Três pontos sobre…
… 12/07/1966 – Brasil 2 x 0 Bulgária
(Imagem: Pinterest)
● No país do futebol, a desordem imperava. Os cartolas estavam convencidos de que o futebol que o Brasil jogava era imbatível. João Havelange, presidente da CBD, foi também o chefe da delegação brasileira na Inglaterra. Ele depôs o antigo dono da função, o Dr. Paulo Machado de Carvalho, por divergências sobre a escolha do técnico da Seleção. Enquanto o Dr. Paulo queria manter Aymoré Moreira, técnico de 1962, Havelange bateu o pé que deveria ser Vicente Feola, treinador em 1958. E Havelange resolveu sozinho.
Feola era mais influenciável e, sem o escudo do Dr. Paulo, o técnico perdeu a autoridade e sofreu pressão para agradar ao máximo os dirigentes dos times brasileiros, com a política de apadrinhamento dos jogadores. Ao todo, foram 47 convocados de quinze clubes diferentes para os treinos preparatórios. Isso mesmo: mais de quatro times completos! Havia tantos jogadores que o Brasil chegou a realizar dois amistosos no mesmo dia, em 08 de junho (vitórias por 3 x 1 sobre Peru e 2 x 1 sobre a Polônia).
Essa convocação foi tão ridícula, que, em certo momento, um dirigente da CBD ponderou que havia pouca gente do Corinthians. Então outro cartola sugeriu o nome do zagueiro Ditão. Mas na hora de datilografar a lista oficial, era necessário o nome completo do jogador e ninguém sabia. Perguntaram a um jornalista que, sem saber o que estava se passando, forneceu o nome de Ditão do Flamengo, que também era zagueiro e era irmão do corintiano. Sem saber o que fazer e para não piorar mais as coisas, a comissão técnica preferiu manter o Ditão do Flamengo mesmo.
A convocação inicial anunciada pela CBD em 10 de maio tinha 45 jogadores: os goleiros Gylmar (Santos), Manga (Botafogo), Valdir de Moraes (Palmeiras), Ubirajara (Bangu) e Fábio (São Paulo); os laterais Djalma Santos (Palmeiras), Fidélis (Bangu), Carlos Alberto Torres (Santos), Murilo (Flamengo), Paulo Henrique (Flamengo), Rildo (Botafogo) e Edson Cegonha (Corinthians); os zagueiros Bellini (São Paulo), Orlando Peçanha (Santos), Altair (Fluminense), Brito (Vasco), Djalma Dias (Palmeiras), Roberto Dias (São Paulo), Fontana (Vasco), Leônidas (América-RJ) e Ditão (Flamengo); os meio-campistas Denílson (Fluminense), Lima (Santos), Gérson (Botafogo), Zito (Santos), Dino Sani (Corinthians), Dudu (Palmeiras), Fefeu (São Paulo) e Oldair (Vasco); e os atacantes Garrincha (Corinthians), Jairzinho (Botafogo), Alcindo (Grêmio), Silva Batuta (Flamengo), Tostão (Cruzeiro), Pelé (Santos), Edu (Santos), Paraná (São Paulo), Servílio (Palmeiras), Flávio Minuano (Corinthians), Ivair (Portuguesa), Paulo Borges (Bangu), Nado (Náutico), Célio (Vasco), Parada (Botafogo) e Rinaldo (Palmeiras).
Posteriormente, esse número inchou ainda mais com dois outros nomes. Pela primeira vez foram convocados jogadores que atuavam no exterior: o ponta direita Jair da Costa, da Inter de Milão, e o ponta de lança Amarildo, do Milan. Ambos estavam no elenco campeão mundial em 1962.
Os atletas foram divididos em quatro times: branco, azul, verde e grená. Mas não havia nenhuma regra. Eles treinavam juntos, mas nos amistosos eram todos misturados. Devido à pouca transparência da comissão técnica, havia uma alta carga de tensão entre os jogadores nos treinos coletivos, pois mais da metade deles seriam cortados às vésperas do Mundial.
