… 07/07/1974 – Alemanha Ocidental 2 x 1 Holanda

Três pontos sobre…
… 07/07/1974 – Alemanha Ocidental 2 x 1 Holanda

● Não existia uma seleção holandesa até duas semanas antes da Copa do Mundo de 1974. No princípio de tudo, era um grupo rachado, formado pela base de dois times multicampeões: o Ajax, tricampeão europeu (1970/71, 1971/72 e 1972/73) e o Feyenoord, campeão europeu em 1969/70. Com a rivalidade à flor da pele, os jogadores desses dois times não se combinavam fora e nem dentro de campo. Coube ao grande técnico do século XX transformar esse amontoado de bons jogadores em um time inesquecível.

Rinus Michels era o arquiteto daquele Ajax encantador. Depois do primeiro título europeu, foi treinar o Barcelona, tirando o time de uma fila de 14 anos sem títulos nacionais. Ele ainda era treinador dos “Culés” quando foi treinar a seleção holandesa, a apenas três meses da Copa. E Michels contou com a liderança do capitão Johan Cruijff para implementar um novo estilo de jogo.

Sobre os conceitos do “Futebol Total“, falaremos de forma profunda futuramente. É um tema tão encantador, que merece seu próprio espaço. Mas resumindo rapidamente, trata-se de um sistema em que todos os jogadores são capazes de defender e atacar (às vezes até ao mesmo tempo), sempre avançando em “triângulos”. Ou seja, o jogador que está com a bola sempre tem (pelo menos) duas opções de passe progressivo, uma de cada lado.

A escalação titular que se tornou célebre só foi jogar junta, nas mesmas posições, apenas na Copa do Mundo, na estreia contra o Uruguai. Aliás, que estreia! O “Carrossel Holandês” surpreendeu a todos (e até a si mesmo) e venceu os experientes uruguaios, 4º colocados no Mundial anterior. O placar foi 2 a 0, mas poderia ter sido 7, se não fosse o goleirão Ladislao Mazurkiewicz.

Na segunda rodada, um empate em 0 x 0 com a Suécia provou que uma partida não precisa ter gols para ser excelente; zero no placar e nota dez para o futebol de ambos. O último jogo da primeira fase foi uma goleada por 4 x 1 sobre a Bulgária. Na segunda fase, o grande espetáculo da “Laranja Mecânica“, com três vitórias bastante convincentes: 4 x 0 na Argentina, 2 a 0 na Alemanha Oriental e 2 a 0 no Brasil (campeão do mundo quatro anos antes).

A Alemanha Ocidental era um verdadeiro esquadrão. Além de ser a anfitriã, tinha um histórico recente muito bom, depois de ser vice-campeã da Copa de 1966, 3º lugar em 1970 e campeã da Eurocopa em 1972. Tinha como base o Bayern de Munique, campeão europeu em 1973/74 (e que seria tricampeão, vencendo em 1974/75 e 1975/76) e o Borussia Mönchengladbach, que venceu cinco títulos nacionais naquela década.

Na fase de grupos, a Alemanha venceu o Chile (1 x 0) e a Austrália (3 x 0). Na rodada final, perdeu para a “irmã” Alemanha Oriental por 1 x 0. Especulou-se que a Alemanha Ocidental entregou o jogo de propósito para pegar uma chave mais fácil na fase seguinte, escapando de Brasil e Holanda. Mas há quem diga que é só especulação, pois a equipe atacou o adversário durante toda a partida. Na segunda fase, os alemães venceram a Iugoslávia por 2 a 0, a Suécia por 4 a 2 e a Polônia por 1 a 0, se classificando para a final.


A Alemanha jogava no 4-3-3, tendo Franz Beckenbauer como líbero e os avanços constantes pelo meio do lateral esquerdo Paul Breitner.


Devido à alta rotação de posições, é quase impossível definir o “Futebol Total” do “Carrossel Holandês“, mas teoricamente era um 4-3-3.

● A final da Copa foi marcada por um discurso do presidente da FIFA, Stanley Rous, que passou o cargo a João Havelange. E começou com alguns minutos de atraso por um problema inusitado: as bandeiras de escanteio não estavam nos devidos lugares, e isso só foi percebido quando os times já estavam em campo.

Na decisão, os primeiros 54 segundos foi uma mostra única de qualidade e autoconfiança da Holanda. Assim que foi dada a saída de jogo, o “Carrossel Holandês” começou a girar e tocou na bola ininterruptamente 36 vezes, com 17 troca de passes entre oito jogadores. Todos estavam acima da linha do meio do campo, onde Johan Cruijff recebeu a bola. O maestro arrancou, passou pelo seu marcador e por outros três jogadores até ser atingido por Uli Hoeneß e sofrer o pênalti. Johan Neeskens bateu com segurança, forte, no meio do gol, e abriu o placar. A Alemanha nem tinha tocado na bola e já perdia a final em casa por 1 a 0, com um minuto e 20 segundos de jogo. Provavelmente, esse foi o início mais extraordinário de uma final de Copa. Os 78.200 expectadores do estádio Olímpico de Munique estavam em choque, especialmente a grande maioria de torcedores locais.

