… 09/07/2006 – Itália 1 x 1 França

Três pontos sobre…
… 09/07/2006 – Itália 1 x 1 França


O capitão Fabio Cannavaro levanta a taça da Copa do Mundo (Imagem: UOL)

● A rivalidade entre italianos e franceses estava à flor da pele desde a final da Eurocopa de 2000, disputada entre eles e vencida de virada pela França por 2 x 1. A Itália ganhava por 1 a 0 até o último minuto de partida, quando Sylvain Wiltord empatou. E com um gol de ouro de David Trezeguet aos 13 minutos do primeiro tempo da prorrogação, a França conquistaria seu segundo título na competição (venceu também em 1984).

Vários personagens de 2000 estavam presentes também em 2006. Pelo lado italiano: Fabio Cannavaro, Alessandro Del Piero e Francesco Totti. Do lado francês: Fabien Barthez, Lilian Thuram, Patrick Vieira, Zinedine Zidane, Sylvain Wiltord, Thierry Henry e o herói (que se tornaria vilão em 2006) David Trezeguet. Essa derrota estava ainda fresca na memória dos italianos, que queriam vingança.

A “Squadra Azzurra” se classificou como líder na fase de grupos com sete pontos, vencendo Gana por 2 a 1, empatando com os Estados Unidos em 1 a 1 e vencendo a República Tcheca por 2 a 0. Nas oitavas de final, precisou de um pênalti duvidoso aos 50 minutos do segundo tempo para eliminar a Austrália. Nas quartas de final, passou sem sustos pela Ucrânia, com um convincente 3 a 0. Nas semifinais, um jogaço: após um empate sem gols no tempo normal, a Itália marcou dois gols no tempo extra, sendo um aos 14 minutos do segundo tempo da prorrogação e o segundo dois minutos depois.

O capitão francês Zinedine Zidane chegou à Copa do Mundo de 2006 declarando que encerraria sua gloriosa carreira após a competição. Na primeira fase, sua seleção foi apenas a segunda colocada do Grupo G com cinco pontos. Sem vencer nos dois primeiros jogos, a França empatou com a Suíça por 0 a 0 e com a Coreia do Sul por 1 a 1. Zizou levou dois cartões amarelos e não jogou na última rodada, quando a França bateu a fraquíssima seleção de Togo por 2 a 0. Daí para frente, viria o show de Zinedine, que liderou os “Bleus” em vitórias sobre a Espanha (3 x 1) nas oitavas, Brasil (1 x 0) nas quartas e Portugal (1 x 0) na semifinal.

As duas equipes chegaram à final atuando de forma semelhante: apostando as fichas em uma defesa forte e bem postada, um meio campo recheado e apenas um atacante de ofício. Previsão de que seria um duelo duríssimo, como de fato foi.


A Itália era composta no 4-4-1-1, se defendendo com duas linhas de quatro.


A França jogava no 4-2-3-1 armado pelo polêmico treinador Raymond Domeneh, um homem de estranhas convicções, como a de não convocar jogadores nascidos sob o signo de escorpião.

● Logo aos cinco minutos de jogo, Malouda caiu dentro da área italiana em disputa com Materazzi e o árbitro argentino Horacio Elizondo marcou um pênalti muito controverso. Zidane cobrou com uma cavadinha bem forte e a bola tocou o travessão, pingou dentro do gol, tocou no travessão de novo e voltou para o campo. 1 a 0 para a França.

Até então, a Itália não tinha saído em desvantagem em nenhuma partida do Mundial. Mas aos poucos, a “Azzurra” se reorganizou a passou a mostrar sua principal arma: as cobranças de escanteio. Cada bola erguida pelo maestro Andrea Pirlo era um “Deus nos acuda”.

Aos 19 minutos da etapa inicial, em um desses tiros de canto, Materazzi (1,93 m) ganhou no alto de Vieira (1,94 m) e fuzilou de cabeça, empatando o duelo. Foi a terceira assistência de Pirlo na Copa do Mundo, líder dessa estatística na competição.

Materazzi teria outra oportunidade pouco depois, salva embaixo do gol por Thuram. Em outra chance, Luca Toni cabeceou e acertou o travessão.

