Três pontos sobre…
… Julen Guerrero: o Rei Leão de Bilbao
(Imagem: 8julenguerrero.com)
● Um dos maiores mistérios que assolam a história do futebol moderno é: o que aconteceu com Julen Guerrero?
A “Julenmania” era a maior febre na Espanha desde The Beatles e o “iê-iê-iê“.
Com sua franja loira, olhos azuis e gols à profusão, as meninas ficavam histéricas na sua presença. As crianças faziam filas para os autógrafos. Fotógrafos lucravam ao flagrá-lo em poses provocativas. Os jogadores rivais tentavam agredi-lo (Diego Simeone – sempre ele – lhe fez um buraco na coxa). As maiores equipes da Europa se digladiavam para lhe contratar.
Ele não é David Beckham e nem jogou em nenhum clube gigante. É Julen Guerrero, ídolo do Athletic Club de Bilbao.
● Julen Guerrero López nasceu em 07/01/1974, em Portugalete, perto de Bilbao, no País Basco. Estudou no Colegio Santa María, em sua cidade natal.
Iniciou nas divisões de base do Athletic Bilbao aos oito anos de idade e passou a progredir rapidamente nas divisões inferiores. Juntamente com Aitor Karanka, era um dos destaques na equipe juvenil que venceu o doblete sub-19 da Espanha na temporada 1991/92. No mesmo ano, também apareceu no Bilbao Athletic (time B do Athletic), que disputava a segunda divisão espanhola, onde marcou seis gols em doze partidas.
Julen foi evoluindo a ponto de estrear no time principal com apenas 18 anos, em 06/09/1992, na vitória sobre o Cádiz por 2 a 1. Foi o histórico técnico alemão Jupp Heynckes quem lhe deu a primeira oportunidade. O primeiro gol saiu em 20/09/1992, na vitória sobre o Rayo Vallecano por 4 a 2. Em sua primeira temporada, foram 37 jogos e 10 gols. Guerrero foi a sensação do campeonato e se destacou como um meia com muito faro de gol.
Assim, no início de 1993, com 19 anos recém completados, foi convocado por Javier Clemente para estrear na seleção principal da Espanha.
(Imagem: 8julenguerrero.com)
A temporada de 1993/94 foi a que Guerrero fez mais gols, com 18 em 36 jogos na liga. Em 05/09/1993, marcou seu primeiro “hat trick”, em uma goleada por 5 x 1 sobre o Albacete. Em 06/02/1994, anotou o gol da vitória por 3 a 2 sobre o “Dream Team” do Barcelona, de Johan Cruijff, em pleno Camp Nou. No dia 03/04/1994, marcou um “poker” (quatro gols) no massacre sobre o Sporting Gijón por 7 x 0.
Em 1995, quando vários clubes gigantes da Europa desejavam contratá-lo, o basco deu uma grande prova de amor ao seu Athletic e assinou um histórico contrato com validade de 12 anos, o deixando ligado ao clube até 2007, com uma cláusula de rescisão de 72 milhões de euros – o que praticamente garantia sua permanência em San Mamés por toda a carreira.
Assim, o Athletic recusava definitivamente ofertas multimilionárias de equipes como Barcelona, Milan, Manchester United, Atlético de Madrid, Juventus, Lazio e, principalmente, do Real Madrid, que chegou a lhe oferecer um “cheque em branco” – prontamente recusado. Sem dúvida alguma, Julen sempre demonstrou a intenção de seguir em seu time de coração.
Em 30/08/1995, o técnico sérvio Dragoslav Stepanovic lhe deu a braçadeira de capitão pela primeira vez. Nos anos seguintes, Guerrero continuou sendo uma das estrelas do campeonato, o grande símbolo do clube de Vizcaya e o grande ídolo da torcida bilbaína.
Guerrero se despedindo de San Mamés (Imagem: 8julenguerrero.com)
Mas foi em 1997/98 que Guerrero obteve o êxito máximo de sua carreira esportiva, ao conseguir o histórico vice-campeonato da liga, no ano do centenário do clube. Festa do País Basco, pois nesse ano a Real Sociedad ficou com um ótimo 3º lugar, à frente do Real Madrid. Desde o início dos anos 1980 os clubes bascos não se impunham em nível nacional.
