… 11/07/2010 – Espanha 1 x 0 Holanda

Três pontos sobre…
… 11/07/2010 – Espanha 1 x 0 Holanda


A consagração de uma geração: Espanha, campeã da Copa do Mundo de 2010. (Imagem: Eduardo Nicolau / AE)

● Ninguém tinha mais dúvidas: Espanha e Holanda eram as duas melhores seleções do mundo e chegaram justamente à final. Era a primeira vez na história que os dois times se enfrentavam em um torneio internacional.

O belíssimo estádio Soccer City, em Johanesburgo, estava repleto, com 84.490 expectadores esperando ansiosamente para conhecer um campeão inédito, o oitavo da lista dos campeões mundiais. Era a primeira decisão com duas seleções sem título desde “Argentina x Holanda” em 1978.

Desde 2008, os holandeses ostentavam 25 jogos de invencibilidade, com seis empates e 19 vitórias, sendo seis delas na Copa: 2 a 0 na Dinamarca, 1 a 0 no Japão, 2 a 1 sobre Camarões, 2 a 1 na Eslováquia, 2 a 1 no Brasil e 3 a 2 no Uruguai. Se a Holanda vencesse essa final, superaria o Brasil de 1970, que venceu todos seus jogos nas eliminatórias e na Copa do Mundo (12 partidas). Já havia vencido 14 (oito nas eliminatórias). Faltava essa decisão. Mas essa Holanda fugia de sua escola tradicional: comumente ofensiva, a equipe treinada por Bert van Marwijk era tática e pragmática.

Mas a rival, Espanha, também tinha um excelente retrospecto: em 32 partidas, 30 vitórias e apenas duas derrotas (a semifinal da Copa das Confederações diante dos Estados Unidos e a estreia na própria Copa de 2010, com derrota por 1 a 0 para a Suíça). Depois do revés na primeira partida, se recuperou vencendo Honduras (2 x 0) e Chile (2 x 1). Nas fases de mata-mata, foram vitórias por 1 a 0 sobre Portugal (nas oitavas de final), Paraguai (nas quartas) e Alemanha (nas semi). Os espanhóis vinham de um título incontestável na Eurocopa de 2008 e de uma mudança drástica em sua característica de jogo.

Até 2010, o histórico espanhol em Copas do Mundo era medíocre. Em doze participações, sua melhor campanha havia sido o quarto lugar no Brasil em 1950, um campeonato cheio de desfalques, realizado enquanto a Europa ainda se reconstruía da Segunda Guerra Mundial. Mesmo assim, no quadrangular final, foi humilhada pelo Brasil por 6 a 1 em pleno Maracanã. Ou seja, mesmo quando foi bem, passou vergonha. Nas demais campanhas, a “Fúria” teve duas marcas comuns: o fracasso no momento decisivo e um estilo de muita força física e pouca técnica.

Até que, orientada pelo técnico Luis Aragonés (campeão da Euro 2008) e depois por Vicente Del Bosque (campeão da Copa de 2010 e da Euro 2012), a Espanha deixou de ser a “Fúria” e passou a ser a “Roja“. A mudança não foi só de apelido. Com uma rara obsessão pela posse de bola, troca de passes constante, consistência defensiva, redução de espaços e ruptura com o modelo consagrado no país, a equipe liderada por Xavi e Iniesta era capaz de tocar a bola por horas a fio até seu adversário se enfraquecer mentalmente e deixar algum espaço livre para Espanha fazer um gol. A melhor defesa era ter a bola em seus pés. Funcionou por seis anos ininterruptamente.


A Espanha jogava em um sistema bastante móvel: era escalada no 4-2-3-1, mas atacava no 4-3-3 e se defendia no 4-5-1.


A Holanda não honrou a tradição do 4-3-3. O pragmático técnico Bert van Marwijk preferia o sistema 4-2-3-1, com muita força física no meio campo e o talento de seus quatro homens mais avançados.