A primeira lista de dispensa saiu dia 16 de junho, com 19 nomes. O corte mais criticado foi o do lateral direito Carlos Alberto Torres. Para sua posição, acabaram viajando o veterano Djalma Santos e Fidélis – jogador muito limitado, mas que jogava no Bangu, time do supervisor Carlos Nascimento.
Já na Europa, os últimos cinco cortes aconteceram onze dias antes da estreia: o goleiro Valdir, o zagueiro Fontana, o volante Dino Sani e os atacantes Amarildo e Servílio – sendo que Servílio vinha se mostrando a melhor opção para fazer dupla com Pelé. Zito viajou mesmo lesionado e praticamente sem chances de entrar em campo. “Carlos Alberto e Djalma Dias colocariam no bolso três ou quatro dos preferidos para a inscrição na FIFA”, disse Dino Sani.
(Imagem: Pinterest)
Mas a ordem era clara: a CBD planejava fazer o maior número possível de tricampeões. Gylmar (prestes a completar 36 anos), Djalma Santos (37), Bellini (36), Orlando (31), Zito (quase 34) e Garrincha (quase 33). Aquela geração de craques estava no ocaso de suas carreiras e era preciso renovar. Não foi feito um planejamento para essa transição. Dos bicampeões, só Pelé era mais jovem, com 25 anos. Em compensação, craques inexperientes faziam o contrapeso aos mais idosos. Tostão tinha 19 anos e Edu, ponta esquerda do Santos, tinha 16 – ele é até hoje o mais jovem a ser convocado pela Seleção Brasileira para uma Copa do Mundo, mas não chegou a entrar em campo na Inglaterra.
Se a preparação para 1958 e 1962 foi pautada pelo sossego de cidades aconchegantes, em 1966 foi completamente ao contrário. A Seleção que seria tricampeã precisava ser exibida e treinou em oito cidades diferentes: Lambari, Caxambu, Três Rios, Teresópolis, Niterói, Amparo, Campinas e Serra Negra. Depois disso, ainda fez amistosos em um tour de duas semanas na Europa.
Outra das principais críticas se devia à preparação física. Rudolf Hermanny era responsável, mas não tinha nenhuma experiência no futebol. Seu foco e conhecimento era o condicionamento de atletas de judô, o que acabou comprometendo a equipe brasileira. Com a metodologia de Hermanny, os jogadores ficavam desgastados mais rapidamente e sem fôlego ainda no primeiro tempo.
Soberba, a imprensa brasileira ignorava os problemas. Até que no dia 07 de julho, o jornal gaúcho Correio do Povo publicou reportagens bastante pessimistas sobre o destino da Seleção na Copa, alertando para a presença de jogadores sem preparo físico ou psicológico para a disputa de um Mundial. “Se os brasileiros encararem a realidade, vão perceber que o tricampeonato só virá por milagre”, disse Ernesto Santos, um dos grandes estudiosos de futebol da história do país e olheiro da Seleção.
Antes da Copa, um jornalista disse a Pelé que os Beatles adoravam futebol e queriam fazer um show exclusivo para os jogadores brasileiros. Pelé foi conversar com Feola e Nascimento, mas o supervisor técnico foi logo negando: “O que, aqueles garotos cabeludos? Olha, vocês, rapazes, estão aqui para jogar futebol, não para ouvir rock n’roll. Não vou permitir”.
Ambas as equipes jogavam no sistema 4-2-4.
● Os onze jogadores que entraram em campo naquele dia, no estádio Goodson Park, nunca haviam jogado juntos. Jairzinho nunca tinha jogado na ponta esquerda e ocupava essa posição, para Garrincha se manter na ponta direita. A faixa de capitão foi devolvida a Bellini. Mas a principal mudança era tática. Nas duas Copas anteriores, a Seleção se acostumou com o recuo voluntário do ponta esquerda Zagallo para auxiliar na marcação. Mas agora, o Brasil jogava com quatro atacantes de ofício, sobrecarregando o trabalho de Denílson, único volante marcador. O coringa Lima era coadjuvante no grande time do Santos, mas não tinha características de ser o cérebro do time, como foi escalado para ser diante da Bulgária.
