Três pontos sobre…
… 25/06/1978 – Argentina 3 x 1 Holanda
● A Argentina era um país em seu período mais crítico da ditadura militar, sob o comando do general Jorge Rafael Videla. Era um país sem confiança e baixa autoestima. Ainda bem que existe o futebol, para dar alguma alegria ao povo.
Sem o gênio Johan Cruijff (que não viajou para a Copa de 78), a Holanda fez uma primeira fase bastante irregular. Estreou bem, vencendo o Irã por 3 a 0, mas na sequência empatou com o Peru por 0 a 0 e perdeu por 3 a 2 para a Escócia. Na fase seguinte mostrou sua força ao golear a Áustria por 5 a 1, empatar com a Alemanha por 2 a 2 e vencer a Itália por 2 a 1.
Por sua vez, a Argentina estreou batendo a Hungria (2 a 1) e a França (2 a 1) e perdendo para a Itália por 1 a 0. Na fase seguinte, venceu a Polônia (2 a 0) e empatou com o Brasil (0 a 0). Na última rodada, enquanto os brasileiros venceram os poloneses jogando às 16h45, o jogo dos argentinos contra o Peru começou apenas 17h15. Ou seja, a Argentina sabia que necessitava vencer o adversário por quatro ou mais gols de diferença para chegar à final. Com uma complacência nunca antes vista por parte dos peruanos (inclusive do goleiro Ramón Quiroga, argentino naturalizado), a Argentina goleou por 6 a 0, se classificando para a final.
A polêmica em torno da goleada de 6 x 0 sobre o Peru continuou sendo o assunto principal até o dia da final. Os jogadores argentinos passaram três dias explicando, como se fosse necessária alguma explicação por ter vencido. O goleiro Fillol resumiu bem: “O Brasil fez 3 a 0 no Peru e teve chances de fazer mais; acontece que nós aproveitamos todas as chances”.
Mas essa controvérsia foi útil para o Ente Autárquico Mundial (EAM, uma entidade criada pela ditadura argentina para organizar a Copa do Mundo de 1978). Com o foco das atenções voltado para o jogo anterior, a entidade agiu na surdina e “escolheu” o árbitro da final. Foi vetado o israelense Abraham Klein (que apitou a única derrota argentina no torneio, 1 a 0 contra a Itália) e indicou o italiano Sergio Gonella, mais suscetível a pressões.
A polêmica começou antes mesmo do jogo começar. Os argentinos fizeram de tudo para catimbar a partida, entrando em campo com dez minutos de atraso. Depois, o capitão Daniel Passarella reclamou com o juiz sobre o gesso que René van de Kerkhof usava no braço. O árbitro ordenou que o holandês molhasse o braço para que o gesso ficasse mais mole. Já se foram mais cinco minutos passados.
Antes do apito inicial, a torcida argentina já tinha transformado o estádio Monumental de Núñez em um caldeirão, com uma chuva infindável de papel picado.
A Argentina atuava no 4-3-3, com Kempes chegando sempre ao ataque.
A Holanda também no 4-3-3, mas com Krol como líbero, com liberdade para avançar e inicar as jogadas.
● Com a bola rolando, a Argentina estava acuada, como se tivesse com medo tanto de perder quanto de vencer. A Holanda dominou o jogo, sendo a responsável pelas jogadas mais agudas. Gonella amarrou o jogo no meio campo, invertendo faltas e punindo apenas a Holanda. Só durante os primeiros 90 minutos, foram mais de 50 faltas apitadas contra os holandeses. Sem contar em duas vezes que o ataque dos europeus foi parado diante do gol por impedimentos bastante duvidosos.
Mesmo assim, a “Laranja” (que não era mais a “Mecânica, mas ainda assim era ótima) criava as jogadas mais perigosas. Na melhor delas, Johnny Rep chutou da marca do pênalti, à queima roupa, mas Fillol defendeu bem, mandando para escanteio.
Os argentinos eram só catimba e provocação, mas aos poucos foram se acalmando e cresceram na partida.
Aos 38 minutos da etapa inicial, o placar foi aberto. O centroavante Luque recebeu de Ardiles e tocou para Kempes, na entrada da área. Ele dominou, passou rapidamente entre Krol e Haan e, mesmo caindo, chutou por baixo, na saída do veterano goleiro Jongbloed.
Na etapa final, a Holanda era melhor. Foi premiada com o empate aos 37 minutos, quando Arie Haan lançou René van de Kerkhof pela direita e o camisa 10 cruzou para a área de primeira. Dick Nanninga apareceu nas costas de Galván e Olguín e cabeceou firme, a direita de Fillol.
Nos últimos segundos do tempo normal, a Holanda perdeu a chance de se sagrar campeã mundial. Ruud Krol levantou a bola para a área, Neeskens ganhou pelo alto de Passarella e Rensenbrink, cara a cara com Fillol, chutou na trave e a bola voltou para dentro de campo.
Pela terceira vez o título da Copa do Mundo seria decidido na prorrogação. A Holanda continuou buscando mais o jogo. Mas foi ali que o misto de raça e qualidade da Argentina se sobressaiu.
No último minuto do primeiro tempo, Mario Kempes dominou a bola na intermediária, deu uma arrancada de 20 metros, escapou dos carrinhos e Haan e Krol ao entrar na área, dividiu com o goleiro no chão e teve sorte, pois a bola sobrou livre para ele concluir a gol antes da chegada de Suurbier e Poortvliet. Kempes contou com a sorte nas divididas, mas foi um lindo gol, digno de um camisa 10 argentino.
