Três pontos sobre…
… 18/07/1930 – Uruguai 1 x 0 Peru
Estádio Centenário, em vista aérea em 1930. (Imagem: CONMEBOL)
● O Uruguai estava em festa. Estava sediando a primeira Copa do Mundo de Futebol e celebrava o centenário de sua independência. Além do mais, era o bicampeão do futebol dos Jogos Olímpicos. Em 1924, encantou o mundo em Paris, fazendo o público vibrar com seu futebol talentoso; arrasou a Suíça na decisão por 3 a 0. Em 1928, em Amsterdã, enfrentou a arquirrival Argentina na final e só venceu no jogo desempate, por 2 a 1. A “Celeste Olímpica” era a maior potência do mundo entre as décadas de 1920 e 1930 e provava isso em campo.
Agora, para mostrar ao mundo mais ainda sua grandeza, construía o fabuloso e mítico Estádio Centenário, em Montevidéu. Como os preparativos para a competição começaram em cima da hora, o arquiteto Juan Antonio Scasso teve apenas oito meses para construir o estádio, que só ficou pronto cinco dias após o início do torneio (e mesmo após a Copa ainda tinha vários setores inacabados).
Mesmo já tendo cinco dias de jogos disputados, era a cerimônia oficial de abertura da primeira Copa do Mundo. Os festejos começaram às oito da manhã e prosseguiram até a hora do jogo. No centro de Montevidéu, destaque para uma linda salva de 101 tiros disparados pelos soldados da Fortaleza General Artigas. Às 14h30, houve o desfile de todas as delegações pelo gramado. Meia hora depois, o presidente uruguaio, Juan Campisteguy, desceu ao campo junto com o presidente da FIFA, Jules Rimet e deu o pontapé inicial. Aliás, o Mundial de 1930 foi o único em que houve um desfile de abertura com as seleções, pois todos os jogos foram realizados na mesma cidade. Nas demais Copas, por haver várias sedes, o desfile não foi mais viável.
Enquanto a seleção uruguaia já era consagrada, a peruana tinha apenas três anos de história. Havia jogado pela primeira vez em 1927, quando o Campeonato Sul-Americano foi sediado em Lima. Antes do Mundial, haviam disputado seis jogos, com uma vitória (3 x 2 sobre a Bolívia em 1927) e cinco derrotas (nas quais sofreu 21 gols e anotou apenas dois). Em seu primeiro jogo na Copa, o Peru havia perdido para a Romênia por 3 a 1, na partida com o menor número de expectadores na história das Copas: apenas 300 pessoas testemunharam o confronto no estádio Pocitos, quatro dias antes.
Nos anos 1930, todas as equipes atuavam no ofensivo sistema “clássico” ou “pirâmide”, o 2-3-5.
● Apesar de tanta festa, a seleção uruguaia frustrou os 57.735 expectadores presentes. O goleiro peruano Jorge Pardón fez diversas defesas por mais de uma hora, mas não conseguiu segurar o empate.
A “Celeste” conseguiu apenas um gol, muito chorado, aos 15 minutos do segundo tempo. Pedro Cea cruzou para o meio da área e Manco Castro finalizou e anotou o gol do triunfo uruguaio. O goleiro Pardón segurou a bola poucos centímetros depois dela ultrapassar a linha, levando à torcida a comentar que a vitória tinha sido por “meio gol“.
Enquanto a torcida local reclamava da má apresentação de seus jogadores, os peruanos comemoraram a derrota por apenas um gol.
No dia seguinte, a exagerada imprensa uruguaia pediu “mudanças drásticas e urgentes” na seleção, considerada “pesada e envelhecida”. A base era a mesma do primeiro título olímpico, conquistado seis anos antes.
Gol uruguaio retratado pelo site Moviolagol (http://moviolagol.deviantart.com/)
Algumas fontes indicam o gol como marcado por Cea, mas a FIFA confirma o gol de Castro.
