Três pontos sobre…
… 06/06/1986 – Brasil 1 x 0 Argélia
(Imagem: Pinterest)
● Envolta de nostalgia e superstição, a Seleção Brasileira voltava à disputar uma Copa do Mundo no México dezesseis anos depois e esperava reencontrar o espírito vencedor de 1970. Mas, em campo, os espíritos astecas não ajudaram tanto a Seleção de Telê Santana e Cia.
O Brasil estreou no dia 01/06 diante da Espanha. Precisou contar com o travessão e o auxílio da arbitragem para vencer a Fúria pelo placar mínimo. Dois dias depois, pelo mesmo Grupo D, Argélia e Irlanda do Norte empataram por 1 x 1.
A Argélia esteve muito perto de passar de fase em 1982. Venceu poderosa Alemanha Ocidental (2 x 1) e o Chile (3 x 2), mas perdeu para a Áustria (2 x 0). Na última rodada do equilibrado Grupo B, Alemanha Ocidental e Áustria fizeram um “jogo de compadres”, com vitória simples dos alemães – um dos poucos resultados que classificaria as duas seleções europeias e eliminaria os africanos.
Para 1986, as “Raposas do Deserto” mantiveram suas principais peças de quatro anos antes. Destaque para o meia Lakhdar Belloumi e os atacantes Rabah Madjer (ídolo do FC Porto) e Salah Assad.
O Brasil atuou no 4-4-2. Júnior e Sócrates eram dois dínamos no meio campo. Os volantes e os laterais também apoiavam com frequência.
O técnico argelino Rabah Saâdane escalou sua seleção no sistema 4-3-3.
● Depois da vitória sobre o adversário mais difícil da chave, todos esperavam que jogo contra a Argélia fosse mais fácil.
Tudo começou mal, quando o lateral direito Édson Abobrão precisou deixar o campo logo aos 11 minutos e o técnico Telê Santana foi deveras infeliz na substituição. Alemão foi deslocado para a lateral e Falcão entrou no meio campo. O time ficou desorganizado.
Sem o ímpeto de Alemão no meio, Elzo teve que correr em dobro. Falcão estava em má forma física – tanto, que encerraria a carreira naquela temporada, com apenas 33 anos.
Mas o Brasil começou assustando. Em uma cobrança de falta ensaiada, Júnior chutou forte. O goleiro Nacerdine Drid espalmou e Careca chutou o rebote para fora.
Depois, Júnior cobrou falta para a área. A zaga rebateu e Edinho rolou para Falcão chutar de esquerda, mas a bola desviou e saiu fraca.
Ainda na etapa inicial, Careca cruzou da direita, Casagrande cabeceou bem e Drid pulou no cantinho. Na sobra, “Casão” dividiu com o goleiro e a bola sobrou para Sócrates chutar para o gol. O árbitro guatemalteco Rómulo Méndez Molina anulou o tento brasileiro, por entender que Casão fez falta em Drid na disputa de bola.
O lance mais perigoso foi uma falta da intermediária cobrada por Júlio César, que fez a bola explodir no travessão.
No início do segundo tempo, o Brasil diminuiu o ritmo e a torcida vaiou. A Argélia perdeu o medo e chegou a assustar. Assad cruzou na pequena área e Belloumi chegou de carrinho, mas Carlos fez uma grande defesa com o pé.
Mas logo a Seleção voltou a pressionar. Branco tabelou com Sócrates pela esquerda, invadiu a área e chutou forte. O goleiro desviou e a bola ainda bateu na trave.
No segundo tempo, o time cresceu com a entrada de Müller no ataque. E foi dele a assistência para o gol.
Aos 22 minutos do segundo tempo, Branco virou o jogo para Alemão na direita, que abriu com Müller na ponta. O atacante são-paulino cruzou para a pequena área. A bola desviou no meio do caminho e ficou entre o zagueiro e o goleiro, que vacilaram. Em uma fração de segundo, Careca se aproveitou da indecisão adversária e apareceu como uma flecha para tocar a bola para dentro do gol.
Careca queria mais. Ele chutou de longe e a bola passou perto do gol, à direita do goleiro.
Sócrates avançou pela direita e bateu forte e Drid espalmou. Na sobra, Careca perdeu a disputa pelo alto e o zagueiro impediu o segundo tento brasileiro.
O camisa 9 teve ainda uma última chance, quando chutou da entrada da área, mas o goleiro pegou.
Careca foi esperto ao aproveitar a bobeira da zaga argelina e chutar para o gol (Imagem: saopaulofc.net)
● É impossível falar dessa partida sem o enfoque em Careca. Mesmo nas piores fases, atacante tinha total confiança do técnico Telê Santana. O que mais unia os dois, é que ambos carregavam o mesmo estigma: não conseguir render na seleção o mesmo que em clubes. Com isso, viviam sempre sob suspeita.