Aos 10 minutos do segundo tempo da prorrogação, Kempes arrancou de novo e tabelou com Bertoni. A bola bateu no braço de Kempes, mas Bertoni chuta cruzado antes da chegada de Jongbloed, marcando o gol do título. Os holandeses reclamaram toque de mão, mas o árbitro italiano validou o gol.
Mesmo com suspeita de favorecimentos nessa e em outras partidas, os albicelestes tinham seus méritos e foram campeões. Festa da torcida em casa, que via a Argentina conquistar uma Copa do Mundo após 48 anos de sonhos frustrados.
O craque Mario Kempes comemora o segundo gol argentino (Imagem: Getty Images)
● A Holanda conquistou um feito inglório: foi a primeira seleção com dois vice-campeonatos mundiais consecutivos. (Seria vice novamente em 2010, como veremos no dia 11/07.)
Ao fim da partida, o holandês Johnny Rep foi ácido em sua declaração: “Não sentimos falta de Cruijff. E o senhor Rensenbrink comportou-se como uma galinha medrosa. Nenhum time é campeão do mundo com covardes”.
Já o técnico campeão César Luis Menotti alfinetou o brasileiro Cláudio Coutinho: “Eu felicito meu colega Coutinho por seu campeonato moral e desejaria, também, que ele me felicitasse por meu campeonato real”.
Por sua vez o técnico austríaco Ernst Happel, da Holanda, nem teve chances de participar da conferência de imprensa depois da final. Ele tentou entrar no salão, mas o militar que vigiava a porta não o conhecia e retrucava: “Esta é uma conferência de imprensa e só passam Menotti, o treinador da Holanda, e os jornalistas”. Happel nada pôde fazer, a não ser ir embora. A conferência ocorreu sem ele.
Mario Kempes se tornou artilheiro da Copa marcando apenas gols decisivos. Depois de passar em branco na primeira fase, raspou o bigode e parece que essa “mandinga” funcionou. Ele anotou dois gols sobre a Polônia, dois no Peru e mais dois na final contra a Holanda. Assim, passou o ponta holandês Rob Rensenbrink, que tinha cinco gols (sendo quatro de pênalti). Foi a primeira vez que o artilheiro do torneio pertenceu à seleção campeã. Kempes também foi eleito o melhor jogador do Mundial.
Curiosamente, o dia da polêmica goleada da Argentina sobre o Peru coincidiu com a data de estreia nos teatros de Londres do musical “Evita” (“Don’t cry for me Argentina…”), de produzido pelo britânico Andrew Lloyd-Weber.
Passarella levanta a primeira Copa do Mundo conquistada pela Argentina (Imagem: Daily Mail)
● FICHA TÉCNICA: |
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ARGENTINA 3 x 1 HOLANDA |
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Data: 25/06/1978 Horário: 15h00 locais Estádio: Monumental Antonio Vespucio Liberti (Monumental de Núñez) Público: 71.483 Cidade: Buenos Aires (Argentina) Árbitro: Sergio Gonella (Itália) |
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ARGENTINA (4-3-3): |
HOLANDA (4-3-3): |
5 Ubaldo Fillol (G) |
8 Jan Jongbloed (G) |
15 Jorge Olguín |
6 Wim Jansen |
7 Luis Galván |
22 Ernie Brandts |
19 Daniel Passarella (C) |
2 Jan Poortvliet |
20 Alberto Tarantini |
5 Ruud Krol (C) |
2 Osvaldo Ardiles |
9 Arie Haan |
6 Américo Gallego |
13 Johan Neeskens |
10 Mario Kempes |
11 Willy van de Kerkhof |
4 Daniel Bertoni |
10 René van de Kerkhof |
14 Leopoldo Luque |
16 Johnny Rep |
16 Oscar Alberto Ortiz |
12 Rob Rensenbrink |
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Técnico: César Luis Menotti |
Técnico: Ernst Happel |
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SUPLENTES: |
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3 Héctor Baley (G) |
19 Pim Doesburg (G) |
13 Ricardo La Volpe (G) |
1 Piet Schrijvers (G) |
18 Rubén Pagnanini |
17 Wim Rijsbergen |
11 Daniel Killer |
4 Adrie van Kraaij |
8 Rubén Galván |
20 Wim Suurbier |
12 Omar Larrosa |
7 Piet Wildschut |
17 Miguel Oviedo |
15 Hugo Hovenkamp |
21 José Daniel Valencia |
3 Dick Schoenaker |
1 Norberto Alonso |
14 Johan Boskamp |
22 Ricardo Villa |
18 Dick Nanninga |
9 René Houseman |
21 Harry Lubse |
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GOLS: |
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38′ Mario Kempes (ARG) |
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82′ Dick Nanninga (HOL) |
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105′ Mario Kempes (ARG) |
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115′ Daniel Bertoni (ARG) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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15′ Ruud Krol (HOL) |
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40′ Osvaldo Ardiles (ARG) |
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93′ Omar Larrosa (ARG) |
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94′ Wim Suurbier (HOL) |
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96′ Jan Poortvliet (HOL) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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58′ Johnny Rep (HOL) ↓ |
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Dick Nanninga (HOL) ↑ |
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66′ Osvaldo Ardiles (ARG) ↓ |
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Omar Larrosa (ARG) ↓ |
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75′ Oscar Alberto Ortiz (ARG) ↓ |
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René Houseman (ARG) ↓ |
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75′ Wim Jansen (HOL) ↓ |
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Wim Suurbier (HOL) ↓ |
Os capitães Ruud Krol e Daniel Passarella disputam uma jogada (Imagem: Globo Esporte)
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