● A Espanha manteve a escalação que funcionou diante da Alemanha nas semifinais, com o ponta Pedro no lugar do atacante Fernando Torres. Com isso, David Villa ficou cercado pela marcação holandesa, mas a Espanha ganhou em posse de bola. A Holanda tinha os retornos do lateral direito Gregory van der Wiel e do volante Nigel de Jong, que voltavam de suspensão.

Os holandeses jogavam fechados. Quando os desarmes não saíam, inevitavelmente faziam a falta. Era aquela frase triste e clássica: “cada enxadada, uma minhoca”. “Não perdiam a viagem”, especialmente os volantes De Jong e Mark van Bommel (genro do treinador Van Marwijk desde 2001).

Em um jogo truncado e amarrado, a Espanha teve maior domínio territorial, com 57% de posse de bola ao todo. Teve três chances no início, duas com Sergio Ramos e uma com David Villa, mas não conseguiram abrir o placar.

Do outro lado, o velocíssimo Arjen Robben era quem levava perigo e criava as melhores chances da “Laranja“.

A cada minuto que se passava, a decisão foi ficando cada vez mais ríspida, com a conivência do árbitro inglês Howard Webb. Dentre outros, a principal “amarelada” do juiz foi relevar um golpe de “kung fu” do violento De Jong no peito de Xabi Alonso, aplicando apenas o cartão amarelo ao agressor. O correto seria vermelho e boletim de ocorrência.

Aos 16 minutos do segundo tempo, Sneijder lançou, Piqué falhou ao tentar cortar e Robben ficou livre, frente a frente com Casillas. O craque holandês finalizou mal e o capitão espanhol fez a defesa com o pé.

Oito minutos depois, Pedro chutou cruzado e a bola sobrou na pequena área para Villa, que chutou em cima de Stekelenburg.

No minuto 31, Sergio Ramos não aproveitou cobrança de escanteio e cabeceou para fora.

Aos 38 minutos, o mesmo Robben passou na corrida pelo lento zagueiro Puyol e teve nova oportunidade cara a cara com Casillas, mas o goleiro saiu aos seus pés e salvou de novo.

Com o empate sem gols entre dois timaços que insistiam em não perder, veio a prorrogação.

Aos dois minutos, Xavi foi calçado dentro da área por Heitinga, mas o árbitro não viu o pênalti. Depois disso, os espanhóis tiveram três chances claras de marcar.

Extenuada pela boa marcação frente ao incessante toque de bola espanhol, a Holanda começava a afrouxar e abrir espaços. Foram três chances perdidas pela “Roja“: uma com Villa, outra com Fàbregas e a terceira com Navas.

A situação dos neerlandeses piorou quando Heitinga puxou Iniesta na meia-lua e foi expulso pelo segundo cartão amarelo, aos quatro minutos da segunda etapa. Foi a partida mais violenta da Copa e a final com mais cartões na história: 14, sendo 9 apenas para a Holanda (além do vermelho).

Quando os holandeses já se davam como satisfeitos pelo empate e a chance de decidir nos pênaltis, a Espanha foi premiada pela insistência.

Aos 11 minutos do segundo tempo da prorrogação, Cesc Fàbregas iniciou um contra-ataque, ainda em seu campo de defesa. O camisa 10 tocou para Jesús Navas, que passou para Fernando Torres alçar para a área. Van der Vaart cortou, mas a bola caiu de novo com Fàbregas, que já estava posicionado na meia-lua. Com sua singular visão de jogo, ele encontrou Andrés Iniesta na direita, nas costas da defesa e de frente para o goleiro. O herói espanhol dominou e finalizou forte, indefensável, no canto direito do goleiro Stekelenburg. Os holandeses ainda reclamaram impedimento, mas o gol foi legal.

O maior mérito da Espanha foi não abandonar, em momento algum, a constante troca de passes, até acionar alguém que aparecesse na cara do gol. Deu certo.

