… 24/05/1934 – Estados Unidos 4 x 2 México

Três pontos sobre…
… 24/05/1934 – Estados Unidos 4 x 2 México


(Imagem: AP / The Guardian)

● Como já dissemos aqui, a Copa do Mundo de 1930 foi disputada por treze nações convidadas. Dentre elas, as incipientes seleções de Estados Unidos e México.

Devido ao sucesso da edição inicial, dos 45 países filiados à FIFA na época, 32 se inscreveram para a disputa do Mundial de 1934. Mas segundo o regulamento firmado em 1931, seriam apenas 16 vagas. Assim, coube à entidade promover uma competição qualificatória, em que os inscritos foram divididos em 12 grupos, definidos por critérios geográficos, conforme abaixo:

GRUPO

CLASSIFICADO(S)

ELIMINADO(S)

Grupo 1

Suécia

Lituânia e Estônia

Grupo 2

Espanha

Portugal

Grupo 3

Itália

Grécia

Grupo 4

Hungria e Áustria

Bulgária

Grupo 5

Tchecoslováquia

Polônia

Grupo 6

Suíça e Romênia

Iugoslávia

Grupo 7

Holanda e Bélgica

Irlanda

Grupo 8

Alemanha e França

Luxemburgo

Grupo 9

Brasil

Peru

Grupo 10

Argentina

Chile

Grupo 11

México

Cuba e Haiti

Grupo 12

Egito

Palestina e Turquia

Mas o nosso foco mesmo é no Grupo 11, que foi dividido em três fases. Na primeira, Cuba passou pelo Haiti com duas vitórias (3 x 1 e 6 x 0) e um empate (1 x 1). Na segunda etapa, o México venceu Cuba por três vezes (3 x 2, 5 x 0 e 4 x 1). Com isso, o México havia conseguido sua vaga para o Mundial. Mas…


Delegação norte-americana embarcando para a Itália (Imagem: U.S. Soccer)

● No início da década de 1930, a Depressão ainda assolava os EUA e tinha reflexo até mesmo no futebol. Devido à situação financeira incerta, a USFA (antiga Federação de Futebol dos Estados Unidos) se atrasou em apresentar sua inscrição para disputar as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1934, que aconteceria na Itália. Porém, os semifinalistas da Copa anterior acabaram voltando atrás quando faltavam menos de quatro meses para a competição.

Para evitar um eventual incidente diplomático, devido a importância política dos EUA, a FIFA decidiu agradá-los. As partidas do Grupo ainda estavam em andamento e daria prazo de uma reinscrição, mas os cartolas se renderam aos norte-americanos e agendaram uma partida apenas três dias antes da abertura da Copa, entre os EUA e o vencedor do Grupo 11, que foi o México.

Esse confronto direto foi chamado de “Pré-Copa” e nunca mais se repetiria. O México, que havia assegurado a classificação no campo, seguindo todas as regras das eliminatórias, teve que dar o braço a torcer e enfrentar seu vizinho rico do norte.

Em um cenário que não ousaria ser repetido nos dias atuais, a partida final das eliminatórias foi realizada apenas três dias antes da Copa do Mundo, já em pleno solo italiano, no estádio Nazionale PNF (Partido Nacional Fascista), em Roma. Quem perdesse, nem participaria efetivamente da Copa do Mundo. A derrota significaria ter atravessado o Oceano Atlântico em vão. Vale lembrar que naquela época, a viagem entre América e Europa duravam cerca de 15 dias de navio.


Tom Florie, Aldo Donelli e Joe Martinelli (Imagem: U.S. Soccer)

● Essa foi a primeira partida de futebol na história disputada entre os dois vizinhos, Estados Unidos e México. Foi o princípio de uma das maiores rivalidades do mundo.

Ambos ainda eram muito inexperientes em nível internacional. Era apenas a nona partida da seleção mexicana e a 15ª da norte-americana (que não jogou nenhuma vez entre 1931 e 1933).

Quem vencesse teria o direito de enfrentar a anfitriã Itália (o sorteio havia sido realizado dia 03/05/1934) três dias depois, pela primeira fase, equivalente às oitavas de final. Era um verdadeiro “presente de grego”.

