Três pontos sobre…
… 01/06/1986 – Brasil 1 x 0 Espanha
Casagrande lutando pela bola contra a zaga espanhola (Imagem: Futebol Nostálgico)
● Em 1983, alegando dificuldades econômicas, a Colômbia passou ao México a honra e a responsabilidade de sediar a Copa do Mundo de 1986. Assim, dezesseis anos depois, o México se tornou o primeiro país a receber duas edições do torneio. No Brasil, o sentimento era de nostalgia e superstição. Todos confiavam que a Seleção reencontraria o espírito vencedor de 1970, quando conquistou o tricampeonato no mesmo solo mexicano.
Após a derrota na Espanha em 1982, Telê Santana pediu demissão no fim daquele ano. Para substituí-lo, foi contratado Carlos Alberto Parreira, depois Edu Coimbra (irmão de Zico) e, por último, Evaristo de Macedo. Como nenhum deles alcançou os resultados esperados, a CBF atendeu aos apelos da torcida e convidou Telê para ser técnico novamente, às vésperas das eliminatórias.
Telê jamais teve o time definido, sob o pretexto de que sua equipe ideal ainda não estava completa. Ele ainda confiava no elenco de 1982, que, claramente, já não era mais o mesmo de antes. Seu time ideal era: Carlos; Leandro, Oscar, Edinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Zico e Sócrates; Renato e Casagrande. Dirceu era o 12º homem.
Devido à indefinição da recuperação física de alguns atletas, foram 29 jogadores convocados para os treinamentos na Toca da Raposa, em Belo Horizonte, com muita briga por posição. Foram pouco menos de quatro meses de treinamentos, com dezenas de times escalados sem que se definisse o time titular. Essa forte concorrência e a convivência por tanto tempo resultou em brigas, discussões, fuga para as baladas, desencontros dentro e fora de campo.
Sócrates, Casagrande e Careca: esperanças de gol da Seleção Canarinho em 1986 (Imagem: Pedro Martinelli / Veja)
Em uma noite de folga da concentração, oito jogadores estenderam a diversão madrugada adentro. No retorno, seis deles pularam o muro da Toca da Raposa e não foram flagrados. Mas o lateral Leandro era o mais embriagado e não conseguiu voltar, entrando pela porta da frente carregado por Renato Gaúcho. Três meses depois, na hora de definir os cortes finais no elenco, Renato foi excluído por Telê, enquanto Leandro foi perdoado. Em solidariedade ao companheiro, Leandro decidiu abandonar a seleção no dia do embarque para o México. Zico e Júnior ainda foram à sua casa e tentaram fazê-lo mudar de ideia, mas ele já estava decidido a não ir. Mas o motivo alegado por Leandro é que ele estava atuando como zagueiro no Flamengo e não queria atuar mais como lateral direito, pois esta posição exigia um maior esforço físico que seu corpo não conseguia mais realizar.
Com a saída de Renato Gaúcho, todos os pontas da delegação acabaram cortados: além de Renato, não viajaram Marinho, Éder e Sídnei. Como crítica, ficou famoso o bordão “Bota ponta, Telê!”, criado por Jô Soares em seu personagem “Zé da Galera” no programa “Viva o Gordo”, na TV Globo.
Havia ainda a incerteza em torno das condições físicas de Zico. Foi lhe dado tempo para se recuperar durante o Mundial, mas Dirceu e Toninho Cerezo foram cortados, o que foi traumático para o grupo.
A desconfiança com o escrete canarinho era tão grande, que dois meses antes da Copa, Pelé, então com 45 anos de idade, declarou à revista Veja: “Posso ajudar o Brasil. Se o Telê me der tempo para me preparar, eu jogo pelo menos 45 minutos”.
Por sua vez, a Espanha estava em grande fase, invicta a oito jogos. Contava com uma boa geração, que tinha sido vice-campeã da Eurocopa de 1984. Além disso, na época em que eram mais raros jogadores estrangeiros em times europeus, os craques locais provavam sua qualidade ao emplacarem três times entre os finalistas das três competições mais importantes do continente: o Barcelona foi vice-campeão da Copa da Europa (atual UEFA Champions League), o Real Madrid foi campeão da Copa da UEFA (atual UEFA Europa League) e o Atlético de Madrid foi vice-campeão da Recopa Europeia (torneio extinto em 1999).