Até que enfim uma geração espanhola estava marcada na história do futebol mundial e igualava os feitos da Alemanha de Franz Beckenbauer e da França de Zinedine Zidane como uma das únicas a vencer uma Copa do Mundo e uma Eurocopa de maneira consecutiva.


Iniesta ajeita a passada para chutar e fazer história. (Imagem: Luca Bruno / AP)


Depois, comemora e presta sua homenagem ao amigo Dani Jarque, zagueiro do Espanyol que havia falecido um ano antes. (Imagem: Martin Meissner / AP)

● Em sua décima terceira participação em Copas do Mundo, finalmente a Espanha conseguiu chegar em uma final e se sagrar campeã. Foi a primeira seleção campeã mundial com uma derrota em sua estreia na Copa. A “Roja” teve o pior ataque da história de um campeão: apenas oito gols marcados (média de 1,14 gols por jogo). No mata-mata, venceu os quatro jogos por 1 a 0. O menor número de gols assinalados por um vencedor de Copa, até então, havia sido o de 11 gols nas edições de 1938, 1966 e 1994. Por outro lado, com apenas dois gols sofridos, a “Roja” foi a equipe campeã que menos levou gols, ao lado da França de 1998 e da Itália de 2006.

No Mundial, a Espanha teve números estatísticos impressionantes, com médias de 62% de posse de bola, 502 passes trocados e acerto de 90% nesse fundamento. Teve, por partida, 17,29 finalizações a favor e seis contra o seu gol.

O goleiro e capitão espanhol Iker Casillas saiu bastante criticado após a derrota para a Suíça na estreia. Segundo a imprensa espanhola, pouco antes do gol sofrido, ele teria sido distraído pela namorada, a linda jornalista Sara Carbonero, que trabalhava para a rede de TV MediaSet e estava posicionada atrás de seu gol. Mas, como o goleiro foi um dos grandes heróis da conquista do título, foi entrevistado ao vivo pela própria namorada na zona mista. Para o mundo inteiro ver, ele interrompeu as perguntas e a beijou. Como o amor é lindo! Atualmente eles estão casados e são pais do pequeno Martín, de três anos e meio.

Já a Holanda viu seu sonho ruir na decisão pela terceira vez. Já havia perdido para a Alemanha Ocidental em 1974 e para a Argentina em 1978. Assim, sendo tri-vice, a “Laranja” deixa para trás os dois bi-vices: Hungria (1938 e 1954) e Tchecoslováquia (1934 e 1962).

Curiosamente, “Espanha x Holanda” foi a segunda final europeia seguida em Copas do Mundo, pois “Itália x França” haviam decidido em 2006. Isso só havia ocorrido antes uma única vez, nos Mundiais de 1934 e 1938. Também foi a primeira vez que a final não contou com nenhuma das quatro seleções mais tradicionais em Copas: Brasil, Itália, Alemanha e Argentina.

Nessa final, havia também uma batalha particular entre o batavo Wesley Sneijder e o ibérico David Villa. Com cinco gols cada, eles disputavam o posto de artilheiro e de melhor jogador da Copa entre si e contra o alemão Thomas Müller e o uruguaio Diego Forlán. Como nenhum deles marcou na decisão, todos empataram na artilharia e Forlán foi eleito o melhor jogador da Copa do Mundo de 2010.

Mas a grande injustiça do ano foi o fato de Sneijder não ter conquistado o prêmio “Bola de Ouro da FIFA” no fim do ano de 2010. Naquela temporada, Sneijder liderou seu clube, a Internazionale de Milão, na conquista da tríplice coroa: UEFA Champions League, Campeonato Italiano e Coppa Italia, além do Campeonato Mundial Interclubes no fim do ano. Pela seleção, foi vice-campeão da Copa do Mundo e um dos artilheiros. Nada seria mais justo que ele ser laureado com a premiação individual. Mas, devido às características midiáticas dessa eleição da FIFA, Lionel Messi ganhou o prêmio (mesmo vencendo “apenas” a liga espanhola e fazendo uma Copa sem destaque).