“Ele é centroavante com melhor toque de bola no país.” – Telê afirmava. A torcida e a crítica especializada não acreditavam. Chamavam o camisa 9 de egoísta e preciosista nas conclusões, capaz de perder o gol para requintar o lance.
Na estreia contra os espanhóis, ele não marcou gol, mas foi fundamental no ataque. Mal comparando, foi como Tostão no Mundial de 1970 (também no México): segurava a atenção da marcação para abrir espaços para os companheiros que se infiltravam.
Mas Careca não queria mais ser “boi de piranha”. Estava determinado não só a fazer gols, mas também queria provar ao Brasil que poderia ser o mesmo craque do São Paulo e do Guarani (protagonizou o título do Campeonato Brasileiro de 1978 aos 18 anos).
De amarela, basta a camisa e ele não amarelou. Foi a principal arma brasileira, mostrando talento e oportunismo. Seu gol tirou o Brasil do sufoco contra os africanos e garantiu a vitória da seleção tricampeã do mundo.
Walter Casagrande Júnior não fez uma boa Copa. Na partida seguinte, perderia a titularidade para Müller (Imagem: Pinterest)
● Foi outra atuação nervosa e sem inspiração do Brasil. Mas valeu pela superação de Careca, pela vitória e pela classificação antecipada para a próxima fase.
No jogo seguinte, houve uma ingênua impressão de evolução quando a Seleção Brasileira venceu a Irlanda do Norte por 3 a 0, incluindo o fabuloso gol de Josimar (substituto de Édson). Mas mesmo terminando na liderança de seu grupo, com 100% de aproveitamento e sem sofrer gols, a Seleção não empolgou em momento algum. Nas oitavas de final, um alento: goleada sobre a boa seleção polonesa por 4 a 0. Nas quartas, o Brasil enfrentaria a França, de Michel Platini.
Na terceira rodada do Grupo D, a Argélia perdeu para a Espanha por 3 a 0 e terminou no último lugar da chave. As “Raposas do Deserto” terminaram rigorosamente empatadas com a Irlanda do Norte: um ponto e saldo de -4 gols para cada; porém, os irlandeses marcaram dois gols e os argelinos apenas um.
Mais de 25 anos depois, o ex-atacante Djamel Menad revelou que ele e pelo menos cinco companheiros da seleção argelina teriam recebido drogas durante a preparação para o Mundial de 1990. Segundo ele, um médico russo deu medicamentos aos atletas às vésperas e durante o torneio, informando ser apenas “vitaminas”. O ex-jogador afirmou ainda que cinco de seus filhos (todos nascidos após 1986) tem algum problema de saúde. Pouco depois, outros atletas revelaram que o procedimento aconteceu também durante a Copa de 1982.
Paulo Roberto Falcão sofria com problemas físicos e não foi bem (Imagem: Think Marketing)
● FICHA TÉCNICA: |
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BRASIL 1 x 0 ARGÉLIA |
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Data: 06/06/1986 Horário: 12h00 locais Estádio: Jalisco Público: 48.000 Cidade: Guadalajara (México) Árbitro: Rómulo Méndez Molina (Guatemala) |
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BRASIL (4-4-2): |
ARGÉLIA (4-3-3): |
1 Carlos (G) |
1 Nacerdine Drid (G) |
2 Édson Boaro |
5 Abdellah Liegeon |
14 Júlio César |
20 Fodil Megharia |
4 Edinho (C) |
2 Mahmoud Guendouz (C) |
17 Branco |
16 Faouzi Mansouri |
19 Elzo |
6 Mohamed Kaci-Saïd |
15 Alemão |
18 Halim Benmabrouk |
6 Júnior |
10 Lakhdar Belloumi |
18 Sócrates |
7 Salah Assad |
9 Djamel Menad |
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9 Careca |
11 Rabah Madjer |
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Técnico: Telê Santana |
Técnico: Rabah Saâdane |
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SUPLENTES: |
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12 Paulo Vítor (G) |
21 Larbi El Hadi (G) |
22 Leão (G) |
22 Mourad Amara (G) |
13 Josimar |
4 Noureddine Kourichi |
3 Oscar |
15 Abdelhamid Sadmi |
16 Mauro Galvão |
19 Mohamed Chaïb |
5 Falcão |
3 Fathi Chebal |
20 Silas |
8 Karim Maroc |
21 Valdo |
17 Fawzi Benkhalidi |
10 Zico |
14 Djamel Zidane |
11 Edivaldo |
13 Rachid Harkouk |
7 Müller |
12 Tedj Bensaoula |
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GOL: 66′ Careca (BRA) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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10′ Édson Boaro (BRA) ↓ |
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Falcão (BRA) ↑ |
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59′ Casagrande (BRA) ↓ |
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Müller (BRA) ↑ |
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68′ Salah Assad (ALG) ↓ |
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Tedj Bensaoula (ALG) ↑ |
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80′ Lakhdar Belloumi (ALG) ↓ |
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Djamel Zidane (ALG) ↑ |
Melhores momentos da partida:
Partida completa (narração de Galvão Bueno):