Além de bons jogadores como o goleiro Zubizarreta, o defensor Camacho, o meia Míchel e os atacantes Julio Salinas e Butragueño, o apelido de “Fúria” se justificava também por outros “atributos” muito bem simbolizados pelo zagueiro Andoni Goikoetxea. O jogador do Athletic ganhou o apelido de “Açougueiro de Bilbao” depois de romper os ligamentos do tornozelo de Diego Armando Maradona em 1983, quando este jogava pelo Barcelona. Dois anos antes, Goikoetxea quase encerrou a carreira do meia alemão Bernd Schuster, também do Barça.
O Brasil atuou no 4-4-2. Júnior e Sócrates eram dois dínamos no meio campo. Os volantes e os laterais também apoiavam com frequência.
Miguel Muñoz escalou a Espanha em uma formação 4-4-2, quase com duas linhas de 4 e os avanços dos meias Míchel e Julo Alberto. No ataque, contava com o faro de gol de Julio Salinas e Butragueño. Na defesa, destaque para o jovem goleiro Zubizarreta e para o capitão Camacho.
● Curiosamente, nos protocolos iniciais dessa partida, ao invés de executar o Hino Nacional Brasileiro, foi tocado o Hino à Bandeira.
No onze inicial, à exceção de Edinho, Sócrates e Júnior, a Seleção Brasileira era praticamente estreante em Copas do Mundo e a torcida temia que os atletas sentissem a pressão. Assim, pouco antes do jogo, o técnico Telê Santana cogitou sacar o goleiro Carlos e o zagueiro Júlio César, para entrar os mais experientes Leão e Oscar. Felizmente isso não foi feito.
Júlio César, de apenas 23 anos, anulou o badalado atacante Emilio Butragueño, destaque do Real Madrid. Carlos se agigantou no México e se tornou um dos melhores goleiros do Mundial.
Depois de um primeiro tempo equilibrado e sem grandes chances para nenhum dos dois lados, o Brasil levou um grande susto aos sete minutos da etapa final. O meia Francisco chutou de fora da área, a bola bateu no travessão e claramente cruzou a linha do gol, mas o árbitro australiano Christopher Bambridge e o bandeirinha holandês Jan Keizer não viram o gol legítimo e não validaram o lance.
No chute de Francisco, a bola claramente entrou no gol brasileiro (Imagem: Sebastião Marinho / O Globo)
Mas o travessão não ajudou o Brasil apenas na defesa. Foi fundamental também no ataque.
Aos 16 minutos do segundo tempo, Júnior conduziu a bola pela direita, entrou pelo meio e rolou para Careca. O camisa 9 limpou o lance e chutou com força, de dentro da área. A bola explodiu no travessão, tirando o goleiro Zubizarreta e toda a defesa espanhola da jogada, sobrando limpa para Sócrates, que só teve o trabalho de escorar de cabeça para o gol.
Depois da partida, o técnico espanhol Miguel Muñoz foi ácido ao dizer: “Este Brasil é inferior ao de 1982, porém mais aplicado taticamente. Marca melhor, atira-se com mais vitalidade à luta e pode ter em Sócrates um comandante mais livre para criar. Vai melhorar quando Zico se juntar a Sócrates. Aí vocês terão um grande time. Por enquanto é apenas razoável. Mas os juízes gostam”.
Foi uma atuação muito nervosa e sem inspiração do Brasil. Mas valeu pela estreia com vitória.
Sócrates aproveita o rebote e marca o gol da partida (Imagem: ESPN)
● Esses mesmos problemas se repetiram nas demais partidas. Contra a Argélia, foi um time desorganizado após a lesão que tirou o lateral direito Édson Abobrão da Copa, possibilitando uma pressão argelina na etapa final, até que Careca marcasse o gol da vitória por 1 a 0. Na terceira partida houve uma ingênua impressão de evolução, ao bater a Irlanda do Norte por 3 a 0, incluindo o fabuloso gol de Josimar (substituto de Édson). Mas mesmo terminando na liderança de seu grupo, com 100% de aproveitamento e sem sofrer gols, a Seleção não empolgou em momento algum.