Espanhóis comemoram o gol do título. (Imagem: Cameron Spencer / Getty Images Europe)

FICHA TÉCNICA:

 

ESPANHA 1 x 0 HOLANDA

 

Data: 11/07/2010

Horário: 20h30 locais

Estádio: Soccer City (atual First National Bank Stadium)

Público: 84.490

Cidade: Johanesburgo (África do Sul)

Árbitro: Howard Webb (Inglaterra)

 

ESPANHA (4-2-3-1):

HOLANDA (4-2-3-1):

1  Iker Casillas (G)(C)

1  Maarten Stekelenburg (G)

15 Sergio Ramos

2  Gregory van der Wiel

3  Gerard Piqué

3  John Heitinga

5  Carles Puyol

4  Joris Mathijsen

11 Joan Capdevila

5  Giovanni van Bronckhorst (C)

16 Sergio Busquets

6  Mark van Bommel

14 Xabi Alonso

8  Nigel de Jong

8  Xavi

11 Arjen Robben

6  Andrés Iniesta

10 Wesley Sneijder

18 Pedro

7  Dirk Kuyt

7  David Villa

9  Robin van Persie

 

Técnico: Vicente del Bosque

Técnico: Bert van Marwijk

 

SUPLENTES:

 

 

12 Víctor Valdés (G)

16 Michel Vorm (G)

23 Pepe Reina (G)

22 Sander Boschker (G)

2  Raúl Albiol

12 Khalid Boulahrouz

4  Carlos Marchena

13 André Ooijer

17 Álvaro Arbeloa

15 Edson Braafheid

20 Javi Martínez

14 Demy de Zeeuw

10 Cesc Fàbregas

18 Stijn Schaars

13 Juan Mata

23 Rafael van der Vaart

21 David Silva

20 Ibrahim Afellay

22 Jesús Navas

17 Eljero Elia

19 Fernando Llorente

19 Ryan Babel

9  Fernando Torres

21 Klaas-Jan Huntelaar

 

GOL: 116′ Andrés Iniesta (ESP)

 

CARTÕES AMARELOS:

15′ Robin van Persie (HOL)

16′ Carles Puyol (ESP)

22′ Mark van Bommel (HOL)

23′ Sergio Ramos (ESP)

28′ Nigel de Jong (HOL)

54′ Giovanni van Bronckhorst (HOL)

57′ John Heitinga (HOL)

67′ Joan Capdevila (ESP)

84′ Arjen Robben (HOL)

111′ Gregory van der Wiel (HOL)

117′ Joris Mathijsen (HOL)

118′ Andrés Iniesta (ESP)

120+1′ Xavi (ESP)

 

CARTÃO VERMELHO: 109′ John Heitinga (HOL)

 

SUBSTITUIÇÕES:

60′ Pedro (ESP) ↓

Jesús Navas (ESP) ↑

 

71′ Dirk Kuyt (HOL) ↓

Eljero Elia (HOL) ↑

 

87′ Xabi Alonso (ESP) ↓

Cesc Fàbregas (ESP) ↑

 

99′ Nigel de Jong (HOL) ↓

Rafael van der Vaart (HOL) ↑

 

INTERVALO DA PRORROGAÇÃO Giovanni van Bronckhorst (HOL) ↓

Edson Braafheid (HOL) ↑

 

INTERVALO DA PRORROGAÇÃO David Villa (ESP) ↓

Fernando Torres (ESP) ↑


Arjen Robben teve a vitória nos pés por duas vezes, mas um heroico Casillas evitou os dois gols. (Imagem: Kai Pfaffenbach / Reuters)

Melhores momentos da partida (narração de Milton Leite):

Gol de Iniesta (narração de Galvão Bueno):

Ótimo clipe da música oficial da Copa do Mundo de 2010, “Waka Waka (This Time for Africa)“, da linda colombiana Shakira:

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