Garrincha estava em um declínio físico acentuado e era titular apenas pelo nome. Para a comissão técnica brasileira, os adversários seriam levados a acreditar que precisariam de dois ou três para marcá-lo, abrindo espaço para os demais atacantes.
Depois da contusão que o tirou da maior parte da Copa de 1962, Pelé estava disposto a mostrar que ainda era o “Rei do Futebol”.
O técnico da Bulgária era o austríaco-tcheco Rudolf Vytlačil, que havia conduzido a Tchecoslováquia ao vice-campeonato em 1962. Ele sabia que não poderia das espaços para o Brasil. Por isso, ele entrou com um time mais defensivo e agressivo na marcação – no pior sentido da palavra. Desde o primeiro minuto ele deixou claro que seu time faria de tudo para afastar Pelé da área.
Aos 14′, Jairzinho dominou na ponta esquerda e tocou para o Rei, que foi derrubado por Dimitar Yakimov na meia-lua. Essa era a quarta falta dos búlgaros, sendo a terceira em Pelé. Ele mesmo ajeitou a bola e aproveitou uma barreira mal formada, com apenas quatro homens, e bateu a falta com força, rasteiro e no canto direito. O goleiro Georgi Naydenov tocou na bola, mas não conseguiu impedir o gol.
Com esse tento, Pelé se tornou o primeiro jogador a marcar gols em três edições de Copa. Oito dias depois, esse feito seria igualado pelo alemão Uwe Seeler.
Foi o primeiro gol da Copa, já que o jogo de abertura entre Inglaterra e Uruguai havia terminado 0 x 0.
O lance deu a falsa impressão de que o Brasil ganharia com facilidade, mas não foi o que aconteceu. O Brasil até criou algumas oportunidades, mas nenhuma tão clara o suficiente para passar algum susto em Naydenov.
Pelé fez ótima jogada pela ponta esquerda, passou como quis por dois marcadores, mas cruzou em cima do arqueiro búlgaro.
Djalma Santos fez o lançamento para o meio, Lima escorou de cabeça e Alcindo, já dentro da área, dominou errado e não conseguiu finalizar.
Logo depois, uma bela tabela entre Dimitar Yakimov e Ivan Kolev é interrompida por um desarme primordial de Denílson.
(Imagem: Efemérides do Efémello)
Pelé cansou de tanto apanhar e entrou com as travas da chuteira sobre Ivan Vutsov. Era lance para expulsão, mas o árbitro alemão Kurt Tschenscher era mesmo um bananão.
Jairzinho tabelou com Pelé, se infiltrou pelo meio da área e bateu cruzado, mas Naydenov defendeu bem.
Mas, no segundo tempo, Dobromir Zhechev deu uma entrada criminosa em Pelé, que o fez ficar fora da partida seguinte, diante da Hungria.
Lima tocou para Alcindo no meio. O Bugre tabelou com Pelé, que devolveu por cima da defesa. O centroavante recebeu batendo, mas Naydenov fez a defesa.
O goleiro Gylmar não precisou fazer nenhuma defesa durante os noventa minutos.
A única chance búlgara foi uma bola recuada de cabeça por Bellini, que escapou das mãos do goleiro brasileiro. Mas o perigoso Georgi Asparuhov não teve paciência para encontrar o melhor ângulo para o chute e finalizou para fora.
Mesmo marcado por três jogadores, Pelé fez boa jogada próximo à meia-lua e a bola sobrou para Alcindo chutar para fora.
O segundo gol do Brasil também saiu de uma bola parada, mostrando que o time não estava tão bem.
Garrincha foi derrubado por trás perto da área, naquela que foi a 17ª falta cometida pelos búlgaros até então. Ele mesmo bateu de trivela e acertou uma bomba, com curva, no ângulo esquerdo do goleiro búlgaro. Seria seu último gol com a camisa canarinho.
