… 26/06/1954 – Suíça 5 x 7 Áustria

Três pontos sobre…
… 26/06/1954 – Suíça 5 x 7 Áustria


Theodor Wagner marca um de seus três gols (Imagem: The Young Journalist Academy)

● Áustria e Suíça são vizinhas e o alemão é o idioma mais falado nas duas nações. Mas enquanto a Suíça ficou neutra por diversos motivos que não nos cabe aqui, a Áustria foi invadida e anexada pelo Terceiro Reich da Alemanha Nazista na época da Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, por ser um dos poucos países europeus não afetados pela grande guerra, a Suíça foi escolhida como sede da 5ª Copa do Mundo, em 1954.

Na fase de grupos, a anfitriã venceu a Itália por 2 a 1 e perdeu para a Inglaterra por 2 a 0. Assim, foi necessário um jogo-desempate novamente contra os italianos. Dessa vez os suíços não deram margem e venceram por 4 a 1. A Áustria se classificou no grupo 3 com duas vitórias em dois jogos (1 a 0 na Escócia e 5 a 0 na Tchecoslováquia).

Cada país tem seus métodos de treinamento, mas a Suíça mostrou ao mundo seus métodos pouco ortodoxos de preparação, que incluíam embaixadinhas com a cabeça, controle de bola, finalizações, vôlei, pular corda e até praticar arco e flecha (o esporte nacional desde os tempos de Guilherme Tell).


A Suíça era escalada em seu tradicional “Ferrolho”, criado por Karl Rappan na década de 1930.  Em uma espécie de 4-4-1-1 bastante defensivo, foi o primeiro sistema tático a utilizar o líbero. Toda a equipe era posicionada atrás da linha de meio campo e ocupar todo o espaço possível em sua defesa para impedir os adversários de atacar. Ao recuperar a bola, era correria e contra-ataque.


A Áustria atuava no sistema WM, como era comum em todo centro evoluído na época.

● O estádio Olímpico de La Pontaise, em Lausanne, estava lotado, com 35 mil torcedores, que viriam a assistir uma partida que se tornaria singular na história das Copas.

O “Ferrolho Suíço” foi um sistema tático ultradefensivo criado pelo técnico austríaco Karl Rappan, que consistia em uma forte retranca e raros avanços ofensivos, com muita velocidade no contra-ataque. Treinando a seleção suíça, ele utilizou o esquema em três Copas do Mundo: 1938, 1954 e 1962. Mas foi na Copa de 54 que ele conseguiu seu melhor resultado, chegando às quartas de final. Desse modo, os placares das partidas envolvendo sua seleção era normalmente “econômicos”.

Assim, foi uma estranha surpresa quando a Suíça começou de forma fantástica e abriu 3 a 0 na metade do primeiro tempo. Foi um início formidável. Não percamos as contas.

Aos 16, Robert Ballaman aproveitou uma falha de um defensor adversário, dominou e bateu de fora da área. O goleiro Schmied nem se mexeu. 1 a 0 para a Suíça.

No minuto seguinte, bola na área da Áustria. A zaga não cortou e Josef Hügi se antecipou a um zagueiro e tocou para o gol. 2 a 0.

Seis minutos depois, um cruzamento da ponta direita encontrou Hügi na risca da pequena área e ele mandou a bola no alto do gol. 3 a 0.

Os austríacos estavam embasbacados e provavelmente estavam se perguntando o que estava acontecendo. Nem o mais fanático torcedor suíço esperava um começo tão perfeito, mas o que viria depois seria ainda mais surpreendente.

O time de branco acordou. A reação da Áustria começou no minuto 24, com uma tabela entre Theodor Wagner e Robert Körner, que Wagner chutou cruzado e rasteiro, diminuindo o marcador. 3 a 1 para a Suíça.

O gol mais bonito foi aos 26, quando Alfred Körner chutou de primeira de fora da área, com efeito, colocando a bola no ângulo do goleiro Parlier. 3 a 2.

O empate aconteceu um minuto depois. Wagner recebeu na ponta direita, perto do bico da área. Ele passou por dois marcadores e finalizou fraco, mas a bola entrou no canto direito do goleiro. 3 a 3. Jogo empatado. E era apenas o começo de uma das partidas mais dramáticas (e legais) da história das Copas.

A virada viria aos 32. Wagner rolou para Alfred Körner, que cruzou da direita para o meio da área, onde o capitão Ernst Ocwirk emendou lindamente de primeira, bem no cantinho direito. Os visitantes estavam na frente pela primeira vez, 4 a 3.

O famoso ferrolho suíço não se encontrava em campo e, após confusão na pequena área, Alfred Körner passou pelo goleiro e desviou para dentro. 5 a 3 aos 34 minutos. Inédito, incrível, fantástico e sensacional: o time austríaco marcou 5 gols em apenas 10 minutos.

E agora é a vez dos suíços se perguntarem o que estava acontecendo. E até conseguiram diminuir aos 39. Roger Vonlanthen engatou contra-ataque e lançou para Ballaman, que vinha na corrida, tocar para dentro.

A etapa inicial terminou com o inacreditável placar de 5 a 4 para os austríacos, que ainda se deram ao luxo de perder um pênalti aos 42, com Alfred Körner chutando para fora. Um recorde de nove gols em 45 minutos. Mas viriam mais.

No segundo tempo a técnica continuou fazendo a diferença para a Áustria. Aos oito minutos, Wagner interceptou um cruzamento alto que veio da esquerda e mandou para as redes. 6 a 4. Foi o sétimo “hat trick” dessa Copa.

Cinco minutos depois, Hügi chutou com eleito de fora da área; o goleiro tocou na bola, mas não evitou o gol. “Hat trick” também de Seppe Hügi. 6 a 5 para a Áustria, e a Suíça tentava a qualquer custo empatar esse épico confronto.