Aos 4 minutos de jogo, Cruijff arranca novamente e é derrubado por Berti Vogts, que leva o cartão amarelo e tem que jogar o resto da final pendurado. Vogts tinha um papel fundamental. O técnico Helmut Schön desprezou a marcação por zona e escalou o lateral direito, nº 2, como um cão de guarda permanente em cima de Cruijff. Assim que encaixou a marcação, ele desempenhou esse papel muito bem, isolando o holandês da zona de perigo.

Aos 25′ do primeiro tempo, Beckenbauer interceptou um cruzamento de Neeskens, passou para Overath, que avançou e lançou Hölzenbein. O ponta entrou na área e foi derrubado por Wim Jansen. Pênalti, que Paul Breitner cobrou com maestria, no canto direito do goleiro holandês, empatando a partida.

A Alemanha passou a controlar mais o jogo e chegou a perder gols. Primeiro com Uli Hoeneß. Depois, em uma cobrança de falta de Beckenbauer, defendida por Jongbloed (único goleiro do Mundial que não usava luvas). A Holanda recuou muito depois de abrir o placar.

Aos 29 minutos do primeiro tempo, em um rápido contra-ataque, Bernd Hölzenbein lança Vogts sozinho na cara do gol, mas o excêntrico goleiro Jan Jongbloed salvou de forma brilhante. Quase que Vogts, o melhor em campo, fez o gol do título. O foco da batalha seguia entre ele e o camisa 14 laranja. Ele já tinha marcado Cruijff outras vezes e o gênio holandês foi ficando muito irritado com a marcação individual do “Buldogue Alemão”, reclamando muito com a arbitragem, a tal ponto de ter levado o cartão amarelo no intervalo e quase sendo expulso depois por divididas desleais. Dizem as más línguas, que Vogts seguiu Cruijff até para o vestiário adversário, como gêmeos siameses.

O craque holandês recebeu uma única bola com um mínimo de liberdade, quando tocou para Johnny Rep chutar à queima-roupa, para defesa de Maier.

Mas a dois minutos do fim da etapa inicial, Sepp Maier iniciou a jogada, repondo a bola para Jürgen Grabowski. O ponta direita tabelou com Hoeneß, recuou atraindo Ruud Krol, e lançou no espaço vazio da meia direita para a arrancada de Rainer Bonhof, que passou por Haan, foi ao fundo e tocou para o meio da área. Gerd Müller aproveitou a hesitação de Rijsbergen e, com apenas um toque, ajeitou para girar batendo cruzado. Era o gol da virada. A superioridade alemã finalmente se traduziu no segundo gol.

A Alemanha em momento algum temeu a Holanda. Na Copa de 1974, nunca a Holanda foi tão atacada. O time holandês recuou porque foi pressionado. E tentava contra-atacar na base da bola longa para Johnny Rep e Rob Rensenbrink.

No intervalo, Rinus Michels tirou o excelente Rensenbrink, que sentiu uma lesão no início da partida, e colocou René van de Kerkhof. O segundo tempo começaria forte, mas logo cairia em um ritmo mais lento.

Aos dois minutos, Uli Hoeneß cobrou escanteio e Rainer Bonhof desperdiçou sozinho, cabeceando para fora.

Aos seis, em cobrança de escanteio que Sepp Maier saiu errado do gol, Paul Breitner tirou a bola em cima da linha.

A Holanda tinha a bola, mas não conseguia pressionar a Alemanha. A maior posse de bola deu a falsa impressão que o time laranja dominou o jogo e por pouco não empatou. Mas era Wolfgang Overath quem ditava o jogo no meio campo.

A Alemanha, porém, tinha espaço para contra-atacar e fazia isso com frequência. Só não ampliou o marcador porque o árbitro inglês John Taylor anulou um gol legal de Müller por impedimento, em um lance que Rijsbergen dava condições de jogo ao camisa 13.

A 20 minutos do fim, já no desespero, Michels tira o zagueiro Rijsbergen e põe o atacante Theo de Jong.

Já no fim do jogo, Cruijff finalmente passou por Vogts e sofreu falta dura de Overath. O próprio capitão cobrou e Sepp Maier evitou o gol de cabeça de Van Heneggen.

Nos lances finais, René van de Kerkhof cruza e Neeskens pega com um lindo voleio, para grande defesa de Sepp Maier. O goleiro alemão foi eleito o melhor de sua posição no Mundial. Por ser bastante ágil, seu apelido era “Der Katze” (o Gato, em alemão).

Em um dos últimos ataques, a zaga alemã rebate um lançamento e Neeskens arremata para fora, à direita, pertinho do gol alemão.


Johan Neeskens enche o pé para converter o pênalti e inaugurar o marcador. (Imagem: Staff/AFP Photo/Getty Images)

● Fim de jogo! A Alemanha Ocidental era bicampeã do mundo!