Mas na segunda etapa, inexplicavelmente, os italianos abandonaram o artifício da bola alta na área. Os franceses passaram a controlar o jogo, mas tinham muitas dificuldades de entrar na área adversária e finalizar. O capitão e comandante da defesa, Fabio Cannavaro, fez 35 desarmes e não errou passes na final. Materazzi também fechou bem o seu lado. Os laterais, priorizaram a marcação. Os volantes Pirlo e Gattuso marcavam bem a entrada da área. E o goleiro Buffon pegava as raras bolas que escapavam dos seus defensores.

No ataque, a “Azzurra” teve apenas duas chances. Em uma delas, Luca Toni chegou a marcar um gol de cabeça após uma falta cobrada por Pirlo, mas o árbitro assinalou impedimento de Iaquinta, que corria no lance. Depois, o próprio Pirlo quase fez um gol, de falta.

Bem montados do ponto de vista defensivo, os dois times impediam os ataques adversários de jogar e conseguiram transformar uma final de Copa do Mundo em um jogo sem emoção. E como o placar não foi mais alterado, o jogo foi para a prorrogação. A França continuou mandando no jogo e só não empatou porque Buffon fez um milagre em uma cabeçada à queima roupa de Zidane.

Porém, aos quatro minutos do segundo tempo da prorrogação, Zidane caiu em uma provocação de Materazzi e foi expulso (detalharemos a situação mais abaixo). Sem ele, a França passou a se defender, achando que seria mais vantagem arrastar o jogo para que ele fosse desempatado pelos tiros livres diretos da marca do pênalti. Os italianos estavam esgotados fisicamente pela tensa prorrogação contra os alemães e também gostavam da ideia de decidir nas penalidades máximas.

E assim se sucedeu. Com Zidane em campo, a França teria mais um cobrador de excelente qualidade. Sem ele, Treguet acabou sendo escalado para bater.

Pirlo e Wiltord acertaram suas cobranças: 1 x 1.

Na segunda batida, Materazzi acertou o seu. Trezeguet mandou uma pancada na trave.

Vantagem italiana, que se seguiria até o fim, com as conversões de De Rossi, Abidal, Del Piero e Sagnol.

A última cobrança cabia ao lateral esquerdo Fabio Grosso. Ele, que havia feito o primeiro gol sobre a Alemanha na semifinal, na prorrogação. Fabio Grosso converteu e deu o quarto título mundial à Itália.

A Itália vencia, finalmente, seu drama (que parecia eterno) em decisões por pênaltis. O histórico era péssimo. Em 1990, jogando em casa, perdeu nas semifinais para a Argentina o goleiro Sergio Goycoechea, o “Tapa Penales“. Em 1994, caiu na final contra o Brasil, com um último pênalti perdido pelo genial Roberto Baggio. Em 1998, os próprios franceses foram os algozes, eliminando a Itália nas quartas de final. Até então, os italianos nunca haviam vencido uma decisão por pênaltis em Copas do Mundo. Agora, era tetracampeã justamente nos pênaltis!


Azzurra campeã do mundo em 2006. (Imagem: mCalcio)

● Em uma competição que consagrou a marcação, os volantes e os sistema 4-5-1, o zagueiro e capitão italiano Fabio Cannavaro foi o grande destaque. No fim do ano, ele foi eleito o “Bola de Ouro” pela revista France Football e o melhor jogador do mundo pela FIFA.

Curiosamente, o atacante reserva italiano, Alberto Gilardino, nasceu em 05/07/1982, poucos minutos depois que a Itália eliminou o Brasil na Copa do Mundo daquele ano.

O argentino Horacio Elizondo tornou-se o primeiro árbitro que apitou a partida inaugural e a final de uma mesma Copa do Mundo. Ele ainda bateu outro recorde nessa Copa: junto com o mexicano Benito Archundia tornou-se o primeiro a apitar cinco jogos em um mesmo Mundial.

Inegavelmente, Zidane e Materazzi foram os protagonistas desse jogo. Materazzi fez o pênalti em Malouda, fez o gol de empate, teve chances de virar a partida, provocou a expulsão de Zizou e ainda converteu seu pênalti na decisão.