Os Estados Unidos tinham sido semifinalistas quatro anos antes e convocaram quatro atletas da equipe de 1930: os zagueiros Jimmy Gallagher e George Moorhouse, o meio campista Billy Gonsalves e o atacante Tom Florie. No entanto, outro jogador seria o destaque da seleção e dessa partida.

O novato Aldo “Buff” Donelli era treinador de futebol americano da Duquesne University e jogador de “soccer” apenas nas horas vagas. Mesmo assim, suas qualidades com a bola no pé foram reconhecidas. Ele foi convidado para se juntar à seleção nacional um mês antes do Mundial e se tornou titular graças à insistência do tarimbado e respeitado meio campista Billy Gonsalves.

“Havia uma ‘panelinha’ entre os jogadores de New England e de St. Louis e eles me queriam fora do time. Só mais tarde me disseram que Billy Gonsalves falou ao dirigente Elmer Schroeder: ‘Se Donelli não jogar, eu também não jogo'”. ― Aldo Donelli, no livro “U.S. Soccer vs The World”, de Tony Cirino

Deu tudo certo e Donelli foi o destaque. Antes que a seleção americana tivesse história, ele fez história.


Nos anos 1930, todas as equipes atuavam no ofensivo sistema “clássico” ou “pirâmide”, o 2-3-5.

● Depois de participarem em uma audiência especial com o Papa Pio XI um dia antes, os atletas estadunidenses entraram em campo dispostos a conseguirem a vaga para o Mundial. Eram 10.000 expectadores no Estádio PNF, incluindo o ditador italiano Benito Mussolini e o embaixador americano Breckinridge Long.

O México abriu o placar aos 23 minutos da etapa inicial, com o atacante Manuel Alonso.

Aos 28, começou o show particular de Donelli. O zagueiro direito Ed Czerkiewicz interceptou a bola e deu um passe longo para centroavante. Ele driblou um adversário e deixou outro no chão, antes de chutar sem defesa para o goleiro Rafael Navarro.

Quatro minutos depois, o ponta esquerda Bill McLean passou a bola para Donelli, que chutou rasteiro para virar o jogo.

Aos 7′ do segundo tempo, o zagueiro mexicano Antonio Azpiri foi expulso ao segurar o infernal Donelli quando este corria em direção ao gol. Com um homem a mais, os Estados Unidos aproveitaram a vantagem e mantiveram o controle do jogo.

Aos 29′, Werner Nilsen abriu na direita para Donelli, que passou por dois zagueiros e disparou para o gol, sem chances para o goleiro mexicano. Era o “hat trick”.

Os mexicanos ainda tentaram voltar para o jogo ao marcar o segundo gol no minuto seguinte, com o centroavante Dionisio Mejía.

Mas Donelli (sempre ele!) estava impossível e imparável. A três minutos do fim, fez seu quarto gol e fechou o placar. Ele recebeu de Tom Florie e chutou entre dois adversários, enganando o goleiro.

Incrivelmente, ele poderia ter chegado aos cinco gols, mas teve um pênalti defendido pelo goleiro Navarro aos 21 minutos do segundo tempo.

“O México tinha uma equipe do mesmo nível que a nossa. Mas eles não eram rápidos. Eles tinham um estilo de jogo bem definido. Não havia muita criatividade; era um ataque previsível. E se você fizesse alguma coisa diferente, se você se movimentasse um pouco, isso os desiquilibrava. Eu era capaz de passar pelos meus marcadores com muita facilidade.” ― Aldo Donelli, no livro “U.S. Soccer vs The World”, de Tony Cirino

O jornal “The New York Times” resumiu muito bem: “Os jogadores mexicanos pareciam ser tecnicamente superiores aos americanos, mas eles eram todos muito mais fracos fisicamente e não conseguiram superar o estilo de jogo mais vigoroso de seus oponentes, que eram mais fortes”.


Aldo Donelli (Imagem: U.S. Soccer)

● Com essa vitória, os Estados Unidos ganharam o direito de enfrentar a Itália na primeira fase da Copa do Mundo de 1934. Donelli, em sua segunda e última partida pela seleção, marcaria o único gol dos EUA.