O segundo lugar na liga permitiu ao Athletic disputar a UEFA Champions League na temporada seguinte, na qual Julen marcou um histórico gol contra a Juventus, dentro do estádio Delle Alpi. Além disso, marcou o gol da vitória sobre o Galatasaray na última rodada, conseguindo a primeira vitória do Athletic na história do formado moderno da Champions. O time foi eliminado na primeira fase, mas caiu de pé.
E então, quando a estrela mais brilhava, sua luz se apagou de repente. Os gols secaram, assim como as assistências e os dribles. Em 1999/2000, o técnico franco-espanhol Luis Fernández (que nunca gostou que outra pessoa brilhasse mais que ele próprio) passou a boicotar o herói e o colocou no banco de reservas. Julen tinha apenas 26 anos e em pouco tempo deixou de ser um dos melhores meias da Europa e passou a ser um jogador de altos e baixos. Mas, de qualquer forma, nessa temporada ele foi o coadjuvante do início de uma linda história: Guerrero marcou de falta o primeiro gol sofrido por Iker Casillas como profissional.
A partir de fevereiro de 2002, a situação que já era péssima ficou ainda pior, quando o camisa 8 não era nem convocado por algumas partidas. Em cerca de quatro anos, de 2002 a 2006, disputou apenas uma partida como titular na liga, contra o Atlético de Madrid, na última rodada da temporada 2003/04, em jogo que não valia mais nada.
(Imagem: 8julenguerrero.com)
Apesar da falta de minutos, na temporada 2004/05, Julen marcou um gol que selou uma das maiores viradas de todos os tempos na liga, quando o Athletic estava perdendo para o Osasuna por 0 a 3 até os 13 minutos do segundo tempo e virou com um gol de Guerrero nos acréscimos, para um histórico 4 a 3. O ídolo foi aplaudido de pé em San Mamés.
No dia 06/03/2005, marcou seu centésimo gol no Campeonato Espanhol, em uma cobrança de falta, na vitória por 3 a 1 sobre o Albacete.
Em uma de suas últimas partidas, em 12/03/2006, ele entrou em campo a três minutos do fim e ainda teve prazo para marcar um gol olímpico, que infelizmente foi invalidado pelo árbitro, com a alegação de que já havia apitado pênalti, pois um jogador do Cádiz tentou tirar a bola com a mão em cima da linha. Seria um lindo gol.
Em julho de 2006, enxergando-se como um fardo pesado para o clube, Guerrero chegou a um acordo para a antecipação da rescisão de seu contrato, que terminaria no ano seguinte, e anunciou sua aposentadoria em uma emocionada coletiva de imprensa. Em 14 anos de carreira vestindo apenas a camisa do Athletic Bilbao, foram 430 partidas e 116 gols (sendo 101 no Campeonato Espanhol). É o nono jogador que mais vestiu a camisa do time.
Guerrero em partida pela seleção espanhola (Imagem: 8julenguerrero.com)
● Seus principais apelidos eram “El Rey León” e “La Perla de Lezama”.
Julen Guerrero foi um jogador precoce nas categorias de base da seleção espanhola: jogou na Sub-19 com 16 anos e na Sub-21 com 18 anos. Com a Sub-21, disputou a Eurocopa da categoria em 1994, ficando em 3º lugar.
Estreou na seleção principal com 19 anos recém completados, convocado por Javier Clemente para um amistoso contra o México em Alicante, em 27/01/1993. Vestiu a camisa da Fúria em 41 oportunidades e marcou 13 gols, incluindo dois “hat trick”, contra Malta e Chipre, respectivamente, em 1996 e 1999. Disputou as Copas do Mundo de 1994, quando jogou nas partidas contra Coreia do Sul e Bolívia, e em 1998, quando jogou contra a Bulgária, além da Eurocopa de 1996, onde atuou em outros dois jogos. Em outubro de 2000, jogou pela última vez pela seleção, contra a Áustria.