Garrincha ainda tinha seus pequenos lances de brilho, mas claramente já não era nem sombra do jogador de quatro anos antes, no Chile. Seus problemáticos joelhos já não permitiam a tradicional arrancada rumo à linha de fundo. Ele acabou por fazer pouco, além do gol.
Próximo ao fim da partida, Pelé recebeu lançamento na intermediária, ele avançou em velocidade, se livrou da marcação e bateu firme, mas Naydenov fez uma defesa sensacional.
(Imagem: Efemérides do Efémello)
● Ninguém poderia prever, mas essa foi a última vez em que Pelé e Garrincha jogariam juntos pela Seleção Brasileira. Coincidentemente, a primeira vez em que eles atuaram junto também foi diante da Bulgária, com vitória por 3 x 0 no estádio Pacaembu, no dia 18/05/1958, em amistoso preparatório para a Copa do Mundo de 1958.
Em 40 partidas, a Seleção Brasileira nunca perdeu com Pelé e Garrincha jogando juntos. Foram 40 jogos, com 36 vitórias e quatro empates. Juntos, eles marcaram 55 gols: 44 de Pelé e 11 de Garrincha. E, mesmo sem Pelé, Garrincha só perderia aquele que seria seu último jogo oficial pela Seleção: a partida seguinte, a derrota por 3 x 1 para a Hungria. Foram 60 jogos de Mané pelo escrete canarinho, com 52 vitórias, sete empates e só essa derrota.
O Brasil se preocupou mais com seu passado do que com a competição que estava por vir. Convocou vários ex-campeões, mas, ao invés de estarem respeitando a história desses craques, os expunham a condições que seus físicos já não mais suportavam. Faltou a humildade e o planejamento que sobrou nas duas Copas anteriores.
As partidas seguintes eram as mais difíceis do grupo e iriam mostrar as deficiências do time de Vicente Ítalo Feola. Foram duas derrotas por 3 x 1, para Hungria e Portugal, respectivamente.
● FICHA TÉCNICA: |
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BRASIL 2 x 0 BULGÁRIA |
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Data: 12/07/1966 Horário: 19h30 locais Estádio: Goodison Park Público: 47.308 Cidade: Liverpool (Inglaterra) Árbitro: Kurt Tschenscher (Alemanha Ocidental) |
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BRASIL (4-2-4): |
BULGÁRIA (4-2-4): |
1 Gylmar (G) |
1 Georgi Naydenov (G) |
2 Djalma Santos |
2 Aleksandar Shalamanov |
4 Bellini (C) |
5 Dimitar Penev |
6 Altair |
3 Ivan Vutsov |
8 Paulo Henrique |
4 Boris Gaganelov |
13 Denílson |
6 Dobromir Zhechev |
14 Lima |
8 Stoyan Kitov |
16 Garrincha |
7 Dinko Dermendzhiev |
18 Alcindo Bugre |
9 Georgi Asparuhov |
10 Pelé |
13 Dimitar Yakimov |
17 Jairzinho |
11 Ivan Kolev |
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Técnico: Vicente Feola |
Técnico: Rudolf Vytlačil |
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SUPLENTES: |
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12 Manga (G) |
21 Simeon Simeonov (G) |
3 Fidélis |
22 Ivan Deyanov (G) |
5 Brito |
18 Evgeni Yanchovski |
7 Orlando |
19 Vidin Apostolov |
9 Rildo |
20 Ivan Davidov |
15 Zito |
12 Vasil Metodiev |
11 Gérson |
15 Dimitar Largov |
22 Edu |
17 Stefan Abadzhiev |
19 Silva Batuta |
10 Petar Zhekov |
20 Tostão |
14 Nikola Kotkov |
21 Paraná |
16 Aleksandar Kostov |
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GOLS: |
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15′ Pelé (BRA) |
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63′ Garrincha (BRA) |
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ADVERTÊNCIAS: |
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Dobromir Zhechev (BUL) |
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Ivan Kolev (BUL) |
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Denílson (BRA) |
Gols e alguns lances da partida:
Lances da partida e comentários do ex-jogador Lima:
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