ↓ |
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Alberigo Evani (ITA) ↑ |
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INTERVALO DA PRORROGAÇÃO Zinho (BRA) ↓ |
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Viola (BRA) ↑ |
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DECISÃO POR PÊNALTIS: |
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BRASIL 3 |
ITÁLIA 2 |
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Márcio Santos (perdeu, à direita defendido por Pagliuca) |
Franco Baresi (perdeu, por cima do travessão) |
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Romário (gol, à meia altura do canto direito, chegando a tocar na trave) |
Demetrio Albertini (gol, no ângulo direito) |
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Branco (gol, forte no canto esquerdo) |
Alberigo Evani (gol, alto no meio do gol) |
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Dunga (gol, à meia altura no canto esquerdo) |
Daniele Massaro (perdeu, à esquerda defendido por Taffarel) |
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Roberto Baggio (perdeu, por cima do travessão) |
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Romário foi eleito o melhor jogador da Copa do Mundo de 1994. (Imagem: Mike Hewitt / AllSport)
Melhores momentos da partida, com narração de Luciano do Valle:
Melhores momentos da partida, com narração de Galvão Bueno:
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