Jogou também pela seleção do País Basco (Euskadi), não reconhecida pela FIFA, entre 1997 e 2003 (06 jogos e 04 gols) – incluindo um “hat trick” contra a Iugoslávia, em 1997.
Guerrero em partida pela seleção basca (Imagem: 8julenguerrero.com)
● Após pendurar as chuteiras, foi técnico da equipe juvenil do Athletic, revelando jogadores como Mikel San José e Ander Iturraspe. Em 13/03/2008 se desvinculou definitivamente do clube, deixando de pertencer à comissão técnica. Na temporada 2011/12, foi diretor técnico do Málaga, identificando talentos nas divisões de base do clube, mas deixou o cargo em poucos meses. Jogou futebol indoor, representando a seleção espanhola e foi bicampeão europeu (2008 e 2012).
Em 2015, anunciou que se formou em jornalismo. Foi colunista do Eurosport, colaborador na Gol Televisión e na Cadena SER, além de escrever colunas para o diário El Correo. Possui um restaurante com seu nome, na cidade de Zamudio, nas proximidades de Bilbao. É também um dos vice-presidentes da Asociación Española de Futbolistas Internacionales (AEDFI). Foi o embaixador da Real Federación Española de Fútbol na Eurocopa de 2020, que terá Bilbao como uma das doze cidades sede. Atualmente é técnico da seleção espanhola Sub-17, cargo que assumiu em 24/07/2018.
É um apaixonado por piano e coleciona camisetas de times de futebol.
Seu irmão mais novo, José Félix Guerrero também iniciou sua carreira no Athletic e também era um meia, mas era mais defensivo e não tinha o talento de Julen.
Seu filho Julen Jon Guerrero, de 16 anos, era destaque nas divisões de base do Málaga e foi contratado pelo Real Madrid em dezembro de 2017. É um meia atacante com grande visão de jogo mas, ao contrário do pai, é canhoto.
Guerrero como treinador da seleção espanhola sub-17 (Imagem: 8julenguerrero.com)
● Julen Guerrero era um daqueles últimos meias armadores puros, da época romântica do futebol, que já estava em extinção em sua época. Era jogador muito habilidoso, ambidestro, com boa ginga de corpo e ótima finalização. Em seu tempo, foi um dos jogadores ofensivos mais letais na cara do gol. Sua frieza ao entrar na área era temida por todos seus rivais. Era muito bom cabeceador e marcava muitos gols. Não perdia a concentração e várias vezes resolvia o jogo no momento em que sua equipe mais precisava.
Suas qualidades técnicas eram indiscutíveis, mas foram variando à medida em que sua carreira foi seguindo. Começou sendo muito rápido e vertical, que passava facilmente pelos rivais sem firulas. Dessa forma, aproveitando essa habilidade, ele marcou vários gols em jogadas individuais. No entanto, à medida que foram se passando os anos, o atleta foi perdendo essa facilidade e em seus últimos anos como profissional, raramente arriscava algum de seus dribles, que haviam encantado o mundo anos antes. Por outro lado, sua finalização, especialmente em cobranças de falta, foi um ponto forte que se aprimorou com o tempo. Essa qualidade específica fez com que Guerrero aproveitasse os poucos minutos em campo continuasse marcando seus gols e fazendo a festa da torcida, especialmente em San Mamés.
(Imagem: Instagram @8julenguerrero)
● Feitos e premiações de Julen Guerrero:
Pela seleção da Espanha:
– 3º lugar da Eurocopa Sub-21 de 1994.
Pelo Athletic Bilbao:
– Vice-campeão do Campeonato Espanhol 1997/98.
– Campeão do Campeonato Espanhol Sub-19 em 1991/92.
– Campeão da Copa do Rei juvenil em 1991/92.
Pela seleção espanhola de futebol indoor:
– Bicampeão da Eurocopa de futebol indoor em 2008 e 2012.
Distinções e premiações individuais:
– Eleito a revelação do Campeonato Espanhol em 1992/93.
– Eleito o melhor jogador do Campeonato Espanhol em 1993/94.
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