É impossível falar nessa partida sem protagonizar Aldo “Buff” Donelli. Tony Cirino, em seu livro “U.S. Soccer vs The World”, descreve as características do jogador: “Normalmente ele se movimentava em toda a linha de ataque, se mexendo para a direita e para a esquerda e também voltando para o meio. Seu estilo era incomum para um centroavante, que, de acordo o que preconizava o sistema tático da época, o 2-3-5, deveria se posicionar permanentemente na grande área”.

Apesar de várias ofertas da Itália após o torneio, Donelli deixou o “soccer” e voltou a ser assistente técnico de futebol americano, na Duquesne University. Depois, ainda foi treinador principal dos Pittsburgh Steelers, Cleveland Rams, Boston University e Columbia University. Foi o único a treinar um time da NFL (liga profissional) e da NCAA (liga universitária) simultaneamente, em 1941. Mas ele admitiria posteriormente que o “soccer” era sua verdadeira paixão. Ele continuou jogando em ligas amadoras nos anos 1930.

Apenas outros três jogadores marcaram quatro gols por jogo vestindo a camisa da seleção masculina dos Estados Unidos. Além de Donelli, o lendário Archie Stark já havia realizado a façanha em uma vitória sobre o Canadá por 6 x 1 em 1925. Depois, somente Joe-Max Moore (7 x 0 sobre El Salvador, em 1993) e Landon Donovan (5 x 0 sobre Cuba, em 2003) conseguiram o feito.

E essa seria a única vitória dos EUA sobre o México nos próximos 46 anos. “La Tri” ficou invicta contra seus vizinhos por 26 partidas, até 23/11/1980, quando perdeu por 2 x 1, em jogo válido pelas eliminatórias para a Copa de 1982.

Por causa do início dessa série histórica, o México tem melhor retrospecto contra os rivais, com 37 vitórias, 14 empates e 19 derrotas. Porém, os EUA passaram a escrever um novo capítulo no século XXI, invertendo a freguesia, com 11 vitórias, 6 empates e 7 derrotas.


Seleção dos EUA que enfrentou o México em 1934 (Imagem: U.S. Soccer History)

FICHA TÉCNICA:

 

ESTADOS UNIDOS 4 x 2 MÉXICO

 

Data: 24/05/1934

Horário: 16h30 locais

Estádio: Nazionale PNF

Público: 10.000

Cidade: Roma (Itália)

Árbitro: Yossouf Mohammed (Egito)

 

ESTADOS UNIDOS (2-3-5):

MÉXICO (2-3-5):

Julius Hjulian (G)

Rafael Navarro (G)

Ed Czerkiewicz

Antonio Azpiri

George Moorhouse (C)

Lorenzo Camarena

Bill Lehman

Guillermo Ortega (C)

Billy Gonsalves

Ignácio Ávila

Peter Pietras

Felipe Rosas

Jimmy Gallagher

Vicente García

Werner Nilsen

Manuel Alonso

Aldo Donelli

Dionisio Mejía

Tom Florie

Juan Carreño

Bill McLean

José Rubalcaba

 

Técnico: David Gould

Técnico: Rafael Garza Gutiérrez

 

SUPLENTES:

 

 

Al Harker

Alfonso Riestra (G)

Joe Martinelli

Rafael Garzón

Herman Rapp

Manuel Rosas

Tom Amrhein

Carlos Laviada

Bill Fiedler

Marcial Ortiz

Tom Lynch

Guillermo Rosas

Francis Ryan

Luis de la Fuente

Walter Dick

Félix Gómez

 

Pedro González

 

Fernando Marcos

 

José Rosas

 

Jorge Sota

 

GOLS:

23′ Manuel Alonso (MEX)

28′ Aldo Donelli (EUA)

32′ Aldo Donelli (EUA)

74′ Aldo Donelli (EUA)

75′ Dionisio Mejía (MEX)

87′ Aldo Donelli (EUA)

 

EXPULSÃO:
52′ Antonio Azpiri (MEX)


(Imagem: U.S. Soccer)

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