Mas aos 31 minutos do segundo tempo o placar foi alterado pela última vez. Erich Probst arrancou em velocidade desde a intermediária, entrou na área e tocou por cima do goleiro Parlier, que saía no lance. Probst desferiu o golpe final e acabou com as esperanças suíças.

Nos minutos finais, ambas as equipes começaram a “derreter” com o calor daquele dia. A Suíça estava ainda mais desgastada fisicamente, por ter disputado um jogo desempate. Mas os austríacos também foram afetados.


Eugène Parlier sai nos pés de Stojaspal. Poderia ter sido ainda maior a chuva de gols (Imagem: Pinterest)

● A partida ficou conhecida pelo nome alemão “Hitzeschlacht von Lausanne“, algo como “A Quente Batalha de Lausanne“, devido à alta temperatura em que foi jogada, aos 40º C.

Algumas fontes indicam que o calor tenha atrapalhado a Suíça, depois do início avassalador. Mas a Áustria talvez tenha sido mais prejudicada. Devido também à intensidade do duelo, o goleiro Kurt Schmied sofreu hipertermia logo no início, o que fez com que ele não oferecesse resistência aos primeiros gols adversários. Schmied chegou a desmaiar em campo e foi atendido pelo massagista. Ele ficou parte do segundo tempo agarrado a uma das traves. Ao final da partida, ele chegou a perguntar a um companheiro quem tinha vencido.

Após o jogo, o árbitro escocês Charlie Faultless foi agredido por um torcedor suíço ao deixar o estádio. Sua atuação foi criticada pela torcida local, que o acusou de favorecer os rivais. Ele foi salvo de outras agressões por dois dirigentes suíços, que o acompanharam até o hotel onde ele estava hospedado.

O capitão suíço de nome engraçado, Roger Bocquet, participou de todos os sete jogos de sua seleção nas Copas de 1950 e 1954. Na Copa de 1954, quando tinha 33 anos, teve diagnosticado um tumor no cérebro. Ele precisava de uma cirurgia e foi proibido de jogar por seu médico. Contrariando todas as recomendações, jogou a Copa em casa imaginando que não sobreviveria à operação e que talvez aquelas fossem suas últimas partidas. Depois da Copa, foi operado e felizmente viveu bem por mais 40 anos (faleceu em 1994, aos 73 anos de idade).

Esse jogo estabeleceu o recorde de gols em uma única partida de Copa do Mundo, com doze gols no total. Foi também a maior virada da história das Copas e a primeira em que uma equipe reverteu uma derrota parcial por três gols, igualada somente no jogo Portugal 5 x 3 Coreia do Norte, em 1966.

A Áustria não teve a mesma sorte nas semifinais. Foi devorada pela faminta Alemanha Ocidental por 6 a 1. Como prêmio de consolação veio o merecido 3º lugar, com vitória sobre os então campeões do mundo, Uruguai, por 3 a 1. Uma campanha histórica.


Ernst Happel disputa a jogada. Ele seria um dos maiores técnicos da história. Dentre diversas outras conquistas, foi campeão da Copa dos Campeões com o Feyenoord em 1969/70 e com o Hamburger em 1982/83, além de vice-campeão da Copa do Mundo de 1978 com a Holanda.

FICHA TÉCNICA:

 

SUÍÇA 5 X 7 ÁUSTRIA

 

Data: 26/06/1954

Horário: 17h00 locais

Estádio: Olympique de La Pontaise

Público: 35.000

Cidade: Lausanne (Suíça)

Árbitro: Charlie Faultless (Escócia)

 

SUÍÇA (FERROLHO SUÍÇO):

ÁUSTRIA (WM):

2  Eugène Parlier (G)

1  Kurt Schmied (G)

7  André Neury

2  Gerhard Hanappi

10 Oliver Eggimann

3  Ernst Happel

4  Roger Bocquet (C)

4  Leopold Barschandt

14 Willy Kernen

5  Ernst Ocwirk (C)

9  Charles Casali

6  Karl Koller

16 Robert Ballaman

7  Robert Körner

15 Charles Antenen

9  Theodor Wagner

22 Roger Vonlanthen

21 Ernst Stojaspal

18 Josef “Seppe” Hügi

10 Erich Probst

17 Jacques Fatton

11 Alfred Körner

 

Técnico: Karl Rappan

Técnico: Walter Nausch

 

SUPLENTES:

 

 

1  Walter Eich (G)

15 Franz Pelikan (G)

3  Georges Stuber (G)

16 Walter Zeman (G)

5  Marcel Flückiger

12 Karl Stotz

6  Roger Mathis

13 Walter Kollmann

12 Gilbert Fesselet

20 Paul Halla

8  Heinz Bigler

14 Karl Giesser

11 Norbert Eschmann

17 Alfred Teinitzer

13 Ivo Frosio

18 Johann Riegler

20 Eugen Meier

19 Robert Dienst

19 Marcel Mauron

22 Walter Haumer

21 Ferdinando Riva

8  Walter Schleger

 

GOLS:

16′ Robert Ballaman (SUÍ)

17′ Josef Hügi (SUÍ)

23′ Josef Hügi (SUÍ)

24′ Theodor Wagner (ÁUT)

26′ Alfred Körner (ÁUT)

27′ Theodor Wagner (ÁUT)

32′ Ernst Ocwirk (ÁUT)

34′ Alfred Körner (ÁUT)

39′ Robert Ballaman (SUÍ)

53′ Theodor Wagner (ÁUT)

58′ Josef Hügi (SUÍ)

76′ Erich Probst (ÁUT)

Gols da partida:

Segue um compacto mais completo da da partida:

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