● De última hora, o goleiro titular do Uruguai foi Enrique Ballesteros. A posição seria de Andrés Mazzali, mas ele foi o primeiro jogador a ser cortado por indisciplina em uma Copa do Mundo. Ele havia participado das campanhas que trouxeram a medalha de ouro para seu país nas Olimpíadas de 1924 e 1928. Além disso, tinha sido campeão sul-americano de atletismo, na prova dos quatrocentos metros com barreiras, e era um ótimo jogador de basquete, chegando a vencer o torneio uruguaio em 1923 pelo Olimpia. Segundo a lenda, Mazzali estava selecionado para o Mundial, mas uma semana antes do início dos jogos, decidiu “escapar” da concentração uruguaia, que já durava quase dois meses. Ele disse que saiu para visitar a família, mas segundo o indiscreto capitão celeste, José Nasazzi, o goleiro tinha saído para “passar la noche con uma rubia“. Mesmo com toda a fama que tinha, Mazzali foi descartado pelo treinador Alberto Suppici.
No dia seguinte ao jogo, os jornais locais reclamaram que a Federação Uruguaia havia vendido grandes lotes de ingressos para alguns poucos e suspeitos indivíduos, que os revenderam na porta do estádio pelo triplo do preço oficial. Para piorar a situação, um número exagerado de 1,2 milhão de ingressos tinham sido impressos para toda a Copa. Como o público total não chegou nem à metade disso, para cada bilhete vendido havia outro sobrando. Apesar das denúncias de ágio e desvio, o fato se repetiu em todos os jogos do Uruguai (e se repete até hoje mundo afora…). A única coisa que mudou é a forma de chamar esses atravessadores: se em 1930 eram conhecidos como revendedores, hoje são os famosos cambistas.
Para ficar ainda mais difícil, as bilheterias do Estádio Centenário foram assaltadas no dia da inauguração e toda a renda da partida “Uruguai x Peru” foi roubada.
Disputa de bola na área peruana. (Imagem: Pinterest)
● FICHA TÉCNICA: |
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URUGUAI 1 x 0 PERU |
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Data: 18/07/1930 Horário: 15h30 locais Estádio: Centenário Público: 57.735 Cidade: Montevidéu (Uruguai) Árbitro: Jan Langenus (Bélgica) |
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URUGUAI (2-3-5): |
PERU (2-3-5): |
Enrique Ballesteros (G) |
Jorge Pardón (G) |
Domingo Tejera |
Mario de las Casas |
José Nasazzi (C) |
Antonio Maquilón (C) |
José Leandro Andrade |
Plácido Galindo |
Lorenzo Fernández |
Alberto Denegri |
Álvaro Gestido |
Eduardo Astengo |
Santos Urdinarán |
Julio Flores |
Alejandro Villanueva |
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Pedro Petrone |
José María Lavalle |
Pedro Cea |
Demetrio Neyra |
Santos Iriarte |
Luis de Souza Ferreira |
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Técnico: Alberto Suppici |
Técnico: Francisco Bru |
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SUPLENTES: |
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Miguel Capuccini (G) |
Juan Valdivieso (G) |
Ernesto Mascheroni |
Alberto Soria |
Emilio Recoba |
Arturo Fernández Meyzán |
Carlos Riolfo |
Domingo García |
Ángel Melogno |
Juan Alfonso Valle |
Conduelo Píriz |
Julio Gilberto Quintana |
Zoilo Saldombide |
Carlos Cillóniz |
Juan Carlos Calvo |
Jorge Góngora |
Pablo Dorado |
Pablo Pacheco |
Peregrino Anselmo |
Lizardo Rodríguez Nue |
Jorge Sarmiento |
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GOL: 60′ Héctor “Manco” Castro (URU) |
Desfile de abertura. (Imagem: Pinterest)
Imagens diversas do desfile oficial de abertura da Copa do Mundo de 1930:
Imagens diversas sobre a partida:
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