Nas oitavas de final, um alento: goleada sobre a boa seleção polonesa por 4 a 0. Nas quartas de final, o Brasil fez sua melhor partida na Copa, mas empatou com a França, de Michel Platini, por 1 a 1 e perdeu nos pênaltis (4 x 3). Nessa partida, Zico teve a chance de cobrar um pênalti a 17 minutos do fim, logo depois de entrar em campo. O Galo bateu no canto esquerdo e o goleiro francês Joël Bats espalmou. O tetra seria adiado mais uma vez. Assim como em 1978, o Brasil terminou a Copa invicto, mas sem o título.
A Espanha ficou com a segunda vaga do Grupo D, vencendo a Irlanda do Norte por 2 a 1 e a Argélia por 3 a 0. Nas oitavas de final, a Espanha atropelou a surpreendente Dinamarca por 5 a 1. Parou nas quartas, nos pênaltis, após empatar com a Bélgica por 1 a 1 no tempo normal.
Curiosamente, os mexicanos apresentaram a “olla” ao mundo no dia 03 de junho de 1986, na vitória dos anfitriões sobre a Bélgica por 2 x 1. “Olla” significa “onda” em espanhol. Criada pelos mexicanos e hoje praticada pelo mundo afora, é uma coreografia coletiva em que a torcida levanta o corpo e os braços de modo sincronizado, fazendo uma onda “varrer” as arquibancadas. Embora tenha se popularizado no México, seria uma invenção dos americanos.
Seleção Brasileira em formação para foto oficial na partida contra a Espanha (Imagem: CBN)
Seleção espanhola em formação para foto oficial na partida contra o Brasil (Imagem: Efeito Fúria)
● FICHA TÉCNICA: |
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BRASIL 1 x 0 ESPANHA |
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Data: 01/06/1986 Horário: 12h00 locais Estádio: Jalisco Público: 35.748 Cidade: Guadalajara (México) Árbitro: Christopher Bambridge (Austrália) |
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BRASIL (4-4-2): |
ESPANHA (4-4-2): |
1 Carlos (G) |
1 Andoni Zubizarreta (G) |
2 Édson Boaro |
2 Tomás |
14 Júlio César |
4 Antonio Maceda |
4 Edinho (C) |
8 Andoni Goikoetxea |
17 Branco |
3 José Antonio Camacho (C) |
19 Elzo |
5 Víctor Muñoz |
15 Alemão |
17 Francisco |
6 Júnior |
21 Míchel |
18 Sócrates |
11 Julio Alberto |
8 Casagrande |
19 Julio Salinas |
9 Careca |
9 Emilio Butragueño |
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Técnico: Telê Santana |
Técnico: Miguel Muñoz |
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SUPLENTES: |
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12 Paulo Vítor (G) |
13 Javier Urruticoechea (G) |
22 Leão (G) |
22 Juan Carlos Ablanedo (G) |
13 Josimar |
15 Chendo |
3 Oscar |
6 Rafael Gordillo |
16 Mauro Galvão |
7 Juan Antonio Señor |
5 Falcão |
14 Ricardo Gallego |
20 Silas |
18 Ramón María Calderé |
21 Valdo |
12 Quique Setién |
10 Zico |
10 Francisco José Carrasco |
11 Edivaldo |
16 Hipólito Rincón |
7 Müller |
20 Eloy |
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GOL: 62′ Sócrates (BRA) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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4′ Julio Alberto (ESP) |
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82′ Branco (BRA) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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66′ Casagrande (BRA) ↓ |
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Müller (BRA) ↑ |
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79′ Júnior (BRA) ↓ |
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Falcão (BRA) ↑ |
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82′ Francisco (ESP) ↓ |
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Juan Antonio Señor (ESP) ↑ |
Melhores momentos:
Partida completa:
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Não é a foto de Brasil x Espanha. Falta Edson Boaro e Muller primeiro agachado não jogou.