Por sua vez, Zidane estava sempre “usando a cabeça” em finais de Copa do Mundo. Em 1998, contra o Brasil, anotou os dois primeiros gols de cabeça. Agora, em 2006, primeiro ele usou sua genialidade para converter o pênalti no tempo normal, de cavadinha, em cima de Buffon. Depois, quase marcou o gol em uma cabeçada à queima roupa, bem defendida pelo goleiro italiano. Por último, perdeu a cabeça, agredindo Materazzi.


Os últimos segundos de Zidane como jogador profissional. (Imagem: UOL)

● A expulsão de Zidane gerou mais repercussão mundial do que o tetracampeonato italiano. Aos quatro minutos do segundo tempo da prorrogação, Zidane e Materazzi caminhavam em direção ao campo de defesa da França, quando o craque francês estranhamente virou-se para o zagueiro, caminhou três passos e desferiu-lhe uma violenta cabeçada no meio do peito. Materazzi caiu e o trio de arbitragem não viu. Supostamente, o quarto árbitro viu o lance e alertou o árbitro argentino.

É mais provável que alguém fora do gramado, assistindo à jogada pela televisão, tenha denunciado a agressão. Dias depois da final, a FIFA admitiu que havia um quinto membro da comissão de arbitragem postado para rever os lances por um monitor de TV. Esse quinto elemento não estaria autorizado, de acordo com a FIFA, a informar o trio de arbitragem sobre seus supostos equívocos, especialmente no caso de levá-los a tomar uma decisão pelo que não viram e que apenas o olhar eletrônico foi capaz de notar. O fato é que Zidane recebeu o cartão vermelho segundos depois e até hoje não se tem certeza sobre quem foi o autor da denúncia contra o francês.

No dia seguinte à final, todos queriam saber quais palavras Materazzi teria dito para tirar o francês do sério. A FIFA até apurou o caso. Os dois protagonistas confirmaram tratar-se de palavras de baixo calão referentes à família de Zizou. A entidade, então, aplicou multas e suspensões ao francês (não cumprida, já que ele encerrara a carreira) e ao italiano.

A agressão não foi gratuita: segundo a leitura labial realizada na época, o defensor teria chamado a irmã de Zizou, Lila Zidane, de prostituta por duas vezes.

Zidane nunca confirmou e nem desmentiu: “Eram coisas muito pessoais, que envolviam minha mãe e minha irmã”.

Materazzi, no entanto, defendeu-se anos depois, quando contou sua versão da história: “Segurei a camisa dele e ele me olhou com arrogância e disse: ‘Se você quiser a minha camisa, eu te dou depois do jogo’. Eu respondi que preferia a irmã dele”.

Em setembro de 2012, a cena seria imortalizada com uma estátua de cinco metros localizada em frente ao museu de arte moderna no Centre Pompidou, na cidade de Paris. Com o nome de “Coup de tête” (em português, “cabeçada”), a obra do artista argelino Adel Abdessemed foi comprada pelo Museu do Catar em 2013, mas pouco depois teve de ser retirada do calçadão em que estava por razões religiosas.

Na última e melancólica partida de sua carreira, Zidane entrava nos livros de história por quatro feitos marcantes. Com o gol de pênalti, se tornava o quarto jogador a fazer gols em duas finais de Copa do Mundo diferentes (os outros eram Pelé, Vavá e o alemão Paul Breitner). Também se igualou como o maior artilheiro de finais de Copas, com três gols, ao lado de Pelé, Vavá e do inglês Geoff Hurst. O cartão vermelho o transformou em um dos jogadores mais punidos com cartões na história dos Mundiais (em 12 jogos, levou quatro cartões amarelos e dois vermelhos). Finalmente, ele se tornou o quarto homem em todos os tempos a ser expulso de uma decisão de Copa do Mundo (os outros foram os argentinos Pedro Monzón e Gustavo Dezotti, em 1990, e o francês Marcel Desailly, em 1998).