A Holanda não perdeu para uma equipe qualquer. Perdeu para uma Alemanha que jogou melhor e mereceu vencer. Se não tinha a mesma plástica, técnica ou beleza do futebol holandês, tinha uma competitividade extrema e contava com a melhor e mais técnica geração alemã na história.

O capitão Franz Beckenbauer foi o primeiro a levantar a Taça FIFA, já que a Taça Jules Rimet tinha sido entregue definitivamente ao Brasil em 1970. O “Kaiser” é considerado o melhor defensor de todos os tempos e popularizou a função de líbero. Ele é até hoje o único jogador da história eleito para as seleções ideais de três Copas do Mundo diferentes (1966, 1970 e 1974).

Durante 32 anos, o atacante Gerd Müller foi o jogador que mais havia marcado gols em Copas: 14 (10 em 1970 e 4 em 1974). Esse recorde foi superado em 2006 por Ronaldo Fenômeno, com 15 gols. Em 2014, essa honraria voltou para um alemão, quando Miroslav Klose chegou aos 16 gols em Mundiais.

Apesar da derrota na final, o holandês Cruijff foi considerado o melhor jogador da Copa, em um caso raro de jogador que obtém tal feito mesmo sem conseguir conquistar o título. Quem o via correr por todo o campo nem imaginava que ele tinha dificuldades para andar na infância, chegando a usar aparelhos ortopédicos até os dez anos. A ideia de colocá-lo no futebol para ajudar a desenvolver as pernas foi da mãe, que trabalhava como faxineira do Ajax. Cruijff era conhecido por ser bastante politizado fora dos campos. Graças a ele, os holandeses conseguiram da federação do país um prêmio em dinheiro superior ao dos alemães, mesmo com o vice-campeonato.

Falando em dinheiro, os holandeses se sentiram “estrelas” demais e começaram a cobrar por entrevistas exclusivas a partir da fase final da Copa, seguindo o exemplo do capitão Cruijff. Havia até uma tabela informal: cem dólares para jornais, 150 para rádios e quatrocentos para a televisão.

O apelido “Laranja Mecânica” era uma referência ao filme de Stanley Kubrick, de 1971, que por sua vez foi uma adaptação de “A Clockwork Orange“, um romance escrito por Anthony Burgess.


Gerd Müller, o matador, fez o gol que deu o segundo título mundial ao seu país. (Imagem localizada no Google)

FICHA TÉCNICA:

 

ALEMANHA OCIDENTAL 2 x 1 HOLANDA

 

Data: 07/07/1974

Horário: 16h00 locais

Estádio: Olímpico

Público: 78.200

Cidade: Munique (Alemanha Ocidental)

Árbitro: Jack Taylor (Inglaterra)

 

ALEMANHA OCIDENTAL (4-3-3):

HOLANDA (4-3-3):

1  Sepp Maier (G)

8  Jan Jongbloed (G)

2  Berti Vogts

20 Wim Suurbier

4  Hans-Georg Schwarzenbeck

17 Wim Rijsbergen

5  Franz Beckenbauer (C)

2  Arie Haan

3  Paul Breitner

12 Ruud Krol

16 Rainer Bonhof

6  Wim Jansen

14 Uli Hoeneß

13 Johan Neeskens

12 Wolfgang Overath

3  Willem van Hanegem

9  Jürgen Grabowski

16 Johnny Rep

13 Gerd Müller

14 Johan Cruijff (C)

17 Bernd Hölzenbein

15 Rob Rensenbrink

 

Técnico: Helmut Schön

Técnico: Rinus Michels

 

SUPLENTES:

 

 

21 Norbert Nigbur (G)

18 Piet Schrijvers (G)

22 Wolfgang Kleff (G)

21 Eddy Treijtel (G)

6  HorstDieter Höttges

4  Kees van Ierssel

20 Helmut Kremers

5  Rinus Israël

19 Jupp Kapellmann

19 Pleun Strik

7  Herbert Wimmer

22 Harry Vos

8  Bernhard Cullmann

7  Theo de Jong

15 Heinz Flohe

1  Ruud Geels

10 Günter Netzer

11 Willy van de Kerkhof

18 Dieter Herzog

10 René van de Kerkhof

11 Jupp Heynckes

9  Piet Keizer

 

GOLS:

2′ Johan Neeskens (HOL) (pen)

25′ Paul Breitner (ALE) (pen)

43′ Gerd Müller (ALE)

 

CARTÕES AMARELOS:

3′ Berti Vogts (ALE)

22′ Willem van Hanegem (HOL)

39′ Johan Neeskens (HOL)

45′ Johan Cruijff (HOL)

 

SUBSTITUIÇÕES:

INTERVALO Rob Rensenbrink (HOL) ↓

René van de Kerkhof (HOL) ↑

 

69′ Wim Rijsbergen (HOL) ↓

Theo de Jong (HOL) ↓


Johan Cruijff arranca para sofrer o pênalti que abriu o placar, com apenas 54 segundos de jogo. (Imagem localizada no Google)


O “Kaiser” Franz Beckenbauer levanta a Taça FIFA (Imagem localizada no Google)

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