A expulsão foi muito infantil, mas não manchou a carreira do astro. Sua última cena nos gramados foram os melancólicos passos rumo ao vestiário, antes do fim da prorrogação. Mas devido às grandes partidas que fez nas fases de mata-mata, o francês foi eleito o melhor jogador da Copa do Mundo de 2006.


Cumprimentos iniciais entre os capitães Cannavaro e Zidane (Imagem: Alamy)

FICHA TÉCNICA:

 

ITÁLIA 1 x 1 FRANÇA

 

Data: 09/07/2006

Horário: 20h00 locais

Estádio: Olímpico

Público: 69.000

Cidade: Berlim (Alemanha)

Árbitro: Horacio Elizondo (Argentina)

 

ITÁLIA (4-4-1-1):

FRANÇA (4-2-3-1):

1  Gianluigi Buffon (G)

16 Fabien Barthez (G)

19 Gianluca Zambrotta

19 Willy Sagnol

5  Fabio Cannavaro (C)

15 Lilian Thuram

23 Marco Materazzi

5  William Gallas

3  Fabio Grosso

3  Éric Abidal

8  Gennaro Gattuso

6  Claude Makélélé

21 Andrea Pirlo

4  Patrick Vieira

20 Simone Perrotta

22 Franck Ribéry

16 Mauro Camoranes

10 Zinedine Zidane (C)

10 Francesco Totti

7  Florent Malouda

9  Luca Toni

12 Thierry Henry

 

Técnico: Marcello Lippi

Técnico: Raymond Domenech

 

SUPLENTES:

 

 

12 Angelo Peruzzi (G)

23 Grégory Coupet (G)

14 Marco Amelia (G)

1  Mickaël Landreau (G)

2  Cristian Zaccardo

2  Jean-Alain Boumsong

6  Andrea Barzagli

17 Gaël Givet

13 Alessandro Nesta

13 Mikaël Silvestre

22 Massimo Oddo

21 Pascal Chimbonda

4  Daniele De Rossi

18 Alou Diarra

17 Simone Barone

8  Vikash Dhorasoo

7  Alessandro Del Piero

9  Sidney Govou

15 Vincenzo Iaquinta

11 Sylvain Wiltord

11 Alberto Gilardino

14 Louis Saha

18 Filippo Inzaghi

20 David Trezeguet

 

GOLS:

7′ Zinedine Zidane (FRA) (pen)

19′ Marco Materazzi (ITA)

 

CARTÕES AMARELOS:

5′ Gianluca Zambrotta (ITA)

12′ Willy Sagnol (FRA)

76′ Claude Makélélé (FRA)

111′ Florent Malouda (FRA)

 

CARTÃO VERMELHO: 110′ Zinedine Zidane (FRA)

 

SUBSTITUIÇÕES:

56′ Patrick Vieira (FRA) ↓

Alou Diarra (FRA) ↑

 

61′ Simone Perrotta (ITA) ↓

Daniele De Rossi (ITA) ↑

 

61′ Francesco Totti (ITA) ↓

Vincenzo Iaquinta (ITA) ↑

 

86′ Mauro Camoranesi (ITA) ↓

Alessandro Del Piero (ITA) ↑

 

100′ Franck Ribéry (FRA) ↓

David Trezeguet (FRA) ↑

 

INTERVALO DA PRORROGAÇÃO Thierry Henry (FRA) ↓

Sylvain Wiltord (FRA) ↑

 

DECISÃO POR PÊNALTIS:

ITÁLIA 5

FRANÇA 3

Andrea Pirlo (gol, alto no meio do gol; Barthez cai à direita)

Sylvain Wiltord (gol, à esquerda deslocando Buffon)

Marco Materazzi (gol, forte à esquerda)

David Trezeguet (perdeu, no travessão)

Daniele De Rossi (gol, no ângulo direito)

Éric Abidal (gol, à direita deslocando Gianluigi Buffon)

Alessandro Del Piero (gol, à direita; Barthez pula para o outro lado)

Willy Sagnol (gol, à esquerda; Buffon erra o canto)

Fabio Grosso (gol, no ângulo esquerdo)

 

Reportagens iniciais pré-jogo e melhores momentos da partida:

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